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O "Fora Gilmar Mendes!" como consequência de um novo Supremo

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23/07/2008 às 00:00
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Resumo: O ensaio aponta histórico da política judicial empregada pelo Supremo Tribunal Federal destacando uma mudança em relação à postura adotada quanto a temas carregados de uma forte conotação política. Traz a polêmica envolvendo a concessão, pelo Presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, do habeas corpus que libertou o banqueiro Daniel Dantas, preso numa operação da Polícia Federal, denominada "Satiagraha". Relaciona a reação popular contra o Presidente à implementação, pelo Supremo, da denominada "sociedade aberta dos intérpretes da Constituição". Afirma não haver crise institucional do Tribunal, mas uma participação popular mais intensa junto à Corte. Encerra afirmando que o "Caso Daniel Dantas" e o pedido de impeachment do ministro Gilmar são resultados da busca por legitimidade que o Supremo implementou concretizando o ideal de Peter Häberle.

Palavras-Chave: Supremo Tribunal Federal. Mudança de política judicial. Caso Daniel Dantas. Pedido de Impeachment do Presidente da Corte. Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição.

Abstract: The essay sets out the history of the judicial policy adopted by the Brazilian Federal Supreme Court (Supremo Tribunal Federal - STF), evidencing a change with regard to the position adopted in respect of matters which carry a substantial political significance. It conveys the controversy involving the granting of an habeas corpus by the President of the Supreme Court, Gilmar Mendes, whereby banker Daniel Dantas, arrested in the Federal Police operation called Satiagraha, was released from custody. It provides a liaison between the reaction of the population against the President and the implementation, by the Court, of the so-called open society of interpreters of the constitution. States that there is no institutional crisis involving the Court, but rather a more intensive participation of the population in respect thereof. Its conclusion is that the "Daniel Dantas Case" and the petition for impeachment of Gilmar Mendes are a result of the pursuit of legitimacy implemented by the Supreme Court hence accomplishing Peter Häberle''s ideal.

Key-Words: Federal Supreme Court. Change of legal policy. If Daniel Dantas. Open Society of. Constitutional Interpreters.

Sumário:. 1. Apresentação do ensaio; 2. O Supremo de ontem e o de hoje; 3. O Supremo como Poder que representa o povo no seu anseio de justiça; 4. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Apresentação da idéia; 5. Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: A criação de um ambiente propício pelo Supremo Tribunal Federal; 6. O "Fora Gilmar Mendes!" no contexto do "Caso Daniel Dantas" como reflexão sobre a "Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição"; 8. Conclusões; Referência bibliográficas


1. Apresentação do ensaio

O Brasil, por meio da mídia, acompanhou o episódio decorrente das prisões do conhecido banqueiro, Daniel Dantas.

Repercussão maior do que as prisões foi a gerada com a concessão, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, de habeas corpus pleiteado pelo banqueiro (HC 9.500-9/SP).

A sociedade, numa grande parcela, virou-se contra o Ministro, criticando sua decisão. Dos mais ricos aos mais pobres. Os eruditos e os ignorantes. Poderosos e despossuídos. Todos tinham posição formada a respeito da concessão.

A controvérsia deu margem a variadas esferas de discussão.

Constitucionalistas falaram, como também falaram os penalistas. A Polícia Federal comentou o caso, assim como juízes federais e acadêmicos. Editoriais dos grandes jornais deram espaço ao debate em torno da decisão de soltura. Capas de revistas estampavam a foto do Presidente do STF. Numa delas, o Ministro aparecia com chaves de carcereiro às mãos, de braços cruzados e olhar levemente enfurecido [01]. As televisões brigavam entre si por detalhes. A internet disseminou informações e bastidores da operação da PF. O povo, às ruas, foi ouvido. Comunidades no site de relacionamentos orkut foram criadas. Uma delas, a mais curiosa, diz: "Fora Gilmar Mendes!". No passado tivemos, nas ruas, o "Fora Collor!". Depois, "Fora FHC!". Mais adiante, "Fora Lula!". Ainda tivemos o "Fora Severino!". Agora, o "Fora Gilmar Mendes!".

É preciso problematizar todos esses fatos.

Qual a razão de tamanha reação a uma decisão judicial? Como o contexto atual ajuda ou atrapalha o acesso das pessoas às informações decorrentes de atos de tribunais? Qual a participação dos integrantes do próprio Supremo nesses acontecimentos? Como o ministro Gilmar ajudou a trazer a população para o debate constitucional? Por quê, agora, ele é alvo da fúria de uma parcela popular?

