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Seria viável a reunião da tributação sobre o consumo num único imposto e sua harmonização no Brasil?

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31/07/2008 às 00:00
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RESUMO: Este artigo foi motivado pela necessidade de se modernizar a tributação sobre o consumo brasileiro, tornando-a neutra e simples. O surgimento de blocos econômicos levou os países a colocarem em prática a harmonização e a equiparação dos sistemas tributários em relação aos tributos incidentes sobre o consumo. Vários projetos de emendas constitucionais tramitaram no Congresso Nacional e foram abandonados na busca pela adoção do imposto sobre valor agregado - IVA. O artigo analisa a necessidade de harmonização tributária e aspectos relacionados ao IVA, como as características, os princípios, a doutrina, os aspectos constitucionais e técnico-jurídicos, além de enfocar as distorções relativas ao tema. Por fim, conclui sobre a viabilidade da unificação dos tributos incidentes no consumo e de se promover uma harmonização tributária.

Palavras-chave: Valor agregado – imposto – harmonização – neutralidade – tributo – crédito - consumo – não cumulativo.

ABSTRACT: This article was written having in mind the need to modernize Brazilian taxation on consumption, in order to make it neutral and simple. The emergence of economic blocs has led countries to put into practice tax systems harmonization and taxes on consumption equal treatment. Several constitutional amendment projects asking for the adoption of value-added tax – VAT were submitted for Brazilian Congress approval and were abandoned. This article discusses the need for tax harmonization and VAT related issues: characteristics, principles, doctrine, and constitutional and technical-legal aspects. Distortions on the VAT theme are also commented. Finally, the article concludes with a discussion about the feasibility of consumption taxes unification in order to achieve tax harmonization.

Keywords: Value-added - tax - harmonization - neutrality - tribute - credit - consumption - not cumulative.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. Tributação sobre o consumo. 2.1.1. Aspectos históricos da tributação do consumo na Europa. 2.1.2. Aspectos históricos da tributação do consumo no Brasil. 2.1.3. Tributação do consumo na importação nacional. 2.1.4. Tributação do consumo na exportação nacional. 2.1.5. Distorções e problemas da tributação do consumo nacional. 2.2. Abordagem constitucional e técnico-jurídica da tributação do consumo. 2.2.1. Os tributos indiretos e a capacidade contributiva. 2.2.2. Impostos e contribuições incidentes sobre o consumo nacional. 2.2.3. Harmonização da tributação sobre o consumo. 2.2.4. Princípios de tributação do consumo. 2.2.5. Não discriminação, neutralidade e não-cumulatividade. 2.2.5.1. Não-cumulatividade no ICMS. 2.2.5.2. Não-cumulatividade no IPI. 2.2.6. Comparação da tributação nacional e internacional sobre o consumo. 2.2.7. Integração da administração tributária nacional. 2.3. Visão doutrinária da unificação dos tributos sobre o consumo nacional. 3. Considerações finais. Referências.


1.INTRODUÇÃO

A necessidade dos países equipararem os sistemas tributários em relação aos tributos incidentes sobre o consumo tem ecoado no Brasil através de seguidas mini-reformas tributárias objetivando a modernização dessa tributação indireta.

No Mercado Comum do Sul (Mercosul), a harmonização da tributação do consumo é um requisito para que o bloco econômico se desenvolva. Na Europa isso se deu através da adoção do imposto sobre valor agregado (IVA) e, ao que tudo indica, o caminho a ser seguido no Mercosul não seria outro. Contudo, o Brasil é o único dos integrantes do bloco que ainda não adotou esse modelo.

Há um consenso de que a criação de um IVA no Brasil que conjugue simplificação, harmonização e não-cumulatividade, somente seria possível se fossem concentrados, dentro da competência da União, todos os atuais tributos sobre o consumo.

Questiona-se se a reunião da tributação brasileira incidente sobre o consumo em um único imposto federal traria maior concentração de recursos na União em prejuízo do pacto federativo. Seria possível remover a desconfiança política, existente entre os entes federados, para facilitar a adoção da tributação indireta unificada? Seria mais adequado tributar o consumo na origem ou no destino? Seria possível a harmonização tributária com a introdução no Brasil do modelo europeu de tributação sobre o consumo?

Essa pesquisa justifica-se por enfocar uma matéria polêmica que interfere com poder, partilha de tributos e pacto federativo. Trata-se de um tema importante e de relevância social.

Buscam-se respostas para as questões através de pesquisa bibliográfica na doutrina, na legislação, na mídia e na jurisprudência. Caracteriza-se como pesquisa descritiva, com o propósito de analisar criticamente as polêmicas relativas a um tema conturbado e de difícil consenso entre os entes federados da nação brasileira.

Os resultados a serem alcançados deverão demonstrar que em relação à modernização e à harmonização tributária no Brasil não prevalece uma solução ideal, mas, aquilo que é conveniente, mesmo que signifique ostentar o sistema tributário mais complexo e atrasado do planeta. Adicione-se a isso o fato de ser esse o maior empecilho às negociações no comércio internacional, limitando as possibilidades de crescimento econômico do país.

Este artigo se divide em três seções. A primeira aborda a tributação sobre o consumo e os aspectos pertinentes; a segunda analisa os aspectos técnico-jurídicos e constitucionais da tributação sobre o consumo, destacando teorias e princípios; e se encerra na 3ª seção ao concluir sobre a viabilidade de se unificar a tributação sobre o consumo num único imposto federal capaz de harmonizar a tributação sobre o consumo internamente e em relação ao comércio internacional.


2.DESENVOLVIMENTO

2.1.– A TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO

2.1.1 – Aspectos históricos da tributação do consumo na Europa

A inovação da tributação sobre o consumo no mundo ocorreu na metade do século passado com a adoção do imposto sobre valor adicionado, acrescido ou agregado – IVA, que possibilitou a substituição da tributação plurifásica cumulativa ou em cascata nos circuitos econômicos pela tributação não-cumulativa. [01]

No século XIX, prevalecia a tributação incidente sobre determinados produtos ou atividades particulares composta de tributos sobre mercadorias incidentes uma única vez. [02]

A partir dessa realidade, os franceses fizeram aflorar um sistema sofisticado para tributar os atos de consumo de produtos e prestações de serviços, com a passagem de uma tributação sobre bens determinados para uma tributação de cifra de negócios, com sucessivos avanços e aperfeiçoamentos do mecanismo.

O imposto sobre cifra de negócios surgiu na França em 1920, como tributo monofásico de alíquotas fixas, passando em seguida à condição plurifásica e cumulativa, aplicável aos setores de indústria e comércio, com incidência em cada estágio do circuito econômico do bem, da produção ao consumo, considerando o volume de vendas, em cascata. Em 1925, foram recriadas algumas modalidades de impostos monofásicos, que chegaram a 40 por volta de 1936. A aplicação desses impostos monofásicos e do imposto plurifásico cumulativo levou a França a uma pressão fiscal elevada que afetou o princípio da neutralidade, e prejudicou os produtos nacionais em favor dos produtos importados.

A solução chegou em 1936, com a supressão de todos esses impostos, dando origem ao imposto único global de produção, aplicável ao último sujeito da cadeia de tributação, com incidência monofásica, para evitar a cumulatividade do modelo anterior.

Apesar da simplificação no cálculo do tributo, era difícil identificar o contribuinte e isso abria margem a diversas modalidades de fraudes. Por conseguinte, em 1939, foi criado um novo imposto cumulativo de incidência em cascata sobre cifra de negócios.

Em 1948, foi alterado o regime tributário vigente de incidência monofásica na última operação, transformando-o em mecanismo de tributação plurifásica de pagamento fracionado, calculado sobre o preço de venda, com dedução do tributo faturado pelos fornecedores ou o sujeito que praticara a operação anterior. Surge daí o princípio da não-cumulatividade, a qualificar a natureza do referido tributo, no direito francês, como imposto único sobre pagamentos fracionados.

Abriu-se assim caminho para a criação do TVA, [03] após as mudanças perpetradas no regime vigente, sintetizando as experiências anteriores e combinando um regime monofásico (de alíquota única para toda a cadeia) com a plufifasia necessária para a tributação dos sujeitos de todo o circuito, eliminando-se a prejudicialidade da técnica cumulativa ou o afastamento de certas fases.

