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Por uma atuação constitucional dos vereadores

23/07/2008 às 00:00
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Estamos em ano de eleições municipais no Brasil. Milhões de pessoas irão votar em um ou dois turnos a fim de eleger seus prefeitos e vereadores em mais de cinco mil municípios. E milhares de pessoas serão candidatas a um cargo eletivo.

Quase todos têm idéia do que faz um prefeito municipal. Mas a grande maioria, incluindo os próprios candidatos, não sabem quais são as funções de um vereador. Se o homem leigo viesse com a resposta "o vereador faz parte do Poder Legislativo municipal, elabora e vota leis, e fiscaliza o Poder Executivo", já seria excelente.

Para ilustrar esse grau de desconhecimento, resgato um exemplo de uma eleição municipal recente de Santos, do ano de 2.004. Ao circular pela cidade era possível avistar um cartaz que anunciava um candidato modesto, "O Patriota". Embaixo do nome vinha seu lema: "Prisão perpétua para os políticos corruptos". Esse em si próprio era um jogo dos sete erros para qualquer um que tenha lido a Constituição de nosso país.

Primeiro, a Constituição veda penas de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, b), e isso é cláusula pétrea, não pode ser modificada por emendas. Segundo, não é função de um vereador, que atua num município, se preocupar com direito penal, ou seja, com as penas que seriam aplicadas aos corruptos, pois isso é da competência legislativa da União, e excepcionalmente, dos Estados-membros (art. 22, I, e § único). Assim, embora o candidato "Patriota" tivesse as melhores intenções, ele já demonstrava de cara não saber os limites da atuação dos vereadores. Ele não foi eleito...

Outra forma de atuação dos vereadores que já se tornou folclórica são os numerosos projetos de lei modificando nomes de ruas, criando datas em homenagem a uma determinada categoria de trabalhadores ou outorgando títulos de cidadão. Muitos vereadores freneticamente propõem projetos com esse sentido a fim de poderem depois se vangloriar da sua intensa participação na Câmara. Isso quando os homenageados não são seus familiares ou amigos, o que por si só é uma falta ética.

Não se exige dos candidatos que tenham formação jurídica em Direito. Mas uma leitura da Constituição bastaria para que os vereadores, em sua atuação, evitassem romper os limites do cargo, e lhes permitiria agir de forma a realmente honrar o mandato que receberam dos munícipes.

Um vereador, ao propor uma lei inconstitucional, gera toda uma cadeia de problemas. Leva o prefeito a vetar o projeto, o que por si só é trabalho desnecessário. E após eventual sanção essa lei pode ser discutida nos tribunais, o que pode gerar prejuízo ao Município, com uma condenação judicial.

Na Constituição são especialmente recomendadas as leituras dos artigos 21, 22, 23, 24, 25, que tratam das competências da União, dos Estados-membros e dos Municípios, e que servem, para o nosso caso, dizer do que o vereador não deve cuidar. Já o art. 29 e 29-A são essenciais para que os candidatos entendam a organização dos municípios. No art. 30 estão as competências dos Municípios, e o art. 31 trata de uma das mais importantes funções do Legislativo Municipal, a fiscalização do Município.

Conhecimento similar da Constituição Estadual e da Lei Orgânica também são essenciais.

Mas, afinal, o que é competência? O Professor José Afonso da Silva a define como:

"faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções" [01].

Enfim, em linguagem leiga, é a medida de poder de uma entidade do estado, é o que ela pode fazer.

Saber o que não é da competência do Município (arts. 21 a 25 da Constituição) é o primeiro passo para que o candidato a vereador não passe vexame ao assumir seu mandato, como propor mudanças na lei penal, trabalhista ou eleitoral.

Conhecimento do art. 29, especialmente dos incisos VIII, IX e XI também são necessários. O inciso VIII trata da inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos, mas tal é somente no exercício do mandato e na circunscrição do Município. Serve para evitar que o vereador se encrenque com declarações fora das suas funções ou fora do Município, e que podem se transformar até mesmo num processo por crime contra a honra ou pior.

O inciso IX do art. 29 reza que há proibições e incompatibilidades no exercício da vereança similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembléia Legislativa. Esse inciso é também para que os vereadores evitem problemas, daí a razão pela qual eu sugiro o conhecimento do seu teor, reportando-me ainda aos artigos 54 e 55 da Constituição, e aos artigos respectivos da Constituição Estadual pertinente.

Não custa aqui reproduzi-los:

"Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

I - desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;

b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior;

II - desde a posse:

a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada;

b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades referidas no inciso I, "a";

c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, "a";

d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas."

O inciso XI nos faz voltar à singela definição da função de um vereador que o leigo deveria saber: "organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal".

