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A reforma dos dispositivos processuais penais relativos à prova: Lei n.º 11.690/2008

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A Lei n.º 11.690, de 9 de junho de 2008, originária do Projeto de Lei n.º 4.205/2001, alterou dispositivos do Código de Processo Penal vigente (Decreto-Lei n.º 3.689/1941), aditando ou reformulando especificamente os seus seguintes artigos: 155, 156, 157, 159, 210, 212, 217 e 386.

Sem o objetivo de esgotar o tema, bem como respeitadas as opiniões contrárias, algumas considerações iniciais devem ser desenvolvidas.


I) Considerações sobre o novo art. 155 do CPP:

Quadro Comparativo I

Decreto-Lei n.º 3.389/1941 Lei n.º 11.690/2008
Art. 155 – No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas, serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil. Art. 155 – O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Parágrafo único – Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

O caput do novo art. 155 do CPP, cuja redação legal é posterior à Lei 11.689/2008 (informando-a subsidiariamente) apenas ratifica o espírito do legislador no sentido de impedir qualquer decisão do Poder Judiciário, por meio de seus órgãos, baseada exclusivamente em elementos informativos, produzidos sem a chance do contraditório.

Com a exceção notória das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, as primeiras e as últimas que continuarão a exigir notável bom senso judicial para a aferição da necessidade e instrumentalidade.

O parágrafo único do atual art. 155 do CPP repete a o caput revogado deste artigo, isto é, essencialmente como redigido no Decreto-Lei de 1941.


II) Art. 156 e sua nova redação:

Quadro Comparativo II

Decreto-Lei n.º 3.389/1941 Lei n.º 11.690/2008
Art. 156 – A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Art. 156 – A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

O novel art. 156 do CPP, por sua vez, reforça a idéia contrária à inércia judicial no Processo Penal Brasileiro, permitindo que o magistrado ordene, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, sempre observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.

Também permite, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, que sejam realizadas diligências para dirimir dúvidas sobre pontos relevantes.

É mais um ponto negativo da reforma.

O juiz não pode se transformar em acusador ou defensor. Não deve ser investido na qualidade de "juiz investigador", principalmente se considerada a fase anterior ao início da ação penal. Deve manter-se em posição que não abale a sua imparcialidade na busca da verdade real.

Não deve, por exemplo, no mesmo contexto debatido, restabelecer, ao final do Feito, instrução criminal contra o acusado.

O sistema é acusatório. Cada sujeito processual tem suas funções delimitadas.

Ampliou-se, com esta previsão expressa, o campo para eventuais e futuras nulidades.

A reforma estimula a atividade persecutória do magistrado. Aqueles que verdadeiramente atuam na seara da justiça criminal sabem que é uma permissão perigosa. Não por causa de qualquer mácula presumida e dolosa, quanto ao órgão jurisdicional. Longe disso.

O fato é que não se deve permitir determinadas concessões arriscadas, diante da exigência de imparcialidade do juiz - este que é pessoa humana, por isso falha - quando se está em debate efeitos diretamente ligados ao bem "liberdade humana".

Impõe-se, isto sim, obstaculizar ao máximo qualquer afetação - mesmo que culposa e humana - à "paridade de armas" entre a acusação e a defesa. O juiz deve ser e parecer imparcial e, por isso, admitir-se a colheita de elementos, antes mesmo de iniciada a ação, bem como depois de seu início, pode revelar a convicção judicial ou viciá-la, em nítido prejuízo daqueles sujeitos que atuam nos diferentes pólos do rito processual pertinente.

Deve-se interpretar com parcimônia o termo "urgência", a exemplo do que entende a farta doutrina que atentou para o enunciado do art. 366 do CPP vigente, não havendo como considerar urgente a prova testemunhal já produzida, mesmo na fase policial, ou ainda, a mera possibilidade de "esquecimento" dos fatos pelas testemunhas, em virtude do decurso do tempo.