A partir dos estudos do inspetor de finanças e professor da Escola Nacional de Administração, Maurice Lauré (Apud TÔRRES, H.T., 2007), chegou-se à lei, editada em 1954, que criou o TVA. Bernard Plagnet (Apud TÔRRES, H.T., 2007), para designar o IVA, preferiu adotar a denominação de sistema de tributação única mediante pagamento fracionado do imposto.

Esse sistema reduzia a pressão fiscal gerada pela cumulatividade e alcançava todos os estágios dos circuitos econômicos dos produtos, em virtude da plurifasia; garantia maior neutralidade às distintas atividades empresariais, pela manutenção de uma única alíquota aplicável ao final do ciclo; atendia a critérios de transparência, por ser claro o valor do imposto aplicável; favorecia o setor produtivo e facilitava a harmonização internacional.

Essa técnica fiscal alcançou uma formulação compatível com os valores pretendidos, a título de justiça fiscal e a menor interferência possível sobre a produção e as exportações.

O valor do tributo devido deve ser a soma relativa a todas as operações de vendas ou prestações de serviços da empresa, na proporção das suas atividades, com a base de cálculo correspondendo ao valor agregado do bem, seguida de liquidação mediante a dedução autorizada por lei dos créditos.

As deduções podem considerar créditos decorrentes de matérias primas ou insumos em geral (créditos físicos) ou todos os créditos obtidos no período, pelo somatório de impostos pagos sobre operações ou tomadas de serviços anteriores (créditos financeiros), até chegar ao último ato de consumo, numa espécie de repercussão obrigatória a fechar a cadeia plurifásica.

Na utilização dessa técnica, seja qual for o número de sujeitos intervenientes no circuito, ao final, há uma única proporção de incidência tributária, nos exatos limites da alíquota indicada, sem resíduos, a título de custos com o mesmo tributo.

Nessa metodologia, vincula-se o dever de repercussão (com destaque na nota fiscal) ao dever de dedução do imposto pago nas operações anteriores, para garantir o princípio da não-cumulatividade em favor do último sujeito da cadeia.

2.1.2 – Aspectos históricos da tributação do consumo no Brasil

Na origem da tributação sobre o consumo no Brasil, está o Imposto do Selo [04] que era monofásico e tinha como fato gerador a emissão de faturas a partir das vendas efetuadas.

Na Constituição de 1934, foi atribuído aos Estados o Imposto de Vendas Mercantis, que foi substituído pelo Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), mantido pelas Constituições de 1937 e de 1946. Era um imposto plurifásico e cumulativo, incidindo sobre cada venda realizada com a mesma alíquota prevista, sem possibilidade de deduções. [05]

Em 1965, o IVC foi substituído pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), plurifásico e não-cumulativo inspirado no IVA francês anterior à primeira Diretiva européia. [06]

Ao lado do ICM, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de competência da União, seguia similar destino, cuja origem encontra-se no Imposto sobre Consumo, que na origem era monofásico, mas que passou a ser plurifásico e não cumulativo. [07]

Havia dois argumentos fortes para a implementação dessa forma de tributação. O primeiro dizia respeito à não-cumulatividade, que levaria à descentralização e à especialização da atividade econômica, afastando a integração vertical da economia. O segundo é que facilitaria as exportações, simplificando cálculos e permitindo a eficácia da política de restituição como incentivo ao comércio internacional.

Conseqüentemente, o crédito-prêmio do IPI passou a compor o sistema tributário em favor das exportações, como medida adicional para devolução dos tributos remanescentes no custo dos produtos e dos serviços inerentes à exportação.

A implantação do ICM levara em conta o federalismo brasileiro, com a criação de mecanismos que assegurassem a justa divisão tributária entre Estados produtores e consumidores e que permitissem a incidência fiscal eficiente nas operações interestaduais.

A tributação não-cumulativa originou-se na EC nº 18/1965, e incorporou-se nos principais impostos plurifásicos (IPI e ICM), adotando tributos semelhantes ao IVA europeu, apesar de modificar e deformar a não-cumulatividade, restringindo-a a um regime de compensação de créditos físicos, restritos aos insumos e produtos intermediários. [08]

No regime militar, os recursos dos impostos eram concentrados na União, havendo fraca autonomia política e financeira de estados e municípios e a regressividade do sistema, assentada em tributos incidentes no consumo. A renda e o patrimônio de contribuintes privilegiados eram aliviados ou desonerados. Com a promulgação da Constituição de 1988, foram desconcentradas as receitas da União com a instituição dos fundos de participação para estados e municípios.

A Carta Magna de 1988 erigiu um novo sistema tributário sob a égide do federalismo e da busca da justiça tributária e os entes federados foram dotados de competência mais ampla e de recursos maiores.

O sistema constitucional tributário vigente uniformizou o tratamento da plurifasia, em virtude da regra de não-cumulatividade definida como critério aplicável aos tributos indicados na Constituição, exigindo que seja compensado o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, tanto para o IPI quanto para o ICMS. [09] Já o ISS [10] seguiu monofásico, mesmo após a edição da LC nº 116/2003, salvo as exceções citadas na lei.

Em relação ao tema não-cumulatividade, a legislação, a jurisprudência e a doutrina apresentaram desencontros. Em diversas ocasiões, a legislação brasileira afastou-se do modelo estrangeiro. Na implantação da não-cumulatividade, optou-se pelo regime do crédito físico, embora na França já se adotasse o do crédito financeiro.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) distanciara-se várias vezes da técnica da não-cumulatividade dando ao ICM e ao IPI características de incidência em cascata, tornando imprescindível uma correção legislativa mediante a edição de emendas constitucionais para afastar as interpretações equivocadas.

A doutrina positivista favoreceu o descompasso desses impostos nacionais com o IVA estrangeiro ao desconsiderar aspectos econômicos ínsitos na tributação da circulação de riquezas, mas com o tempo, o modelo estrangeiro firmou-se e atingiu posição de confluência com os atuais impostos não-cumulativos.

Para isso, colaborou a globalização da economia, o avanço da técnica legislativa e a evolução da doutrina, atenta ao desafio de compatibilizar os impostos não-cumulativos dos países do Mercosul com os da União Européia. [11]

2.1.3 – Tributação do consumo na importação nacional

Os tributos internos sobre o consumo na importação incidem sobre a circulação internacional de bens e não sobre a importação. [12] Essa tributação é compensatória e visa equilibrar os preços no mercado internacional com base no princípio do país de destino.

Inicialmente, definiu-se como fato gerador do ICM a entrada de mercadoria estrangeira em estabelecimento da empresa que houver realizado a importação.

O Decreto-Lei nº 406/1968 redefiniu o fato gerador como sendo a entrada em estabelecimento comercial, industrial ou produtor; de mercadoria importada do exterior pelo titular do estabelecimento.

A partir da EC nº 23/1983 [13] a tributação na importação alcançou as importações de bens de capital, que haviam sido retiradas do campo de incidência pela jurisprudência do STF. A redação originária da Constituição de 1988 manteve essa mesma disciplina. [14]

A EC nº 33/2001 corrigiu a equivocada jurisprudência do STF (Súmula nº 660), que privilegiava a importação por particulares e excluía da incidência do ICMS a importação de bens por pessoa física ignorando que a importação, mesmo aquela feita pelo consumidor final é o último momento do ciclo da incidência internacional de mercadoria. [15]

O IPI sempre incidiu sobre as importações e o ISS passou a incidir sobre a importação de serviços a partir da LC nº 116/2003.

A criação do PIS e da COFINS sobre a importação afastou a tributação sobre o consumo do modelo internacional. Não obstante, à exceção dessas contribuições, os demais tributos incidentes sobre o consumo na importação são afinados com o modelo de IVA.

2.1.4 – Tributação do consumo na exportação nacional

A tributação sobre o consumo na exportação é sujeita ao equilíbrio dos preços no mercado internacional, ao princípio do país de destino [16] e opera pela isenção ou pela restituição do valor do tributo pago nas etapas anteriores. [17]

Para a incidência monofásica, a isenção seria o estímulo mais adequado, mas se a incidência for plurifásica, o normal seria o gravame sobre a exportação com a restituição imediata do que foi pago em todas as operações anteriores, o que anula a imposição no país de origem e a transfere para o país de destino. No Brasil, optou-se por excluir a incidência sobre a exportação, autorizando a manutenção dos créditos anteriormente lançados na escrita fiscal. Essa exclusão de incidência passou por quatro fases distintas. A EC nº 18/1965 à Constituição de 1967 e EC nº 1/1969 estabeleceu a não incidência sobre os produtos industrializados. A partir da Constituição de 1988, essa não incidência foi estendida para os produtos industrializados e os semi-industrializados. A LC nº 87/1996 veio excluir dessa incidência todas as exportações. Posteriormente, a EC nº 42/2003 transformou a não-incidência em imunidade constitucional.

