Capa da publicação Fux x Cármen: silogismo contra inferencialismo
Capa: Sophia Santos e Rosinei Coutinho/STF
Artigo Destaque dos editores

Fux vs. Cármen Lúcia: duas togas, duas justiças.

O silogismo contra o inferencialismo no julgamento da democracia

Resumo:


  • O julgamento da Ação Penal 2668 no STF revelou divergências metodológicas entre os votos dos Ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia.

  • Fux adotou um método silogístico, buscando uma "decisão mecânica", enquanto Cármen Lúcia seguiu o inferencialismo, fundamentando uma "Lógica Processual-Reconstrutiva".

  • A abordagem reconstrutiva de Cármen Lúcia se mostrou mais robusta para a defesa do Estado Democrático de Direito, impactando diretamente o ideal de "integridade do direito".

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No julgamento da AP 2668 no STF, Fux decidiu com silogismo formal, enquanto o voto de Cármen Lúcia adotou lógica inferencialista reconstrutiva. Qual desses métodos assegura a integridade do direito e a proteção da democracia?

Resumo: O julgamento da Ação Penal 2668 no Supremo Tribunal Federal revelou uma profunda divergência metodológica na jurisdição constitucional brasileira, materializada nos votos dos Ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. Este artigo realiza uma análise comparativa de ambos os provimentos, focando no confronto entre o método silogístico, que leva à "decisão mecânica", e o método inferencialista, que fundamenta a "Lógica Processual-Reconstrutiva". Argumenta-se que o voto do Ministro Fux exemplifica o primeiro, ao passo que o da Ministra Cármen Lúcia se alinha ao segundo. O capítulo final analisa como essa divergência metodológica impacta diretamente o ideal de "integridade do direito" (DWORKIN, 1999), concluindo que a abordagem reconstrutiva se mostra mais robusta para a defesa do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Decisão Judicial; Silogismo; Inferencialismo; Vieses Cognitivos; Integridade do Direito.


1. O ponto de partida: a pré-compreensão do papel judicial

A teoria da decisão judicial nos ensina que nenhum juiz julga a partir do vácuo; todos são guiados por pré-compreensões, os filtros de experiência e conhecimento que moldam a percepção da realidade (CARVALHO, 2024a, p. 2). Os votos de Fux e Cármen Lúcia são radicalmente diferentes porque partem de pré-compreensões opostas sobre sua própria função.

O Ministro Fux inicia seu voto delimitando seu papel como o de um técnico neutro, cuja missão é aplicar a lei com "objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo" , afastado do "clamor social e político". Sua pré-compreensão é a do juiz-cientista, que opera o Direito como um sistema autônomo e fechado, cuja pureza não pode ser contaminada pela desordem da política ou da história. O ideal é o "silogismo perfeito".

A Ministra Cármen Lúcia adota a perspectiva oposta. Sua pré-compreensão é a de uma juíza-cidadã, consciente de que a decisão tem consequências que transcendem os autos. Ela abre seu voto afirmando que o caso "pulsa o Brasil que me dói" e o insere no "descontínuo da história jurídica e política do Brasil", marcado por "reiteração de atos [...] de ruptura constitucional". Para ela, o juiz não está isolado da história; ele é um de seus agentes, com o dever de garantir sua continuidade democrática.


2. A Metodologia de análise: a dissecação atomística vs. a síntese holística

As diferentes pré-compreensões levam a métodos de análise radicalmente distintos, ilustrando o confronto entre a "decisão mecânica" e a "lógica reconstrutiva".

Fiel à sua visão de juiz-técnico, Fux adota um método atomístico: ele disseca a conspiração em seus menores componentes (reuniões, minutas, discursos) e analisa cada um isoladamente contra um gabarito legal rígido. Nesse processo, a trama se desintegra. As reuniões e minutas tornam-se meros "atos preparatórios" impuníveis , e a articulação dos réus não se qualifica como "organização criminosa" por não visar a crimes indeterminados. É uma "decisão mecânica" que, ao se focar obsessivamente nas árvores, se recusa a ver a floresta.