Artigo importantíssimo da Constituição a balizar os vereadores é o art. 30, sobre as competências dos Municípios. Seu primeiro inciso diz:

I - Legislar sobre interesse local

O interesse local, segundo o Prof. Alexandre de Moraes, é o que disser respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União) [02]. São os serviços de tradicional prestação pelos Municípios, como transporte coletivo, coleta de lixo, manutenção de vias públicas, fiscalização sanitária, etc. Infelizmente, alguns vereadores, ao invés de se ocupar dos temas que dizem respeito a esses serviços essenciais prestados pelo município, preferem se ocupar de outras e supostas "grandes questões", e que não lhe dizem respeito. É grande erro!

Outro inciso traz competência municipal diversa:

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber

Pelo que vimos até agora, a atuação legislativa dos vereadores é bem tímida. Extremamente centralizadas na União, as competências legadas aos Estados-membros e aos Municípios geralmente não deixa às Assembléias e Câmaras muito espaço de definição de políticas públicas. É um defeito ainda não sanado de nosso federalismo.

Outro inciso:

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei

No inciso III está uma oportunidade de ouro do vereador, seja ele de situação ou de oposição, de se fazer útil na sociedade, e já faço um gancho aqui com o art. 31. O Poder Executivo deve prestar contas, e o Poder Legislativo deve fiscalizá-las. Diz o art. 31: A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. E o § 1º diz: "O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver".

Muitos vereadores abandonam essa função, seja por existir um Tribunal de Contas Estadual ou um Tribunal de Contas dos Municípios. Mas essa é a função onde um vereador por si só pode fazer a diferença. A função legislativa, pela própria estrutura federativa brasileira, não lhe deixa muito espaço, como vimos, e a própria dinâmica da aprovação de uma lei faz com que ele sozinho possa não consiga aprovar um projeto. Mas o vereador pode, por si só, apontar erros e apurar desfalques nas contas públicas que podem levar a mudanças no Orçamento e à economia dos recursos de todos.

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A elaboração e posterior fiscalização das leis orçamentárias dos Municípios deveriam ser também objeto de maior atenção por parte dos vereadores. Se bem acompanhadas elas podem evitar que o Município se comprometa com projetos dispendiosos e que pouco benefício trarão à população. E evitar a saída desnecessária de dinheiro dos cofres públicos.

Seria de extrema utilidade que cada Município tivesse um sistema como o SIAFI (Sistema de Administração Financeira do Governo Federal), utilizado na esfera federal para acompanhar os gastos da União. Sistema similar permitiria acesso em tempo real aos vereadores e aos munícipes às contas dos seus municípios, e maior transparência.

Outro inciso de destaque do art. 30 é o VIII: promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Os vereadores deveriam se ocupar mais desse assunto, tema árido e que nem sempre rende votos. Pelo contrário, a promoção da ocupação de um terreno público ou de uma área protegida pela legislação ambiental ou da encosta de um morro pode render ao vereador votos junto aos invasores. Essa postura tem que mudar. A lei e os espaços públicos devem ser preservados por aqueles eleitos para defender as leis do Município e de nosso país.

O art. 182 da Constituição, que trata da Política Urbana traz inúmeras formas de atuação de um vereador consciente: "A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes"

E o instrumento básico dessa política de desenvolvimento e de expansão urbana é o Plano Diretor, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes. Mas o Plano Diretor pode ser feito para cidades com população menor. E ele deveria ser utilizado pelos vereadores para evitar o crescimento desordenado das cidades. Hoje vivemos em cidades favelizadas e inchadas porque os Planos Diretores são ignorados. Os vereadores podem ajudar a garantir seu cumprimento.

O art. 182 §4º da CF traz instrumentos a fim de promover a utilização adequada de áreas urbanas não edificadas ou utilizadas. O proprietário pode vir a pagar um IPTU maior ou até mesmo ter seu imóvel desapropriado. Isso se dá através de lei específica, ou seja, votada pela Câmara.

Enfim, há muito espaço para que os vereadores atuem de forma mais incisiva na defesa dos municípios do que a mera alteração de nome de ruas. Basta ler a Constituição.

O que se constata, com algum pesar, é que todos os candidatos se preparam para concorrer, e até mesmo perder uma eleição. Faz parte do jogo. Mas nenhum deles se prepara para ganhar a eleição, já que tomam posse sem saber os limites e as possibilidades do cargo que assumem.


Notas

01 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 419.

02 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22° ed. São Paulo: Atlas, 2007

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Sobre o autor
Luiz Augusto Módolo de Paula

Procurador do Município de São Paulo, ex-procurador federal, advogado, bacharel e mestre em Direito Internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Luiz Augusto Módolo. Por uma atuação constitucional dos vereadores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1848, 23 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11526. Acesso em: 4 nov. 2024.

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