Palavras-chave: Neoliberalismo, Desigualdade, Extrema-Direita, Social-Democracia, Populismo, Thomas Piketty, Mídia Digital, Democracia, Conflito Político, Karl Popper, Sociedade Aberta, Escola de Chicago, Jürgen Habermas, Democracia Deliberativa, Inclusão, Axel Honneth, Reconhecimento, Estado Democrático de Direito, Neurociência Política, Desinformação, Carl Gustav Jung, Inconsciente Coletivo, Arquétipos, Viktor Frankl, Busca por Sentido, Anarquismo Político, Anarco-Capitalismo.
Sumário: 1. Introdução. 2. O cenário de crises interligadas e a vulnerabilidade da psique coletiva. 3. A profundidade do inconsciente coletivo na política. 4. O legado do neoliberalismo a desigualdade e o vazio existencial. 5. O enfraquecimento social-democrata e a busca por identidade. 6. Ascensão da extrema-direita capitalismo digital e a sociedade aberta em risco. 7. A cooptação e distorção de ideais o anarquismo de direita. 8. Diálogo entre teorias rumo a uma arquitetura cerebral da democracia. 9. O futuro inquieto neoliberalismo social-democracia e extrema-direita na era digital uma batalha pelas mentes. 10. Mecanismos de resiliência democrática fortalecendo as defesas. 11. Conclusão final reinventando o contrato social em tempos de crise. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo explora a interconexão entre o declínio do projeto neoliberal, o aumento da desigualdade socioeconômica e a ascensão da extrema-direita em escala global. As políticas neoliberais, influenciadas pela Escola de Chicago, priorizaram a acumulação de capital em detrimento da coesão social, gerando ressentimento e desilusão. A incapacidade da social-democracia de oferecer alternativas robustas criou um vácuo de representação, aprofundado pela emergência de novas clivagens político-eleitorais, exploradas pela extrema-direita por meio de narrativas populistas que ativam respostas cerebrais primitivas e utilizam tecnologias de mídia de forma estratégica.
Discute-se, ainda, como aspectos retóricos do anarquismo político são paradoxalmente cooptados e distorcidos por setores da extrema-direita, em especial o anarco-capitalismo, para justificar o desmantelamento do Estado social em favor da liberdade de mercado. Embora com objetivos opostos à busca anarquista por uma sociedade solidária e sem hierarquias, tal discurso é instrumentalizado politicamente. A análise é enriquecida pelas perspectivas de Thomas Piketty sobre a ideologia como modeladora cerebral e a igualdade como construção política; por Karl Popper, que, ao defender a sociedade aberta, adverte contra os riscos autoritários de ideologias totalizantes; e por Jürgen Habermas, que, ao propor a democracia deliberativa e a “inclusão do outro”, amplia o debate em diálogo com a teoria do reconhecimento de Axel Honneth.
O texto também integra os modelos de Estado Constitucional desenvolvidos por Carlos Eduardo Araújo de Carvalho e as ideias de Carl Gustav Jung sobre o inconsciente coletivo e os arquétipos, que explicam a força simbólica das narrativas populistas. Por fim, incorpora a logoterapia de Viktor Frankl, demonstrando como o vazio existencial gerado pelas crises contemporâneas cria terreno fértil para ideologias que oferecem sentidos pré-fabricados.
2. O CENÁRIO DE CRISES INTERLIGADAS E A VULNERABILIDADE DA PSIQUE COLETIVA
O século XXI testemunha uma profunda crise de legitimidade que abala as bases da ordem e do progresso. A ascensão de movimentos de extrema-direita em democracias consolidadas, acompanhada de um sentimento generalizado de desilusão, indica uma transformação estrutural na relação entre as sociedades e suas instituições. Este artigo busca desvendar as complexas conexões entre o esgotamento do paradigma neoliberal, o aprofundamento das desigualdades socioeconômicas e o fortalecimento da extrema-direita.
A incapacidade de enfrentar as consequências sociais e econômicas do neoliberalismo gerou uma vulnerabilidade psicológica que permite a exploração do descontentamento por discursos populistas da extrema-direita. Essas narrativas, frequentemente emocionais e simplificadoras, acionam respostas cerebrais que buscam certezas imediatas e rejeitam a complexidade.