Hodiernamente, a imunidade tributária das exportações alcança os impostos (ICMS, IPI, ISS) e as contribuições sociais e econômicas, remanescendo, no entanto, problemas ligados ao aproveitamento dos créditos tributários anteriores.

2.1.5 – Distorções e problemas da tributação do consumo nacional

A partir da década de 70 foram criadas contribuições sociais que não encontravam paralelo em outras nações. [18] Em 1982, o FINSOCIAL [19] foi instituído com o objetivo de eliminar os bolsões de miséria no país. Essa contribuição foi substituída pela COFINS. [20]

Na vigência da Lei Maior, sob o pálio do art. 149 e emendas constitucionais, surgiram outras contribuições [21] motivadas pela decisão de transferir o ônus financeiro dos beneficiários da seguridade social para a sociedade em geral e de aumentar a arrecadação fiscal da União sem a obrigação constitucional de repassar o produto da arrecadação.

A partir daí, montou-se um sistema de tributos com destinação especial, distorcendo-se a natureza e a finalidade das contribuições sociais e, com o tempo, as contribuições sobre o lucro, faturamento e a movimentação financeira provocaram conseqüências negativas na economia do país.

Por serem cumulativas, essas contribuições oneraram o preço das mercadorias atingindo negativamente as exportações, provocando redução da oferta de empregos, aumento do nível de pobreza da população, tornando caótico o sistema tributário e gerando o maior contencioso fiscal da história entre contribuintes e a União.

Em meio à crise, foram desoneradas as exportações através da EC nº 33/2001 e com a edição da EC nº 42/2003 adotou-se a não-cumulatividade para as contribuições sociais, que foi implementada pela legislação ordinária. [22] Todavia, a não-cumulatividade extrapolada para o sistema das contribuições sociais, que incidem sobre receitas estranhas ao movimento de vendas, introduziu distorções técnicas e jurídicas.

As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS possuem hoje diversos regimes de base de cálculo, podendo ser cumulativas ou não, dependendo da atividade e esse aspecto é um dos maiores problemas para a integração das incidências sobre a produção e a circulação de riquezas em um só imposto sobre o consumo.

Os impostos não-cumulativos tiveram origem em Estados unitários e ao serem transportados para a estrutura federativa brasileira trouxeram problemas de difícil solução entre os entes federados.

Em decorrência, a integração vertical entre estados e municípios foi consolidada sob a forma de participação na arrecadação e a tentativa de racionalizar as relações entre os estados foi feita através de dispositivos específicos sobre as alíquotas e as isenções, complementados por normas do Código Tributário Nacional (CTN) sobre a base de cálculo.

Essa participação na arrecadação está condicionada ao cumprimento de obrigações constitucionais estabelecidas, relacionadas ao pagamento das dívidas com a União e à aplicação obrigatória de recursos, conforme se verifica na Constituição de 1988:

Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos.

Parágrafo único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos:

I - ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias;

II - ao cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, incisos II e III.

Da interpretação que exsurge desse texto, a regra é a vedação da retenção das parcelas dos fundos de participação dos estados e municípios. Contudo, há permissão constitucional nas duas hipóteses previstas nos incisos. O inciso I refere-se à garantia do pagamento das dívidas dos estados e municípios inclusive autarquias com a União. Porém, tal dispositivo deve ser aplicado com isonomia para todos os entes federados, sem exceção, sob pena de violação do pacto federativo.

Em outro ângulo, observa-se que o uso político desse dispositivo levaria à desconfiança entre os entes federados e a União. Em tese, a depender dos interesses do Chefe do Executivo federal, a liberação tempestiva de recursos aos entes em débito, poderia ser direcionada ou condicionada como barganha e discriminação política.

Outra grande controvérsia situa-se na tributação interestadual ser efetuada na origem ou no destino. Na Europa, o critério do destino foi extrapolado das saídas internacionais para as intracomunitárias e seria seguido provisoriamente a partir de 1993. Entretanto, nas saídas internas no âmbito de cada federação, o sistema continuou a ser o da origem.

No Brasil, há quem entenda que a tributação interestadual na origem privilegiaria os estados produtores em detrimento dos estados consumidores. Com base nesse argumento, o governo vem tentando deslocar para o destino a tônica da exação.

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Pondera-se que a tributação na origem permitiria melhor fiscalização e manteria a neutralidade frente à concorrência entre os estados. Além disso, é importante assinalar que a harmonização das alíquotas e bases de cálculo traria maior equidade no plano do federalismo e os estados menos desenvolvidos seriam mais bem aquinhoados.

Vale observar que os problemas relacionados à tributação pelo ICMS estariam distanciados de aspectos estruturais e econômicos e que, de fato, inserem-se no contexto do federalismo.

A realidade contempla a existência de 27 legislações estaduais com a concessão de benefícios fiscais não uniformes e o medo da perda de poder e de receitas. Acrescente-se que não existe ainda projeto político de repactuação do federalismo. Tudo isso vem postergando a unificação dos tributos sobre o consumo.

2.2.– ABORDAGEM CONSTITUCIONAL E TÉCNICO-JURÍDICA DA TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO

2.2.1 – Os tributos indiretos e a capacidade contributiva

Tributo indireto é aquele no qual a norma jurídica de tributação vincula ao Estado, como sujeito passivo da relação de imposto, não a pessoa de cuja renda a hipótese de incidência seja fato-signo presuntivo, mas aquela ou aquelas antepostas a ele dentro do relacionamento econômico objeto de imposição. [23]

Os impostos incidentes sobre o consumo são indiretos, como é o caso do IPI e do ICMS. Nesses tributos, ocorre o fenômeno da repercussão financeira, surgindo as figuras dos denominados contribuintes de direito e de fato. O contribuinte de direito transfere o encargo financeiro a um terceiro. Este, embora não possua relação jurídica tributária com o sujeito ativo, é quem, efetivamente, suporta o encargo financeiro do tributo, sendo, por isso, denominado contribuinte de fato. [24]

Sacha Calmon ensina que os impostos indiretos são feitos pelo legislador para repercutir nos contribuintes de fato que são os verdadeiros possuidores da capacidade econômica. [25]

O professor assinala que se um tributo denominado contribuição é cobrado dos agentes econômicos, mas acaba incluído nos custos de produção e circulação para ser transferido aos preços, possui natureza de imposto indireto sobre o consumo. Conclui que a COFINS e o PIS/PASEP funcionam como se fossem impostos sobre os preços.

Quando a tributação tem em mira a renda ganha e o patrimônio estático, esta é mensurada em relação ao contribuinte de direito que se confunde, quase sempre, com o contribuinte de fato. Destarte, afere-se a capacidade contributiva.

De outro modo, nos impostos que buscam tributar a renda consumida na aquisição de bens e serviços, tributam-se os agentes econômicos visando a capacidade econômica dos consumidores finais, que são os contribuintes de fato.

O art. 145, §1º, CRFB prevê que os impostos, sempre que possível, serão graduados pela capacidade econômica do contribuinte. Essa regra formula que deve pagar mais quem pode pagar mais.

Os impostos podem ser classificados como reais ou pessoais. Estes levam em conta as condições pessoais do contribuinte. Aqueles incidem sobre algum elemento econômico de forma objetiva, de modo que a tributação será idêntica sempre que os valores do bem ou da operação forem iguais, não havendo qualquer consideração relativa à situação pessoal do contribuinte. [26]

Discute-se acerca do caráter regressivo do sistema tributário nacional; contudo, deve-se ter em mente que na tributação sobre o consumo não se aplica o princípio da capacidade contributiva, mas a identificação da possibilidade de efetiva aquisição do bem.

2.2.2 – Impostos e contribuições incidentes sobre o consumo nacional

Considera-se neste artigo que a tributação incidente sobre o consumo no Brasil compõe-se basicamente dos impostos ICMS, IPI e ISS e das contribuições sociais sobre o faturamento ou receita bruta, cumulativas ou não, PIS/PASEP e COFINS e divide-se entre bens, mercadorias e serviços.

