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Princípio do deduzido e do dedutível.

Eficácia preclusiva da coisa julgada

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08/09/2025 às 18:55
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Como a eficácia preclusiva da coisa julgada defende a segurança jurídica e veda rediscussões sob o princípio do deduzido e do dedutível?

Sumário: 1. Processo. Natureza Jurídica e importância social. Princípios Jurídicos. 2. Princípio do Deduzido e do Dedutível. Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada. 3. Jurisprudência. 4. Conclusões.


1. Processo. Natureza Jurídica e importância social. Princípios Jurídicos.

Como representação cultural que é, o processo deve retratar aplicação da Justiça, e fazer preponderar o trinômio latino desenvolvido pelo gênio de Ulpiano e que revelam regras de ouro para convivência social: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere, que significam em vernáculo: viver honestamente, dar a cada um o que lhe pertence e não causar mal a pessoa alguma.

Desta maneia, não se pode admitir que a omissão na prática de atos processuais propiciem a injustiça, o enriquecimento sem causa ou que de qualquer forma violem a ordem jurídica estabelecida, propiciando ou concorrendo para a perda patrimonial indevida.

A prestação jurisdicional tem por escopo principal propiciar o retorno da paz social1, com a solução de controvérsias que tiram a leveza do espírito das personagens envolvidas no drama processual em razão da notória strepitus judici e as sequelas psicológicas que geralmente quem move ou sofre um processo judicial geralmente passa.

O processo judicial, nesse sentido, tem a nobre missão de buscar ser instrumento de justiça social, daí decorrendo o conhecidíssimo princípio da instrumentalidade das formas: processo não é um fim que se deve buscar a qualquer custo, mas um meio, um meio de promover a coesão social e a coordenação de forças antagônicas. Invocável, aqui, a inteligência do disposto no pórtico da Constituição Federal, pois, estando a serviço dos órgãos judicantes e dos árbitros que resolvem conflitos patrimoniais disponíveis, dever-se-á buscar a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária.

Sobre a finalidade moderna do processo, o nobre processualista Pontes de Miranda ensina, de forma acertada, que:

“Finalidade hodierna, preponderante, do processo. – A finalidade preponderante, hoje, do processo é realizar o Direito, o direito objetivo, e não só, menos ainda precipuamente, os direitos subjetivos. Na parte do direito público tendente a subordinar os fatos da vida social à ordem jurídica (sociologicamente, a prover ao bom funcionamento do processo de adaptação social que é o Direito), uma das funções é a da atividade jurisdicional. (Dissemos uma das funções, porque muitas outras existem, como a polícia preventiva, a fiscalidade, a administração e a própria atuação educacional do Estado.) Desde que a natureza do Estado obrigou, se não à extinção, pelo menos à grande diminuição da possível justiça de mão própria, impôs-se-lhe prover à distribuição dos julgamentos onde quer que se faça preciso restaurar o direito ferido. Seria erro crer-se que a organização judiciária é consequência necessária do direito objetivo. Não seria impossível a concepção romana primitiva, nem a estrutura de vida social em que as ofensas aos direitos ficassem entregues inteiramente a árbitros; portanto, a terceiras pessoas que não seriam órgãos estatais. O Estado só responde e só se interessa pela função judiciária dentro da sua esfera. O direito objetivo que ele aplica é o seu, ou o de outro Esta do; por onde se vê que não existe ligação necessária entre o direito objetivo e o aparelho de justiça. O processo não é mais do que o corretivo da imperfeita realização automática do direito objetivo. Daí dizerem muitos juristas que é meramente instrumental. Outros vão além: consideram as normas processuais como secundárias, inconfundíveis com as normas de direito material, tidas por primárias. Legislação e justiça seriam funções sucessivas, em ordem decrescente. Não é aqui o lugar para se criticar tão defeituosa compreensão da atividade jurisdicional, nem para se chamar a atenção, oque seria fácil, para a arbitrariedade separativa que faz do legislador o único foco da elaboração jurídica, e da justiça, mera atividade de segunda plana, mecânica e incapaz de criação. À base de tudo isso está a inadmissível identificação de direito e lei. O legislador faz a lei. O direito é feito pelo legislador e por outros aparelhos juriferantes, dentre os quais está o juiz, desde que não se apague a origem democrática da lei, princípio constitucional, básico, nos países civilizados.”2

