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Fundamentos constitucionais do Simples Nacional

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23/07/2008 às 00:00
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O texto diz que a Emenda nº 42/03 não é tendente a abolir a forma federativa de Estado e procura dar efetividade a princípios já presentes no texto original da Constituição.

Resumo: O presente artigo trata do estudo do Simples Nacional, com foco em seus fundamentos constitucionais, tendo como objetivo demonstrar sua validade e legitimidade no contexto do ordenamento jurídico brasileiro. Apresenta aquele regime como um subsistema tributário especial e opcional, com princípios específicos, parcialmente substitutivo do sistema geral e obrigatório. Defende a constitucionalidade da EC nº42/2003, refutando a tese de que a emenda seja tendente a abolir a forma federativa de Estado e identificando as alterações trazidas pela emenda como regras que visam à efetividade de princípios já presentes no texto original da CRFB/88. Critica a tese de que a LC nº123, de 14.12.2006, extrapola os limites da competência a ela conferida pelo art.146, III, d e parágrafo único, da CRFB/88.

Sumário: Introdução; 1. Simples Nacional como subsistema tributário especial; 1.1. Conceitos de sistema, princípio e regra aplicados ao Direito; 1.2. Configuração do Simples Nacional; 2. Constitucionalidade da EC nº42/2003; 3. Constitucionalidade da LC nº123, de 14.12.2006; Considerações Finais; Referências.


INTRODUÇÃO

O Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, denominado Simples Nacional, é o principal instituto da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, o novo Estatuto das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, lei que alterou regras do Código Civil, do Código Tributário Nacional, da Consolidação das Leis do Trabalho, da Lei das Licitações e de diversos outros diplomas legais, materiais e processuais que interferem decisivamente no cotidiano dos empresários.

Também conhecido como Super Simples, este regime fiscal especial representa, na opinião de Marins e Bertoldi, "a mais importante iniciativa de "reforma tributária" ocorrida no Brasil desde a promulgação da Constituição de 1988"1 Em razão de sua influência direta sobre todas as esferas federativas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), os autores mencionados acreditam que o exame do Simples Nacional e a experiência decorrente de sua aplicação prática "podem significar novas balizas conceituais e técnicas para o Sistema Tributário Nacional, inclusive do ponto de vista constitucional."2

O artigo desenvolver-se-á a partir das seguintes questões norteadoras:

  1. O Simples Nacional tem natureza jurídica complexa e configura-se como subsistema tributário especial e.opcional, parcialmente substitutivo do sistema tributário geral e obrigatório, sendo orientado por princípios específicos que conferem adequação valorativa e unidade às regras que o instituem.

  2. A Emenda Constitucional nº 42/2003 não é tendente à abolição da forma federativa de Estado e suas alterações ao texto do art.146 da Constituição Federal são perfeitamente válidas e possibilitam a concretização dos princípios do favorecimento e do tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, já explicitados na redação original da Carta Magna, em seus arts. 170, IX e 179.

  3. A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, não extrapola os limites de competência conferidos a ela pelo art.146, III, d e parágrafo único da Constituição Federal, sendo perfeitamente válida.

A metodologia utilizada valeu-se de pesquisa bibliográfica, abordagens analíticas e qualitativas. Além disso, foram utilizados artigos científicos e técnicas de análise da doutrina jurídica em geral.

Neste momento em que o Simples Nacional começa a ser praticamente aplicado à vida de milhares de microempresas e empresas de pequeno porte em todo o país, há alguma insatisfação com o novo regime, demonstrada através da publicação, na internet e em revistas científicas, de artigos jurídicos que têm como objetivo principal o questionamento da constitucionalidade do Simples Nacional e a afirmação de sua condição de norma jurídica inválida e ilegítima. Tais vozes insatisfeitas, para o bem da comunidade científica jurídica, felizmente não expressam ainda uma opinião hegemônica a respeito das ousadas inovações normativas que o novo regime trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro. O Simples Nacional é muito recente para que haja a construção de entendimentos jurisprudenciais majoritários; o momento, portanto, é de os doutrinadores e pesquisadores se manifestarem.