A tributação sobre os serviços é da competência dos municípios. A tributação sobre os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação e o sobre o consumo dos bens (somente mercadorias, ficando de fora os bens e produtos que não possam ser considerados como mercadorias) é da competência dos Estados.

A concessão de benefícios fiscais pelos Estados em relação ao ICMS é regulada através da deliberação do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária. BRASIL. Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975), na forma da lei complementar (art. 155, §2º, XII, g, CRFB), que reúne todos os Secretários de Fazenda dos Estados e faz a articulação institucional entre os Estados e a União. Esse sistema de tributação foi concebido para que as concessões e as modificações de benefícios sejam feitas consensualmente por acordo entre os membros daquele órgão.

Essa concessão pelos Estados não obedecia a critérios claros do ponto de vista econômico, e isso originou a guerra fiscal [27] como forma de atrair indústrias importantes, e também como um meio de favorecer certos grupos de interesse mais bem estruturados. [28]

A realidade mostrou que, na prática, os Secretários de Fazenda, em conluio com os Governadores respectivos, aprovam legislação que concede ou retira benefícios à margem do CONFAZ. Como o mandato é de quatro anos e a nomeação é política, esses atos restam impunes, pois quando a Justiça se pronuncia sobre a questão, o autor já não está no cargo e quem está no poder é que vai arcar com as conseqüências.

Outro detalhe está na decisão política de tributar na origem ou no destino o ICMS nas operações interestaduais. Se for somente na origem, é retirada a receita do local do consumo, embora o rendimento seja gerado no Estado de destino ou de consumo. Essa questão envolve a difícil relação entre estados produtores e estados consumidores.

Na lógica da concorrência de mercado em zona de livre comércio, seria prejudicial dar vantagem comparativa ao exterior e não ao próprio país, pois assim fazendo, o Brasil colocaria amarras e limitaria o produtor nacional, privilegiando o agente econômico do bloco regional que não está sujeito àquela alíquota de venda interna. [29]

O ICMS e o IPI são impostos não-cumulativos diferentes do IVA pela incidência mais ampla deste, que abrange não apenas as operações de industrialização, mas também as de circulação de mercadorias, em todas as suas fases, além da prestação de serviços.

O ICMS incide nas operações mercantis em geral, em todas as fases, na prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, enquanto o IPI tributa as importações e as saídas promovidas por estabelecimento industrial ou a ele equiparado de produtos industrializados e o ISS tributa a prestação de serviços constantes da lista anexa à LC nº 116/2003.

A tributação sobre o consumo sofre ainda a incidência das contribuições, espécie tributária da competência privativa da União, genericamente previstas no art. 149 da CRFB. [30]

A COFINS incide sobre o faturamento ou receita bruta das pessoas jurídicas, mas, na prática, tributa o consumo. Era cumulativa com fulcro na Lei nº 9.718/1998. A não-cumulatividade foi estabelecida com o aumento de alíquota a partir da Lei nº 10.833/2003, depois modificada pela Lei nº 10.865/2004. O mesmo já ocorrera com o PIS/PASEP por intermédio da Lei nº 10.637/2002. Diversas categorias de contribuintes foram excepcionados da obrigatoriedade de aderir à nova sistemática de não-cumulatividade (com aumento de alíquota) dos dois tributos.

2.2.3 – Harmonização da tributação sobre o consumo.

A assinatura do Tratado de Assunção de 1991 (Mercosul) trouxe o debate sobre a necessidade da criação no Brasil de um imposto sobre o consumo ao estilo europeu (IVA), que se caracteriza por incidir sobre o valor adicionado (ou agregado) em cada etapa da circulação da mercadoria ou do serviço e ser não-cumulativo. [31]

O IVA está espalhado no mundo e vem sendo adotado por quase todos os países da América, figurando os Estados Unidos como a grande exceção, sendo que no Canadá convivem um imposto federal de modelo IVA, com impostos provinciais incidentes nas vendas promovidas pelo varejista ao consumidor final.

Todos os parceiros do Brasil no Mercosul já possuem um IVA nacional. Este fato tem sido apontado pelos estudiosos como um dos principais obstáculos à harmonização tributária no bloco, pressuposto para uma efetiva integração econômica.

Na União Européia (UE), a preocupação com a harmonização tributária nos impostos incidentes sobre o consumo é antiga. Em 1967, a Comunidade Econômica Européia decidiu adotar o IVA sobre as transações mercantis realizadas dentro do bloco.

Com a adoção desse imposto, a aproximação dos sistemas tributários se deu na maioria dos países que participam de sistemas de integração comunitária.

Nas relações entre países, esse tributo faz o papel de regulação da concorrência não predatória e de satisfação das necessidades de arrecadação e, quanto maior for a proximidade entre os sistemas internacionais, melhor será o fluxo econômico.

Sob o ponto de vista da harmonização da tributação do consumo na Europa, em relação ao Brasil, é necessário equacionar três questões essenciais: base tributável, alíquotas e as relações entre os estados-membros. [32]

Um país de dimensão continental com uma só língua e uma só moeda, em princípio, teria todos os ingredientes para que a tributação sobre o consumo fosse harmonizada. Ao invés de harmonia, o que existe é uma disputa entre os estados e destes com a União.

A base de tributação sobre o consumo é partilhada entre os estados e os municípios. A tributação dos serviços efetuada pelos municípios era de reduzida dimensão até a edição da LC nº 116/2003.

Essa modificação foi fruto da pressão política dos Prefeitos para que a base de tributação fosse ampliada, ao invés de mais serviços serem transferidos à base do ICMS.

As propostas para unificar o ICMS não contemplam a questão da incidência ampla e eqüitativa, o que significa que se continua a trabalhar com uma base reduzida, focada num conjunto de contribuintes delimitados, e não vislumbra atingir o imposto sobre o consumo genérico, que englobaria todas as transações, bens e serviços.

As exigências da economia atual justificam a lógica de totalidade, de impacto geral sobre o consumo, de impostos gerais sobre o consumo, como é o caso do IVA.

O sistema tributário vigente apresenta elevado número de alíquotas, que acarretam um elevado grau de complexidade na compreensão e na gestão do sistema, além de induzir à sonegação por conta da diferenciação de alíquotas. A existência de mais de 40 alíquotas nominais no imposto sobre consumo estadual e de um número elevado de benefícios fiscais não uniformes demonstram a falta de harmonização.

As relações entre os estados-membros têm sido de emulação, com situações de retaliação e decisões unilaterais sobre tributação não avalizadas pelo CONFAZ, o que as torna ilegais.

A violação do princípio da não discriminação ou da isonomia provoca desarmonia no sistema tributário nacional. Significa que, ou pagam todos ou ninguém paga. Entretanto, cai por terra o argumento de impacto negativo sobre a receita para que se mantenha a tributação sobre o consumo na forma atual.

O estado-membro, ao alegar insuficiência de receita, justifica-a em função do universo de tributação, mas omite a questão da parte do universo não tributado e concede benefícios fiscais sem justificativa técnica. [33]

Guimarães destaca que para ser realizada a harmonização da tributação sobre o consumo seria necessário unificar a base do ICMS e do ISS substituindo-os por um imposto não discriminatório e global, que alcance todo o consumo. [34]

Chega-se à conclusão de que nas relações entre os estados-membros, enquanto não se conseguir estabelecer a neutralidade fiscal e não existir uma legislação cujo descumprimento determinar sanção ou exame tempestivo por parte dos tribunais, não será possível reverter a atual situação de emulação existente.

Portanto, uma boa relação institucional entre os estados-membros seria a condição de aplicação da legislação em vigor e de harmonia do sistema.

2.2.4 – Princípios de tributação do consumo

A tributação do consumo, para ser moderna, deve atender aos princípios da neutralidade, da não-discriminação, da livre e justa concorrência, da maior eficiência da fiscalização e arrecadação, da eficácia no combate à fraude e à evasão fiscal.

O consumo nacional é tributado por meio dos chamados tributos indiretos, que adotam princípios ligados aos contribuintes de fato.

A harmonização da tributação indireta sugere alíquotas uniformes; repele exonerações fiscais; e adota, quando plurifásica, a não-cumulatividade. [35]

Nos anos 60, à exceção da França, os países europeus que integravam a Comunidade Européia adotavam impostos em cascata (cumulativos). Em cada transação incidia imposto e o agente econômico era obrigado a entregá-lo integralmente ao Estado.