Nesse contexto de ideias, a função jurisdicional consiste na interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas (princípios e regras jurídicas) ao caso concreto, buscando, por intermédio de um conjunto de atividades e operações lógicas, concatenadas, organizadas e dispostas numa sequência, os valores constitucionais e em especial para que os desencontros decorrentes de violações, descumprimentos ou insurgências às normas sejam restabelecidas. É a colocação do trem nos trilhos, evitando-se, com isso, o descarrilamento de valores tão caros à nossa Constituição Federal. Com a prestação da função jurisdicional, a questão judicializada possuirá o caráter de irrefutável, incontornável e acobertada pelo manto da indiscutibilidade, uma vez que é vedado às partes o ressuscitamento de debates e questionamentos já apreciados pela decisão alcançada pela coisa julgada.

Na hipótese de a decisão judicial prolatada e trânsita em julgado não estar afinada com a vontade da Constituição Federal e das normas jurídicas, abre-se a possibilidade de sua desconstituição. Tanto o Código de Processo Civil quanto o Código de Processo Penal contém ferramentas que possibilitam a desconstituição de sentenças de mérito prolatadas, preenchidas determinadas condições legais.

Com efeito, o Código de Processo Civil preceitua que a decisão de mérito que tenha transitado em julgado, isto é, aquela que não caiba mais nenhum recurso, poderá ser rescindida em hipóteses legais, de forma taxativa, quais sejam: se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; se for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; se resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; se ofender a coisa julgada; se violar manifestamente norma jurídica; se for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória; se obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; se for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

É certo que o Código de Processo Civil de 2015, Lei 13105/2015, alargou o conceito de violação jurídica que justifique o aforamento de ação rescisória, estabelecendo ser passível de desconstituição quando violar manifestamente norma jurídica.

No Código de Processo Penal, o artigo 621 dispõe que submetem-se à revisão as decisões condenatórias de processos findos — isto é, alcançados pela coisa julgada — quando:

  • a) a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

  • b) a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

  • c) após a sentença, surgirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize a diminuição especial da pena.

Ao contrário do que ocorre no processo civil, em que há previsão de prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória, no processo penal a revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou mesmo após o cumprimento integral dela.

Passemos, então, à análise da figura jurídica da eficácia preclusiva da coisa julgada, restrita ao âmbito do processo civil.


2. Princípio do Deduzido e do Dedutível. Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada.

A coisa julgada tem previsão expressa como cláusula pétrea no inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição Federal, que claramente dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade e que a lei não prejudicará a coisa julgada.

A coisa julgada é tratada legislativamente em diversos diplomas legais, como a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal e a Lei que disciplina o sistema de Controle de Constitucionalidade.

André Ramos Tavares, ao tratar sobre a coisa julgada, explica que:

“Consoante a Lei de Introdução já referida: '§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso'. Na lição precisa de Antonio Gidi, trata-se de um problema de preclusão e, assim, 'a coisa julgada formal é uma preclusão comum, como outra qualquer (gerada pelo simples fato da preclusão dos recursos ou dos prazos de recurso), e (...) a coisa julgada material ocorre sempre que a lide (o mérito, que, em geral, se reporta ao direito substancial ou material) seja julgada'. A coisa julgada é o corolário do princípio da segurança jurídica e estabilidade das relações sociais transportado para o campo judicial”.3

Luiz Guilherme Marinoni sobre a temática, ensina:

“14.5.3. Eficácia preclusiva. A eficácia preclusiva da coisa julgada constitui uma proteção à coisa julgada. Uma vez transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido (art. 508). 37. Isso quer dizer que aquelas alegações – que concernem ao mérito da causa – que poderiam ter sido alegadas, mas não o foram, não podem ser invocadas para desestabilização do julgado. É a lógica já presente no brocardo 'tantum iudicatum quantum disputatum vel disputari debebat'. Com maior razão, aquelas questões que foram alegadas, mas não foram expressamente decididas (e, portanto, não integram os limites objetivos da coisa julgada), também são atingidas pela eficácia preclusiva da coisa julgada. Note-se que agora, e especificamente para proteger a declaração transitada em julgado, todo o material relacionado com o primeiro julgamento fica precluso, inviabilizando sua reapreciação judicial em ação subsequente. Por essa razão é que a doutrina por vezes se refere à eficácia preclusiva da coisa julgada como um julgamento implícito. Todas as alegações deduzidas, bem como aquelas que seriam dedutíveis, porque mantêm relação direta com o material da primeira demanda (ainda que não tenham sido apresentadas em juízo ou apreciadas pelo magistrado), consideram-se oferecidas e repelidas pelo órgão jurisdicional. Isto não quer dizer que os motivos da sentença transitam em julgado (art. 504, I), mas apenas que, uma vez julgada a controvérsia e elaborada a regra concreta do caso, todo o material utilizado como pressuposto para atingir essa declaração torna-se irrelevante e superado para o fim de contestar a autoridade do julgado (mesmo que, sobre ele, não se tenha o órgão jurisdicional manifestado expressamente ou completamente). Por essa razão, a preocupação com a eficácia preclusiva da coisa julgada só tem sentido se houver a possibilidade de ofensa na segunda ação à coisa julgada já formada”4.