A Ministra, por sua vez, emprega um método holístico. Ela explicitamente rejeita a análise fragmentada, afirmando que golpes de Estado são "processos sócio-políticos complexos" compostos por um "conjunto de estratégias, ações encadeadas". Sua análise busca a "sequência encadeada e finalística" que conecta os atos, desde a "semeadura do grão maligno da antidemocracia" até a tentativa de ruptura. Ela reconstrói o significado dos fatos, entendendo que a criminalidade da trama não reside em cada ato isolado, mas na sua soma e no seu propósito comum.

2.1. A reconstrução histórica e literária no voto de Cármen Lúcia: o contexto como chave da decisão

A grande distinção do voto da Ministra Cármen Lúcia reside em sua recusa em tratar o caso como um problema técnico isolado. Ela emprega a história e a literatura não como meros ornamentos retóricos, mas como ferramentas metodológicas essenciais para reconstruir o significado dos fatos e do direito aplicável.

A Ministra inicia seu voto invocando o poeta Affonso Romano de Sant'Anna e sua obra "Que país é este?". Ao citar o verso "Uma coisa é um país, outra um fingimento", ela imediatamente enquadra o julgamento em um plano existencial (LÚCIA, 2025, p. 3). Ela utiliza a metáfora do "país do descontínuo" para argumentar que a trama golpista não foi um evento anômalo, mas a mais recente manifestação de uma trágica "reiteração de atos, fatos e práticas reiteradas de ruptura constitucional, que impedem a maturação democrática do País" (LÚCIA, 2025, p. 3).

Essa referência serve a um propósito metodológico claro: ela estabelece que os fatos sob julgamento não podem ser compreendidos em um vácuo. Eles adquirem seu verdadeiro significado quando inseridos na longa e acidentada história da democracia brasileira. Isso contrasta diretamente com a abordagem a-histórica de Fux, que analisa os tipos penais como se existissem fora do tempo e do espaço.

Para universalizar a gravidade dos atos, a Ministra recorre a Victor Hugo e sua obra "História de um crime", um relato do golpe de Estado de Napoleão III. Ela transcreve um diálogo onde se debate a legitimidade de um golpe "para o bem", concluindo com a máxima: "O mal feito para o bem reste le mal" (O mal feito por uma boa causa continua sendo o mal) (LÚCIA, 2025, p. 5).

Essa citação é uma poderosa ferramenta inferencial. Com ela, a Ministra Cármen Lúcia argumenta que golpes de Estado são "processos sócio-políticos complexos, ambíguos e destrutivos" (LÚCIA, 2025, p. 5), cuja análise não pode se limitar a um encaixe formalista, como propõe Fux.

A citação de Hugo serve como uma refutação antecipada a qualquer argumento de que os réus agiram por patriotismo ou para "salvar o país". Ela estabelece que a ilegalidade da usurpação do poder não pode ser justificada por supostas boas intenções. Ao invocar um clássico da literatura mundial sobre o tema, ela retira a trama de um contexto puramente doméstico e a insere em uma longa tradição de atentados contra a ordem legal, reforçando sua gravidade intrínseca.


3. A batalha de métodos: silogismo vs. inferencialismo

A divergência radical entre os votos dos Ministros Fux e Cármen Lúcia não é apenas uma discordância sobre o resultado, mas um confronto entre duas formas de pensar o próprio ato de julgar. De um lado, o método dedutivo do silogismo, que busca uma certeza formal; do outro, a prática dialógica do inferencialismo, que busca uma legitimidade discursiva.

3.1. O silogismo e a decisão mecânica no voto de Fux

A tradição jurídica formalista, que moldou parte significativa da prática brasileira, concebe a decisão judicial como um silogismo. Neste modelo, o juiz atua como um "operador externo" que pega uma norma pronta do "estoque" do ordenamento (a premissa maior), aplica-a a um fato provado (a premissa menor) e chega a uma conclusão lógica e necessária (CARVALHO, 2024b, p. 278-281). É o que se chama de "decisão mecânica": um processo que, em teoria, expurga a subjetividade e se legitima por sua correção lógico-formal (CARVALHO, 2024b, p. 311).

