Capa da publicação Lei nº 15.139/2025: dignidade e cuidado no luto materno
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Lei nº 15.139/2025: dignidade e cuidado no luto materno

12/08/2025 às 19:21

Resumo:


  • A Lei 15.139, de 2025, representa um avanço histórico no reconhecimento e humanização do luto materno e parental no Brasil.

  • A norma institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, estabelecendo diretrizes obrigatórias para o atendimento de mulheres e famílias que vivenciam perdas gestacionais.

  • Entre as medidas da nova política estão leitos separados e ambientes de acolhimento, atendimento psicológico especializado, investigação das causas da perda gestacional e apoio integral em futuras gestações.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A promulgação da Lei 15.139, de 20251, representa um avanço histórico no reconhecimento e na humanização do luto materno e parental no ordenamento jurídico brasileiro, consolidando políticas públicas voltadas à saúde da mulher, ao cuidado perinatal e, principalmente, ao reconhecimento do luto gestacional, natimorto e neonatal como experiências legítimas de sofrimento e vulnerabilidade.

Sancionada no mês de julho e com entrada em vigor prevista para agosto, a norma institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, estabelecendo diretrizes obrigatórias para o atendimento de mulheres e famílias que vivenciam perdas ainda pouco reconhecidas pelo sistema de saúde, tanto público quanto privado.

Historicamente, a dor da perda gestacional, do natimorto ou da morte neonatal foi marginalizada pelo sistema de saúde. Mulheres que sofriam tais perdas eram, frequentemente, colocadas nos mesmos ambientes que mães em puerpério saudável, ou seja, em contato direto com recém-nascidos e celebrações maternas, o que, além de impróprio, agrava o sofrimento psíquico da perda.

O cenário descrito configura não apenas uma falha ética no acolhimento, mas uma violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), especialmente em sua dimensão de respeito à dor e à singularidade do sofrimento.

A lei se insere em um contexto de evolução das políticas públicas voltadas à saúde da mulher, materializando diretrizes já previstas no Sistema Único de Saúde (SUS) e normas infraconstitucionais, como a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990)2 e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher3.

Ao reconhecer o luto perinatal como legítimo, a norma promove um salto qualitativo na forma como o Estado deve agir diante da dor dessas mães, garantindo não apenas o cuidado físico, mas também o acolhimento psicológico e emocional, conforme as boas práticas internacionais de saúde humanizada.


Medidas práticas da nova política

A nova legislação visa enfrentar esse quadro por meio de ações estruturadas. Dentre os principais pontos da norma, destacam-se:

  • Leitos separados e ambientes de acolhimento: Hospitais e maternidades, públicos ou privados, deverão dispor de espaços exclusivos para mães que enfrentam perdas gestacionais ou neonatais. Trata-se de uma medida de respeito à intimidade, ao luto e à saúde mental dessas pacientes.

  • Atendimento psicológico especializado e contínuo: A norma determina a presença de profissionais capacitados para oferecer apoio psicológico desde o momento da perda até o acompanhamento posterior, considerando o impacto a longo prazo do luto perinatal.

  • Investigação das causas da perda gestacional: Garante-se o direito à informação e à realização de exames diagnósticos, promovendo não apenas o esclarecimento clínico, mas também a prevenção de perdas futuras.

  • Apoio integral em futuras gestações: Mulheres que sofreram perdas têm direito ao acompanhamento psicológico e médico humanizado em gestações subsequentes, prevenindo situações de estresse traumático recorrente.

  • Capacitação da equipe de saúde para acolhimento sensível: Um dos pilares da norma é a formação ética e emocional das equipes, promovendo práticas humanizadas e livres de estigmas.

  • Reconhecimento do luto perinatal como legítimo: Um avanço simbólico e jurídico essencial. O Estado reconhece, formalmente, que a perda de um filho antes ou logo após o nascimento constitui luto legítimo, merecendo respaldo institucional.

Com essas diretrizes, o cuidado à mulher em situação de perda passa a refletir um compromisso real com a ética, a dignidade e os direitos reprodutivos.

A Lei 15.139/2025 encontra respaldo direto na Constituição Federal, especialmente nos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e no direito à saúde como direito social (art. 6º)4, além de se alinhar ao mandamento do art. 1965, que estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado, a ser garantida por meio de políticas públicas que visem à redução do risco de doença e à promoção do bem-estar. Ao prever ações específicas de acolhimento, a nova norma também concretiza o direito à informação, à privacidade e ao respeito — todos componentes fundamentais da proteção integral à pessoa em situação de vulnerabilidade.

Ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990)6 trate prioritariamente de crianças e adolescentes nascidos vivos, seus princípios, como a prioridade absoluta à vida e à saúde e a proteção à maternidade, também dialogam com o conteúdo da nova lei, especialmente ao considerar a importância do cuidado com a mulher e a família em situações de perda gestacional ou neonatal. Soma-se a isso a Lei 13.239/20157, que garante apoio psicológico no puerpério, servindo como legislação complementar na construção de um arcabouço normativo mais sensível às necessidades das mulheres no ciclo gravídico-puerperal.

