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O erro do seu Jair não foi pedir asilo político

22/08/2025 às 10:00

Resumo:


  • O pedido de asilo político feito à Argentina por Jair Bolsonaro é um direito que qualquer pessoa tem e qualquer Estado pode conceder.

  • A legislação humanitária internacional não faz distinção entre pessoas boas e ruins, sendo todos considerados seres humanos com direitos humanitários.

  • O Brasil não teria obrigação de respeitar o asilo político concedido a Bolsonaro pela Argentina, caso ele conseguisse fugir para lá.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O asilo político é um instituto legítimo do direito internacional, pleiteá-lo não é crime. Concedê-lo é uma prerrogativa soberana de qualquer Estado.

O pedido de asilo político feito à Argentina por Jair Bolsonaro, quer o documento tenha sido escrito por ele ou por qualquer outra pessoa, não deveria despertar tanta histeria. Qualquer pessoa tem o direito de pedir asilo político e qualquer Estado pode conceder esse benefício se entender que deve fazer isso.

Assim como Lula não poderia ser impedido de recorrer à Comissão de Direitos Humanos da ONU contra as injustiças praticadas contra ele pela dupla Sérgio Moro e Deltan Dallagnol com ajuda do TRF-4 e do STJ, Bolsonaro ou qualquer outro brasileiro pode pedir asilo político em outro país. O direito subjetivo nos dois casos é atribuído ao ser humano, qualquer ser humano. Porém, isso não significa que a Comissão de Direitos Humanos da ONU (caso de Lula) ou a Argentina (caso de Bolsonaro) estariam automaticamente obrigadas a conceder aquilo que lhes foi pedido.

Por mais que pareça esquisito, a legislação humanitária internacional não faz distinção entre pessoas boas e ruins, entre brancos e pretos, evangélicos e ateus, inocentes e condenados. Pessoas gentis e violentas, passivas e sanguinárias, são, no âmbito da legislação humanitária internacional, apenas seres humanos. E todos têm ou devem ter os mesmos direitos humanitários. O que não significa que quem cometeu crimes não possa ser processado ou que um condenado por delitos graves não tenha que cumprir pena.

Isso explica porque até tiranos com um longo e bem documentado histórico de crimes de sangue e contra a humanidade, como Idi Amin Dada e Alfredo Stroessner, pediram e obtiveram asilo político quando caíram em desgraça em seus países. O primeiro passou o resto da vida na Arábia Saudita, o segundo foi acolhido pela ditadura militar brasileira. Nos dois casos, a concessão de asilo político foi moralmente questionável, mas não poderia ser juridicamente questionada pelas populações de Uganda e do Paraguai.

Se Jair Bolsonaro conseguisse fugir do Brasil para a Argentina e tivesse o asilo político concedido, o governo daquele país poderia se recusar a repatriá-lo. Essa também seria uma decisão juridicamente irrepreensível. A Argentina pode ou não conceder asilo político a qualquer ser humano. Todavia, isso não significa que o Brasil teria obrigação de entregar aos argentinos um beneficiário de asilo político outorgado pela Casa Rosada.

Suponhamos que a Argentina concedesse asilo político a Jair Bolsonaro antes da condenação. Caso condenado no Brasil, ele pode ser recolhido ao presídio, como qualquer outra pessoa obrigada a cumprir pena em regime fechado. Nosso país não teria que dar nenhuma explicação à Argentina. Assim como o Brasil não pode interferir na decisão de concessão ou não de asilo político em outro país, nenhum outro Estado pode impedir o Brasil de fazer um condenado pela justiça brasileira cumprir a pena que lhe foi imposta.

A jurisdição e a autonomia de decisão política são extensões da soberania. Assim como a Argentina é soberana para conceder asilo político, o Brasil é soberano para processar, julgar, condenar e recolher à prisão um réu (ainda que ele seja estrangeiro ou tenha obtido a garantia de asilo político por outro país).

O governo brasileiro somente teria obrigação de respeitar o asilo político concedido a Jair Bolsonaro se ele conseguisse entrar na Embaixada da Argentina no Brasil. Isso porque a Embaixada é território estrangeiro e a legislação internacional impõe ao país em que ela se encontra o dever de garantir “salvo conduto” ao ser humano que pediu e obteve o asilo político. As relações entre os países são baseadas na cortesia, na inviolabilidade de missões diplomáticas, no respeito à soberania alheia e no princípio da reciprocidade.