O voto do Ministro Fux é um manifesto desse método. Ele inicia com uma extensa defesa de que o juiz deve proferir uma "decisão técnica", guiado pela "legalidade estrita" para formular um "silogismo perfeito" (FUX, 2025, p. 82). Sua análise subsequente é uma aplicação rigorosa dessa premissa:

Fux trata as definições de "atos preparatórios" e "organização criminosa" como premissas maiores imutáveis, extraídas da dogmática penal clássica.

Ele isola cada evento da trama golpista e tenta "encaixá-lo" nessas definições. Como as reuniões e minutas, isoladamente, não correspondem ao conceito de "ato de execução", e a articulação dos réus não se encaixa na definição de crimes "indeterminados", ele os descarta como atípicos (FUX, 2025, p. 201, 117).

Esse método silogístico, no entanto, é uma "ficção insustentável" (CARVALHO, 2024b, p. 7680), pois ignora que a complexidade da vida real raramente se encaixa em moldes perfeitos. Ele se torna um "atalho cognitivo", uma forma de o juiz lidar com a dificuldade do caso, apegando-se à segurança de fórmulas prontas, o que é potencializado por vieses como o "efeito de lock-in" — a tendência de se manter preso a uma linha de raciocínio inicial (LYNCH, 2013, p. 4).

3.2. O Inferencialismo e a lógica reconstrutiva no voto de Cármen Lúcia

Em oposição ao silogismo solitário, a teoria processual contemporânea, inspirada no pragmatismo filosófico de Robert Brandom, propõe um método dialógico. Para Brandom, a racionalidade não é uma faculdade privada da mente, mas uma prática social e pública. O significado de um conceito não reside em uma essência abstrata, mas em seu uso inferencial: saber o que se segue de uma afirmação e o que a justifica.

Essa dinâmica é descrita por Brandom através da metáfora do "jogo de dar e pedir razões". A racionalidade se manifesta quando os participantes de um discurso se engajam em justificar publicamente suas crenças e desafiar as dos outros (BRANDOM, 2001, p. 10). Nesse "jogo":

  1. Assumir Compromissos: Ao fazer uma alegação (uma tese jurídica, um pedido), um ator processual se compromete publicamente com ela.

  2. Apresentar Autorizações: Quando desafiado, esse ator deve ser capaz de justificar seu compromisso, oferecendo razões, provas e fundamentos que o "autorizem".

A objetividade da decisão, portanto, não está em sua correspondência com uma norma preexistente, mas na qualidade do processo de justificação que a produziu.

O voto da Ministra Cármen Lúcia alinha-se a essa "Lógica Processual-Reconstrutiva", que transforma o processo judicial na arena para o "jogo de dar e pedir razões". Ela não parte de premissas abstratas, mas da concretude do evento histórico.

A Ministra inicia situando o caso na "história jurídica e política do Brasil", marcada por "rupturas constitucionais" (LÚCIA, 2025, p. 3). Ela reconstrói o contexto para dar sentido aos fatos. Recusa-se a analisar os atos de forma isolada. Em vez disso, os vê como uma "sequência encadeada e finalística" (LÚCIA, 2025, p. 4). A intenção criminosa é uma inferência extraída da coerência da narrativa como um todo.

Golpes de Estado, para ela, são "processos sócio-políticos complexos" que não podem ser compreendidos por um silogismo simplista (LÚCIA, 2025, p. 5).

O significado de "tentativa de golpe" é construído a partir da análise daquele processo histórico específico, em um esforço para encontrar a interpretação mais coerente e responsável. Assim, o provimento proferido por ela emerge como a "resultante processual-discursiva" de todo o debate (CARVALHO, 2009, p. 315).

A ciência cognitiva adverte que a racionalidade humana é limitada e sujeita a vieses. Paradoxalmente, a tentativa de Fux de alcançar uma objetividade pura através do formalismo o leva a um resultado que, para muitos, parece irracional por seu divórcio da realidade.

