Capa da publicação Extorsão e facções: quais provas bastam?
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Standards probatórios e informativos no seio do crime organizado.

Crimes de extorsão, dentre outras infrações penais envolvendo organização criminosa

02/09/2025 às 19:00

Resumo:


  • O standard probatório define o quanto de prova é necessário para proferir uma decisão, legitimando-a quando o grau de confirmação alcança o padrão adotado.

  • Na seara processual penal, diferentes padrões probatórios são exigidos para a instauração de inquérito policial, indiciamento, medidas cautelares, recebimento da denúncia e condenação.

  • As organizações criminosas são definidas como associações estruturalmente ordenadas, caracterizadas pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter vantagem mediante a prática de infrações penais de penas máximas superiores a 4 anos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Quais provas bastam para comprovar crimes de extorsão ligados a organizações criminosas? O artigo analisa standards probatórios, autoria e materialidade.

Com o avanço das organizações criminosas, surgem discussões inerentes à comprovação de sua existência, estrutura, funcionamento e da vinculação de seus integrantes1 a elas.

Sobre a conceituação de standard probatório, os professores Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa lecionam que:

“Podemos definir como os critérios para aferir a suficiência probatória, o "quanto" de prova é necessário para proferir uma decisão, o grau de confirmação da hipótese acusatória. É o preenchimento desse critério de suficiência que legitima a decisão. O standard é preenchido, atingido, quando o grau de confirmação alcança o padrão adotado” (LOPES JUNIOR; ROSA, 2019, INTERNET).

Dentro do critério racional dos padrões (standards) probatórios na seara processual penal, entendemos que, para a instauração de inquérito policial, o indiciamento, a apreciação de medidas cautelares, o recebimento da denúncia e a condenação, será exigido um grau mais elevado ou mais reduzido de exigência probatória, a depender da fase procedimental em análise.

Consoante valiosa citação dos professores Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa:

“E quais são os principais padrões probatórios (standard ) adotados? Basicamente, a partir da matriz teórica melhor elaborada, que é a anglo-saxão, são estabelecidos os seguintes padrões:

  • prova clara e convincente (clear and convincing evidence);

  • prova mais provável que sua negação (more probable than not);

  • preponderância da prova (preponderance of the evidence); e

  • prova além da dúvida razoável (beyond a reasonable doubt).

O mais exigente deles é o beyond a reasonable doubt, sendo, portanto, o utilizado na sentença penal, e os demais, no âmbito civil e administrativo. Sem embargo, é perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental. Assim, é razoável e lógico que a exigência probatória seja menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que o exigido para proferir uma sentença condenatória.” (LOPES JUNIOR; ROSA, 2019, INTERNET)

Ademais, conceituando o que sejam organizações criminosas, dispõem os arts. 1º e seguintes da Lei de Organizações Criminosas:

“Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

§ 2º Esta Lei se aplica também:

I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016) ”

Por sua vez, o art. 2º da Lei de Organizações Criminosas preceitua que:

“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. (Vide ADI 5567)

§ 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.

§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.

§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

I - se há participação de criança ou adolescente;

II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;

III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;

IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;

V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

§ 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.

§ 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena. (Vide ADI 5567)

§ 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão. (Vide ADI 5567)

§ 8º As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 9º O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) ”

É sabido que nem sempre a produção de elementos informativos e probatórios é tarefa fácil no âmbito da criminalidade organizada, pois demanda análise criteriosa e deve levar em consideração a dificuldade de comprovação, muitas vezes equiparada a uma verdadeira “prova diabólica” por parte das polícias judiciárias.

Nos casos de extorsões praticadas contra comerciantes e empresários, os criminosos costumam se identificar como integrantes de organizações, seja por telefone ou pessoalmente, promovendo constrangimentos mediante a ameaça de possíveis retaliações e intimidações, caso não haja o pagamento exigido.

Há exemplos concretos de empresários e profissionais liberais assassinados em virtude de recusarem o pagamento das chamadas “taxas” ao crime organizado. Da mesma forma, estabelecimentos comerciais já foram alvo de incêndios ou de outros tipos de depredação em razão dessa recusa.

Registros jornalísticos também apontam que o poder público já foi atingido pela criminalidade organizada, por meio de ações delitivas orquestradas, como incêndios a ônibus, assassinatos em massa e disparos de armas de fogo contra repartições públicas, entre outras práticas, com o objetivo de instaurar o caos e implantar a sensação de insegurança, sobretudo quando se intensificou a repressão e o combate a essas organizações.

Assim, o crime organizado, enquanto ordem ilegal, paralela ao poder estatal, ameaça a própria existência do Estado de Direito. Diante da grande complexidade probatória que envolve tais práticas, a análise das provas e dos elementos informativos deve ser realizada com a devida ponderação.

Assim, os questionamentos que surgem consistem em:

  • O simples fato de o indivíduo se autointitular integrante de facção criminosa é suficiente? E se estiver mentindo quanto à sua vinculação à “orcrim”?

  • As imagens de circuito de segurança que mostrem um faccionado extorquindo empresários, comerciantes ou profissionais liberais, exigindo pagamento de mensalidade em prol da organização criminosa, seriam suficientes?

  • O uso de terminais telefônicos para a prática de extorsão, estelionato ou outras infrações penais em benefício da facção bastaria?

  • Reconhecimentos pessoais realizados pelas vítimas em desfavor de supostos faccionados seriam suficientes?

  • A prisão em flagrante de situação envolvendo organização criminosa, por si só, bastaria?

