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Reforma administrativa e a desestabilização do Estado

15/08/2025 às 16:48

Resumo:


  • A estabilidade dos servidores públicos é uma característica fundamental para a preservação das instituições estatais, protegendo-as de abusos de poder econômico e político.

  • A estabilidade não deve ser vista como um privilégio pessoal, mas sim como um mecanismo que garante a excelência na prestação de serviços à sociedade, evitando comprometimentos pela influência política e clientelista.

  • Experimentos como o de Stanley Milgram evidenciam até que ponto indivíduos podem se submeter a ordens de autoridade, destacando a importância de instrumentos jurídicos, como a estabilidade, para conter abusos e desmandos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A estabilidade do servidor público protege o Estado de abusos políticos e econômicos. Sem ela, o serviço público se torna vulnerável a projetos privados.

Resumo: Com o avanço da reforma administrativa no Congresso, uma das principais características do serviço público — a estabilidade de seus servidores — tem sido amplamente debatida. Tida por alguns setores da sociedade como um privilégio que não deveria existir, busca-se demonstrar, neste trabalho, que a estabilidade dos servidores públicos, a despeito do que afirmam seus detratores, não pode ser confundida com privilégio sob nenhum prisma. Trata-se de condição estruturante das instituições que compõem a administração estatal, protegendo-as de abusos de poderes econômicos e, principalmente, políticos, de modo que o fim da estabilidade interessa apenas ao atendimento de projetos privados e, portanto, divorciados do interesse público.

Palavras-chave: Abuso; Corrupção; Estabilidade; Experimento; Ilegalidade; Serviço Público.


INTRODUÇÃO

Não é de hoje que os servidores públicos, em geral, são encarados por muitos setores da sociedade como detentores de privilégios que, na visão destes, não têm razão de existir. Um desses supostos privilégios é a estabilidade de que dispõem alguns servidores, ou seja, a manutenção em seus cargos públicos, dos quais só podem ser destituídos mediante processos administrativos legalmente estabelecidos, que assegurem o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Essa diferença entre os servidores públicos que gozam de estabilidade prevista em lei e a maioria dos trabalhadores faz com que sejam vistos como uma espécie de casta de privilegiados. Contudo, tal impressão não poderia estar mais distante da realidade.

Para se chegar ao cerne do tema abordado neste trabalho — a estabilidade — é preciso ter em mente que Governo e Estado não se confundem. Enquanto o primeiro é transitório, renovando-se periodicamente por meio de eleições, o segundo permanece inalterado, independentemente das sucessivas trocas de governos.

Essa característica estruturante, que sustenta e dá forma ao Estado, só é possível graças aos diversos órgãos e instituições que o compõem, solidamente dirigidos e atendidos por servidores de carreira que, com o passar dos anos e em virtude da estabilidade de seus cargos, aprendem o funcionamento da máquina estatal, dominam as leis que a regem e tornam-se capazes de mantê-la operante mesmo em períodos turbulentos e de crises agudas.

Dito isso, o presente estudo busca esclarecer a finalidade última da estabilidade de certos servidores públicos. Não se pretende, aqui, debruçar-se sobre o conjunto de normas legais que regem servidores desta ou daquela atividade típica do Estado, pois o objetivo é desvelar a essência e a finalidade do instituto, que repousa na conservação e na retidão das instituições estatais.

Também se analisará como um experimento realizado nos anos 1960 demonstra que a complexidade e certas nuances da psique humana contribuem para que a estabilidade dos servidores públicos continue sendo necessária, constituindo-se pilar de proteção contra abusos que poderiam corroer as instituições de dentro para fora, em prejuízo patente à sociedade.


REFORMANDO OU DEFORMANDO?

Servidores públicos lidam diariamente com conflitos de interesses. Como representantes do Estado, precisam aplicar o que as leis determinam de forma imparcial e equânime, sendo-lhes vedado agir ao sabor de inclinações pessoais ou de modo a favorecer terceiros. Atuando em órgãos fiscalizadores, reguladores, policiais e até mesmo no Judiciário, não causa espanto que, volta e meia, esses profissionais — muitas vezes rotulados como privilegiados — recebam ordens ou propostas que, sendo bastante eufemístico, poder-se-iam qualificar como pitorescas.

Em situações assim, é natural supor que um “não” firme e categórico seja suficiente para que o pleito irregular seja rechaçado e que o interessado simplesmente se conforme com a lei, afinal, todos estamos sujeitos a ela.