Após a crise financeira de 2008, que expôs as fragilidades do sistema global e a ineficácia de muitas regulações neoliberais, observou-se o crescimento do descontentamento e da desconfiança nas instituições políticas e econômicas. Países que adotaram políticas de austeridade — como Grécia, Espanha e Portugal — registraram o fortalecimento de movimentos populistas e de extrema-direita, em resposta direta à perda de segurança econômica e à percepção de que as elites não atendiam aos interesses da população. Na Grécia, por exemplo, o partido Aurora Dourada ganhou espaço relevante em meio à crise.
Thomas Piketty, em Uma Breve História da Igualdade (2021), sustenta que a igualdade não é natural, mas uma “construção política” em permanente disputa. Sua fragilidade se revela diante de ideologias totalitárias, como advertiu Karl Popper em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945). Essas ideologias oferecem uma falsa sensação de ordem, explorando a aversão à incerteza e promovendo a rejeição do pensamento crítico, substituindo o debate democrático por soluções simplistas que reduzem o estresse cognitivo.
A ascensão de regimes autoritários no século XX, como o fascismo e o nazismo, ocorreu em contextos de crise econômica e social profunda, nos quais a busca por estabilidade levou à aceitação de líderes fortes e ideologias simplificadoras que prometiam restaurar a grandeza nacional e eliminar “inimigos” internos e externos. Esses movimentos exploraram medos coletivos, oferecendo bodes expiatórios e prometendo um retorno a uma suposta “época de ouro”.
Para fortalecer a democracia, torna-se indispensável uma abordagem robusta e inclusiva. O modelo da democracia deliberativa de Jürgen Habermas, com ênfase na Inclusão do Outro (1996), é fundamental, pois a inclusão ativa nossos circuitos de recompensa social e reduz a percepção de ameaça. De forma complementar, a teoria do reconhecimento de Axel Honneth, em A Luta por Reconhecimento (1992), aprofunda a compreensão das motivações psicossociais dos conflitos e da busca por uma sociedade justa. A análise da evolução do Estado Democrático de Direito, conforme Carlos Eduardo Araújo de Carvalho, também contribui para compreender sua adaptação e reinvenção.
3. A PROFUNDIDADE DO INCONSCIENTE COLETIVO NA POLÍTICA
Além das análises socioeconômicas e políticas, é essencial compreender a dimensão psicológica profunda que sustenta a adesão a determinadas narrativas. A obra de Carl Gustav Jung sobre o inconsciente coletivo e os arquétipos oferece uma lente poderosa para entender como forças políticas, especialmente a extrema-direita, exploram padrões inatos de percepção, emoção e comportamento.
Jung postulou a existência de um nível da psique comum a toda a humanidade, composto por formas pré-existentes e universais: os arquétipos. Esses padrões, herdados coletivamente, manifestam-se em símbolos, mitos e, crucialmente, na cultura e na política. Em tempos de crise, quando estruturas racionais falham em oferecer segurança, tais conteúdos arquetípicos tendem a ser ativados. A psique coletiva, em busca de ordem e significado, projeta esses padrões em figuras políticas ou ideologias que prometem restaurar o equilíbrio.
A extrema-direita, com narrativas simplistas e carregadas de emoção, demonstra habilidade em mobilizar arquétipos. Utiliza o Arquétipo do Herói/Salvador para apresentar líderes carismáticos que prometem resgatar a nação em momentos de desespero. Historicamente, Benito Mussolini e Adolf Hitler construíram imagens públicas de “salvadores da pátria”, prometendo restaurar a grandeza e a ordem em períodos de crise. Mais recentemente, Donald Trump, com o slogan Make America Great Again, e Jair Bolsonaro, autodenominado “mito” contra um sistema corrupto, também recorreram a esse arquétipo.
Outro recurso é o Arquétipo da Sombra, que projeta o reprimido em minorias ou instituições, transformando-os em bodes expiatórios para frustrações coletivas. O antissemitismo nazista, que demonizou os judeus como causa de todos os males da Alemanha, é um exemplo extremo dessa projeção. Em contextos contemporâneos, a retórica anti-imigração ou a demonização de grupos “progressistas” ou “globalistas” refletem a mesma dinâmica de atribuição de culpa a um “outro” identificável.