O voto de Fux é um exemplo da irracionalidade da razão pura. Ao se prender (lock-in) a um modelo silogístico, ele produz uma decisão logicamente coerente dentro de suas próprias premissas, mas externamente cega ao perigo concreto documentado nos autos. É um formalismo que, em sua inflexibilidade, se torna incapaz de proteger o bem jurídico que a lei visa tutelar.

O voto de Cármen Lúcia, ao contrário, busca uma racionalidade contextual. Ela reconhece a singularidade e a gravidade do caso e entende que a lei deve ser interpretada de forma a responder a essa realidade. Ao rejeitar a ideia de que o 8 de janeiro foi um evento espontâneo, "depois de um almoço domingueiro mal digerido", ela demonstra que a verdadeira racionalidade judicial não está na aplicação cega de fórmulas, mas na capacidade de fazer julgamentos ponderados que levem em conta a história, as intenções e as consequências.

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4. O "ruído" judicial: a contradição como fator de imprevisibilidade

Além dos vieses sistemáticos, a qualidade das decisões judiciais é ameaçada por uma falha mais insidiosa e menos discutida: o "ruído" (noise). Conforme definido por Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass R. Sunstein (2021), o ruído é a "variabilidade indesejada em julgamentos que deveriam ser idênticos". Se o viés é um erro de tendência, previsível e com uma direção (como um juiz que consistentemente pune mais um tipo de crime), o ruído é um erro de dispersão: aleatório, imprevisível e caótico. É a constatação de que diferentes juízes podem dar sentenças drasticamente distintas para casos idênticos, ou que o mesmo juiz pode decidir de forma diferente dependendo do dia, do seu humor ou de outros fatores irrelevantes. O ruído, portanto, é uma falha de sistema que revela uma chocante falta de consistência e mina a credibilidade da justiça, violando o princípio da isonomia. A análise dos votos de Fux e Cármen Lúcia sob essa ótica é reveladora.

Paradoxalmente, o Ministro Fux é, em seu próprio voto, um agudo diagnosticador do ruído judicial. Ao discutir a competência do STF, ele critica duramente a "indesejada e recorrente oscilação na jurisprudência" da Corte sobre a prerrogativa de foro, afirmando que essa instabilidade "pode equivaler [...] à criação de um tribunal de exceção" (FUX, 2025, p. 13-14). Ele identifica corretamente que a falta de consistência — uma forma clara de ruído de sistema, nos termos de Kahneman et al. (2021) — fere a segurança jurídica e a previsibilidade.

Contudo, ao proferir seu voto de mérito, o Ministro se torna ele mesmo a principal fonte de outro tipo de ruído. A abrupta e radical ruptura com sua própria biografia judicial — o fenômeno "Fux versus Fux", que o afasta de um histórico conhecido por ser menos formalista e mais punitivista — introduz uma imprevisibilidade extrema no sistema. Se as decisões passadas de um juiz não servem mais como um guia para suas posições futuras, a coerência, que é o antídoto para o ruído, se desfaz. A decisão de Fux, por ser tão dissonante de seu próprio padrão, não é um erro sistemático (viés), mas um evento errático que amplifica a dispersão e a incerteza dentro da Corte. Trata-se de uma manifestação de ruído de ocasião, onde a mesma pessoa faz julgamentos diferentes sobre casos semelhantes, dependendo de fatores contextuais irrelevantes (KAHNEMAN; SIBONY; SUNSTEIN, 2021).

O voto da Ministra Cármen Lúcia pode ser lido como uma tentativa de mitigar o ruído através da prática do que Kahneman, Sibony e Sunstein (2021) chamam de "higiene da decisão". Este conceito refere-se à implementação de procedimentos e métodos que estruturam o julgamento para reduzir a influência de fatores aleatórios e da subjetividade inconsistente.