Tentaremos, no presente ensaio, encontrar as respostas. Esse é o nosso desafio.


2. O Supremo de ontem e o de hoje

Quando discutimos a maneira de interpretar a Constituição temos um debate teórico recorrente entre, de um lado, os chamados substancialistas e, do outro, os procedimentalistas. Gustavo Binebojm trabalha com a primeira corrente como "jurisdição constitucional como instrumento de defesa dos direitos fundamentais", enquanto a segunda seria a "jurisdição constitucional como instrumento de defesa do procedimento democrático" [02].

Para os primeiros [03], uma Constituição deve consagrar direitos fundamentais, princípios e fins públicos que realizem os mais relevantes valores de uma sociedade: justiça, liberdade e igualdade. Para que tais valores não se transformem em promessas esquecidas, podem os juízes e tribunais implementar tais aspirações constitucionais.

Já os procedimentalistas [04] não vêem no intérprete constitucional a possibilidade de sê-lo um aplicador de princípios de justiça. Ele seria um fiscal do funcionamento adequado do processo político, só extrairia da Constituição "condições procedimentais da democracia", cabendo à jurisdição constitucional protegê-las.

Substancialistas permitem que um ministro do Supremo, concretizando a Constituição, faça valer regras, valores e princípios nela constantes. Os procedimentalistas, mais discretos, entendem que os julgadores devem preservar o processo democrático para que ele próprio concretize valores e aspirações da população.

2.2 O Supremo de Ontem: Procedimentalista e de jurisprudência defensiva

O STF [05], nos últimos tempos, mudou sua política judicial. Antes, adotava linha procedimental. Em julgamentos polêmicos, com forte carga de política, que traziam a possibilidade de tensão para com os Poderes Executivo e Legislativo, o Tribunal adotava uma jurisprudência defensiva (self restraint) [06], deixando, para aqueles Poderes, a missão de solucionar o conflito inerente a seus representados, o povo.

No caso de greve dos servidores públicos, se limitava a dizer que o Poder Legislativo estava demorando a editar a lei. Quanto à limitação anual de juros a doze por cento trazida pela Constituição Federal, afirmou que a norma não tinha eficácia plena [07]. Acerca do confisco da poupança dos cidadãos pela equipe econômica do então Presidente do Brasil, Collor, o Tribunal preferiu silenciar [08]. Quando chamado a se pronunciar sobre concretização de normas programáticas e direitos sociais, recorria à separação dos poderes para entregar ao Poder Executivo a missão de conduzir as políticas públicas nessas áreas. Em relação à observância dos critérios de relevância e urgência para edição de medidas provisórias, afirmou tratar de seara na qual não poderia se inserir, pois, caso o fizesse, estaria substituindo ao próprio Presidente da República.

Era um Tribunal defensivo. Limitava-se a garantir o funcionamento das estruturas democráticas. Atuava de forma procedimentalista e defensiva.

2.3 A Crise de Legitimidade dos atores democráticos e a mudança de postura do Supremo

Com a restauração do regime democrático no Brasil, da promulgação da Constituição Federal de 1988 e a ocorrência das eleições gerais, vimos, tempos depois, o país se deparar com suas primeiras turbulências institucionais.

Com o passar dos anos, a coisa piorou. Uma década e meia depois, pirou ainda mais. O Poder Executivo, mergulhado em denúncias, atravessava uma crise de identidade sem precedentes. O Poder Legislativo, desgastado, caminhava rumo ao pântano da rejeição popular [09]. Os partidos políticos eram alvo de questionamentos, sob o argumento de que não tinham fidelidade programática, além de acusações de práticas nada republicanas [10]. O modelo adotado para as organizações não-governamentais (ONG´s) também passou a ser criticado. Os sindicatos também sofreram sua crise de representatividade. O fenômeno é bem tratado pela doutrina nacional [11].

Os Poderes Executivo e Legislativo, atores centrais do processo democrático e da representatividade popular, atravessavam uma crise de legitimidade [12]. Nesse cenário, um outro ator surgiu preenchendo o vazio deixado [13]. Falo do Supremo Tribunal Federal.