A extrema-direita também mobiliza o Arquétipo do Velho Sábio/Anima/Animus Coletivo, que se manifesta na busca por uma verdade absoluta e no retorno a valores “tradicionais”. Movimentos conservadores invocam uma suposta “época de ouro” passada, prometendo restaurar valores morais, religiosos ou culturais tidos como perdidos. Essa nostalgia seletiva serve como poderoso apelo emocional, oferecendo estabilidade e continuidade em tempos de rápidas mudanças.
Ao ativar esses arquétipos inconscientes, a extrema-direita transcende o debate racional e apela diretamente às camadas mais profundas da psique coletiva. Assim, a crise de legitimidade não se reduz a uma falha institucional, mas também se revela como uma crise psicológica compartilhada.
4. O LEGADO DO NEOLIBERALISMO, A DESIGUALDADE E O VAZIO EXISTENCIAL
A partir da década de 1980, as políticas neoliberais, influenciadas pela Escola de Chicago, tornaram-se dominantes. Apesar das promessas de prosperidade, resultaram em um alarmante aumento da desigualdade, que ativa nossos centros cerebrais de aversão à injustiça. A narrativa neoliberal de mercados livres e racionalidade individual oferece uma estrutura clara para entender a economia, mesmo que a realidade seja complexa.
Thomas Piketty, em O Capital no Século XXI (2014), demonstra que a dinâmica capitalista leva naturalmente à concentração de riqueza. Dados do World Inequality Database (WID.world) mostram que, globalmente, os 10% mais ricos detinham aproximadamente 52% da renda global em 2021, enquanto a metade mais pobre da população mundial ficava com apenas 8%. Essa concentração é ainda mais acentuada na posse de capital, com os 10% mais ricos controlando cerca de 76% da riqueza global em 2021.
A desigualdade, quando percebida como injusta, ativa áreas do cérebro associadas à raiva e frustração. O período de relativa igualdade no século XX foi resultado de escolhas políticas (Piketty, 2021), e seu desmantelamento sob o neoliberalismo reativou as forças da desigualdade, mostrando que esta é uma consequência de decisões ideológicas. Em Capital e Ideologia (2020), Piketty destaca o papel das narrativas ideológicas na justificação da desigualdade. A retórica da "meritocracia", embora atraente por prometer controle, mascara a realidade de que a riqueza é frequentemente determinada por herança e renda do capital. Autores como David Harvey (2005) veem o neoliberalismo como um projeto de restauração do poder das elites.
A precarização do trabalho, com o crescimento de empregos informais e sem benefícios – no Brasil, por exemplo, a taxa de informalidade atingiu 39,1% da população ocupada no final de 2023, segundo o IBGE – mina a coesão social e ativa nossos sistemas de percepção de ameaça social, impulsionando a busca por mudança.
A intensificação da desigualdade sob o neoliberalismo cria um ambiente psicológico propício à ativação de conteúdos arquetípicos. Quando as estruturas econômicas falham em fornecer segurança e a dignidade do trabalho é corroída, um profundo senso de insegurança e desorientação se instala. Nesse vácuo, narrativas ideológicas, como as populistas de extrema-direita, ressoam com anseios e medos profundos do Inconsciente Coletivo. A desigualdade extrema pode ativar o Arquétipo do Caos/Desintegração, levando a uma busca desesperada por soluções que restabeleçam controle e previsibilidade.
A percepção de injustiça e a negação de reconhecimento (Honneth) acionam raiva e frustração, que podem se manifestar coletivamente através da projeção da Sombra em bodes expiatórios. As ideias de Viktor Frankl sobre a busca por sentido (1984) são cruciais aqui. A crise do neoliberalismo, ao precarizar o trabalho e fragmentar comunidades, contribui para um vazio existencial. A extrema-direita capitaliza essa "vontade de sentido" frustrada, oferecendo: um propósito coletivo que transcende a vida cotidiana, uma identidade forte e exclusiva baseada em nacionalidade, raça ou religião, e a promessa de certeza e segurança ao restaurar uma ordem perdida e eliminar inimigos.