De fato, um “não” categórico resolve a questão na maioria dos casos, mas sempre haverá uma pequena parcela de indivíduos ou grupos que se consideram acima da lei — aqueles que a veem não como algo a ser cumprido, mas como um obstáculo a ser contornado a qualquer custo, para alcançar objetivos escusos.

Ocorre que, tratando-se de órgãos públicos, cujos executores das atividades e guardiões são seus servidores, o bem lesado pelo eventual acatamento de um pedido ou ordem ilegal seria a própria sociedade. Não se está, portanto, diante de uma concessão ou cortesia que o particular pudesse oferecer por mera liberalidade, assumindo sozinho o ônus, sem qualquer prejuízo ao erário. Ao contrário: sendo dever do servidor prestigiar a sociedade e a lei, impõe-se que se oponha com veemência a pedidos ou ordens dessa natureza.

Surge, então, a questão: como fazê-lo sem ser prejudicado, perseguido ou mesmo ameaçado de algum modo pelos interessados? Imagine-se se um servidor de um órgão ambiental, por exemplo, pudesse ser sumariamente demitido por negar a concessão de uma licença de exploração notoriamente irregular a uma pessoa economicamente influente, sobretudo no meio político. Seria um completo caos na administração do Estado e um desmando absoluto em seus órgãos, não é mesmo?

Eis, portanto, em que consiste o instituto da estabilidade: é ele que confere força ao posicionamento do servidor, o qual pode e deve, sem vacilação ou receio de represálias, impor a lei em detrimento de interesses escusos que comprometam as instituições de Estado. Assim, apenas com o que foi exposto até aqui, evidencia-se que suprimir a estabilidade, a pretexto de modernizar o serviço público, configura falácia que pode ocultar interesses pouco republicanos, por assim dizer.

Assim sendo, a estabilidade — embora constitua um atrativo das carreiras do setor público — não guarda, em sua essência, o intuito de conceder privilégios pessoais aos servidores, mas de proteger o Estado e a sociedade de indivíduos ou grupos que buscam se locupletar por meio de favorecimentos ilícitos, senão vejamos:

O preceito da estabilidade do servidor público, segundo destacam alguns estudiosos, não pode ser interpretado como um privilégio que confere ao mesmo a vitaliciedade no cargo ou função desempenhada. A estabilidade deve ser analisada como um instrumento garantidor da excelência da prestação de serviços à sociedade, evitando que a administração pública possa ficar comprometida pelo uso político de suas atividades, refletindo interesses clientelistas e paroquiais, gerando a descontinuidade, arbitrariedade técnica, bem como perda da memória técnica da administração (MACHADO; UMBELINO, pág. 9, 2001).

Nesta esteira, convém desconstruir outro mito que permeia o imaginário brasileiro acerca do tema em análise: o de que a estabilidade dos servidores públicos é um hábito colonialista e arcaico, típico de países emergentes. Em parte, essa impressão é alimentada pelo capitalismo pronunciado em países como os Estados Unidos, nos quais o empreendedorismo e a iniciativa privada são sistematicamente incentivados — com aporte financeiro e proteção estatais, embora nem sempre de forma ostensiva — inclusive no plano cultural.

À distância, tende-se a imaginar que a maior economia do mundo não seja afeita à estabilidade dos servidores de órgãos públicos. Essa percepção, contudo, não condiz com a realidade. Seguindo recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além dos Estados Unidos, outros países desenvolvidos, como Alemanha, Bélgica e Canadá, adotam a estabilidade no serviço público como forma de prestigiar o bom funcionamento da administração estatal.


O USO DO PODER É LÍCITO; O ABUSO, SEMPRE ILÍCITO

O filósofo e escritor francês Voltaire (1694–1778), cujas ideias e obras foram detidamente analisadas pelo também filósofo e historiador estadunidense Will Durant (1885–1981) em sua obra História da Filosofia — de onde o fragmento abaixo foi extraído —, admirava os ingleses por sua administração pública moderna e por costumes mais avançados em relação aos de seu país natal. Admirava, especialmente, o arcabouço legal inglês, que libertava seus cidadãos de qualquer tipo de servidão que não fosse à lei:

Não podem todos os cidadãos ser igualmente poderosos, mas podem todos ser igualmente livres: foi o que o inglês conseguiu... Ser livre é não se sujeitar a coisa alguma, salvo ás leis (DURANT, pág. 247, 1942).