  • Registros internos das instituições policiais indicando que o indivíduo é integrante de “orcrim” seriam suficientes?

  • Relatórios policiais (laudos investigativos) que apontem a vinculação bastariam?

  • Oitivas de policiais ou de outros agentes públicos seriam suficientes para comprovar o vínculo?

  • Depoimentos de testemunhas, inclusive protegidas (“sem rosto”), bastariam?

  • O boletim de ocorrência, por si só, seria suficiente?

  • A captação ambiental é suficiente?

  • A obtenção de informações por meio de Relatório de Inteligência Financeira (RIF) bastaria?

  • A quebra de sigilo telefônico ou interceptações seriam suficientes?

  • Perfis genéticos (DNA) de integrantes de “orcrim”, isoladamente, bastariam?

  • Áudios e fotografias apontando vínculos e contextos comprometedores com a organização seriam suficientes?

  • O interrogatório com confissão espontânea do investigado seria suficiente?

  • Símbolos ou gestos com as mãos, bem como pichações em muros ou fachadas em apologia a determinada facção, bastariam?

  • A quebra de sigilo bursátil seria suficiente?

  • As extrações e análises de dispositivos eletrônicos com mensagens e arquivos comprometedores que apontem vínculos entre membros da facção bastariam?

Retomando a discussão: seria suficiente apenas uma dessas vias de prova ou seria necessária a junção de ao menos duas ou mais para fins de comprovação nos crimes de extorsão e em outras infrações penais relacionadas ao crime organizado (além da própria configuração da organização criminosa em si)?

Esse mesmo nível de exigência probatória e informativa deve ser observado indistintamente para a instauração de inquérito policial, para o indiciamento, para a apreciação de medidas cautelares, para o recebimento da denúncia e, por fim, para a condenação?

Todas essas provocações giram em torno da reflexão sobre os standards probatórios e informativos aplicáveis aos crimes de extorsão e a outras infrações penais praticadas no contexto da criminalidade organizada.

Mas, afinal, quais são os standards necessários nos crimes de extorsão e em outras infrações relacionadas ao crime organizado — praticadas por integrantes que agem em prol da própria organização — para a comprovação da autoria e da materialidade delitiva?

Partimos da premissa de que o nosso ordenamento não adota o sistema de prova tarifada (hierarquia de provas), mas sim o sistema do livre convencimento motivado do juiz. Em outras palavras, isso significa que ao magistrado é conferida a liberdade de se basear na prova que melhor espelhe sua convicção, tanto para a demonstração da autoria quanto da materialidade delitiva. Dentro desse mesmo sistema, também pode o juiz encampar o entendimento de que não houve comprovação suficiente, absolvendo o acusado.

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Cumpre relembrar que a produção de provas e elementos informativos no âmbito da criminalidade organizada é particularmente complexa, exigindo análise criteriosa e ponderada, dada a dificuldade de comprovação — muitas vezes equiparada a uma verdadeira “prova diabólica” — por parte das polícias judiciárias.

Acresce notar que, com a cooptação de agentes públicos por organizações criminosas e até mesmo com o uso do aparato estatal para influenciar os rumos do país, o fenômeno do narcoestado já se apresenta como preocupação concreta em nossa realidade.

Ademais, não se pode olvidar das lições advindas de El Salvador, cujo presidente, Nayib Bukele, tem demonstrado êxito no enfrentamento ao crime organizado. Nessa linha, as instituições públicas brasileiras precisam reconhecer que as soluções implementadas até o momento não têm surtido os efeitos desejados, impondo-se repensar, no âmbito legislativo, novos caminhos de repressão ao crime organizado. Entre esses caminhos, ainda que controversos, surge a reflexão sobre a adoção de instrumentos que se aproximam da realidade do Direito Penal do Inimigo, sob pena de que a ameaça à própria existência do Estado de Direito se torne concreta.


DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, ainda que a produção de provas e elementos informativos seja complexa no âmbito da criminalidade organizada — exigindo análise criteriosa e levando em conta a dificuldade de comprovação, muitas vezes equiparada a uma verdadeira “prova diabólica” —, o Estado não pode se eximir do ônus de comprovar os standards probatórios e informativos necessários nos crimes de extorsão e em outras infrações praticadas por organizações criminosas, para a demonstração da autoria e da materialidade delitiva.

Por fim, é o caso concreto que deve orientar o intérprete na avaliação da suficiência do quadro probatório e informativo, a fim de concluir se restam efetivamente comprovadas a autoria e a materialidade no contexto da criminalidade organizada e das infrações penais correlatas.


Referência bibliográfica

LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Limite Penal. Sobre o uso do standard probatório no processo penal. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jul-26/limite-penal-uso-standard-probatorio-processo-penal/>. Acesso em 02 de setembro de 2025.


Nota

1Integrantes aqui no texto é terminologia empregada em sentido ampliado para corresponder alternativamente as condutas plurais de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa (art. 2º, da Lei de Organização Criminosa). Nesse mesmo contexto, não podemos deixar despercebida a junção necessária do art. 1º e seguintes da mesma lei para configuração da criminalidade organizada.

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Sobre o autor
Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso e lotado no GAECO da unidade desconcentrada de Barra do Garças-MT, pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos e integrante da KDJ Mentoria.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. Standards probatórios e informativos no seio do crime organizado.: Crimes de extorsão, dentre outras infrações penais envolvendo organização criminosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8098, 2 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115448. Acesso em: 5 dez. 2025.

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