Jürgen Habermas aborda a crise de legitimidade e a colonização do "mundo da vida" pelos sistemas econômicos. A lógica instrumental do mercado se sobrepõe à racionalidade comunicativa, comprometendo a legitimidade do sistema. A desigualdade, para Habermas (1987), é uma falha na capacidade da sociedade de produzir consenso e integrar-se. Axel Honneth (1992) complementa, argumentando que a precarização e marginalização resultam em desrespeito, afetando a autoestima e o autorrespeito. A negação de reconhecimento leva a uma "experiência de desvalorização social", impulsionando a luta por reconhecimento e a busca por validação em narrativas que prometam valor.
5. O ENFRAQUECIMENTO SOCIAL-DEMOCRATA E A BUSCA POR IDENTIDADE
O vácuo de representação deixado pelo neoliberalismo foi preenchido por movimentos populistas de extrema-direita, que exploram a insegurança econômica e a perda cultural. Suas explicações simplistas culpabilizam imigrantes, minorias e instituições, ativando nossos circuitos de ameaça social e o viés de grupo.
A falha da social-democracia em se adaptar, adotando pautas neoliberais, resultou em perda de identidade e minou a confiança. A globalização e desindustrialização erodiram sua base tradicional, intensificando a fragmentação social. A esquerda, por vezes focada em identidades, foi percebida como distante das "questões de classe", como Piketty (2020) aponta na desconexão entre a "bramana-esquerda" e a "esquerda popular". Isso abriu brechas para a extrema-direita, que se apresentou como a voz do "povo" esquecido.
Piketty et al. (2023) mostram novas clivagens eleitorais, como "globalista" versus "nativista". O eleitorado "nativista", ameaçado pela globalização, busca proteção da segurança econômica e identidade cultural. Esses sentimentos, enraizados em nosso sistema límbico, são explorados pela extrema-direita, que ativa nossos vieses de confirmação ao reforçar o "nós contra eles". Exemplos notáveis da ascensão da extrema-direita incluem o crescimento do partido Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia), que passou de 4,3% dos votos em 2018 para 26% em 2022, levando Giorgia Meloni ao poder; e o avanço da Alternativa para a Alemanha (AfD), que se tornou a segunda maior força em algumas eleições regionais e obteve cerca de 10% a 15% dos votos em eleições nacionais recentes, marcando uma presença significativa no Bundestag. (Fontes: resultados eleitorais oficiais e análises de institutos de pesquisa como o ECFR e Pew Research Center).
A teoria do reconhecimento de Axel Honneth elucida essa dinâmica: a "busca por pertencimento e identidade" é uma resposta a experiências de desrespeito e desvalorização agudizadas pelo neoliberalismo e pela globalização. Quando as instituições falham em proporcionar as bases para a autoconfiança e autoestima, os indivíduos tornam-se vulneráveis a narrativas que prometem restaurar seu valor, buscando novas formas de solidariedade e pertencimento, mesmo que exclusivistas.
A perspectiva de Jürgen Habermas sobre a formação da identidade, que ocorre na interação comunicativa dentro do "mundo da vida", é também relevante. Quando o "mundo da vida" é colonizado por sistemas como o mercado, as esferas de formação de identidade são perturbadas. O enfraquecimento da social-democracia e a fragmentação social são sintomas dessa colonização. A promessa da extrema-direita de restaurar uma identidade homogênea é uma resposta à dificuldade de construir identidades plurais em uma sociedade fragmentada, onde a ação comunicativa é substituída por narrativas simplistas.
Nesse contexto de fragmentação e busca por pertencimento, as observações de Viktor Frankl sobre a "neurose de massa" e o "vazio existencial" tornam-se particularmente relevantes. Frankl (1984) argumenta que a falta de sentido na vida moderna, exacerbada pela despersonalização e pela supervalorização do sucesso material, leva a um profundo mal-estar psicológico. A social-democracia, ao não conseguir oferecer uma narrativa de futuro e pertencimento que preencha esse vazio, perdeu a capacidade de mobilizar as massas.
A extrema-direita, em contraste, soube capitalizar essa "vontade de sentido" frustrada, fornecendo um propósito coletivo simplificado, uma identidade forte e exclusiva, e a promessa de certeza e segurança por meio da exclusão do "outro". Essa dinâmica alinha-se com a logoterapia, que vê o ser humano como um "ser em busca de sentido", e a ausência desse sentido pode levar a patologias sociais e à adesão a movimentos que oferecem respostas prontas.