A cumulatividade comprometia a livre circulação de mercadorias, elevava o preço das mercadorias, prejudicava o consumidor, o agente econômico e produzia distorções na concorrência.

Nessa situação, os Estados, na busca de vantagens, reduziam alíquotas para que o valor do imposto fosse mais baixo, em detrimento de outros estados, o que impedia a livre concorrência até entre os agentes econômicos do próprio Estado.

Havia discriminação quando um produto produzido pelo mesmo produtor podia ter valores diferentes que não resultavam da organização dos fatores de produção, mas do imposto, que agravava ou desagravava o preço do produto, privilegiando ou prejudicando o agente econômico.

Para enfrentar essa realidade, um grupo de técnicos, liderados pelo economista alemão Fritz Neumark (Apud GUIMARÃES, 2007) foi incumbido de propor nova forma de tributação sobre o consumo no âmbito de uma reflexão global sobre os desafios da tributação européia.

Os estudiosos concluíram que o sistema de tributação adotado na França designado de IVA apresentava uma característica que respondia ao problema: o valor final do produto era agravado pelo imposto de forma homogênea, independentemente do número de transações em sua produção e circulação até o consumo final.

O estudo mostrou que, independente do número de transações, o resultado final era idêntico e não se alterava o valor do bem pela via do imposto, ou seja, o consumidor final pagava efetivamente a alíquota estabelecida. Com isso, havia neutralidade do imposto, que além de garantir a receita, fazia com que a decisão econômica não dependesse da tributação.

Assim, para o agente econômico, seria indiferente a alíquota incidente e o montante do gravame, porque o valor do imposto pago era transmitido à operação e, no final, quem pagava era o consumidor. O mecanismo permitiu que o agente econômico estruturasse a produção independentemente da tributação.

É importante observar que esse sistema de tributação não permite incentivo fiscal à produção para que seja viabilizada a igualdade fiscal entre os produtores e de tratamento no que diz respeito aos bens produzidos para exportar.

Se um produtor de matéria-prima vender sem nota fiscal, não terá como debitar o imposto referente à venda e estará obrigado a recolhê-lo integralmente, mas o Estado nada perderá, ficando garantida integralmente a receita. Quanto mais operações, mais fácil o Estado receber o imposto devido, pois basta um agente econômico do circuito cumprir o dever fiscal para que a receita seja apropriada pelo Estado. Isso não ocorre quando o imposto é cumulativo, já que quando uma das partes da receita fiscal é evadida, não há como recuperar.

O IVA foi criado e desenvolvido por técnicos da administração tributária da França que, confrontados com a evasão fiscal, adotaram um sistema para impedi-la. Ficou conhecido como imposto da fatura porque interessa a todos os integrantes da cadeia de produção e circulação ter a fatura para deduzir a parcela do imposto paga do montante que irá recolher.

O mecanismo de diluição de responsabilidade tributária pela entrega da receita parcelada pelos vários agentes econômicos ao longo da cadeia de comercialização ou de produção faz com que o Estado receba efetivamente a receita.

O imposto europeu é neutral por ser não discriminatório, facilitar a concorrência e ser eficaz na arrecadação, propiciando liberdade de circulação, de concorrência, liberdade e mobilidade do trabalho e dos capitais.

No começo, postulou-se que a tributação devia ser na origem com base em dois argumentos. O primeiro era o da igualdade entre os Estados em um mercado único e o segundo era o de que a economia integrada tendia a diluir a distinção entre Estados produtores e consumidores para um equilíbrio nas trocas e nas conseqüentes receitas fiscais.

A Europa desenvolveu essa questão estabelecendo a tributação no destino através das chamadas isenções às exportações por meio da tributação com alíquota zero. Com isso, o produto sai do Estado de origem desonerado, sem tributação de consumo, mas ao entrar no Estado de destino incide a alíquota nele aplicável. Não há discriminação entre os produtos oriundos do Estado de destino e do Estado de origem.

Antes, quando o industrial vendia dentro do Estado tinha direito ao reembolso do IVA e quando vendia para fora não. Por isso, tinha que vender o produto mais caro e ficava difícil para ele concorrer. A venda para fora ficava desestimulada impedindo o crescimento econômico da Europa. Por esta razão, a sistemática da alíquota zero nas vendas para outros Estados tornou-se uma solução técnica que cria neutralidade nas relações comerciais intracomunitárias.

Nesse mecanismo, cada agente econômico possui uma conta corrente com o Estado de origem porque é a este que ele tem de prestar contas da atividade. O Estado de destino interage com o importador ou comprador da mercadoria, pois este é o agente econômico, o contribuinte que vai ter que responder pelo imposto a ser aplicado naquela importação.

O IVA europeu abrange desde a importação ou produção até o consumo dentro do território do Estado. Sempre que sai desse espaço econômico incide a alíquota zero. O agente econômico é reembolsado do IVA que já suportou para fazer aquele produto, pois não consegue repassar ao consumidor seguinte.

No Estado de destino, a alíquota aplica-se por inteiro, e, portanto, aquele produto entra em igualdade de condições com o bem produzido localmente. O Estado produtor não pode privilegiar o produto fazendo subsídio indireto por via fiscal. Há neutralidade no plano da produção e neutralidade entre os agentes econômicos, pois estão em vigor as mesmas regras para todos.

Os agentes econômicos têm uma conta corrente no Estado onde debitam o IVA que suportaram, creditam o que receberam e entregam a diferença ao Estado, mensal ou trimestralmente. Essa conta é fiscalizada e possui vários mecanismos de controle.

Os Estados europeus interagem entre si com autonomia e sem prejuízo tanto na lógica da produção, como na lógica da tributação. Constituem um sistema não discriminatório, onde não se privilegia um agente econômico em detrimento de outro. É propiciada a livre concorrência e há combate à evasão fiscal.

Após a emissão da Primeira Diretiva IVA que determinou a adoção deste imposto pelos Estados que constituíam a Comunidade Econômica Européia, a edição do grande instrumento jurídico europeu no campo da tributação indireta, que foi a Sexta Diretiva de 1977, fixou a base de tributação uniforme.

Não era suficiente ter um IVA. Era importante que a base de incidência do tributo fosse uniforme. Com isso, em todos os países integrantes da União Européia [36] garante-se que todos os produtos e serviços gravados o sejam igualmente, evitando-se a possibilidade de manipulação via desonerações que levasse a distorções na concorrência entre os Estados europeus. Assim, ficou harmonizada a base de tributação.

Posteriormente, atingiu-se uma estrutura comum de alíquotas, definindo-se três faixas, com as alíquotas oscilando entre um máximo e um mínimo dentro de cada faixa. Vale ressaltar o fato da União Européia ter mais de 20 legislações [37] de IVA, uma para cada um dos países membros, mas todas harmonizadas.

A Europa conseguiu estabelecer uma agenda definindo o modelo de IVA almejado, respeitando a soberania de cada um dos Estados, mas obtendo ótimos resultados: neutralidade do imposto, obtenção de receitas e eficácia do sistema. As fronteiras físicas deixaram de ser necessárias, pois o controle passou a ser feito nas relações entre as autoridades, e entre os agentes econômicos e as autoridades.

No comércio intra-europeu, eliminaram-se também as barreiras ou fronteiras técnicas, que, na prática, representam bloqueios a importações de outros países.

2.2.5 – Não discriminação, neutralidade e não-cumulatividade

O princípio da não discriminação é constitucional (art. 152, CRFB) e tem como destinatários os estados, o Distrito Federal (DF) e os municípios [38]. Representa um desdobramento do princípio da uniformidade geográfica no âmbito dos estados, DF e municípios e visa evitar a denominada guerra fiscal entre os entes federados, vedando a criação de áreas de circulação favorecida de bens ou serviços dentro do território nacional.

A não discriminação está relacionada ao art. 150, V, que proíbe o estabelecimento de restrições ao tráfego de pessoas ou bens, dentro do território nacional, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais.

Do ponto de vista da incidência tributária, a neutralidade é uma meta de eqüitativa distribuição do ônus tributário entre todos os setores da economia, de forma a não direcionar as decisões dos contribuintes em favor de algum ramo e viabilizar o repasse dos tributos ao preço final cobrado do consumidor. [39]

No IVA europeu, desenvolve-se o método crédito imposto, ou indireto subtrativo ou das faturas, em que o montante é dado pela diferença entre o montante que resulta da aplicação da taxa (alíquota) ao valor das vendas ou prestações de serviços, durante determinado período, e o montante do imposto suportado nas aquisições efetuadas durante o mesmo período.

