3. Democracia no século XXI: desafios e atualizações do modelo schumpeteriano
3.1. Populismo e a crise da intermediação política
Uma das principais tensões enfrentadas pelas democracias contemporâneas reside no crescimento do populismo em diferentes partes do mundo. Líderes populistas tendem a questionar as instituições representativas tradicionais, como partidos e parlamentos, propondo uma relação direta e não-mediada com o “povo verdadeiro”. Nesse contexto, a concepção schumpeteriana de democracia, baseada na competição entre elites partidárias organizadas, encontra um desafio fundamental.
O populismo atua justamente sobre as fragilidades identificadas, mas naturalizadas, por Schumpeter: a apatia dos cidadãos, a racionalidade limitada dos eleitores e a centralização do poder em elites. Ao invés de reforçar a lógica institucional da democracia representativa, o discurso populista frequentemente deslegitima o jogo competitivo pluralista e o substitui por uma retórica de unificação simbólica entre povo e líder. Por um lado, o populismo confirma a crítica schumpeteriana ao ideal participativo deliberativo, por outro revela que a mera competição entre elites, desprovida de vínculo substantivo com a sociedade civil, pode abrir espaço para o surgimento de alternativas autoritárias travestidas de democráticas. Isso indica que o modelo schumpeteriano, embora útil para descrever a mecânica institucional, não é suficiente para garantir a qualidade substantiva da democracia.
3.2. Desinformação, pós-verdade e a racionalidade limitada do eleitor
A noção de racionalidade limitada, central na obra de Schumpeter, ganha nova dimensão diante do cenário atual de sobrecarga informacional, redes sociais e desinformação sistemática. Se, já na primeira metade do século XX, o autor questionava a capacidade do cidadão comum de formular juízos políticos coerentes, hoje essa limitação é potencializada por algoritmos que reforçam vieses cognitivos, bolhas informacionais e campanhas de manipulação emocional.
Nesse ambiente, a competição entre lideranças tende a ser menos baseada em argumentos racionais e propostas programáticas, e mais em estratégias de marketing político, construção de inimigos e mobilização afetiva. O eleitor, nesse contexto, torna-se ainda mais vulnerável a formas de engajamento simbólico que minam a possibilidade de votação consciente.
O modelo de Schumpeter permanece relevante ao alertar para os limites da racionalidade cívica, mas não oferece ferramentas suficientes para enfrentar os novos mecanismos de distorção deliberativa, o que aponta para a necessidade de incorporar, à teoria democrática, elementos normativos relacionados à qualidade da informação, à regulação das plataformas digitais e à educação política.
3.3. Representação, tecnocracia e apatia política
Outro fenômeno contemporâneo que tensiona o modelo schumpeteriano é a crescente tecnocratização da política. Com a complexidade crescente dos temas econômicos e sociais, decisões são frequentemente transferidas para especialistas, organismos técnicos ou cortes constitucionais, ou seja, atores não eleitos, que operam à margem da competição partidária.
Esse cenário reforça a separação entre representantes e representados e aprofunda a apatia política que Schumpeter já observava. Ao mesmo tempo, a passividade do eleitorado, tratada por ele como um dado empírico, passa a ser vista por muitos autores como um problema normativo e político, que compromete a legitimidade democrática e a capacidade do sistema de responder às demandas sociais.
A democracia, nesse quadro, corre o risco de se reduzir a um ritual formal periódico, esvaziado de engajamento cívico e de efetiva responsabilização. O modelo schumpeteriano fornece uma descrição plausível desse funcionamento, mas sua indiferença quanto à qualidade do vínculo representativo e à inclusão de múltiplas vozes sociais limita sua capacidade de responder aos desafios atuais.
4. Metodologia
Do ponto de vista metodológico, este artigo caracteriza-se como uma pesquisa de natureza qualitativa, teórica e exploratória, com enfoque bibliográfico e interpretativo. O objetivo é analisar, à luz do pensamento de Joseph A. Schumpeter, o conceito de democracia como método institucional de escolha de lideranças políticas, verificando sua coerência interna e aplicabilidade a contextos democráticos contemporâneos.
Optou-se por uma abordagem dedutiva, partindo da definição schumpeteriana da democracia para, em seguida, aplicar seus elementos estruturantes na análise de casos empíricos.
4.1. Tipo e abordagem da pesquisa
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de base bibliográfica, conforme definida por Lakatos e Marconi (2003), que enfatiza a compreensão de fenômenos sociais por meio da análise de textos teóricos, obras científicas e documentos políticos. A escolha por esse tipo de investigação se justifica pela necessidade de compreender por meio de uma lente conceitual específica e consolidada, esse fenômeno político de alta complexidade, que é a democracia.
A perspectiva qualitativa, conforme Minayo (2004), é adequada para fenômenos que envolvem representações, valores e estruturas simbólicas, como é o caso da construção teórica da democracia em sua dimensão institucional e cultural.