Para esclarecer:

O Código de Processo Penal admite a analogia (cf. art. 3.º do CPP). Portanto, visitado o Código de Processo Civil, percebe-se a existência de requisitos e pressupostos previstos nos arts. 846 a 851 do referido Codex, os quais, ausentes, indicam impedimento a determinação judicial quanto ao colhimento antecipado da prova, notadamente a testemunhal.

Mais: considerada a especificidade do procedimento cautelar, impossível de se admitir a flexibilidade pretendida por alguns doutrinadores, no que se refere à expressão "provas consideradas urgentes". Portanto, nem toda prova deve ser colhida ad perpetuam rei memoriam.

Não se pode transformar em regra a exceção.

GUILHERME DE SOUZA NUCCI, desenvolvendo o tema e esclarecendo os posicionamentos existentes, exemplifica:

"Ouvir uma criança, que tenha visto um crime, é urgente, pois o próprio desenvolvimento físico e psicológico do informante pode alterar-se, comprometendo importantes dados armazenados em sua memória. Entretanto, ouvir uma pessoa que, na fase policial, já declarou que apenas ouvir dizer a respeito de quem seria o autor do crime, sem fornecer nenhum outro dado relevante, é indevido". (Código de Processo Penal Comentado – 7.ª edição revista, atualizada e ampliada; São Paulo: RT, 2008 – pp. 648-9).

No Boletim IBCCRIM n.º 42, de junho de 1996, manifestou-se DAMÁSIO E. DE JESUS, da seguinte forma:

"Provas urgentes: caso de necessidade de testemunha ausentar-se da Comarca, velhice, doença (p. ex. iminência de cirurgia cardíaca), etc., que inspirem ao juiz receio de que não possam ser produzidas no futuro (CPP, Art. 225). Não se trata, pois, de antecipar-se a realização de qualquer prova, como v. g., a testemunhal, sob a alegação de que é comum não se encontrar pessoas que devam depor em Juízo, por razões de mudança de residência, morte etc. Caso contrário, não teria sentido a expressão ‘urgentes’ empregada no texto."

Da lavra do extinto TACrimSP, tem-se:

"Na produção antecipada de provas previstas no art. 366 do CPP, com a redação dada pelo art. 1.º da Lei 9.271, de 17.04.1996, o seu deferimento depende do exame de cada caso concreto, não sendo possível a formulação do pedido como rotina (indiscriminado e generalizado), sem explicar a urgência da medida." (TACrimSP – MS – 6.ª C. Rel. Penteado Navarro – j. 11.03.98 - RT 755/632).

São admitidas exceções, claro! Mas desde que objetivamente fundamentadas, jamais admitida a mera repetição do texto legal e a forma lacônica ou genérica, marcada pelo subjetivismo. As exceções, não podem ser utilizadas como negativa geral do entendimento doutrinário e jurisprudencial uniforme!

Não são os casos isolados, onde eventualmente se permite a antecipação de prova testemunhal, quando caracterizada a urgência, hábeis a automatizar a atuação judicial que crie prejuízos às garantias constitucionais dos cidadãos acusados de um delito.

Não se pode fracionar o tempo para tentar criar uma espécie de "urgência tabelada".

Neste sentido, regra geral sobre a matéria foi bem delimitada e oportunamente uniformizada pelo Superior Tribunal de Justiça.

A Terceira (3.ª) Seção do STJ, por meio dos Embargos de Divergência em Recurso Especial n.º 469.775-SP, Relatora Ministra LAURITA VAZ, DJ de 02.03.2005, publicado na Revista Eletrônica de Jurisprudência do STJ, firmou e uniformizou o entendimento acerca do tema da antecipação de prova testemunhal baseada no decurso do tempo, da seguinte forma:

"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. POCESSUAL PENAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. ART. 366 DO CPP. PEDIDO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA TESTEMUNHAL. INDEFERIMENTO. POSSIBILIDADE. CARÁTER DE URGÊNCIA INDEMONSTRADO.

