5. Descabimento de honorários advocatícios na fase inicial do cumprimento da sentença.
Enquanto não iniciado a fase executiva do cumprimento de sentença, ou se cumprida voluntariamente a obrigação, não se pode falar na fixação de nova verba honorária, por duas principais razões.
A regra que norteia a condenação em honorários advocatícios é a da causalidade, segundo a qual aquele que dá causa à demanda (p.e. causou dano) ou ao incidente é quem deve arcar com os honorários do advogado da outra parte. Ora, a primeira fase do cumprimento da sentença – a do pagamento voluntário – é mero decorrente lógico e legal da condenação; a ela ninguém dá causa. Não havendo nenhuma causalidade, mas mera conseqüência, indevida a fixação de honorários.
A segunda razão decorre da proibição legal e principiológica de que não pode haver dupla sanção por uma única violação, consagrado no tão aclamado non bis in idem. Não há dúvida do caráter sancionatório da condenação ao pagamento dos honorários da parte adversa.
A previsão do artigo 23 da Lei n. 8.906/94 (EOAB), ao proclamar que "os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado", não permite se pensar em caráter ressarcitório, já que não há relação de dano-reparação entre o advogado e a parte adversa. Assim, como já foi condenado a pagar honorários de sucumbência na sentença que se deve cumprir, não se mostra adequada a nova condenação, já que o único ato que vai praticar é o pagamento voluntário da obrigação.
A primeira fase do cumprimento da sentença – a do pagamento voluntário – é, portanto, mero reflexo, simples continuação e conseqüência da sentença.
Portanto, havendo o cumprimento voluntário da obrigação, ou enquanto perdura a subfase inicial do cumprimento da sentença, em que se espera o atendimento espontâneo da condenação, não há nova fixação de honorários advocatícios.
6. Honorários advocatícios na execução.
Demonstrou-se que a segunda fase do cumprimento de sentença é propriamente de execução. Sendo assim, embora o instituto seja situado no Livro I do CPC, os princípios e regras pertinentes à execução devem ser aplicados, inclusive em razão da previsão expressa de aplicação subsidiária das normas pertinentes ao processo de execução de título extrajudicial (art. 475-R CPC).
Enquanto no processo de conhecimento (ou, seguindo as tendências do processo sincrético, na fase de conhecimento) os honorários decorrem de sucumbência ("a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor..." – art. 20 CPC), na execução o aspecto predominante é o da causalidade.
Em regra, aquele que ajuíza a execução já é "vitorioso", já tem em seu favor o reconhecimento judicial ou a presunção legal (títulos extrajudiciais) de que o direito lhe pertence, devendo apenas ser concretizado, por meio da execução. Em contrapartida, por já ter contra si a imposição de uma obrigação, ao devedor caberia cumpri-la, sem que o credor necessitasse da intervenção coercitiva da tutela jurisdicional.
Assim, o devedor que não cumpre a obrigação dá causa à execução. É em função da inércia do devedor que o credor socorre-se da intervenção judicial para ver satisfeita tal obrigação.
Em se tratando de condenação judicial, é concedido ao devedor o prazo de quinze dias para cumprir a obrigação contida na sentença. Optando por deixar transcorrer tal prazo sem o atendimento à condenação, o devedor dá causa à execução, cabendo ao credor, por meio de seu advogado, iniciar a fase executiva.
A máquina judicial só foi manejada, ainda que por mero requerimento e não de petição inicial, porque a parte vencida não cumpriu com a obrigação quando já deveria tê-lo feito. [29]
Inevitável se concluir, portanto, que a ausência de cumprimento espontâneo da condenação pelo devedor, o qual enseja execução, gera a fixação de nova verba honorária. Decorre tal conclusão da necessidade de o vitorioso executar a obrigação por meio de advogado.