4.2. Objeto e categorias analíticas
O objeto de análise é a concepção de democracia segundo Joseph A. Schumpeter, particularmente sua definição como “sistema institucional para chegar a decisões políticas”, em que os indivíduos adquirem poder de decisão por meio de uma “luta competitiva pelo voto do povo” (Schumpeter, 2017, p. 366). A partir dessa definição, foram extraídas três categorias analíticas: a) a democracia como método, em oposição à noção clássica de vontade geral; b) a competição política entre elites partidárias, como estrutura central do sistema; c) o papel do eleitorado, entendido como limitado à escolha periódica entre lideranças organizadas. Essas categorias orientaram a leitura do material teórico e também a análise dos exemplos empíricos contemporâneos apresentados no decorrer do artigo.
4.3. Fontes e procedimentos
O corpus teórico principal é a obra Capitalismo, socialismo e democracia (Schumpeter, 2017), considerada a fonte primária. Como fontes secundárias, utilizou-se literatura especializada, como Carlo (2005), que examina a teoria democrática de Schumpeter, além de Bobbio (2000), no que diz respeito à democracia procedimental, e Rousseau (1999), dentre outros, para fins de contraponto histórico-conceitual com a teoria clássica da democracia.
A análise dos exemplos empíricos, como eleições nos EUA e no Brasil, sistemas parlamentares europeus e campanhas baseadas em big data, foi desenvolvida de modo ilustrativo e interpretativo, em consonância com o enfoque qualitativo. Tais casos foram selecionados por sua relevância analítica e por refletirem características estruturais previstas na teoria schumpeteriana.
4.4 Delimitações e limitações
Por tratar-se de uma análise teórico-interpretativa, o artigo não objetiva testar hipóteses empíricas nem produzir generalizações estatísticas. O foco está na interpretação crítica de categorias teóricas aplicadas a contextos reais, à maneira de um ensaio analítico, conforme sugerido por Minayo (2004). A ausência de dados quantitativos é deliberada, dado que o enfoque schumpeteriano prioriza a estrutura e o funcionamento do sistema político enquanto arranjo institucional, e não o comportamento microanalítico dos eleitores.
Por fim, ressalta-se que a escolha dos exemplos contemporâneos tem caráter exemplificativo, e não exaustivo, sendo utilizados para sustentar a atualidade da abordagem schumpeteriana. Aborda-se exemplos nos EUA, onde morava o autor quando da elaboração de sua obra em estudo; na Europa, de onde o mesmo provinha, ambos sendo objeto de seus estudos; e no Brasil, objeto de nosso interesse.
5. Exemplos contemporâneos: a teoria schumpeteriana aplicada
5.1. Eleições nos EUA: a competição entre partidos e o papel das elites
As eleições nos Estados Unidos, onde morava o autor quando elaborou a sua obra, representam um exemplo paradigmático da teoria de Schumpeter sobre a democracia como um método competitivo. O sistema bipartidário dominante, com o Partido Democrata e o Partido Republicano, exemplifica como a democracia moderna se caracteriza pela competição entre elites partidárias. Schumpeter argumenta que, em vez de ser uma expressão direta da vontade popular, as eleições são uma competição estruturada onde o eleitorado é convidado a escolher entre duas opções principais, cada uma com plataformas políticas que frequentemente se assemelham em temas centrais, como economia, defesa e direitos civis.
No caso dos EUA, os partidos políticos, junto a seus financiadores e grupos de interesse, têm uma influência decisiva sobre o conteúdo das campanhas e sobre a agenda política. O papel do eleitor é limitado, pois as opções políticas são frequentemente oferecidas em pacotes elaborados pelas elites partidárias, sem uma verdadeira discussão pública sobre alternativas viáveis. Além disso, a influência do dinheiro nas campanhas eleitorais é um ponto crucial. Schumpeter já havia previsto que as elites financeiras e corporativas teriam um papel crescente nas democracias modernas, e isso é claramente observado nos EUA, onde o financiamento de campanhas eleitorais por grandes corporações e indivíduos ricos distorce o processo democrático, favorecendo candidatos que atendem aos seus interesses.
Exemplos como o impacto das Super PACs (Comitês de Ação Política1), que podem arrecadar e gastar quantias ilimitadas de dinheiro em apoio a candidatos, reforçam a crítica schumpeteriana ao modelo democrático. Em vez de uma escolha genuína entre políticas diferentes, o eleitor está restrito a pacotes de propostas formuladas por elites com vastos recursos, o que reduz a liberdade de escolha e enfraquece a democracia representativa.
5.2. Sistemas parlamentares europeus: governos de coalizão e a centralidade das elites
Os sistemas parlamentares da Europa, especialmente em países como Alemanha, Itália e Reino Unido, objeto de análise do autor, também fornecem uma rica aplicação da teoria de Schumpeter. Nessas democracias, os cidadãos votam em representantes parlamentares, que então escolhem o chefe de governo, como o primeiro-ministro. A eleição direta de um chefe de governo é rara, o que resulta em uma escolha política indireta do líder executivo, conforme delineado por Schumpeter.