Pois bem, o tópico que abordaremos agora — bem como o que ele nos revela — deixaria Voltaire um tanto quanto decepcionado. Os ordenamentos jurídicos, em grande parte, são construídos como mecanismos destinados a impor regras ou a limitar impulsos da natureza humana. Entretanto, uma coisa é editar leis e registrar suas frias letras no papel; outra, bem diferente, é dar-lhes vida na prática, pois é nesse momento que atuam nossa biologia e nossos instintos, por assim dizer.

Nesse sentido, e sendo o serviço público regido pelo Direito Administrativo, convém que nos orientemos por um dos nomes de maior relevância:

Não é a chancela da autoridade que valida o ato e o torna respeitável e obrigatório. É a legalidade a pedra de toque de todo ato administrativo. Ora, se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, claro está que todo ato do Poder Público deve trazer consigo a demonstração de sua base legal. Assim como todo cidadão, para ser acolhido na sociedade, há de provar sua identidade, o ato administrativo, para ser bem recebido pelos cidadãos, deve patentear sua legalidade, vale dizer, sua identidade com a lei (MEIRELLES, pág. 175–176, 1998).

O fragmento acima foi extraído da obra Direito Administrativo Brasileiro, do saudoso jurista, advogado e magistrado Hely Lopes Meirelles (1917–1990), que também inspirou o título deste capítulo. Percebe-se, claramente, que sua visão acerca da relação entre os cidadãos e o Estado — materializada por meio da Administração Pública — faz coro ao que Voltaire entendia como a melhor forma de conduzir tal vínculo, ou seja, eliminando-se os clientelismos e as querências pessoais, de modo que a relação se estabeleça de acordo com os ditames da lei.

Quando falamos em obediência a regras, sejam elas positivadas ou meras convenções sociais, torna-se conveniente analisar como, em certa medida, a estabilidade dos servidores públicos — cerne deste trabalho — se relaciona com nossa tendência natural de obedecer a figuras de autoridade, ou com aparência de autoridade, ainda que isso contrarie a lei, a moralidade ou os costumes.

Para tanto, examinaremos como as doutrinas nazistas se entrelaçaram com a máquina pública do Estado alemão a partir de 1933, removendo seu caráter técnico, até então guiado por leis e normas, e substituindo-o por diretrizes ideológicas. A profunda reforma na administração pública promovida pelo regime nazista impunha obediência absoluta às suas políticas de segregação racial, que mais tarde culminariam nos campos de extermínio.

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Para criar a devida motivação, por assim dizer, o regime substituiu, em instituições-chave — como forças policiais e órgãos de propaganda —, antigos diretores e chefes, burocratas de carreira, por líderes que eram membros ou simpatizantes do Partido Nazista.

Com essa manobra — possível graças à prerrogativa de remover servidores contrários àquela ideologia —, a meritocracia e os critérios objetivos, que até então regiam as instituições públicas e conferiam eficiência e lisura à máquina administrativa, deram lugar ao subjetivismo. Assim, apenas permaneciam e ascendiam rapidamente em suas carreiras aqueles que se mostrassem dispostos a aderir às novas políticas impostas pelo regime, ainda que formuladas de maneira velada.

Nesta esteira, e a título de exemplo, convém registrar que, atualmente, temos a impressão de que a matança promovida pelos nazistas era de conhecimento geral na Alemanha, mas isso não corresponde à realidade. Embora parte das políticas do regime tenha sido implantada às claras — como as Leis de Nuremberg, que estabeleciam critérios para a cidadania no Reich e para a proteção do sangue e da honra alemãs —, as políticas de extermínio, por outro lado, não eram de conhecimento público. Os líderes do regime empenharam-se para mantê-las em segredo, pois sabiam que a sociedade, de modo geral, se oporia ao que elas propunham.

Para tal, recorriam até mesmo a eufemismos, como “tratamento especial”, para referirem-se às execuções em massa daqueles considerados indesejados. Todavia, para levar tais medidas a efeito, o regime precisou contar com servidores públicos — militares e civis — que se mostraram dispostos a agir à margem das leis positivadas. Esses servidores curvaram-se às ordens de seus superiores e mancharam as mãos às escondidas do público, ganhando, por tamanha devoção e lealdade, a simpatia de seus chefes e sendo recompensados com vertiginosas ascensões em suas carreiras:

O resultado era uma crescente arbitrariedade, à medida que o estilo altamente personalizado de governo de Hitler entrava num inevitável e irreconciliável conflito com a necessidade burocrática de normas reguladoras e procedimentos definidos de forma clara. A necessidade arraigada de sigilo, sua preferência por reuniões privadas com seus subordinados (que podia facilmente dominar) e seu forte favoritismo em relação a ministros e outros líderes, tanto do partido como do Estado, eram ingredientes acrescentados que ajudavam a solapar os padrões formais de governo e administração (KERSHAW, pág. 356, 2008).