2.4 O Supremo de hoje: Substancialista e Ativista

Passada a promulgação da nova Constituição, consolidado o regime democrático que sobreviveu bem a várias crises, no alvorecer do ano 2000, surge algo de novo no ar.

O Supremo se agigantou. Virou o centro das atenções. A população começou a atribuir a ele uma função que a Constituição Federal não lhe deu [14], o de Poder que representa o povo. Ali, pensavam muitos, se atendia à população fazendo justiça [15].

O Tribunal passou a adotar uma postura substancialista e ativista [16].

Deu início a um processo no qual decidia temas controvertidos avançando em questões próximas da competência do Poder Legislativo. Começou a influenciar a pauta do Congresso [17]. Deu azo à Reforma Política quando se pronunciou acerca da fidelidade partidária, alterando sua histórica jurisprudência. Determinou que o Presidente do Senado da República instalasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito [18]. Assegurou que deputados federais adentrassem ao Plenário do Senado Federal, numa votação secreta aos Senadores, sob o fundamento de direito líquido e certo [19].

No âmbito do Poder Executivo, a tensão não foi diferente. Temas tributários tiveram uma guinada de entendimento [20]. Os direitos sociais passaram a ser concretizados. O direito à educação passou a ser implementado em atendimento à força normativa da Constituição [21]. O Direito à saúde, da mesma forma. Ingressou-se no mérito de atos discricionários do Poder Executivo [22], influenciando, com suas decisões, a formulação de políticas públicas. Ordenou-se, por parte do Executivo, a realização de procedimentos que impunham reflexos diretos em seus orçamentos [23]. O Supremo passou a governar quem governava [24].

As técnicas de interpretação da Constituição e de declaração de inconstitucionalidade mostraram-se criativas [25]. A Corte tornou mais presente a chamada doutrina prospectiva. As declarações de inconstitucionalidade sem redução de texto se multiplicaram. Ali se consolidava um novo Supremo.

O povo comemorava as decisões. A Constituição se inseria no cotidiano. A expressão "então recorre ao Supremo!" se popularizou. A Corte estava "legitimada".

O Tribunal virou, no imaginário popular, uma casa de representantes daqueles que almejavam "justiça". Era como se fosse uma Câmara dos Deputados ou uma Presidência da República, sendo que, ao contrário dessas, gozando de uma respeitabilidade fora do comum e passando ao largo de crises institucionais.

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Aqui está o primeiro motivo a explicar a dura reação popular e o pedido de impeachment do Presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, quanto ao "Caso Daniel Dantas", mais adiante tratado.


3. O Supremo como Poder que representa o povo no seu anseio de justiça

Como exemplo do grau de repercussão que os temas tratados pelo Tribunal atingiu, citemos o julgamento do Inquérito nº 2.245/MG, o chamado "Caso Mensalão [26]".

O relator do inquérito, ministro Joaquim Barbosa, até então desconhecido de boa parte dos brasileiros, após aceitar, ao vivo, em transmissão via rádio, TV e site, a denúncia formulada pelo Procurador-Geral da República, conquistou multidões [27].

Nas semanas seguintes, os jornais falavam da decisão. As principais revistas do país estamparam sua foto na capa. O Ministro ganhou o prêmio, em uma delas, de "Brasileiro do Ano" [28]. Na rede de relacionamentos da internet, orkut, dezenas de comunidades foram criadas em sua homenagem. Numa delas, constava o título: "Joaquim Barbosa para Presidente!". O Tribunal, definitivamente, tinha virado um lugar no qual se atendia aos anseios populares.

Para quê recorrer ao burocrático Executivo? Qual a razão de bater às portas do questionável Legislativo? O Judiciário era repositório da confiança popular.

Além dessa mudança de política judicial, antes procedimentalista, depois substancialista, o Supremo passou a dar azo ao pensamento de Häberle, autor da obra "sociedade aberta dos intérpretes da constituição".

Aqui está o segundo ponto que explica a razão do pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes por conta da concessão do habeas corpus a Daniel Dantas.


4.

O Brasil, de pouca originalidade na criação dos próprios institutos jurídicos, é pródigo em importá-los, descaracterizando-os.