O Código de Processo Civil disciplina a coisa julgada5 nos artigos 502 a 508.

O ponto que interessa ao presente artigo é aquele estampado no artigo 508 do Código de Processo Civil, que preceitua:

“Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”.

É o denominado princípio do deduzido e do dedutível, conhecido também como eficácia preclusiva da coisa julgada.

Para atacar a eficácia produzida pela coisa julgada alguns expedientes processuais são legítimos, tais como a ação rescisória e o expediente conhecido como querela nullitatis.

Os processualistas Daniel Amorim Assumpção Neves e Rodrigo da Cunha Lima Freire ensinam:

“É simples entender a regra quando aplicada para as possíveis alegações de defesa do réu. Havendo mais de uma matéria defensiva, caberá ao réu apresentá-las em sua totalidade, não lhe sendo possível ingressar com outra demanda arguindo matéria de defesa que deveria ter sido apresentada em processo já extinto com coisa julgada material”.6

Conforme ensinam DIDIER JR, Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira ponderam que:

“A coisa julgada cria uma sólida armadura em torno da decisão, tornando irrelevantes quaisquer razões que se deduzam no intuito de revê-la. Nem mesmo questões de ordem pública podem ser argüidas. Ressalvam-se aqui, por óbvio, o erro material e o erro de cálculo, vez que a decisão que os contém não transita em julgado. Assim também, como se disse, as hipóteses de rescindibilidade da decisão transitada em julgado (art. 485, CPC), que evidenciam vícios e argumentos capazes de sobreviver até mesmo à eficácia preclusiva da coisa julgada. O instituto visa a proteger o vencedor da demanda, fosse autor, fosse réu, de que o vencido viesse a se utilizar posteriormente de causa de pedir ou defesa que não tivessem sido alegados quando da formação da coisa julgada, já que o efeito da indiscutibilidade, todos bem sabem, limita-se à parte dispositiva da decisão”.7

Em obra monográfica Marcos de Araújo Cavalcanti dispara as seguintes considerações:

"Realmente, os limites objetivos da coisa julgada apenas conferem uma proteção parcial ao vencedor da demanda. Uma vez que o efeito da indiscutibilidade apenas abrange a parte dispositiva da decisão, a estabilidade decorrente da coisa julgada poderia ficar exposta à possibilidade de discussão das questões prejudiciais, capazes de modificar o resultado do julgamento, quando a decisão sobre elas não for abrangida pela autoridade da coisa julgada material. Por exemplo, o réu sucumbente poderia tentar impugnar o julgado alegando, em ação declaratória autônoma, a prescrição da pretensão condenatória, omitida no processo que deu origem à decisão transitada em julgado. Para impedir situações como essas, a legislação previu a eficácia preclusiva da coisa julgada, aumentando a estabilidade do comando decisório transitado em julgado. A doutrina de Barbosa Moreira leciona que o efeito preclusivo da coisa julgada alcança as questões cuja apreciação poderia influir no resultado da demanda. Em outras palavras, a eficácia preclusiva da coisa julgada atinge as questões prejudiciais, resolvidas ou não na primeira demanda, tornando as preclusas em relação à questão principal efetivamente decidida no comando decisório. Isto é, uma questão prejudicial não pode servir de fundamento para rediscutir e modificar o resultado de uma decisão transitada em julgado. [...] A eficácia preclusiva da coisa julgada serve apenas para garantir a estabilidade da decisão transitada em julgado, vedando que questões prejudiciais sejam alegadas, após o trânsito em julgado, com o propósito de rediscutir a norma jurídica individualizada”.8

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O processualista Araken de Assis destaca que:

