Ninguém pode ser punido por pensar

14/08/2025 às 15:08
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Ninguém pode ser punido apenas por pensamentos. O autor defende que a intenção ou o planejamento frustrado de golpe de Estado não é crime.

Há um princípio universal de direito penal que vem desde os tempos dos romanos, figurando em todas as legislações penais, inclusive em nosso Código Penal.

A expressão "Cogitationis poenam nemo patitur" significa que ninguém pode ser punido apenas por pensamentos ou intenções. Por este princípio jurídico, originado do Digesto de Justiniano, somente ações externas, que causam danos a bens jurídicos protegidos, podem ser consideradas crimes. Planejar ou pensar em matar alguém, dirigir-se a um Banco com intenção de assaltá-lo ou pensar em queimar a casa de um desafeto, não constituem crime se a ação não chegou a ser iniciada. Portanto, a mera ideia de cometer um crime não é suficiente para a punição legal.

Para que se caracterize a TENTATIVA é preciso que a ação seja materialmente iniciada, colocando em perigo o bem jurídico protegido pela norma penal - vida, patrimônio, segurança pública – e que o crime não se consume por circunstância alheia à vontade do agente.

E precisão que o MEIO empregado seja eficaz, ou seja, capaz de produzir o resultado e que o objeto seja possível. Tentar dar um tiro com um revólver sem balas, dar um tiro ignorando que a vítima está morta ou colocar açúcar para tentar envenenar alguém, são tentativas impuníveis (art. 17. do Código Penal (CP).

Da mesma forma, não se punem atos meramente preparatórios que se distinguem de atos executórios, conforme art. 31. do CP.

Há alguns casos em que o legislador pune a tentativa como se crime consumado fosse, como os introduzidos em nosso Código Penal pela Lei nº 14.197/2021:

Art. 359-L . Tentar , com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Art. 359-M . Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.

Pela doutrina clássica, há de se considerar que a tentativa torna-se punível quando o agente superar a fase de planejamento e iniciar a fase executória, ou seja, a tentativa será punível no momento em que colocar materialmente em perigo o bem jurídico protegido pela norma penal.

Se a execução não chega sequer a ser iniciada ou a consumação do crime não foi impedida por circunstâncias alheias à vontade do agente, não há que se falar em crime tentado. A regra está no art. 14, do CP:

Art. 14. - Diz-se o crime:

I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Há que se considerar, ainda, a DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA e o ARREPENDIMENTO EFICAZ, previstos no art. 15, do CP:

Art. 15. - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

Se o agente, mesmo tendo iniciado a execução do crime, DESISTE, por vontade própria, de prosseguir com a conduta, só responderá pelo atos já praticados. Por exemplo, dá um tiro, acertando o ombro da vítima e, mesmo tendo mais cartuchos, desiste de matá-la. Neste caso responderá apenas pelas lesões causadas, não por tentativa de homicídio.

Da mesma forma se, após atirar, socorre a vítima, levando-a ao hospital para ser socorrida, evitando que morra.

Tais princípios básicos de Direito penal, que por tantos anos ensinei a meus alunos, na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul e na Faculdade de Direito, da UNISC, merecem ser rememorados no momento em que se julga um ex-presidente e vários auxiliares por acusações graves.

Foram denunciados por tentar abolir o Estado Democrático de Direito e tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, inobstante a transmissão do cargo aos novos eleitos tenha ocorrido na data e forma legais. Com a devida venia a entendimentos contrários, pensamentos, intenções ou frustrados planejamentos não entram na esfera do direito penal.

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Sobre o autor
Moacir Leopoldo Haeser

Advogado e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ex-professor da Faculdade de Direito de Santa Cruz do Sul (UNISC) e da Escola Superior da Magistratura – AJURIS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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