Um dos casos mais emblemáticos de rápida ascensão e ganho de prestígio no regime nazista foi o do Tenente-Coronel Adolf Eichmann (1906–1962), a quem foi confiada a administração e a implementação da chamada “Solução Final” — eufemismo para o censo da população judaica, tanto na Alemanha quanto nos territórios ocupados, cujo objetivo final era o transporte e a execução dessas pessoas nos campos de extermínio.

Considerado criminoso de guerra, ao final do conflito conseguiu fugir da Europa libertada pelos Aliados e, com documentos falsos, estabeleceu-se na Argentina. Passados quase vinte anos, foi localizado pelo Serviço de Inteligência de Israel — Mossad —, que obteve êxito em retirá-lo clandestinamente da América do Sul para levá-lo a julgamento. Foi condenado à morte por enforcamento e executado em 1962.

Durante seu extenso interrogatório, contudo, algo chamou a atenção de seus captores: Eichmann não demonstrava arrependimento pelo que fizera, ficando claro que, em sua própria visão, estava apenas obedecendo ordens — e com a maior eficiência possível — recebidas de seus superiores. Para ele, em nada importava o conteúdo dessas ordens, pois, como agente do Estado, seu dever resumia-se a cumpri-las sem vacilação.

Enquanto as notícias sobre a captura e o julgamento de Eichmann ainda estampavam os jornais, nos Estados Unidos um professor de psicologia da Universidade de Yale, chamado Stanley Milgram (1933–1984) e também de origem judaica, estranhou a frieza e a ausência de empatia do oficial nazista durante o interrogatório. Sendo acadêmico, tais indagações não saíam de sua mente, levando-o a decidir pela condução de um experimento para entender até que ponto uma pessoa pode chegar apenas por ter recebido ordens:

A situação - padrão dos vários experimentos conduzidos por Milgram era a seguinte: o sujeito colocado diante de um aparato que, segundo lhe era dito, produziria um choque numa outra pessoa quando um botão fosse apertado.

E prossegue:

O aliado do experimentador, que desempenhava o papel de estar – se submetendo ao processo de aprendizagem, estava instruído no sentido de indicar os primeiros sinais de desconforto quando o sujeito acionasse o quinto botão, ou seja, o que presumivelmente descarregaria um choque de 75v. Ao chegar a 150v ele deveria solicitar insistentemente que o permitissem abandonar o experimento (RODRIGUES, pág. 7, 1977).

Para aqueles que nunca ouviram falar do experimento mencionado — abordado no artigo Algumas considerações sobre os problemas éticos da experimentação em Psicologia Social, publicado em 1977 nos Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada —, cabe a seguinte explicação: Milgram utilizava três figuras principais nas sessões experimentais, das quais duas eram desempenhadas por atores e uma por um voluntário, que desconhecia o verdadeiro objetivo do estudo.

Um dos atores interpretava uma pessoa que participava de um suposto estudo sobre aprendizagem e que recebia, de forma simulada, choques elétricos. O outro desempenhava o papel de examinador que, por sua vez, portava-se e trajava-se de maneira a transmitir deliberadamente uma imagem de superioridade diante do terceiro participante — o voluntário alheio ao ardil —, responsável por aplicar os choques. As voltagens eram aumentadas a cada resposta errada fornecida pelo ator que simulava recebê-los com grande realismo. Os resultados foram surpreendentes e, ao mesmo tempo, bastante reveladores:

Para surpresa de Milgram e dos que vieram a saber dos resultados de tal experimento, a maioria dos sujeitos seguiam as ordens do examinador a ponto de administrarem o choque de intensidade máxima (tal como percebido por eles, de vez que na realidade o aparelho não estava conectado ao sujeito aprendiz ... ), apesar dos reclamos insistentes e mesmo dramáticos do sujeito aprendiz que simulava extrema dor e ameaças de desmaio (RODRIGUES, pág. 7, 1977).

Milgram publicou os resultados do experimento no trabalho intitulado Obediência à Autoridade. Concluiu que mais da metade dos participantes aplicou choques na voltagem máxima, de modo que, caso fossem realmente administrados, poderiam facilmente causar a morte.