1. A produção antecipada de provas está adstrita àquelas consideradas de natureza urgente pelo Juízo processante, consoante sua prudente avaliação, no caso concreto.

2. Não serve como justificativa do pedido a alusão abstrata e especulativa no sentido de que as testemunhas podem se esquecer dos fatos ou que poderão mudar de endereço ou até vir a falecer durante o tempo em que perdurar a suspensão do processo. Muito embora sejam assertivas passíveis de concretização, não passam, no instante presente, de mera conjectura, já que desvinculadas de elementos objetivamente deduzidos."

Dirão que: se os elementos colhidos na fase policial não poderão ser exclusivamente considerados na decisão judicial futura, deveria ser antecipada a instrução probatória judicial - e com freqüência - para que não se permitisse a possibilidade de impunidade.

Trata-se de falácia, pois o eventual quadro indiciário policial terá valor, desde que não seja exclusivamente considerado e confirmado pelas provas colhidas sob o crivo do contraditório. E mais, caso venha a falecer alguma testemunha que já foi ouvida no procedimento administrativo apuratório, isto é, no Inquérito Policial, esse testemunho passa a ser "não-repetível", portanto pode perfeitamente ser considerado pelo Juízo competente, havendo necessidade, sempre atento ao princípio da relatividade das provas.


III) O art. 157 do CPP e o desentranhamento de provas ilícitas:

Quadro Comparativo III

Decreto-Lei n.º 3.389/1941 Lei n.º 11.690/2008
Art. 157 – O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova. Art. 157 – São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1.º - São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2.º - Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. § 3.º - Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. § 4.º - (vetado)
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No art. 157 do CPP, com a nova redação trazida pela Lei n.º 11.690, tem-se - expressamente - a inovação relativa ao desentranhamento do processo daquelas provas consideradas ilícitas, inclusive por derivação, além do estabelecimento do procedimento adequado para tanto.

Tratava-se de omissão legal, que permitia fossem mantidas essas provas imprestáveis nos autos, caso desconsidera a melhor interpretação constitucional e a orientação atenta de alguns julgados das Cortes Brasileiras.

Deverá ser aplicado analogicamente ao procedimento do Júri, impedindo-se prejuízo à Defesa, pois as particularidades daquele rito exigiam, como ainda exigem, o referido desentranhamento.

Antes, mais por decorrência interpretativa e constitucional, e agora também por imposição legal expressa, não se vê motivos honestos e justos, para serem mantidos elementos essencialmente eivados nos autos processuais, prova imprestável, ilícita e ilegítima, que não poderá, aliás, ser utilizada pelos sujeitos processuais.

No entanto, deve-se atentar para a admissão do princípio da proporcionalidade pro reo, evitando-se, ao máximo, os nefastos erros judiciários.

Houve veto presidencial ao § 4.º do novo art. 157, em nome da celeridade processual.

Tal parágrafo impedia o magistrado, conhecedor do conteúdo daquela prova considerada inadmissível, de proferir decisão, em qualquer instância ("§4º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.").

Embora não convincentes, as razões do veto constam da Mensagem n.º 350/2008, in verbis:

"Razões do veto

O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso.

Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.

Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o dispositivo acima mencionado do projeto em causa, a qual ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional."

O termo sentença vem do latim sentire, o que vale para os acórdãos, decisões colegiadas que não abdicam desta origem.

O juiz ou desembargador que conhecer de prova ilícita, mesmo excluída, não teria a sua convicção, o seu sentir sobre o desfecho devido maculado pela prova eivada que conheceu em determinado momento procedimental?

A falta de estrutura estatal e a saga eficientista - trazida ao Processo e Direito Penal pela Globalização -, a luta sem limites pela celeridade, não podem gerar a afetação da justiça e/ou causar o prejuízo dos princípios-garantias fundamentais.

Equivocado e cientificamente injustificável o veto presidencial.