Ao ancorar sua decisão não em uma dogmática que pode ser aplicada de forma variável, mas em uma coerência externa e pública, a Ministra busca um ponto de referência mais estável. Sua abordagem holística, que enquadra o julgamento no "descontínuo da história jurídica e política do Brasil" e vê os eventos como uma "sequência encadeada e finalística" (LÚCIA, 2025, p. 3-4), é um esforço para impor uma narrativa consistente aos fatos. Essa busca por uma estrutura clara e por critérios compartilhados (a história da democracia brasileira) é uma forma de "higiene da decisão", pois disciplina o julgamento, tornando-o mais transparente e, portanto, mais previsível e controlável do que uma aplicação mecânica de regras que pode variar drasticamente a depender da pré-compreensão do julgador.


5. O desafio à integridade do Direito

O confronto entre esses dois métodos tem uma consequência direta sobre a "integridade do direito", conceito central na filosofia de Ronald Dworkin. Assim, o direito deve ser visto como um todo coerente, baseado em princípios que o justifiquem sob sua "melhor luz moral". O juiz, como um "romancista em cadeia", deve decidir de forma que sua decisão seja a "melhor continuação" da história jurídica da comunidade (DWORKIN, 1999, p. 274).

A "decisão mecânica" do Ministro Fux, ao se ater a um formalismo abstrato, falha no teste de integridade. Ao dissecar e descartar os componentes de uma trama golpista com base em tecnicalidades, seu voto não apresenta o direito sob sua "melhor luz moral". Pelo contrário, o apresenta como um sistema frágil e impotente, incapaz de responder a uma ameaça existencial. Além disso, a gritante contradição com sua própria biografia judicial — o "Fux versus Fux" — introduz "ruído" e incoerência, que são os maiores inimigos da integridade (CARVALHO, 2024a, p. 4).

O voto da Ministra, por outro lado, é um esforço consciente para preservar a integridade. Ao interpretar os fatos à luz da história constitucional brasileira e ao reconstruir o significado das normas para proteger a democracia, ela busca ativamente apresentar o direito em sua "melhor luz". Sua decisão se posiciona como a "melhor continuação" de um romance que tem como tema central a luta pela estabilidade democrática. Ela não se esconde atrás da forma; ela usa a interpretação para reafirmar o princípio fundamental que dá coerência a todo o sistema: a supremacia da Constituição.


6. Conclusão

Em última instância, o confronto Fux vs. Cármen Lúcia é uma batalha pela alma da justiça e pela definição de integridade do direito. O voto de Fux defende uma integridade formal, baseada na consistência lógica e na aplicação estrita de regras. Contudo, essa abordagem se mostra frágil e, no limite, perigosa, pois permite que tecnicalidades se tornem um escudo para ataques sofisticados à democracia.

O voto de Cármen Lúcia propõe uma integridade substancial, que exige que a lei seja interpretada de forma a defender os valores fundamentais da comunidade. Sua abordagem reconstrutiva, que vê os fatos em seu contexto e a história como parte do julgamento, oferece uma visão mais robusta do que significa ser um guardião da Constituição.

Num caso onde se julga o próprio futuro da democracia, a neutralidade técnica de Fux soa como uma abdicação, enquanto o engajamento cívico de Cármen Lúcia se revela como um dever. A história tende a validar a coragem de enxergar a realidade, e não a segurança de se esconder atrás da forma.

O embate entre os votos de Fux e Cármen Lúcia revela que a escolha de um método de decisão não é neutra; ela tem profundas implicações éticas e políticas. O método silogístico de Fux, embora revestido de uma aura de objetividade técnica, mostra-se uma ferramenta frágil e propensa a vieses, que, no limite, pode levar à irracionalidade de absolver a história em nome da forma. A Lógica Reconstrutiva de Cármen Lúcia, ao abraçar o contexto e a responsabilidade histórica, oferece um caminho mais robusto e honesto para a construção de uma justiça que seja não apenas tecnicamente correta, mas fundamentalmente íntegra.


Referências

ARIELY, Dan. Previsivelmente Irracional: As Forças Ocultas Que Moldam Nossas Decisões. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2008.