A ascensão de narrativas simplistas e totalizantes pela extrema-direita, que prometem restaurar uma ordem perdida e definir o "nós" contra o "eles", ecoa o que Carl Gustav Jung descreveu como a ativação de arquétipos em momentos de crise social. "Os arquétipos são padrões de energia psíquica que se manifestam universalmente" (Jung, 1968, p. 57), e sua mobilização pode ocorrer quando a razão e as instituições falham em dar conta da complexidade. O líder carismático pode assumir o papel do Arquétipo do Herói/Salvador, e a projeção de medos e frustrações em grupos minoritários reflete o Arquétipo da Sombra. Essa dinâmica inconsciente torna as populações suscetíveis a ideologias que simplificam a realidade.
Essa tendência em direção a soluções totalizantes e à rejeição da complexidade representa um risco direto à "sociedade aberta" defendida por Karl Popper. Popper (1945) alertava que "a tentativa de criar um paraíso na terra leva inevitavelmente ao inferno" (Vol. I, p. 159), pois ideologias que buscam uma sociedade perfeita, seja através de dogmas religiosos, políticos ou econômicos, tendem a suprimir a crítica, a liberdade individual e a possibilidade de correção de erros. A promessa da extrema-direita de uma ordem absoluta, que ignora a diversidade e a pluralidade, é uma manifestação de uma "sociedade fechada", na qual a busca por segurança leva à renúncia da liberdade e do pensamento crítico.
6. ASCENSÃO DA EXTREMA-DIREITA, CAPITALISMO DIGITAL E A SOCIEDADE ABERTA EM RISCO
A extrema-direita soube preencher o vácuo, capitalizando ressentimento e insegurança. Sua retórica anti-imigração, o apelo à "lei e ordem" e a defesa de valores tradicionais são gatilhos emocionais que ressoam profundamente. Cas Mudde (2007) descreve esses partidos como uma combinação de nacionalismo, autoritarismo e populismo.
Historicamente, o crescimento dessas forças é evidenciado por eventos como o referendo do Brexit em 2016 no Reino Unido, impulsionado por um forte sentimento anti-imigração e soberanista, e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos no mesmo ano, com a promessa de Make America Great Again, que apelava a ansiedades econômicas e culturais de uma base eleitoral que se sentia abandonada.
A relação da extrema-direita com o "grande capital velho" é complexa; embora muitas vezes ataque as "elites" abstratas, suas propostas econômicas frequentemente beneficiam grandes corporações e os mais ricos. Nancy MacLean (2017) revela um projeto de desmantelamento do Estado social que beneficia grupos conservadores e libertários, ativando em alguns a crença na meritocracia individual e no controle pessoal, um viés que nos torna suscetíveis a soluções empoderadoras.
Regimes associados à extrema-direita ou com forte influência neoliberal historicamente implementaram cortes de impostos para grandes fortunas e corporações, desregulamentação do mercado de trabalho e enfraquecimento de sindicatos, como visto em certas políticas de Thatcher no Reino Unido ou Reagan nos EUA nos anos 80, e, mais recentemente, em administrações que prometem "desburocratizar" a economia em favor do grande capital.
A precarização do trabalho e a perda de status geram profundo desrespeito (Honneth, 1992), ativando circuitos de dor social. A expansão da gig economy e a crescente informalidade global, como a taxa de informalidade no Brasil que se mantém próxima a 40%, demonstram uma realidade onde a segurança e os direitos trabalhistas são erodidos, contribuindo para um sentimento de desvalorização e raiva entre trabalhadores. A extrema-direita explora essa ferida emocional, prometendo restaurar a dignidade de grupos que se sentem esquecidos. Essa promessa de restauração de pertencimento e estima social é uma recompensa emocional poderosa.
O entrelaçamento entre Habermas e Honneth é agudo aqui. A desvalorização econômica e a negação de reconhecimento social criam um sofrimento que alimenta o apelo da extrema-direita. Quando a racionalidade comunicativa (Habermas) é comprometida pela "humilhação e degradação" (Honneth), a busca por soluções fora do diálogo racional se intensifica. A retórica populista oferece alívio cognitivo, dispensando a complexidade da deliberação.