Assim se posicionou também Araken de Assis:
"É omissa a disciplina do ’cumprimento de sentença’ acerca do cabimento dos honorários advocatícios. No entanto, harmoniza-se com o espírito da reforma, e, principalmente, com a onerosidade superveniente do processo para o condenado que não solve a dívida no prazo de espera de quinze dias – razão pela qual suportará, a título de pena, a multa de 10% (art. 475-J, caput) –, a fixação de honorários em favor do exeqüente, senão no ato que deferir a execução, no mínimo na oportunidade do levantamento do dinheiro penhorado ou do produto da alienação dos bens. (...) Do contrário, embora seja prematuro apontar o beneficiado com a reforma, já se poderia localizar o notório perdedor: o advogado do exeqüente, às voltas com difícil processo e incidentes, a exemplo da impugnação do art. 475-L, sem a devida contraprestação. [30]
Acertada, também, a opinião de Cássio Scarpinella Bueno:
Não cumprido o julgado tal qual constante da ‘condenação’ (o título executivo judicial), o devedor, já executado, pagará o total daquele valor acrescido da multa de 10% (...) e honorários de advogado que serão devidos, sem prejuízo de outros, já arbitrados pelo trabalho desempenhado pelo profissional na ‘fase’ ou ‘etapa’ de conhecimento, pelas atividades que serão, a partir daquele instante, necessárias ao cumprimento forçado ou, simplesmente, execução, do julgado. [31]
Assim, conclui o moderno processualista:
São devidos honorários advocatícios para a "fase" ou "etapa" de execução – assim entendidas as atividades executivas que terão início, a pedido do exeqüente, esgotado in albis o prazo a que se refere o caput do art. 475-J. [32]
São semelhantes as palavras de Fredie Diddier Jr, Rafael de Oliveira e Paulo Sarno Braga:
Nessa nova fase, que se inicia após o não-adimplemento voluntário da obrigação, serão devidos honorários advocatícios, nos termos do art. 20, § 4º, CPC, adaptado à nova sistemática da execução da sentença. [33]
Veja-se, em complemento, o parecer de Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart:
Em razão do silencio da lei, seria possível pensar que nada é devido a título de honorários de advogado na execução de sentença condenatória. Porém, se o advogado certamente não pode ser obrigado a trabalhar de graça, não há como deixar de exigir do réu – que torna necessária a execução – os honorários do advogado do autor, já que de outra forma estará sendo negado o princípio de que o processo não pode prejudicar a parte que tem razão. Assim, o juiz também deve agregar o valor dos honorários de advogado (devido pela execução) ao valor que está sendo executado, sob pena de violar os direitos fundamentais processuais e a lógica do sistema, que resolveu impor multa de dez por cento ao réu para forçá-lo ao adimplemento voluntário.(...) Como é óbvio, honorários não tem relação com ação, mas sim com retribuição por trabalho. [34]
Também Luiz Manoel Gomes Junior entende que deve ser o devedor obrigado a arcar com os honorários advocatícios do credor na execução de sentença:
Não efetuado o pagamento, pensamos também ser o caso de arbitramento de honorários para remunerar o patrono do requerente nessa fase, aplicando-se a regra – por analogia – do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, conforme pacífica orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, até porque terá que desenvolver novo trabalho, especialmente quando houver impugnação. Caso o requerido não deseje ser compelido a tal pagamento, bastará efetivar o pagamento antes de qualquer iniciativa do credor, o que em regra é sempre possível. [35]
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem decidindo corretamente pela incidência dos honorários na fase de execução do cumprimento de sentença, como exemplificado pelo julgado transcrito a seguir:
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ARBITRA-MENTO DE HONORÁRIOS.
Não obstante se trate de cumprimento de sentença, há que fixar honorários para a hipótese de pagamento posterior ao requerimento do credor e ao mandado de penhora e avaliação. Não se pode deixar de remunerar o trabalho do advogado da parte que tem como única opção para haver seu crédito a execução, se vendo obrigado a seguir movimentando a máquina judicial, peticionar e a cuidar prazos. Inteligência do art. 20, §4º, do CPC. AGRAVO PROVIDO DE PLANO. [36]
Registra-se também a posição jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
HONORÁRIOS DE ADVOGADO – Cumprimento de sentença – Inércia do devedor que não satisfaz voluntariamente a obrigação – Verba honorária devida, ainda que não se trate de execução por meio de processo autônomo – Situação inalterada em face das alterações introduzidas pela Lei 11.232/05 ao Código de Processo Civil.
Ementa: Agravo de instrumento. Recurso contra decisão que deixou de fixar honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, introduzida no processo civil pela Lei 11.232/2005. Independentemente do nome que se lhe dê, "cumprimento" ou "execução" de sentença, o devedor que não cumpre espontaneamente o julgado deve sujeitar-se ao pagamento de honorários. Tanto antes da Lei 11.232/2005, como agora, depois das modificações por ela introduzidas, a causa para a fixação dos honorários na execução, ou no cumprimento da sentença, continua a mesma: a inércia do devedor que não satisfaz voluntariamente a obrigação. Ainda que não se trate de execução por meio de processo autônomo, como ficou reservado aos casos de título extrajudicial, são devidos honorários advocatícios. Provimento ao recurso. [37]
Tem-se, assim, que a decisão monocrática objeto do presente estudo atende perfeitamente ao espírito da reforma, aplicando harmonicamente os conceitos execução e honorários advocatícios.