Por essa razão, torna-se indispensável e urgente a realização de estudos jurídicos sérios e consistentes que objetivem analisar a validade e a legitimidade do novo regime dentro do contexto do Sistema Tributário Brasileiro. Para tanto, são prementes a investigação da natureza jurídica do Simples Nacional e a determinação da validade de seus diplomas normativos fundamentais – a Emenda Constitucional nº 42/2003 e a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 –, ou seja, faz-se necessário o exame dos elementos que possam conferir legitimidade constitucional àquele regime especial.


1. SIMPLES NACIONAL COMO SUBSISTEMA TRIBUTÁRIO ESPECIAL

1.1. CONCEITOS DE SISTEMA, PRINCÍPIO E REGRA APLICADOS AO DIREITO

Sistema (do grego σύστημα) é um conjunto de elementos interconectados harmonicamente, de modo a formar um todo organizado. É um conceito que se utiliza em várias disciplinas, como biologia, medicina, informática, administração. Em grego, o termo "sistema" significa "combinar", "ajustar", "formar um conjunto". Um sistema consiste de componentes, entidades, partes ou elementos, e relações entre eles.

Assim como acontece nas áreas de conhecimento mencionadas, aplica-se comumente ao Direito o conceito de sistema no estudo das normas, de sua atuação em conjunto e de suas relações entre si. Os autores que têm uma abordagem sistemática do Direito classificam as normas jurídicas em duas espécies, de acordo com a função que exercem no sistema jurídico: para eles, as normas são princípios ou regras.

De acordo com Canaris, os princípios são os elementos constitutivos do sistema jurídico nos quais se tornam perceptíveis a unidade interna e a adequação valorativa fundamental na aplicação das regras componentes daquele sistema3. Os princípios, no seu entender, possuem um caráter axiológico explícito e precisam de regras para sua concretização4.

Para Larenz, princípios são "pensamentos diretivos de uma relação jurídica existente ou possível", que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, mas que não possuem o caráter formal de proposições jurídicas, isto é, "a conexão entre uma hipótese de incidência e uma conseqüência jurídica", característica esta sempre presente nas regras.5

Finalmente, no entendimento de Ávila, "as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser cumprida." Segundo o autor, "os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas cuja promoção gradual depende dos efeitos decorrentes da adoção de comportamentos a ela necessários". Ou seja, enquanto que os princípios têm por finalidade a determinação da realização de um fim juridicamente importante, as regras caracterizam-se pela previsão do comportamento.6

Os conceitos acima abordados têm aplicação muito útil no estudo dos fenômenos jurídicos, adequando-se de modo bastante satisfatório à pesquisa com ênfase em uma abordagem constitucional do Direito, visto que todo Estado de Direito tem suas finalidades sociais que, em geral, encontram-se dispostas em sua constituição. A descrição desses objetivos do Estado consiste em verdadeira formulação dos princípios orientadores de todo um conjunto de normas a serem produzidas dentro da esfera de soberania estatal, normas essas cuja unidade e adequação valorativa conferidas por aqueles princípios constituirão o sistema jurídico aplicável àquele Estado.

Por exemplo, o §1º do art.145 da Constituição Federal dispõe que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Mais adiante, a Carta Magna, em seu art.150, II, impede a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibindo qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida. Finalmente, no art.151, I da Lei Maior, a União é proibida de instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado-Membro, ao Distrito Federal ou a Município em detrimento de outro.

Os três dispositivos constitucionais mencionados apresentam alguns princípios que orientam o sistema tributário nacional: o princípio da graduação dos impostos segundo a capacidade contributiva, o princípio da não distinção na tributação das ocupações profissionais e o princípio da uniformidade dos tributos federais em todo o território nacional. Entretanto, a eficácia desses princípios, que descrevem um idealizado estado de coisas a ser alcançado, só se dará mediante a produção de outras normas, de categoria diversa, as regras, cujo objetivo é descrever a conduta que será obrigatoriamente exigida daqueles a quem se aplica o sistema tributário nacional: os entes federados e os que se sujeitam à imposição tributária daqueles, os contribuintes e responsáveis tributários.