IV) Retrocesso e contradição sistemática - perito único:

Quadro Comparativo IV

Decreto-Lei n.º 3.389/1941 Lei n.º 11.690/2008
Art. 159 – Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois peritos oficiais. Art. 159 - O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1.º - Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. § 2.º - Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. § 3.º - Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico. § 4.º - O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão. § 5.º - Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. § 6.º - Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação. § 7.º - Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico."
Art. 160 – Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.
Art. 162 – A autópsia será feita pelo menos 6 (seis) horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.
Art. 165 – Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente rubricados. § 1.º - No exame complementar, os peritos terão presente o auto de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo.
Art. 170 – Nas perícias de laboratórios, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou micrográficas, desenhos ou esquemas.
Art. 171 – Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado.
Art. 172 – (...) Parágrafo único – Se impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por meio dos elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências.
Art. 178 – No caso do art. 159, o exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição, juntando-se ao processo o laudo assinado pelos peritos.
Art. 179 – No caso do §1.º do art. 159, o escrivão lavrará o auto respectivo, que será assinado pelos peritos e, se presente ao exame, também pela autoridade. Parágrafo único – No caso do art. 160, parágrafo único, o laudo, que poderá ser datilografado, será subscrito e rubricado em suas folhas por todos os peritos.
Art. 180 – Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos.

Outro ponto que representou equívoco do legislador: a legalização contraditória diante de outros dispositivos vigentes e não alterados, relativa à permissão de perito oficial único, conforme o novo art. 159 do CPP.

Apesar da aparente inexistência de nulidades, decorrente da nova redação - esta nitidamente, e neste ponto, preocupada em legalizar a falta de estrutura estatal e legitimar entendimento que já era afastado pela jurisprudência e pela doutrina - ainda é possível a cogitação de nulidades, bem como a decretação delas pelo juízo atento.

A atividade de perito único, em tese e supostamente, não mais contraria o art. 159 do CPP, cuja redação era a seguinte: "Os exames de corpo de delito e outras perícias serão, em regra, feitos por peritos oficiais."

Mesmo assim, interessante notar que a novel lei manteve a necessidade, onde não existir o perito oficial, de duas pessoas idôneas, estas portadoras de diplomas de cursos superiores, escolhidas pelo Juízo, nas áreas de suas especialidades, para a realização conjunta do exame.

Ainda, existe a sedimentada posição do STF, revelada pela Súmula n.º 361 do STF: "No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão."

Por equívoco, tendo-se em vista que seriam poucas as Comarcas que disporiam de perito oficial, ainda mais de dois deles, surgiram apressados e ultrapassados entendimentos de que o verbete da Súmula se referia apenas aos peritos inoficiais.

Porém, por evidente, em cores fortes, que o enunciado sempre se referiu aos peritos oficiais e também aos inoficiais.

Note-se, ainda, que a interpretação e consideração contextual dos arts. 178 e 179 do CPP, não alterados pela Lei em comento, demonstra a necessidade de dois peritos oficiais.

Ou seja: o art. 178 do vigente Código Processual Penal, aludindo à perícia oficial, usa o termo "peritos" (no plural). Por sua vez, o art. 179, também do CPP e não alterado ou revogado, tratando dos peritos inoficiais, da mesma forma usou a palavra "peritos" (plural).

Não resta a menor dúvida de que, em ambas as hipóteses, são necessários dois peritos, e que a atual redação do art. 159 mostra-se conflituosa com o sistema processual penal atinente ao tema.

A pressa é inimiga da perfeição.

A redação do art. 180 do CPP deixa a matéria ainda mais cristalina: trata da divergência entre peritos, asseverando que "cada um redigirá, separadamente, o seu laudo...".

Nesta linha, importante verificar, também, a redação dos arts. 160; 162; 165; 168, § 1.º; 170; 171; 172, parágrafo único; 173 e 179, todos do CPP e não alterados pela Lei n.º 11.690 de 2008.