Nesse contexto, a política instituída pela Lei 15.139/2025 não apenas amplia o alcance do direito à saúde, mas também promove uma abordagem mais humana e constitucionalmente orientada, que reconhece a dimensão psíquica da saúde como tão relevante quanto a biológica. O reconhecimento do luto perinatal como legítimo fortalece, ainda, os fundamentos éticos do Estado Democrático de Direito, ao assegurar proteção legal a experiências historicamente silenciadas e ao promover equidade no cuidado prestado às mulheres e famílias em seus momentos de maior fragilidade.

Diversos estudos científicos apontam que a vivência do luto gestacional e neonatal pode gerar impactos psíquicos profundos, como transtorno de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade. A ausência de protocolos claros e estruturas adequadas para o acolhimento dessas mulheres agrava esse sofrimento, tornando a humanização do cuidado uma urgência bioética.

Nesse sentido, a nova lei atende às diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda que todas as perdas gestacionais sejam reconhecidas como eventos significativos, e que os sistemas de saúde promovam suporte contínuo às pacientes afetadas.

O reconhecimento do luto perinatal como legítimo também possui implicações jurídicas relevantes. A legislação cria espaço para a responsabilização por falhas no acolhimento médico-hospitalar, assim como reforça a importância da atuação dos órgãos de controle, como o Ministério Público, no monitoramento da implementação das medidas previstas.

Além disso, ao legislar sobre dor, dignidade e acolhimento, o Estado brasileiro contribui para o enfrentamento da invisibilidade social do luto materno, fortalecendo a atuação dos movimentos sociais, associações de apoio e redes de atenção à saúde da mulher.

No plano prático, a implementação da nova política exigirá investimentos em infraestrutura hospitalar, capacitação de equipes e revisão de protocolos clínicos e administrativos. Juridicamente, cria-se uma nova frente de responsabilização por omissão ou negligência no cuidado ao luto materno, podendo gerar demandas judiciais com base na violação do dever de cuidado, dano psíquico e sofrimento evitável.

A lei ainda poderá ensejar o debate sobre licença maternidade em casos de perda gestacional ou neonatal, bem como sobre os direitos do(a) parceiro(a) ou companheiro(a), ampliando a rede de apoio institucional à parentalidade enlutada.

A Lei 15.139/2025 é um divisor de águas na relação entre o Estado, a maternidade e a dor. Ao reconhecer juridicamente a legitimidade do luto materno e parental, e ao estabelecer medidas concretas para humanizar o cuidado, o legislador brasileiro reafirma o compromisso com uma saúde pública ética, sensível e humanizada.

Mais que uma norma legal, trata-se de um instrumento de justiça reprodutiva, igualdade de gênero e proteção emocional. Afinal, reconhecer o luto como legítimo é também reconhecer a vida que, mesmo breve, existiu e deixou marcas profundas.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 jul. 2025.

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BRASIL. Lei nº 15.139, de 2025. Institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, jul. 2025. (Publicação oficial aguardada para referência completa.)

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 25 jul. 2025.

BRASIL. Lei nº 13.239, de 30 de dezembro de 2015. Dispõe sobre a oferta de atendimento psicológico à mulher, no âmbito do Sistema Único de Saúde, durante o período do pré-natal e do puerpério. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 31 dez. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13239.htm. Acesso em: 25 jul. 2025.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres – PNAISM. In: Saúde da Mulher. Brasília, DF: Ministério da Saúde, [20--?] Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-mulher/pnaism. Acesso em: 26 jul. 2025.


Notas

1 Institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental e altera a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), para dispor sobre o registro de criança nascida morta.

2 Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

3 A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres - PNAISM é um conjunto de diretrizes e objetivos que busca oferecer cuidados completos para a saúde das mulheres, promovendo a autonomia delas.

4 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

5 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

6 Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

7 Dispõe sobre a oferta e a realização, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, de cirurgia plástica reparadora de sequelas de lesões causadas por atos de violência contra a mulher.

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Sobre o autor
Marcos Roberto Hasse

Proprietário da Hasse Advocacia e Consultoria, se envolve diretamente em todas as áreas do escritório. Iniciou sua paixão pela área jurídica na Faculdade de Direito de Curitiba - PR, tendo cursado seu último ano de Graduação na FURB - Universidade Regional de Blumenau - SC (1995). Pós-graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela UNIVILLE - Universidade da Região de Joinville - SC (200). Operou como professor na UNERJ - atual Centro Universitário Católica de Santa Catarina. Possui mais de 25 anos de experiência nas matérias de Direito Bancário, Direito Civil, Tributário, Previdenciário, Trabalhista e Ambiental.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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