"[...] nenhum ou muito pouco proveito traria a sentença de procedência ao autor vitorioso se o réu pudesse atacar o desfecho do processo, invocando as objeções substanciais ou as exceções substanciais anteriormente omitidas como causa petendi de pretensão própria, impossibilitando a atuação da eficácia (ou função) positiva da coisa julgada no segundo processo, porque tal questão permaneceu alheia ao objeto litigioso do primeiro processo. O réu atacaria o desfecho do processo, invocando causa petendi diversa, composta por objeções e exceções não alegadas anteriormente".9

Não custa rememorar que em sede de recurso de natureza extraordinária revela-se impossível rever a conclusão do Tribunal de origem acerca da ocorrência de violação à coisa julgada, inclusive sob o prisma do princípio do deduzido e do dedutível, uma vez que demandaria o reexame de provas e de fatos, providência que encontra óbice na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Em tal sentido: STJ, 3ª Turma, AREsp 595.361/SP, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/06/2015; STJ, 4ª Turma, AgIntEDclAREsp 2.696.710/RS, Relator: Ministro Marco Buzzi, julgado em 24/3/2025.

Por outro lado, insta pontuar que segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mesmo quando as questões de ordem pública tiverem sido decididas judicialmente, não cabe requentá-las pois igualmente encontram-se sujeitas ao princípio do deduzido e do dedutível, isto é, sujeitam-se aos efeitos preclusivos da coisa julgada. Nesse sentido:

“mesmo as matérias de ordem pública estão sujeitas à preclusão 'pro judicato', razão pela qual não podem ser revisitadas se já tiverem sido objeto de anterior manifestação jurisdicional"

STJ, 4ª Turma, AgIntEDclREsp 1.723.319/SC, Relator: Ministro Marco Buzzi, julgado em 22/8/2023, DJe de 8/9/2023. No mesmo sentido: STJ, 1ª Turma, AgIntAREsp 2.348.736/RJ, Relator: Ministro Gurgel de Faria, julgado em 27/5/2024, DJe de 6/6/2024; STJ, 2ª Turma, AgIntREsp 2.070.495/RS, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 14/8/2023, DJe de 17/8/2023; STJ, 3ª Turma, AgIntAREsp 2.425.003/SP, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 24/6/2024; STJ, 3ª Turma, AgIntAREsp 2.146.637/RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 14/11/2022, DJe de 17/11/2022; STJ, 3ª Turma, AgIntAREsp 2.593.850/MS, Relator: Ministro Moura Ribeiro, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024; STJ, 3ª Turma, AgIntAREsp 2.393.292/BA, Relator: Ministro Humberto Martins, julgado em 12/8/2024, DJe de 15/8/2024; inter allios.

O Fórum Permanente de Processualistas Civis consolidou importantes enunciados sobre a coisa julgada, a saber:

  • Enunciado 165: “A análise de questão prejudicial incidental, desde que preencha os pressupostos dos parágrafos do art. 503, está sujeita à coisa julgada, independentemente de provocação específica para o seu reconhecimento”.

  • Enunciado 436: “Preenchidos os demais pressupostos, a decisão interlocutória e a decisão unipessoal (monocrática) são suscetíveis de fazer coisa julgada”.

  • Enunciado 437: “A coisa julgada sobre a questão prejudicial incidental se limita à existência, inexistência ou modo de ser de situação jurídica, e à autenticidade ou falsidade de documento”.

  • Enunciado 438: “É desnecessário que a resolução expressa da questão prejudicial incidental esteja no dispositivo da decisão para ter aptidão de fazer coisa julgada”.

  • Enunciado 439: “Nas causas contra a Fazenda Pública, além do preenchimento dos pressupostos previstos no art. 503, §§ 1º e 2º, a coisa julgada sobre a questão prejudicial incidental depende de remessa necessária, quando for o caso”.

Já a I Jornada de Direito Processual Civil aprovou, sobre a coisa julgada, o Enunciado 36, segundo o qual:

“O disposto no art. 506 do CPC não permite que se incluam, dentre os beneficiados pela coisa julgada, litigantes de outras demandas em que se discuta a mesma tese jurídica”.