Os Estados Unidos tributam basicamente a renda. A Europa, o consumo. O Brasil tributa os dois. A Alemanha criou a cláusula de barreira que impedia a posse do candidato filiado a partido que não ultrapassasse-a. No Brasil, o instituto permitia a posse e todas as vantagens dela decorrentes, mas impedia o parlamentar de trabalhar. As affirmative actions, logo no Brasil, teve como critério a cor da pele. Nos Estados Unidos, quanto aos tipos de controle de constitucionalidade, vigora o controle difuso. Na Europa Continental, o concentrado. No Brasil, os dois. No caso da adoção da doutrina da "sociedade aberta dos intérpretes da Constituição", mais adiante tratada, seus defensores são adeptos da visão procedimentalista, que reduz a discricionariedade do Poder Judiciário no exercício da jurisdição constitucional. No Brasil, uma Corte substancialista o adota. Criatividade com institutos alheios, como se vê, não falta.

Sigo com Peter Häberle. Sua idéia, confesso, seduz.

O livro, traduzido por Gilmar Mendes, virou febre: "Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição".

Em apertada síntese, seus escritos dizem que vivemos numa sociedade plural, formada por diversos grupos que interpretam os fatos de forma diversa, mas que se toleram e que, por meio do diálogo e da persuasão racional convivem harmoniosamente [29]. Esse processo de variadas interpretações feitas pela sociedade em relação aos mesmos fatos traz uma contínua renovação e atualização da Constituição, tudo feito de maneira aberta, pública [30].

O povo participa do processo de interpretação constitucional, os julgadores têm acesso a mais pontos de vista e suas decisões são prolatadas com uma carga de legitimidade. É essa a idéia.

Caminhando sobre essa trilha, o Tribunal passou a realizar uma abertura no espaço de debate acerca da interpretação da Constituição Federal.


5. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: A criação de um ambiente propício pelo Supremo Tribunal Federal

A Constituição Federal de 1988, rompendo tradição anterior que prestigiava o Procurador-Geral da República, que tinha dupla função (Ministério Público e Advocacia-Geral da União) trouxe um amplo rol de legitimados a proporem a chamada Ação Direta de Inconstitucionalidade [31]. A Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, o ampliou e compatibilizou esses legitimados à Ação Declaratória de Constitucionalidade, tornando ainda mais acessível o ajuizamento dessas ações que consagram, no Brasil, o exercício, perante o Supremo, do chamado controle concentrado de constitucionalidade.

Partidos políticos poderiam ajuizar as ações.

As entidades de classe de âmbito nacional também.

Há ainda a OAB, os governadores e as mesas das assembléias legislativas.

O povo, por meio de variados grupos de pressão poderia se fazer presente ao Supremo Tribunal Federal. Foi a largada rumo à uma nova fronteira.

5.3 O amicus curiae: O Supremo ouvindo a população por meio de experts

A Lei nº 9.668, de 10 de novembro de 1999, trouxe, importada dos Estados Unidos, a figura do amicus curiae (amigo da Corte). Pelo instituto, um interessado pode contribuir com o processo de interpretação da Constituição por meio da juntada de memoriais acerca do tema em debate, do agendamento de audiências com os ministros, da participação em audiências públicas promovidas pelo próprio STF e, até mesmo, de sustentação oral nas sessões.

No dia 26 de novembro de 2003 o STF decidiu aprovar a participação excepcional de "amicus curiae" no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.777 e 2.765. O posicionamento foi aprovado por maioria plenária, vencidos os ministros Ellen Gracie e Carlos Velloso. As ADI´s versavam sobre a restituição de ICMS em casos de substituição tributária, quando houver diferença entre o valor da venda e o preço presumido.

Em seu voto, o ministro Celso de Mello acompanhando os ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, admitindo a manifestação do "amicus curiae", disse:

Já me convencera da possibilidade dessa intervenção do "amicus curiae", inclusive para o efeito de sustentar oralmente perante esta Corte as suas razões. Já expusera no dia 18 de outubro de 2001 essas razões salientando exatamente determinados valores básicos, como o principio democrático, de um lado, e de outro, esta perspectiva pluralística, que objetiva conferir legitimidade às decisões do Supremo Tribunal Federal, notadamente em sede de fiscalização abstrata. [32]

O ministro Joaquim Barbosa, também favorável, registrou: "(...) Eu acho que a intervenção do "amicus curiae" é, sim, uma expressão da sociedade aberta, dos intérpretes da Constituição" [33].

O Tribunal encampara, definitivamente, a tese de Peter Häberle.