7. Momento de fixação e valor dos honorários.
7.1. Momento de fixação
Athos Gusmão Carneiro descreveu a forma que entende deve dar-se a fixação dos honorários advocatícios no cumprimento de sentença:
Ao receber o requerimento do credor (art. 475-J, caput), acompanhado da planilha de cálculo, cumpre ao magistrado fixar, a título provisório, os honorários a serem pagos pelo devedor, correspondentes a esta fase do processo (que pode, em certos casos, revelar-se mui trabalhosa para o procurador judicial). Caso o executado não venha a impugnar a execução, normalmente esta verba tornar-se-á definitiva. [38]
O parecer é irretocável. De fato, deve se dar a fixação provisória dos honorários advocatícios no momento em que o credor requer a execução. Anteriormente à satisfação do crédito, pode o juiz alterar a verba honorária, tanto para reduzi-la, caso note que a execução foi menos trabalhosa que o esperado, como, por exemplo, na hipótese de o devedor pagar a dívida em seguida; quanto para majorá-la, se observar que obstáculos surjam no decorrer do incidente de satisfação, como a oposição do devedor por meio da impugnação.
7.2. Inexistência de limitação do valor dos honorários advocatícios.
Quanto ao valor da verba honorária, são duas as hipóteses normativas acerca do tema, estampadas no § 3º e no § 4º do art. 20 CPC. Trata esta última das causas de pequeno valor, das de valor inestimável, daquelas em que não há condenação e das execuções; resta à primeira, portanto, tratar das ações condenatórias de valor que não seja inexpressivo [39].
A norma do § 3º, prevista para as ações condenatórias, estipula que, considerados a) o grau de zelo do profissional, b) o lugar da prestação do serviço e c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido pelo serviço, os honorários devem ser fixados dentro do limite de 10% a 20% do valor da condenação.
Por outro lado, não há limitação percentual no dispositivo do § 4º do art. 20 CPC, prevendo-se a "apreciação eqüitativa do juiz", observadas, também, as condições relacionadas acima.
Em que pese respeitável entendimento em sentido contrário [40], não se pode pretender que a apreciação eqüitativa deva seguir a regra geral margeada entre dez e vinte por cento do valor da causa. Ora, se fossem aplicáveis os limites do § 3º, perderia completamente a razão de ser o texto do § 4º, que pretende tratar exatamente dos casos aos quais não se aplica o parágrafo anterior.
Ademais, a limitação imposta pela regra geral é incompatível com a "apreciação eqüitativa" que deseja a lei, como se infere das cultas palavras de Eros Roberto Grau:
Aristóteles distingue a equidade e o eqüitativo, relacionando-os ao justo, então observando que o eqüitativo, embora seja justo, não é o justo segundo a lei, senão um corretivo da justiça legal. A razão disso está em que a lei é sempre geral e existem casos em relação aos quais não é possível estipular-se um enunciado geral que se aplique com retidão. Nos casos nos quais é necessário que o enunciado se limite a generalidades, sendo impossível fazê-lo corretamente, a lei não toma em consideração senão os casos mais freqüentes, sem ignorar os erros que isso possa importar. Nem por isso ela é menos correta, porque a culpa não está na lei, nem no legislador, mas sim na natureza das coisas. (...) Por isso, quando a lei expressa uma regra geral e surge algo que se coloca fora dessa formulação geral, devemos, onde o legislador omitiu a previsão do caso e pecou por excesso de simplificação, corrigir a omissão e fazer-nos intérpretes do que o legislador teria dito, ele mesmo, se estivesse presente neste momento e teria feito constar da lei se conhecesse o caso em questão. [41]
Mais ainda! Dispõe o § 4º que a apreciação eqüitativa deve ser norteada pelas "normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior". Note-se que não há menção ao texto do parágrafo anterior, ou aos índices lá descritos, mas somente às "normas das alíneas". Não seria o caso, crê-se, de interpretação tão extensiva.