No tocante à importância histórica da coisa julgada material — tal como decorrente do princípio do deduzido e do dedutível —, o processualista Nelson Nery Júnior ensina não ser admissível sua supressão ou desrespeito:

ADOLF HITLER assinou, em 15.7.1941, a Lei para a Intervenção do Ministério Público no Processo Civil, dando poderes ao parquet para dizer se a sentença seria justa ou não, se atendia aos fundamentos do Reich alemão e aos anseios do povo alemão (art. 2° da Gesestz über die Mitwirkung des Staatsanwalts in bürgerlichen Rechtssachen (StAMG) - RGBI I, p. 383). Se o Ministério Público alemão entendesse que a sentença era injusta, poderia propor ação rescisória (Wiederauf-nahme des Verfahrens) para que isso fosse reconhecido. A injustiça da sentença era, pois, uma das causas de sua rescindibilidade pela ação rescisória alemã nazista. Interpretar a coisa julgada, se justa ou injusta, se ocorreu ou não, é instrumento do totalitarismo, de esquerda ou de direita, nada tendo a ver com democracia, com o Estado democrático de direito. Desconsiderar-se a coisa julgada é ofender-se a Carta Magna, deixando de dar-se aplicação ao princípio fundamental do Estado democrático de direito (CF, art. 1º, caput). De nada adianta a doutrina que defende essa tese pregar que seria de aplicação excepcional, pois, uma vez aceita, a cultura jurídica brasileira vai, seguramente, alargar os seus espectros - vide mandado de segurança para dar efeito suspensivo ao recurso que legalmente não o tinha, que, de medida excepcional, se tornou regra, como demonstra o passado recente da história do processo civil brasileiro -, de sorte que amanhã poderemos ter como regra a não existência da coisa julgada e como exceção, para pobres e não poderosos, a intangibilidade da coisa julgada. A inversão dos valores, em detrimento do Estado democrático de direito, não é providência que se deva prestigiar. Anote-se, por oportuno que, mesmo com a ditadura totalitária no nacional-socialismo alemão, que não era fundada no Estado democrático de direito, como é curial, os nazistas não ousaram desconsiderar a coisa julgada. Criaram uma nova causa de rescindibilidade da sentença de mérito para atacar a coisa julgada. Mas, repita-se, respeitaram-na e não a desconsideraram. No Brasil, que é república fundada no Estado democrático de direito, o intérprete quer desconsiderar a coisa julgada nos casos em que ele acha que deva fazê-la; o intérprete quer ser pior do que os nazistas. Isso é intolerável. O processo é instrumento da democracia e não o seu algoz.”

RT 375/151.

Nesse contexto de tal tese jurídica, certamente deve imperar para om fim de serem respeitados não apena os limites objetivos da daquilo que restou decidido na coisa julgada, como também da eficácia preclusiva do debate judicial havido. André Araújo Molina ensina que :

“Apresenta-se a coisa julgada como uma característica da decisão, surgida em um determinado momento processual, quando não mais está sujeita a recurso (seja porque se esgotaram ou porque a parte não os utilizou). Não é um efeito da sentença, um traço externo a ela, mas uma qualidade dela representada pela petrificação do julgado e seus efeitos, quais sejam declaratórios, constitutivos ou condenatórios (e mandamental ou executivo lato sensu, para os que adotam a teoria quinária). A coisa julgada é a imunização desses citados efeitos”.

Remata o ilustre processualista:

“[...] a coisa julgada material, construindo a lei entre as partes, produz seus efeitos no mesmo processo e também em qualquer outro, vedando o reexame da relação jurídica de direito material (lide) que já fora definitivamente apreciada e julgada na demanda judicial anterior. Não há conceituação legal para a coisa julgada formal”.10

Comentando a proteção jurídica à coisa julgada, a doutrina processualista ensina:

“No que toca à proteção conferida à coisa julgada, parece-nos importante algumas considerações, já que, a nosso ver, esta só é capaz de se afirmar como verdadeira, e só encontrará eficácia jurídica em seu comando, se e enquanto puder justificar-se pelos cânones do Direito e da Justiça. Tal como afirmamos linhas atrás, destacando a doutrina de Rodolfo Vigo, um dos requisitos da segurança é a exigência de justificação das decisões judiciais; exigência que não se resume à simples razões explicativas identificadas com os motivos de decidir, mas que devem se apresentar como fundamentos capazes de permitir que a decisão seja aceita como boa e correta pela sociedade. Só assim a coisa julgada representa instrumento de segurança jurídica, apta a produzir os efeitos que se espera dela: paz e harmonia social”.