O IVA é plurifásico e cobrado fracionadamente em cada um dos ciclos econômicos. É neutro perante o grau de integração das indústrias e perante o modo como o valor acrescentado se distribui pelas diferentes fases de produção. É também neutro do ponto de vista da concorrência internacional. [40]

A característica essencial desse imposto é ser proporcional ao preço dos bens e dos serviços prestados até a etapa do consumidor final, independentemente do número de transações anteriores.

As aquisições intracomunitárias [41] são excluídas da tributação através dos créditos de imposto ou de restituição ao exportador do valor do imposto pago sobre todos os elementos do custo do produto entregue.

A neutralidade fiscal pressupõe que os operadores econômicos recuperem em cada etapa do circuito econômico o valor do imposto que pagaram ou que está em dívida em relação aos bens ou aos serviços que lhes foram fornecidos. Isso visa garantir uma perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades econômicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA.

A neutralidade assegura a não-cumulatividade e o direito à dedução quando o sujeito passivo não for consumidor final. Assim, é verificado o princípio não provocar distorções na concorrência, que constitui o objetivo orientador da escolha do método de modulação do direito a deduzir.

O legislador comunitário tem por escopo garantir uma tributação fiscal absolutamente neutra de todas as atividades econômicas sujeitas ao IVA, através do princípio da neutralidade fiscal, que objetiva que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, concorrentes entre si, não sejam tratadas de forma diferente do ponto de vista do IVA.

Os Estados-membros devem respeitar a neutralidade fiscal, devendo para isso mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, concorrentes entre si, serem submetidos a uma alíquota uniforme.

A igualdade de tratamento fiscal evita as distorções da concorrência. Por esse motivo, as exceções à harmonização devem ser interpretadas de modo restrito: só são admitidas nos casos expressamente previstos na Sexta Diretiva. Qualquer exceção conduz a uma maior disparidade entre os níveis da carga fiscal nos Estados-membros.

A não-cumulatividade é típica de tributos indiretos, que são expressamente incluídos no preço cobrado do consumidor, por dentro ou por fora. É a forma de fazer justiça em relação aos impostos que incidem sobre a circulação de mercadorias ou serviços, evitando que o consumidor arque com um custo tributário decorrente de várias incidências de um mesmo imposto sobre a mesma mercadoria, o que ofenderia a capacidade contributiva.

Não-cumulação significa exclusão do valor correspondente ao imposto cobrado em operação anterior, da base de cálculo do imposto a ser cobrado na operação seguinte, para evitar que seja cobrado imposto sobre imposto.

Torres aponta a não-cumulatividade como subprincípio constitucional dos diversos princípios de justiça que governam os impostos sobre o valor acrescido: repercussão legal obrigatória, neutralidade econômica, país de destino e capacidade contributiva. [42]

Num país continental como o Brasil, a não-cumulatividade evita que os moradores de regiões mais afastadas do local onde são produzidas as mercadorias paguem muito mais caro, pois o imposto pago pelos diversos intermediários entre o fabricante e o varejista seria acumulado e suportado pelos consumidores.

O princípio da não-cumulatividade é considerado uma aplicação do princípio da neutralidade, pois deve ser tributariamente irrelevante o número de agentes da cadeia econômica. [43] Do ponto de vista econômico, significa que o imposto incide sobre o valor acrescido em cada operação de circulação, de modo que a incidência global é idêntica à multiplicação da alíquota pela base de cálculo final.

Juridicamente, o que conta é que o tributo incide sobre o valor total de cada operação e, para garantir a não-cumulatividade do tributo, atua o mecanismo da compensação financeira, pela qual se abate do débito correspondente à alíquota aplicada sobre o valor da saída do estabelecimento o crédito gerado na entrada da mercadoria. Esse mecanismo evita a incidência em cascata.

A Constituição optou pela não-cumulatividade baseada no sistema de compensação entre impostos: do valor calculado pela aplicação da alíquota sobre a base de cálculo correspondente à saída da mercadoria (débito de imposto) deduz-se a quantia relativa ao imposto pago na operação anterior (crédito de imposto).

A Constituição reservou à lei complementar (art. 155, §2º, XII, c, CRFB) a tarefa de disciplinar se a compensação deve ser global, com o abatimento de todos os créditos de determinado período, ou se individual com o confronto entre os impostos pela entrada e saída de cada mercadoria. A opção da LC fez-se pelas deduções globais, reservadas as individuais aos casos especialíssimos. [44]

A expressão crédito básico ou estrutural é usada para diferenciar de crédito-incentivo (renúncia de receita), que também pode ser objeto de compensação financeira, quando houver autorização da lei. O crédito básico é o montante cobrado na operação, decorrendo da própria estrutura da não-cumulatividade.

Já o crédito-incentivo é concedido a título de incentivo fiscal [45] embora seja suscetível de compensação financeira, não resulta da aplicação da não-cumulatividade, mas de razões de política tributária, constituindo uma renúncia de receita.

Essa distinção torna-se importante diante das restrições constitucionais para a outorga de estímulos fiscais na área do imposto sobre o valor acrescido, como a proibição de a União instituir isenções de tributos da competência dos Estados; e a obrigatoriedade de deliberação coletiva dos Estados para a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais relacionados com o ICMS (art. 155, §2º, XII, g, CRFB).

Os impostos não-cumulativos podem adotar o sistema de crédito físico, em que se deduzem do imposto a pagar as quantias correspondentes aos impostos que anteriormente incidiram sobre as mercadorias empregadas fisicamente na industrialização ou comercialização; ou de crédito financeiro, em que se deduzem todas as despesas necessárias à produção do bem, não importando a sua utilização.

Uma característica da não-cumulatividade é que o crédito fiscal é condicionado à ulterior saída tributada. Não há autonomia para ser oposto à Fazenda fora da compensação financeira do tributo. O crédito pela entrada é usufruído sob a condição da ulterior saída tributada.

A LC nº 87/1996 trouxe novidades como a concessão de crédito à aquisição de bens do ativo fixo. O crédito fiscal do ICMS (crédito básico) é físico, real e condicionado.

O crédito deve ser real ou verdadeiro, ou seja, deve corresponder a imposto pago na operação anterior. Crédito simbólico ou presumido é incentivo fiscal, por não decorrer do mecanismo da não-cumulatividade.

Se vier a ser concedida a isenção na saída, o contribuinte é obrigado a estornar o crédito. Da mesma forma procederá se a mercadoria perecer ou se for alienada por preço inferior ao da compra, pois na equação financeira do tributo não-cumulativo o crédito só será utilizado até o valor concorrente com o do débito fiscal, já que o tributo, embora plurifásico, incide uma única vez sobre a mercadoria.

A problemática do crédito condicionado, que afeta a saída da mercadoria, está em contraponto com a do crédito real, que se dá com a entrada. Para que seja real, na entrada é necessário que tenha sido condicionado o crédito na operação anterior, isto é, que seja igual ao montante cobrado.

2.2.5.1 – Não-cumulatividade no ICMS

O ICMS é imposto não-cumulativo compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal (art. 155, §2º, I, CRFB). A não-cumulatividade está sujeita ao disposto em LC (art. 155, §2º, XII, c, CRFB).

A LC nº 87/1996 alterou a regra da não-cumulatividade ao admitir a utilização de créditos relativos a entradas de bens destinados ao consumo e ao ativo fixo do adquirente, fixando regras de direito intertemporal proteladoras dessa utilização. [46]

A questão é, se a norma que estabelece a ampliação do direito ao crédito tem natureza meramente declaratória de um direito assegurado pela Constituição. Se for este o caso, os Estados estariam com as finanças seriamente comprometidas.

Ao admitir créditos relativos a entradas de bens do ativo permanente, o legislador apenas exerceu a competência atribuída pela Constituição (art. 155, §2º, XII, c, CRFB), disciplinando o regime de compensação do imposto, aproximando esse regime daquele conhecido como o de créditos financeiros. Esses créditos podem ser utilizados desde o advento da vigente CRFB nos termos da LC nº 87/1996.