BRANDOM, Robert. Articulating Reasons: An Introduction to Inferentialism. Cambridge/London: Harvard University Press, 2001.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. A LÓGICA PROCESSUAL-RECONSTRUTIVA E O MÉTODO RECONSTRUTIVO-INFERENTE: DA DECISÃO MECÂNICA AO PROVIMENTO LEGÍTIMO. 2024b. Manuscrito não publicado.

CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. Inclinação preconceitual cognitiva nas decisões judiciais. 2024a. Manuscrito não publicado.

CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. Legitimidade dos Provimentos. Curitiba: Juruá Editora, 2009.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FUX, Luiz. Voto na Ação Penal nº 2668. Supremo Tribunal Federal, 2025.

KAHNEMAN, Daniel; SIBONY, Olivier; SUNSTEIN, Cass R. Ruído: Uma falha no julgamento humano. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2021.

KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Rational Choice and the Framing of Decisions. The Journal of Business, v. 59, n. 4, p. S251-S278, out. 1986.

LÚCIA, Cármen. Voto na Ação Penal nº 2668. Supremo Tribunal Federal, 2025.

LYNCH, Kevin J. The Lock-In Effect of Preliminary Injunctions. University of Denver Sturm College of Law Legal Research Paper Series, Working Paper No. 13-19, 2013.

NUNES, Dierle; LACERDA, Rafaela; MIRANDA, Newton Rodrigues. O Uso do Precedente Judicial na Prática Judiciária Brasileira: Uma Perspectiva Crítica. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 62, p. 179-196, jan./jun. 2013.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Araújo de Carvalho

Doutor em Direito - Universidade de Roma La Sapienza - Programa de Doutoramento em 30º Ciclo - concorso 2013-2014; Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Minas Gerais em maio / 2007; Especialização em Direito e Processo Constitucional pela Universidade Metodista Izabela Hendrix em dez / 2004. Graduada em Direito pela Faculdade de Humanidades da Universidade FUMEC em Jul / 2003. Assessorou a FGV - Fundação Getúlio Vargas 05/2016; Assessorou PSB MG - PARTE SOCIALISTA Brasileira Minas Gerais na campanha eleitoral para Governador do Estado de Minas Gerais em 2014 e o Deputado Estadual Djalma Diniz de 02/2009 a 12/2010, é atualmente Professor Visitante - Pesquisador, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Deputado I do IEC-Instituto de Educação Continuada PUCMinas; I Professor Adjunto do Centro Universitário Newton Paiva; Professor Associado e Membro do Conselho no núcleo das disciplinas de Processo Civil da Faculdade de Direito do Centro Universitário de Sete Lagoas - UNIFEMM, Professor Núcleo Estruturador (NDE), Coordenador do TCC, Membro do Conselho Editorial do Jornal Jurídico e Adjunto Professor Kennedy Faculdade de Direito e membro da Comissão de Apoio aos Movimentos Sociais da OAB / MG, com especialização em Direito Empresarial, Constitucional, Econômico-Administrativo, PPP, Concessões, Cível, Preventivo e Contencioso. Publicou 1 livro especializado sobre teoria do direito e processo, a saber: "Legitimidade das nomeações: fundamentos da ordem jurídica democrática", 2 capítulos de livros, destacando os "Fundamentos Racionais de Decisões Legais" e 7 artigos em revistas profissionais, entre eles citados: Ativismo em Crise ". Ele participou de 16 eventos no Brasil e 41 conselhos de exames. Dirigiu 30 trabalhos de conclusão do curso de graduação em Direito e 01 de pós-graduação sensu. Tem 06 diretrizes em andamento. Ele recebeu dois prêmios e / ou honras. Em seus Lattes, os termos mais frequentes no contexto da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Democracia, Direito Processual Constitucional, Direitos e garantias, Estado de direito democrático, Jurisdição de acesso, Estado constitucional, democrático, Hermenêutica, Jurisdição, Abuso de Direito. Fraude Contencioso e juros

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo. Fux vs. Cármen Lúcia: duas togas, duas justiças.: O silogismo contra o inferencialismo no julgamento da democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8108, 12 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115594. Acesso em: 5 dez. 2025.

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