Como exemplo de regras tributárias através das quais se mostram eficazes os princípios descritos anteriormente, destaca-se a legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, conjunto de normas geradas pela União com o objetivo de instituir o citado imposto e regulamentar sua tributação, fiscalização, arrecadação e administração em todo o território nacional. A mencionada legislação, cujas regras fundamentais encontram-se consolidadas no Decreto nº3.000, de 26 de março de 1999, evidencia aqueles princípios já referidos. Com efeito, as regras de tributação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza impõem ônus mais gravoso àqueles sujeitos passivos com maior capacidade contributiva, na medida em que concedem isenção do imposto para aqueles que não recebem um limite mínimo anual de rendimentos e estipulam o cálculo do montante devido com base em alíquotas progressivas em razão das faixas crescentes de rendimentos do contribuinte. O valor do imposto não aumenta ou diminui em função da ocupação profissional do contribuinte, nem de sua localização dentro do território nacional. Através dessas regras, pois, verifica-se a eficácia daqueles princípios tributários constitucionais.

Contudo, todas as regras que constituem a legislação discutida deverão ser orientadas não só pelos princípios anteriormente apresentados mas pelos demais princípios que conferem unidade interna e adequação valorativa ao sistema tributário nacional. Caso isto não aconteça, tais regras terão sua validade ameaçada, por representarem aquilo que Canaris denomina "quebras no sistema"7, opondo-se à determinação sistemática das normas jurídicas, podendo ser consideradas inconstitucionais e conseqüentemente nulas.

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As regras contrárias ao sistema, que se opõem frontalmente a princípios jurídicos, são mais comuns do que se pensa e geralmente têm gênese casuística, vêm atender a interesses políticos particulares. São a evidência, segundo Canaris, da chamada "tendência individualizadora" da justiça que, ao contracenar com o pensamento sistemático presente na "tendência generalizadora", tem como conseqüência a produção de normas que a priori contradizem a ordem jurídica8.

Um exemplo de quebra no sistema está na regra que determina que os rendimentos dos estabelecimentos cartorários sejam tributados pelo imposto de renda da mesma forma como são tributadas as pessoas físicas (art.45, IV, do Decreto nº3.000, de 26 de março de 1999), flagrante descumprimento do princípio da não distinção na tributação das ocupações profissionais, já analisado anteriormente. Visto que "a atividade notarial é de fato equiparável à atividade empresarial para fins de tributação, já que assemelha-se sobremaneira a esta em tudo que lhe é inerente"9 e considerando-se que o modus operandi de um estabelecimento cartorial consiste na exploração de estrutura organizacional, inclusive mão-de-obra em regime de subordinação, o modo de tributar seus rendimentos deveria ser idêntico ao adotado para a exação dos empresários e sociedades empresárias em geral, aplicando-se as regras destinadas às pessoas jurídicas. Não sendo assim, pode-se questionar a validade desta norma jurídica que se coloca em franca oposição a um dos princípios orientadores do sistema tributário nacional mencionados explicitamente no texto constitucional.

Há, entretanto, em qualquer sistema jurídico, as chamadas oposições ou conflitos de valores e de princípios. Segundo Canaris, "pertence à natureza dos princípios gerais de Direito que eles entrem, com freqüência, em conflito entre si, sempre que, tomados em cada um, apontem soluções opostas. Deve-se, então, encontrar um compromisso, pelo qual se destine, a cada princípio, um determinado âmbito de aplicação" 10. Ou seja, em algumas situações especiais, determinados princípios têm sua aplicação reduzida em detrimento de outros, aos quais seria atribuído maior peso na construção das regras reguladoras daquelas situações. A produção de regras de aplicação em âmbito especial, formando um conjunto cuja orientação axiológica se dá em função da ênfase em determinados princípios e da diminuição da influência de outros, caracteriza o surgimento dos denominados subsistemas ou microssistemas normativos especiais. Esses subsistemas, embora se insiram no contexto de um sistema de aplicação mais geral, representam uma solução para os eventuais conflitos de valores e de princípios que caracterizam qualquer conjunto de normas produzido num ambiente social complexo.