Hugo Brito Machado considera inadequada a não-cumulatividade para um imposto estadual em uma Federação com enormes desigualdades econômicas entre as diversas unidades e com a dimensão territorial do Brasil.

2.2.5.2 – Não-cumulatividade no IPI

O texto constitucional dispõe que o IPI será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores (art. 153, §3º, II da CRFB).

Com relação à não-cumulatividade do IPI, o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) estabelece que:

Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.

Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou períodos seguintes.

O legislador estabeleceu o crédito físico. Significa que só enseja crédito desse imposto a entrada de bens destinados a integrar fisicamente o produto industrializado. Com isso, surgiu a questão de saber se este ou aquele insumo ensejaria direito ao crédito do IPI correspondente. [47]

Para afastar o rigor do sistema de crédito físico [48] foi estabelecido que, entre as matérias-primas e produtos intermediários cuja entrada enseja o crédito do imposto, estão aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente.

Desta forma, o direito ao crédito já não dependeria da integração física do insumo ao produto, bastando que a matéria-prima ou o produto intermediário tenha sido consumido no processo de industrialização, e não se exige que o tenha sido imediata e integralmente. A ressalva diz respeito à classificação do bem adquirido no ativo permanente.

Apesar do Regulamento do IPI (RIPI), as dúvidas continuam e a jurisprudência não vem conseguindo superar satisfatoriamente.

As principais indagações envolvem saber se o contribuinte industrial tem direito ao crédito do IPI relativamente à entrada de insumos em duas situações: a) quando a saída de seus produtos é isenta ou não-tributada; e b) os próprios insumos não foram tributados na operação anterior, ou seja, são produtos isentos, com alíquota zero ou não tributados.

Na primeira, o princípio da não-cumulatividade não pode ser interpretado de forma a anular o princípio da seletividade, que também está expressamente adotado pela Constituição.

Na hipótese de aquisição de insumos isentos, Hugo de Brito Machado sustenta que, especialmente quando a isenção consubstancia incentivo ao desenvolvimento econômico regional, o industrial adquirente teria direito ao crédito do IPI respectivo e argumenta que o STF já decidiu acolhendo essa tese num caso em que o industrial adquiria insumos produzidos na Zona Franca de Manaus e que saíam da fábrica com isenção. [49]

No caso da aquisição de insumos não tributados ou com alíquota zero, porém, Brito entende que o industrial não tem direito ao crédito, pois o princípio da não-cumulatividade existe para impedir que o ônus do imposto se vá acumulando em cada operação. Se já incidiu sobre o insumo, não se deve reproduzir esse ônus no produto final. Por isto, existe o crédito, com o qual se impede a acumulação das duas incidências do imposto.

Pela seletividade, porém, o ônus do IPI deve ser diferente em razão da essencialidade do produto. Para os mais essenciais, a alíquota deve ser menor, podendo ir até zero. E para os menos essenciais, a alíquota deve ser maior, indo até o limite fixado em lei para cada produto.

Pode ocorrer que um produto seja não-tributado, ou submetido à alíquota zero por ser essencial. Assim, as aquisições de insumos não tributados ou com alíquota zero não devem ensejar os créditos porque estes viriam amesquinhar o princípio da seletividade. O direito ao crédito quando se trata de aquisição de produto isento somente se justifica então, para a preservação da eficácia da norma jurídica que concedeu a isenção.

2.2.6 – Comparação da tributação nacional e internacional sobre o consumo

Por representar a experiência internacional de maior êxito na tributação sobre o consumo, vale destacar a natureza do IVA e seu aprimoramento como tributo sobre consumo, aperfeiçoado em anos de existência em diversos países. [50]

Esse tributo do tipo plurifásico alcança toda e qualquer operação onerosa com venda de produtos ou prestações de serviços, considerando o consumo como medida da não-cumulatividade, para justificar a dedução dos créditos assumidos por todos os sujeitos que partilhem do circuito econômico de encaminhamento do bem ou serviço até o consumo. Essa espécie tributária alcança as operações que destinam produtos a consumo final, sendo que a base de cálculo é calculada pelo valor agregado e a cobrança do tributo não se acumula ao custo do bem durante a circulação pelas fases distintas fases. Desse modo, o montante arrecadado pelo Fisco é equivalente à incidência sobre o consumidor, pela aplicação da alíquota sobre o valor agregado total.

A história da tributação do consumo no Brasil apresenta seguidas tentativas de implantação de um regime inadequado desde a origem, pela segregação entre as diversas modalidades de impostos que compõem o que poderia ser um efetivo imposto sobre o valor agregado.

As diferentes modalidades combinam não-cumulatividade parciais com monofasia ou efeitos cumulativos na plurifasia, a partir de um dado ponto da cadeia de produção ou circulação, cujo somatório, na ponta do consumo, coincide com uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo, como imposto a pagar e como imposto agregado ao custo, mesmo quando se trata de exportações.

Não obstante a semelhança técnica entre o IVA europeu e o ICMS, a diferença mais importante reside no fato daquele incidir sobre todos os serviços, inclusive os bancários [51].

A legislação do tributo europeu alcançou uniformidade que torna a convivência pacífica, sem transtornos econômicos, financeiros ou comerciais que poderiam causar um imposto não-cumulativo.

As normas comuns são expedidas por meio de diretivas expedidas por um colegiado do qual todos os países membros da União Européia participam. Não há incentivos para investimentos, mas há desonerações que necessariamente não são iguais em todos os países, e atingem, por exemplo, bens de primeira necessidade.

A desoneração na fronteira faz com que todas as operações e prestações tributadas sejam internas. Não há preocupação atual em uniformizar alíquotas, nem há liberdade total para alterações de alíquotas ou para passar um produto ou serviço de uma para outra alíquota. Por exemplo, na França, a alíquota normal é de 19,6%; na Bélgica, 21% e em Portugal, 17%.

Diferentemente do que ocorre no Brasil, as alíquotas nominais são reais, pois o IVA europeu é cobrado por fora. O IPI é cobrado por fora, mas o ICMS é cobrado por dentro, o que eleva a alíquota real em relação à alíquota nominal. Por exemplo, uma alíquota de 25% nominal significa uma alíquota real de 33,33%.

Em relação ao local de cobrança, a Diretiva determina que o IVA seja cobrado na origem, nas operações internas e entre Estados. Posteriormente, por meio de uma câmara de compensação, com todos os 15 países presentes, a receita é transferida para o país do destino.

Não há aduanas nas fronteiras comuns dos países da comunidade, mas há fiscalização, até mesmo em mercadorias em trânsito. Há uma base de dados comum, de acesso dos 15 países, onde as remessas de mercadorias e prestações de serviços estão presentes. Se houver necessidade de comprovação perante o Fisco, de saída e chegada de mercadorias, a prova poderá ser feita através de contrato de transporte, ou comprovação de pagamento das mercadorias. Todos os países comunitários têm o direito de colocar, no território dos demais países, uma delegação de funcionários que fiscalize as remessas e as importações bilaterais. O nível de sonegação é baixo.

Recentemente, foram alteradas as regras de incidência do IVA europeu em relação à localização das prestações de serviço, devendo entrar em vigor a partir de 2010. [52]

A regra geral será invertida, passando os serviços a serem tributados no lugar do consumo, ao invés da sede ou do domicílio do prestador. O procedimento de reembolso do IVA suportado num Estado-membro diferente daquele em que se encontra estabelecido o sujeito passivo será simplificado, encurtando-se o prazo respectivo.

A adoção de um IVA no estilo europeu no Brasil enfrenta duas realidades que dificultam a adoção desse modelo e impedem a modernização. [53]

A primeira é que o IVA foi adotado basicamente por nações de organização unitária, onde inexistem Estados-membros e a competência para operar o imposto fica sempre em mãos do Poder Central.

A segunda realidade está no fato de os estados-membros brasileiros estarem acostumados a tributar o comércio de mercadorias, a União, a produção de mercadorias industrializadas, e os municípios os serviços.

Embora a introdução do IVA no Brasil carregue essas complexidades de natureza política, isso não impede que sejam empregados nos tributos existentes aqui os princípios e critérios de justiça fiscal que o amparam.