Por fim, parece evidente que o desejo do legislador reformista, ao incluir o art. 652-A no CPC, fazendo menção expressa ao § 4º do art. 20, foi de desvincular expressamente o valor da verba honorária da execução de título extrajudicial dos limites impostos pelo § 3º do art. 20. Tal providência é louvável, já que uma execução de valor ínfimo pode ser extremamente trabalhosa, ao passo que uma de valor elevado pode sequer ter resistência do executado.
O art. 652-A, mais ainda pela previsão expressa do art. 475-R, deve ser aplicado subsidiariamente ao cumprimento de sentença, já que perfeitamente cabível e em consonância com as demais normas do sistema. Resta, assim, que o valor dos honorários advocatícios na fase executiva do cumprimento de sentença pode não ser vinculado ao importe pecuniário da execução.
7.3. Breves observações sobre o projeto de lei para previsão legal dos honorários no cumprimento de sentença
Existe proposta legislativa para que seja expressa a previsão de cabimento da fixação de honorários advocatícios no cumprimento de sentença [42]. Propõe o projeto de lei alteração do art. 20 CPC, sugerindo, dentre outras alterações, a inclusão do seguinte dispositivo:
§ 9º. A verba honorária é devida nos pedidos de cumprimento de sentença decorrentes do não-adimplemento da obrigação no prazo do art. 475-J, nos mandados de segurança quando concedida a ordem, nos embargos à execução e na impugnação ao pedido de cumprimento de sentença, estes últimos de forma autônoma à verba devida nos processos que lhe deram origem. Nestes casos, os honorários serão fixados com base no § 6º deste artigo.
Portanto, segundo a proposta legislativa, a partir da etapa de execução no cumprimento de sentença – iniciada a requerimento do credor depois de decorrido prazo de quinze dias para cumprimento voluntário sem que o devedor o faça – é devida a verba honorária.
Nesse ponto, o projeto de lei é impecável. Como já defendido incansavelmente no presente estudo, deve haver fixação de honorários advocatícios na etapa de execução do cumprimento de sentença.
Contudo, parece incorreta a proposta de cabimento de verba honorária na impugnação ao pedido de cumprimento de sentença. Com o pedido de execução, inicia-se uma nova etapa, em que haverá imposição de honorários, a princípio em favor do advogado do credor da obrigação principal.
Havendo impugnação, passa-se a desconhecer qual o advogado credor da verba honorária, já que a própria execução passa a ficar incerta. Com o julgamento da impugnação, e dependendo do seu resultado, restará definido quem será o devedor da verba honorária. Rejeitada a impugnação, mantém-se o condenado à obrigação principal como devedor dos honorários advocatícios. Se, por outro lado, acolhida a impugnação, arca o credor originário com os honorários, já que não deveria ter iniciado uma execução indevida. Na hipótese de acolhimento parcial, a fixação honorária também poderá ser recíproca, igual ou proporcionalmente.
Portanto, o condenação honorária não decorre do exercício de defesa através da impugnação, mas sim da necessidade de execução. Fica o impugnante garantido de que, acolhida a impugnação, os honorários advocatícios serão fixados em seu proveito.
De qualquer forma, louvável a proposta legislativa, especialmente pela previsão expressa de cabimento da verba honorária no cumprimento de sentença, no mandado de segurança e nos embargos à execução.
Também é importante destacar que tramita perante o Congresso Nacional proposta de lei tendente a permitir a fixação eqüitativa dos honorários advocatícios somente nas causas cujo valor seja inferior a vinte vezes o valor do salário mínimo, passando, em tese, a ser aplicada a regra geral também para as execuções.
Da justificação da proposta legislativa extraem-se os motivos de tal proposição:
Os honorários de advogado revestem-se de natureza alimentar e traduzem a dignidade profissional do causídico. Por isso, sua determinação deve obedecer a parâmetros rígidos, limitando-se o poder discricionário do juiz. [43]
Contudo, o § 6º do art. 20, pela letra sugerida pela proposta legislativa, ensejaria novas dúvidas, já que ficaria possibilitado ao juiz infringir os limites do § 3º quando houver previsão legal. Ora, o disposto no art. 652-A, desvinculando o valor da causa dos honorários na execução, deve ser aplicado, subsidiariamente, à execução no cumprimento de sentença, como já defendido.
Por essa razão, tem-se que, ainda que reformada a lei processual nos exatos moldes desta proposta legislativa, continuará a fixação dos honorários advocatícios no cumprimento da sentença sujeita à apreciação eqüitativa do juiz, sem vinculação ao limite de dez a vinte por cento do valor da causa previsto no § 3º do art. 20 CPC.