1.2. CONFIGURAÇÃO DO SIMPLES NACIONAL

O Simples Nacional tem sido objeto de diversas opiniões sobre sua natureza. Classificam-no como tributo, isenção tributária parcial, benefício fiscal, renúncia fiscal ou, até mesmo, incentivo extrafiscal. No entanto, tais concepções não se fundamentam. O Simples Nacional não é um novo tributo, visto que não gerou nenhuma nova obrigação tributária principal além daquelas já existentes, relativas aos impostos e contribuições que foram incluídos no novo regime. Também não consiste, simplesmente, em mero benefício fiscal ou em incentivo de natureza extrafiscal. É verdade que, conforme análise que se apresenta mais adiante, as regras do Simples Nacional são orientadas pelos princípios do favorecimento, da simplificação e redução das obrigações e do tratamento jurídico diferenciado. Todavia, a concepção do novo regime como apenas um conjunto de regras fiscais e extrafiscais de benefício e incentivo não resiste ao estudo mais aprofundado desse novo e original instituto, estreitando demasiadamente seu campo de alcance jurídico.

No entendimento de Marins e Bertoldi, qualquer tentativa de excessiva redução da natureza jurídica do Simples Nacional estará condenada ao fracasso. Segundo os autores, "por ser instituto de caráter polifacetado, que abrange várias características, o Simples Nacional dificilmente poderá ser confinado em natureza jurídica singular, de forma que várias notas essenciais de sua conformação devem ser compreendidas e adequadamente aglutinadas para a construção de um conceito suficientemente abrangente e preciso" 11.

Com a finalidade de proporcionar a análise abrangente do novo instituto, Marins e Bertoldi conceituam o Simples Nacional como "regime especial de tributação por estimação objetiva, constituindo em microssistema tributário, material, formal e processual, que unifica a fiscalização, o lançamento e a arrecadação de determinados impostos e contribuições de competência da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, aplicável opcionalmente às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, com o escopo de atribuir a estes contribuintes tratamento fiscal diferenciado e favorecido, em caráter parcialmente substitutivo ao regime geral e compulsório" 12.

No conceito acima, Marins e Bertoldi afirmam que o Simples Nacional configura-se como microssistema tributário aplicável opcionalmente às microempresas e empresas de pequeno porte em caráter parcialmente substitutivo ao regime geral e compulsório. Tendo em vista a definição de microssistema ou subsistema, já estudada na seção anterior, é importante que seja investigada a pertinência de aplicação do conceito de subsistema especial para descrever o fenômeno jurídico provocado pela instituição do Super Simples.

Na seção anterior, concluiu-se que a geração de um subsistema jurídico especial é causada em função da necessidade de se dar eficácia a alguns princípios que se opõem a outros num mesmo sistema normativo, todos eles relacionados a valores de importância fundamental para a sociedade a que se aplica aquele sistema de normas, mas que, eventualmente, são contrários entre si. Contrariando-se uns aos outros não poderão conferir unidade interna e adequação valorativa ao sistema normativo geral e, em razão disso, a formação de subsistemas possibilita a produção de regras especiais que se orientam por alguns desses princípios "discordantes", tornando-os eficazes e afastando parcialmente os princípios que se lhos opõem.

O Simples Nacional surgiu da necessidade de o sistema tributário nacional tornar eficazes os princípios constitucionais do favorecimento às microempresas e empresas de pequeno porte, da simplificação e da redução das obrigações dessas empresas e do tratamento jurídico diferenciado a elas, dispostos explicitamente no art.170, IX e art.179 da Constituição Federal.

A criação de regras que trouxessem a aplicação eficaz dos princípios mencionados encontra obstáculo aparentemente insuperável: um dos princípios basilares em que se fundamenta o sistema tributário geral é o princípio da isonomia, ou seja, uma regra tributária deve incidir igualmente sobre todos aqueles que a ela se sujeitam. Será possível a criação de regras que façam valer, de modo simultâneo, a isonomia tributária e os princípios previstos no art. 170, IX e no art.179 da Constituição Federal?

É certo que o princípio da isonomia, assim como qualquer outro princípio constitucional, não deve ser interpretado isoladamente, de forma literal; há de se levar em consideração, na sua aplicação a cada caso, a atuação de outros princípios, igualmente importantes e fundamentais na construção do sistema. Por exemplo, em homenagem ao princípio do acesso à informação, a própria Lei Maior afasta a aplicação do princípio da isonomia na medida em que proíbe a instituição de impostos sobre os jornais, revistas e o papel destinado à sua impressão.