A Doutrina sempre caminhou nesse sentido, consignando o seguinte:

"Dizia-se que, sendo oficial a perícia, o exame podia ser realizado por apenas um perito, não se aplicando a referida súmula. A Lei n.º 8.862, de 28-3-1994, dando nova redação ao artigo 159, caput, do CPP, determina expressamente que os exames de corpo de delito e as outras perícias ‘serão feitos por dois peritos oficiais’, tornando ultrapassada essa jurisprudência em sentido contrário." (Mirabete, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18.ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2006 – p. 262).

MAGALHÃES NORONHA, na obra Curso de Direito Processual Penal, 6.ª edição, São Paulo : Saraiva, 1973, p. 96, expressou o seguinte entendimento sobre o número de peritos oficiais necessários durante a realização do "exame": "serão eles dois pelo menos".

A exigência, principalmente diante da edição da Lei n.º 8.862/1994, que alterou a redação de dispositivos do CPP pertinentes à realização de exames de todas as naturezas, não pode ser considerada inútil, pois tentou adequar a realidade, o pragmatismo às exigências que permanecem no CPP, apenas excluída a necessidade de peritos oficiais em dupla pela nova redação do art. 159, diga-se de passagem, conflituosa com os demais dispositivos legais pertinentes.

O erro que a Lei de 1994 tentou consertar, a exemplo da mencionada súmula, infelizmente mal interpretada, foi mantido pela nova redação em debate, permitindo-se que, com mais elementos, na prática pericial oficial, apenas um perito realize o "exame", que será, como de costume, apenas subscrito pelo segundo.

Tudo é importante e complexo numa perícia, merecendo a devida atenção.

Dir-se-á que a Lei de 2008 considera a possibilidade da nomeação de mais de um perito oficial e mais de um assistente técnico naquelas investigações periciais complexas.

Porém, como dito, todas o são! A busca da celeridade não pode atropelar direitos fundamentais e a cautela característica aos Feitos Criminais. E, se dúvida ainda resta, pode-se mencionar que a própria Lei n.º 11.689/2008, que alterou o rito do Júri, também faz menção em sua redação, quando menciona eventuais esclarecimentos periciais a serem prestados, do termo plural: "peritos".

Basta, para exemplificar, a leitura do art. 411 e de seu § 1.º, da Lei n.º 11.689/2008, sancionada na mesma oportunidade daquela que ora se aborda:

"Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.

§ 1º Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz."

E, nem sempre um exame necroscópico exigirá peritos especialistas em diversas áreas de conhecimento. O médico perito é o que atua na maioria absoluta desses casos. Poder-se-ia classificar, então, a atividade dessa perícia em caso de homicídio, realizada por legista médico, sem a necessidade de outros com especialidades em diversas áreas de conhecimento, num delito contra a vida, por exemplo, como não-complexa ou simples?

Permanecendo no âmbito do art. 159 do CPP, tem-se a inovação legal consistente na expressa permissão da atuação de assistentes técnicos, o que já era pleiteado pelo meio jurídico, merecendo aplausos.

No entanto, é preciso refletir como o Estado poderá garantir o direito aos pobres, na acepção jurídica do termo, de nomearem assistentes, a fim de não se estabelecer, indiretamente, violação à isonomia. Quem sabe mediante convênios entre as Defensorias e os Conselhos Médicos, enfim, isso deve ser refletido pelas autoridades, registrando-se o alerta.

Também foi prevista, mediante requerimento da parte, a disponibilização do material probatório que serviu de base à perícia no próprio ambiente do órgão oficial, salvo se impossível a sua conservação (v. §§ 6.º e 7.º).

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Sobre o autor
Érick Vanderlei Micheletti Felicio

Advogado Criminalista. Bacharel em Direito pela Universidade de Sorocaba (UNISO). Especialista em Direito Constitucional Brasileiro pela Universidade São Francisco (USF). Mestre em Direito da Saúde pela Universidade Santa Cecília (UNISANTA). E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIO, Érick Vanderlei Micheletti. A reforma dos dispositivos processuais penais relativos à prova: Lei n.º 11.690/2008. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1850, 25 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11532. Acesso em: 29 mar. 2024.

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