O professor impressionou-se também com a linguagem corporal da maioria dos voluntários que, a cada choque aplicado — ou que acreditavam estar aplicando —, olhavam para o examinador, representado pelo outro ator, que permanecia no mesmo recinto, simbolizando a figura de autoridade diante deles.

Milgram percebeu que esses olhares buscavam identificar alguma reação do examinador que pudesse indicar aprovação ao choque aplicado. Em síntese, era como se os voluntários quisessem “agradar”, por assim dizer, a autoridade que assistia ao experimento, pouco importando se, para isso, fosse necessário infligir sofrimento ou mesmo causar a morte de outra pessoa. Uma conclusão espantosa e sombria acerca da psique humana.


CONCLUSÃO

O esforço empreendido neste trabalho buscou articular elementos que, à primeira vista, poderiam parecer destituídos de relação entre si. À primeira leitura, poderia soar curioso — e até mesmo desconexo — abordar uma característica das carreiras do serviço público, no caso a estabilidade, relacionando-a a eventos históricos marcantes, como a implantação das políticas nazistas na Alemanha da década de 1930, e, por fim, a um experimento de psicologia voltado a compreender os limites morais do ser humano quando confrontado com figuras que detenham, em algum grau, autoridade.

Apesar da aparente ausência de conexão inicial entre os temas aqui tratados, espera-se que tenha sido possível evidenciar, com alguma clareza, a existência de vínculos entre todos eles no contexto das estruturas das instituições de Estado — vínculos estes que, perigosamente, podem ser manejados para a sua desconstrução e para a implantação de agendas políticas espúrias e, por vezes, sombrias.

Espera-se, ainda, que tenha ficado claro que o efeito mais relevante da estabilidade dos servidores públicos manifesta-se na capacidade de conter eventuais abusos e desmandos, os quais podem surgir tanto sob a forma de ordens diretas quanto de pedidos sutis formulados de maneira velada.

Por derradeiro, cumpre frisar que, mesmo em regimes democráticos, podem emergir líderes carismáticos e autoritários — como o que ascendeu na Alemanha nos anos 1930 — cuja consolidação do poder dependerá, em grande medida, da captura ideológica da máquina pública. Tal processo somente poderá ser contido por aqueles que a compõem e que, por sua vez, necessitam de instrumentos que lhes confiram respaldo jurídico, de modo a impedir que sejam simplesmente coagidos ou substituídos por indivíduos dispostos a agradar em troca de cargos e prestígio.


REFERÊNCIAS

BRASIL. PEC 32/2020 – Altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2262083. Acesso em: 14 ago. 2025;

DURANT, Will. História da Filosofia, Ed. Companhia Editora Nacional – São Paulo, Tradução de Godofredo Rangel e Monteiro Lobato. 1942;

KERSHAW, Ian. HITLER. Tradução de Pedro Maia Soares, Editora Companhia das Letras, 2008, ISBN 978-85-359-1758-1;

MACHADO, Érica Mássimo; UMBELINO, Lícia Maria. A questão da estabilidade do servidor público no Brasil: perspectivas de flexibilização. ENAP - Escola Nacional de Administração Pública, 2001. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/jspui/bitstream/1/385/1/2texto.pdf. Acesso em: 14 ago. 2025;

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 23 ª edição, 1998;

RODRIGUES, Aroldo. Algumas considerações sobre os problemas éticos da experimentação em psicologia social, Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada, v. 29, n º 4, 1977. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/abpa/article/view/17847/16590. Acesso em: 14 ago. 2025.


Administrative reform and the destabilization of the State

Abstract: With the advancement of administrative reform in Congress, one of the key characteristics of public service—tenure—has been the subject of much debate. Considered by some sectors of society as a privilege that shouldn't exist, this paper will seek to demonstrate that tenure for public servants, despite what its detractors say, cannot be confused with privilege under any circumstances. It constitutes a structuring condition for the institutions that make up the state administration, protecting it from abuses of economic and, especially, political power. The elimination of tenure serves only the purpose of fulfilling private projects and, therefore, is divorced from the public interest.

Key words : Abuse, Corruption, Stability, Experiment, Illegality, Public Service.

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Sobre o autor
Roanderson Rodrigues Coró

http://lattes.cnpq.br/6846173311525008 https://orcid.org/0009-0008-4976-6265

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORÓ, Roanderson Rodrigues. Reforma administrativa e a desestabilização do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8080, 15 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115229. Acesso em: 5 dez. 2025.

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