Quanto à relação do princípio da isonomia com os princípios previstos no art. 170, IX e no art.179 da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal já acordou que "é absolutamente impossível dar rendimento à norma constitucional que concede tratamento favorecido às empresas de pequeno porte sem que seja ferida a literalidade do princípio da isonomia" (STF, Plenário, ADI-MC 2006/DF, Rel. Min. Maurício Correa, jul/99). 13

Os princípios constitucionais da simplificação e da redução das obrigações tributárias das microempresas e empresas de pequeno porte têm outra grande dificuldade para se efetivarem no ordenamento jurídico brasileiro. É que a Constituição Federal consagra como uma de suas cláusulas pétreas a forma federativa de Estado e, em decorrência disso, os princípios da autonomia dos entes federados e da competência privativa dos entes federados para instituir os impostos que lhe cabem por previsão constitucional.

Na atualidade, a República Federativa do Brasil constitui-se da União, de 26 estados, do Distrito Federal e de 5.560 municípios. Cada um desses entes da Federação instituiu os impostos constitucionalmente determinados como de sua competência privativa, além de outros tributos. Isto faz com que o sistema tributário brasileiro seja um dos mais complexos já vistos e apresente uma das maiores cargas tributárias em todo o mundo. Esta é a descrição de um estado de coisas completamente adverso à concretização dos princípios da simplificação e da redução das obrigações tributárias das microempresas e empresas de pequeno porte.

Imagine-se uma sociedade empresária que exercesse a atividade de conserto de equipamentos eletrônicos através de contrato de assistência técnica autorizada com os detentores no país de uma grande marca internacional de aparelhos de áudio e vídeo, sendo os serviços prestados através de quatro estabelecimentos distintos, cada um localizado na capital de um estado diferente. Isto quer dizer que a referida sociedade teria de lidar não só com o conjunto de normas gerais tributárias nacionais e com as regras relativas aos tributos da União, mas com toda a legislação tributária produzida por quatro estados e quatro municípios em cujos territórios seus estabelecimentos estão situados.

De acordo com as regras gerais do sistema tributário nacional, esta hipotética sociedade empresária estaria sujeita a quatro conjuntos de regras diferentes, relativas ao imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) instituído por cada um dos quatro municípios, outros quatro conjuntos de regras relativas ao imposto sobre a circulação de mercadorias (ICMS) instituído por cada um dos quatro estados, além de todas as regras relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e de mais quatro diferentes contribuições instituídas pela União. Ainda que o faturamento da referida sociedade indicasse a classificação desta como microempresa ou empresa de pequeno porte 14, em função do princípio da autonomia dos entes federados em instituir seus tributos, consagrado pelo sistema tributário geral, a grande quantidade de obrigações tributárias principais e acessórias, e sua inerente complexidade apresentam-se como praticamente inevitáveis.

A função do Simples Nacional é justamente a de tornar eficazes os princípios tributários aplicáveis às microempresas e empresas de pequeno porte, princípios que, embora estejam previstos no texto constitucional desde a primeira redação da Lei Maior, ainda não haviam sido efetivados em razão da oposição eventual de seu conteúdo em relação à essência de alguns princípios muito prestigiados no sistema tributário nacional, como os princípios da isonomia entre os sujeitos passivos e da autonomia tributária dos entes da Federação. Comportando-se como um subsistema tributário especial, que assume um caráter parcialmente substitutivo ao sistema geral, o novo regime afasta ou limita parcialmente a eficácia de alguns princípios para tornar realmente efetivos outros, aplicáveis especialmente às microempresas e empresas de pequeno porte.

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Sobre o autor
Carlos Mauro Naylor

Fiscal de Tributos atuante na Coordenação de Tributação e Julgamento da Secretaria Municipal de Fazenda de Niterói. Bacharel em Direito e em Comunicação Social.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAYLOR, Carlos Mauro. Fundamentos constitucionais do Simples Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1848, 23 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11529. Acesso em: 22 nov. 2024.

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