Conclui a ilustre advogada:

“Analisada em seu viés normativo, a segurança está conectada com diversos institutos jurídicos, tais como a prescrição, a decadência e a preclusão. Está na exigência de irretroatividade das leis, bem assim na proteção da coisa julgada, do ato jurídico perfeito, e do direito adquirido. É a segurança jurídica que protege estados de fato que embora não sejam passíveis de caracterizar direitos adquiridos, se apresentam como situações consolidadas em fundada e legítima confiança, e se mostram assim aptos a exigir garantias de estabilidade. É a segurança jurídica que fundamenta a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Da mesma forma no dispositivo constitucional que estabelece não haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”11

Consoante pacífica orientação jurisprudencial dos Tribunais Superiores do Brasil, de longa data,

“a coisa julgada material refere-se ao julgamento proferido relativamente à lide, como posta na inicial, delimitada pelo pedido e causa de pedir”.12

Comentando a coisa julgada, ensina Eduardo Talamini, na sua obra intitulada Coisa Julgada e sua Revisão (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 30):

“A coisa julgada material pode ser configurada como uma qualidade de que se reveste a sentença de cognição exauriente de mérito transitada em julgado, qualidade essa consistente na imutabilidade do conteúdo do comando sentencial.”

Conforme lição de Soraya Regina Gasparetto Lunardi, ao "proferir a sentença de mérito, o órgão judicial formula a norma jurídica concreta que deve disciplinar a situação litigiosa", ressaltando, evidente, ainda, que a coisa julgada "assegura a estabilidade da tutela jurisdicional, tomando imutável, indiscutível o conteúdo da norma formulada na sentença".13

Com grandes vinculações ao princípio do deduzido e do dedutível é o princípio da eventualidade14/concentração processual, significando que a parte demandada deverá invocar em sua defesa técnica toda a matéria passível de conhecimento pelo órgão jurisdicional, sob pena de ocorrência da preclusão temporal ou consumativa e, salvo exceções expressamente autorizadas pela Lei, inviabilizada está a invocação da matéria defensiva a posteriori.

Consoante Arruda Alvim :

“A concentração da defesa viabiliza o desenvolvimento do processo em conformidade com o princípio da lealdade, evitando-se a fragmentação dos argumentos e, com isso, sua manipulação estratégica ou, ainda, a protelação do feito. É plenamente razoável que o réu argua em sua defesa matérias que não possam ser acolhidas concomitantemente - é o caso, por exemplo, das defesas processuais que objetivam extinção do processo (peremptórias) e as defesas de mérito. Aplica-se a regra da eventualidade ou subsidiariedade, deixando clara a ordem de anterioridade das alegações. O que não se nos afigura concebível, e pode, inclusive, comprometer a credibilidade da defesa do réu, é a apresentação de argumentos defensivos que se revelem incoerentes entre si. Desse modo, em princípio, não se mostra coerente arguir, em defesa de mérito, a inexistência do contrato e o pagamento das parcelas pactuadas. Todavia, não há qualquer incoerência em, no mesmo caso, invocar a eventualidade para dizer que, ainda que o contrato existisse, as parcelas estariam prescritas”.15

Por tal motivo, o artigo 336 do Código de Processo Civil impõe ao demandado, como regra geral, suscitar alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.

Incumbe à parte demandada suscitar toda matéria necessária à defesa de seus interesses, direitos, ações, pretensões e exceções, como fatos modificativos, extintivos e impeditivos ao direito invocado pela parte contrária. Entretanto, antes de discutir o mérito, deverá apresentar, como matérias preliminares de natureza processual:

  • a) inexistência ou nulidade da citação;

  • b) incompetência absoluta e relativa;

  • c) incorreção do valor da causa;

  • d) inépcia da petição inicial;

  • e) perempção;

  • f) litispendência;

  • g) coisa julgada;

  • h) conexão;

  • i) incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;

  • j) convenção de arbitragem;

  • k) ausência de legitimidade ou de interesse processual;

  • l) falta de caução ou de outra prestação exigida em lei como condição preliminar;

  • m) indevida concessão do benefício da gratuidade de justiça.

A juntada posterior de documentos à contestação encontra-se disciplinada no artigo 435 do Código de Processo Civil, o qual dispõe:

“É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.”

Admite-se, igualmente, a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como daqueles que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis somente em momento posterior. Nesses casos, incumbe à parte comprovar a razão pela qual não os juntou anteriormente, competindo ao juiz avaliar a conduta processual à luz do princípio da boa-fé e dos demais deveres deontológicos que regem o processo.

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Sobre o autor
Horácio Eduardo Gomes Vale

Advogado Público em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALE, Horácio Eduardo Gomes. Princípio do deduzido e do dedutível.: Eficácia preclusiva da coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8104, 8 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115406. Acesso em: 5 dez. 2025.

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