5.4 As audiências públicas: O Supremo como espaço de deliberação popular

A mesma Lei nº 9.868, de 1999, no seu artigo 9º, parágrafo 1º, diz que, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou notória insuficiência das informações existentes nos autos poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

Ali era a possibilidade de o Tribunal trazer para suas hostes a população brasileira. Era, ao nosso sentir, mais um importante passo na concretização do ideal de "sociedade aberta dos intérpretes da Constituição". Um Poder formado por agentes sem mandato popular, estaria, portanto, tentando se legitimar.

O STF realizou sua primeira audiência pública, sob a batuta do ministro Carlos Britto, para ouvir parcela da sociedade a respeito do controvertido tema "células-tronco", debatido nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra o artigo 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 2005). A ação questionava a permissão legal para utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias. O ministro Britto, demonstrando entusiasmo com a concretização da idéia de sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, afirmou:

a audiência pública, além de subsidiar os ministros deste STF, também possibilitará uma maior participação da sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário da Corte. [34]

Novamente abriu-se as portas, dessa vez, para tratar da importação de pneus usados, conduzida pela ministra Carmem Lúcia [35], nos autos da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101. Na oportunidade, a ministra disse: "É nessa tentativa de dar cumprimento ao que está previsto na Constituição, que se convida a sociedade e os especialistas para trazerem informações, conhecimentos e argumentos que subsidiem os ministros do Supremo no julgamento desse caso".

Antes dessas duas, o ministro Marco Aurélio já havia decidido convocar audiência pública para ouvir diversas entidades no caso que discute a viabilidade jurídica da interrupção de gravidez em caso de feto anecéfalo (sem cérebro). O tema é objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).

5.2 O Sistema de Comunicação do Supremo: TV, Rádio e Site

O Supremo, ao final da década de 90, percebeu a necessidade em se comunicar com a população. Suas ações não deveriam ficar restritas aos seus integrantes, mas ecoarem ao país inteiro. Queria se fazer conhecido. Assim, acredito, conseguiria maior legitimidade, pois daria total transparência às suas ações.

Em janeiro de 2001 já tínhamos as primeiras notícias acerca dos julgamentos do Supremo colocados no seu site. Era o início de um dos mais bem sucedidos instrumentos de acompanhamento da atuação do STF.

Em 2 de agosto de 2002, sob o comando do ministro Marco Aurélio, a TV Justiça foi inaugurada. O destinatário, segundo o magistrado, era a sociedade brasileira. Uma TV transmitindo ao vivo, sem cortes, as sessões Plenárias do Tribunal. Sem censura. Todos os ministros mostrados à população para que ela própria fizesse seu juízo de valor, sua leitura. Um fato, no mínimo, pioneiro. Uma nova fronteira.

Em 5 de maio de 2004, sob o comando do Presidente Maurício Corrêa, o Supremo inaugurava a Rádio Justiça.

Na ocasião, o ministro aposentado, Aldir Passarinho, disse: "a inauguração representa um marco muito significativo, porque leva às classes menos favorecidas o conhecimento do que se passa no Supremo Tribunal Federal e na Justiça brasileira" [36].

Aqui há um quê de "sociedade aberta dos intérpretes da constituição". Rompendo barreiras, chegando à população, o STF passaria a trazer para o debate constitucional um maior número de pessoas. Foi o que foi feito.

5.5 Outras ações de abertura institucional

Sigo exemplificando ações pontuais implementadas pelo STF nesse processo de abertura institucional à população.

O requisito da pertinência temática exigido, no controle concentrado de constitucionalidade, para as mesas assembléias legislativas, governadores de estados e confederações ou entidades de classe de âmbito nacional foram temperados [37] e, quanto aos partidos políticos, abolido [38].

As agendas de alguns ministros foram disponibilizadas para o grande público.

Os Presidentes tornaram um hábito as entrevistas coletivas de início e encerramento de semestre, com possibilidade de jornalistas, livremente, fazerem questionamentos que entendessem pertinentes.

O Supremo passou a afastar-se da visão atribuída a ele pela própria Constituição Federal e deu início a uma caminhada em busca de legitimidade [39]. Conseguiu?

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Sobre o autor
Saul Tourinho Leal

Professor de Direito Constitucional do Intituto de Ensino Superior de Brasília (IESB). Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Saul Tourinho. O "Fora Gilmar Mendes!" como consequência de um novo Supremo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1848, 23 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11530. Acesso em: 18 dez. 2024.

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