2.2.7 – Integração da administração tributária nacional

As administrações tributárias no Brasil enfrentam o desafio da adaptação aos processos de globalização e de digitalização do comércio e das transações entre contribuintes num contexto em que os volumes de transações efetuadas e os montantes de recursos movimentados vem crescendo num ritmo intenso e na mesma proporção aumentam os custos inerentes à necessidade do Estado de detectar e prevenir a evasão tributária. [54]

A integração e o compartilhamento de informações têm por objetivo racionalizar e modernizar a administração tributária, reduzir os custos e entraves burocráticos, facilitar o cumprimento das obrigações tributárias acessórias e o pagamento de impostos e de contribuições, além de fortalecer o controle e a fiscalização por meio de intercâmbio de informações entre as administrações tributárias.

Foi decidido pelo constituinte derivado na Constituição de 1988 que as administrações tributárias da União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem atuar de forma integrada e com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais.

Essa determinação está expressa no inciso XXII do art. 37, que foi inserido através da EC nº 42/2003, conforme se depreende do texto:

XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

Para colocar em prática a inovação, elaborou-se o projeto da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), com o escopo de implantar um modelo nacional de documento fiscal eletrônico que substitua a sistemática atual de emissão do documento fiscal em papel, com validade jurídica garantida pela assinatura digital do remetente, simplificando as obrigações acessórias dos contribuintes e permitindo, ao mesmo tempo, o acompanhamento em tempo real das operações comerciais pelo Fisco.

A implantação do projeto vai facilitar a vida do contribuinte e as atividades de fiscalização sobre operações e prestações tributadas pelo ICMS e pelo IPI. Inicialmente, essa NF-e é emitida apenas por grandes contribuintes e substitui os modelos em papel.

Em relação às administrações tributárias, o novo modelo trará aumento na confiabilidade da Nota Fiscal; melhoria no processo de controle fiscal, possibilitando um melhor intercâmbio e compartilhamento de informações entre os fiscos; redução de custos no processo de controle das notas fiscais capturadas pela fiscalização de mercadorias em trânsito; redução da sonegação e aumento da arrecadação e suporte aos projetos de escrituração eletrônica contábil e fiscal da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Seguindo os moldes do sistema viabilizado para o Super Simples, [55] a Nota Fiscal Eletrônica e os cadastros sincronizados e Sistemas Públicos de Escrituração Digital (SPED) possibilitarão maior integração dos Fiscos.

A base de dados resultante da NF-e cria condições para calibrar alíquotas e estimar o impacto das alterações para os entes federados. Isso permite equacionar os acúmulos de créditos, mediante a instituição de uma câmara de compensação entre empresas.

A redução da sonegação e a ampliação da receita resultante da NF-e, do fechamento de espaços para evasão fiscal e da eliminação da guerra fiscal abrem espaço para a racionalização da estrutura tributária e para a redução das alíquotas. [56]

Pode-se concluir que, com essa tecnologia desenvolvida, o aparelho de fiscalização tributária brasileira estaria preparado para trabalhar com um imposto unificado sobre o consumo em condições comparáveis à estrutura hoje existente na União Européia.

2.3.– VISÃO DOUTRINÁRIA DA UNIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE O CONSUMO NACIONAL

Ricardo Lobo Torres entende que é possível instituir um IVA como o que existe na maioria dos Estados atuais que tenha uma base de incidência ampla, cobrindo bens, produtos e serviços em todo o ciclo de produção ou importação até o consumo juntando as incidências do ICMS, IPI e ISS. [57]

Acrescente-se que a legislação, a doutrina e a jurisprudência concernentes aos impostos sobre o valor acrescido, vistas a partir da perspectiva do sistema tributário nacional, favorecem a unificação por meio do IVA. Para o tributarista, à exceção das contribuições sociais sobre a importação, os impostos que compõem o sistema internacional de incidência sobre circulação de bens e serviços são afinados com o modelo do IVA estrangeiro, tanto na importação como na exportação.

O professor é de opinião que a unificação deveria passar pela redistribuição de competências no plano do federalismo, cabendo à União legislar sobre o tributo, aos Estados-membros administrá-los e participar do produto de sua arrecadação, e à União e aos Estados, compartilhadamente, julgar os litígios decorrentes de sua aplicação.

É importante lembrar que seriam necessárias algumas mudanças no modelo do federalismo fiscal com a adoção do princípio da origem para as saídas estaduais; a vedação de isenções e outras renúncias fiscais para se obter neutralidade e evitar a guerra fiscal entre os Estados, tornando dispensável o CONFAZ ou órgão similar; e a estruturação da base de cálculo e das alíquotas de forma a favorecer a equidade entre os Estados-membros.

Por fim, seria inevitável o fim das contribuições sociais que incidem sobre produção, circulação de riquezas e importação de bens e serviços substituindo-as por imposto.

Na visão do senador Dornelles, há uma carga tributária invisível que é o custo de se pagar impostos. Essa carga é alta no Brasil, mas poucos a percebem porque a maior parte é paga às escondidas, por dentro dos preços de tudo que se compra. Por isso, repensar essa forma de cobrança e diminuir o número de tributos é tarefa crucial. [58]

O parlamentar propõe a incorporação de todo e qualquer tributo sobre as vendas em um único IVA – do ICMS estadual até o IPI federal, passando por COFINS, PIS/PASEP, CIDE, entre outros. O ISS municipal seria mantido até que se pudesse viabilizar a substituição de sua receita. Porém, os serviços já integrariam a base do novo imposto. A arrecadação seria nacional. A União criaria e legislaria e os estados fiscalizariam e cobrariam. Seria igual em todo o território nacional para a mesma mercadoria ou serviço, independente de onde seja produzida ou consumida, com idênticas alíquotas e forma de apuração. [59]

Por ser tributo nacional, seria mais eficaz para desonerar exportações e investimentos. As alíquotas seriam mais de uma, seletivas, fixadas em lei complementar e enquadradas pelo Senado. Os benefícios fiscais teriam caráter nacional (como no caso da cesta básica), o que acabaria com a atual concessão predatória. Assim, o Estado poderia atrair novos negócios, mas para isso usaria recursos do orçamento, como qualquer outra despesa.

Com relação à receita, esta seria dividida entre União e estados proporcionalmente ao que cada um hoje cobra e o que vier a ser incorporado. Importante observar que o montante arrecadado seria dividido diretamente pela rede bancária, sem transitar pelos cofres de quem cobra imposto. Uma pequena parcela da arrecadação pertenceria ao estado de origem e a maior parcela seria alocada entre todos, segundo índices de participação no consumo final das bases do imposto, e os municípios continuariam recebendo 25% da cota estadual.

Teme-se que o principal obstáculo à essa proposta estaria em uma interpretação ampla e equivocada do princípio federalista, que poderia se tornar uma barreira à inovação.

O eminente advogado tributarista Ives Gandra Martins da Silva reconhece que:

O tributo é uma norma de rejeição social, visto que todos os contribuintes pagam mais do que deveriam para receber serviços públicos, porque parte substancial dos recursos carreados para os cofres governamentais objetiva manter os políticos no poder, uma burocracia geradora de dificuldades, quando não esclerosada e a corrupção, que entra em maior ou menor escala, em todos os períodos históricos e em todos os espaços geográficos do poder. [60]

Porém, no futuro, o tributarista espera que a integração comunitária traga políticas tributárias menos onerosas para o contribuinte, pois no cenário comunitário, os países caminham para uma convergência de sistemas tributários em que países com menor carga impositiva levarão a vantagem de atrair mais investimentos, que os de elevada carga.

Vasco Branco Guimarães observa que o sistema de tributação do consumo no Brasil apresenta um conjunto de características que o tornam pouco atrativo para o investidor externo e provoca perplexidades aos que se dedicam à matéria. [61]

A explicação para isso estaria na formação da vontade política brasileira e em circunstâncias históricas e determinadas. Os estudos econômicos que fundamentam as propostas de reforma tributária não incluem, na linha das preocupações dos reformadores a componente receita ou redistribuição. Há recusas dos Estados em avalizar propostas de reforma que limitem ou alterem a situação prevalecente.

Os principais agentes da mudança não ficam convencidos da necessidade de mudança na atual situação da tributação do consumo no Brasil, o que prejudica a possibilidade de evolução numa área onde a alteração do estado de coisas seria necessária.

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Sobre o autor
José Augusto Vieira Camera

Bacharel em Direito pela UNESA. Advogado. Pós-graduação em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMERA, José Augusto Vieira. Seria viável a reunião da tributação sobre o consumo num único imposto e sua harmonização no Brasil?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1856, 31 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11553. Acesso em: 24 dez. 2024.

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