No caso de Julian Assange, por exemplo, a Inglaterra decidiu violar sua obrigação internacional. O governo inglês não apenas se recusou a garantir “salvo conduto” para Assange ir da Embaixada equatoriana até o aeroporto, como manteve o local cercado de policiais com ordens de prender o fundador do WikiLeaks caso ele saísse de lá. O governo do Equador protestou, mas não poderia fazer mais do que isso - exceto, talvez, agir da mesma maneira quando alguém entrar na Embaixada da Inglaterra no Equador obtendo direito de asilo concedido por Londres (reciprocidade).

A Argentina pode conceder asilo a Jair Bolsonaro e não precisa dar explicações de sua decisão a nenhum outro país. Ela deve fazer isso? Essa é uma pergunta impertinente. Não compete aos brasileiros, ingleses, norte-americanos, espanhóis etc. decidir o que os argentinos devem fazer ou não. Quando um país fere os interesses de outro, a única coisa que o prejudicado pode fazer é reagir. Essa reação, entretanto, terá que ser proporcional e quase sempre será produto de um cálculo de longo prazo que levará em conta diversos fatores que não tem relação nenhuma com o próprio objeto da disputa.

É evidente que a vida de seu Jair não corre risco no Brasil. Todas as alegações dele e dos filhos dele em sentido contrário são abusivas, absurdas e totalmente desconectadas da realidade. Bolsonaro nunca foi agredido, torturado ou mortalmente ferido por agentes do Estado brasileiro. A dramaticidade dos apelos dele contra a “ditadura do STF” podem e devem ser ignoradas aqui e no estrangeiro. A verdade é que ele não quer ser preso. Mas quem realmente quer cumprir pena em regime fechado no Brasil? Seu Jair é um bebê chorão de 70 anos. A conduta dele é ridícula, indigna de um militar valentão e de um político que chegou à presidência da república.

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A última coisa que pode ser dita sobre esse assunto é a seguinte: ninguém pode punir o ex-presidente ou qualquer ser humano por cogitar pedir asilo político, por tentar fazer isso ou por obter esse direito de outro país. O asilo político é um instituto legítimo do direito internacional, pleiteá-lo não é crime. Concedê-lo é uma prerrogativa soberana de qualquer Estado. Também não é crime o réu se abrigar numa Embaixada estrangeira com medo de ser condenado, preso e assassinado. Isso é compreensível, mesmo que moralmente questionável. Mas o réu não pode ameaçar o Tribunal ou o juiz encarregado de julgá-lo. Isso é crime e seu Jair e os filhos e parceiros dele (pastores evangélicos incluídos) devem responder por seus atos.

Quais foram os erros do seu Jair? Ele cometeu muitos, alguns deles não são apenas erros e sim fatos típicos descritos no Código Penal. E para piorar, o capitão valentão choramingão continuou cometendo erros e crimes após ter sido denunciado pelo golpe fracassado. Mas existe um erro de avaliação que seu Jair poderia não ter cometido.

Bolsonaro fugiu para os EUA antes da orgia de violência golpista em Brasília. Ele poderia ter ficado lá ou viajado dos EUA para outro país. Talvez o maior erro dele tenha sido retornar ao Brasil, acreditando que sua conduta não seria investigada e enquadrada na legislação penal. Ingenuidade, credulidade religiosa, certeza de impunidade ou assessoria jurídica deficiente? É difícil responder essa pergunta. Forças ocultas que fizeram Jânio Quadros renunciar em 1961, forças incultas parecem ter convencido seu Jair retornar ao nosso país em 2023. Agora ele só pode fazer uma coisa: aguardar o resultado da prisão e eventualmente cumprir a pena que lhe for atribuída.

Se o ex-presidente tentar se esgueirar para a Embaixada da Argentina ele pode ser preso antes de entrar nela. Se conseguir entrar nela, o caso Bolsonaro ganhará a mesma dimensão que a de Julian Assange. Mas suponho que o Brasil não agirá da mesma forma que a Inglaterra. A questão é saber se os argentinos podem suportar sanções econômicas por causa do incidente ou mesmo se o Brasil está em condições de deixar de ganhar dinheiro com o comércio bilateral Brasil/Argentina por causa de um crápula que se comporta de maneira vergonhosa.

A fuga de Bolsonaro para a Argentina teria no mínimo uma consequência importante. A partir do momento que ele estivesse fora do país, Donald Trump não poderia mais impor sanções contra o Brasil sob alegação de que os “direitos humanos” do parceiro dele estão sendo violados por Ministros da Suprema Corte. Toda a questão em torno das tarifas e do uso da Lei Magnitsky ganharia uma nova significação.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. O erro do seu Jair não foi pedir asilo político. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8087, 22 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115319. Acesso em: 5 dez. 2025.

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