Além disso, muitos desses sistemas parlamentares são caracterizados por governos de coalizão, onde partidos políticos com posições ideológicas variadas formam alianças para governar. Em muitos casos, os programas de governo dessas coalizões são amplamente semelhantes, pois as disputas ideológicas entre as principais forças políticas são atenuadas para garantir a viabilidade de um governo estável. Aqui, o papel das elites políticas é novamente central. As coalizões de partidos e os acordos feitos nos bastidores refletem o controle das elites sobre o processo de governança, com a participação popular restrita ao voto periódico.
O caso da Alemanha, por exemplo, com a formação de coalizões entre a União Democrata Cristã (CDU) e o Partido Social-Democrata (SPD), tem demonstrado que, mesmo com um sistema eleitoral proporcional que busca refletir a vontade popular de maneira mais fiel, as opções oferecidas ao eleitorado ainda são resultado de negociações entre elites partidárias. O estilo pragmático da chanceler Ângela Merkel (2005 – 2021), marcado pela abordagem cautelosa e focada em resultados, buscando soluções práticas e consensuais para os desafios enfrentados, reflete bem esse fenômeno: o eleitor tem poucas opções além de escolher entre líderes de partidos que, muitas vezes, têm mais semelhanças do que diferenças em suas propostas políticas.
5.3. A política profissional no Brasil: o papel das elites e o marketing eleitoral
O sistema político brasileiro apresenta características centrais da teoria schumpeteriana, sobretudo no que se refere à profissionalização da política e à predominância das elites econômicas e políticas nas disputas eleitorais. As campanhas para cargos executivos e legislativos são amplamente financiadas por grandes grupos empresariais, reforçando a desigualdade de poder e influenciando o resultado eleitoral (Schumpeter, 2017).
A midiatização da política, por sua vez, exemplifica a lógica do marketing eleitoral, em que os candidatos utilizam tecnologias, estratégias de comunicação e análise de dados para moldar suas mensagens conforme as preferências e psicologias do eleitorado. Isso reduz o eleitor ao papel de espectador passivo, em linha com a crítica de Schumpeter sobre a oferta de “pacotes prontos” ao eleitor, que limita sua real capacidade de influenciar a formulação política (Schumpeter, 2017).
5.4. Desafios e perspectivas para a democracia brasileira à luz da teoria schumpeteriana
5.4.1. Superar a racionalidade limitada: educação política e acesso à informação
Schumpeter (2017) destaca que o eleitor age com racionalidade limitada, frequentemente influenciado por fatores emocionais e simbólicos. No contexto brasileiro, a desigualdade no acesso à educação e a informações qualificadas acentua essa limitação. Portanto, investir em educação política crítica e ampliar o acesso a fontes confiáveis de informação são condições essenciais para ampliar a participação consciente dos cidadãos no processo eleitoral (Minayo, 2004).
5.4.2. Fortalecer a participação cívica além do voto
Embora o modelo schumpeteriano minimize a participação direta dos cidadãos na formulação de políticas públicas, a vitalidade da democracia contemporânea depende do engajamento ativo da sociedade civil. Experiências brasileiras como o orçamento participativo em Porto Alegre, os conselhos gestores e movimentos sociais têm demonstrado possibilidades concretas para ampliar a inclusão política e fortalecer o controle social. De fato, iniciativas como essa contribuem para reduzir o distanciamento entre governantes e governados, além de mitigar a sensação de alienação política. Como afirma Boaventura de Sousa Santos:
“.. o orçamento participativo tem sido um meio notável de promover a participação dos cidadãos em decisões que dizem respeito à justiça distributiva, a eficácia decisória e a responsabilidade do Executivo municipal...” (SANTOS, 2002).
Além das formas tradicionais de participação, como o orçamento participativo, novas ferramentas e práticas têm emergido com o potencial de fortalecer a democracia para além do momento eleitoral. As plataformas digitais de deliberação, como o Decidim em Barcelona ou o Participa.br no Brasil, permitem que cidadãos proponham, votem e discutam políticas públicas de maneira aberta e acessível. Já as assembleias cidadãs sorteadas, utilizadas com sucesso na Irlanda, demonstram como o sorteio deliberativo pode servir como mecanismo complementar ao voto para decisões complexas. Por fim, iniciativas cívicas locais, como associações comunitárias e redes de economia solidária, demonstram que a democracia também se constrói no cotidiano, em práticas de cooperação, pertencimento e engajamento social. Essas formas não substituem o modelo representativo, mas o enriquecem, mitigando a passividade política descrita por Schumpeter e promovendo uma cidadania mais ativa e plural.
5.4.3. Transparência e combate à corrupção
A legitimidade da competição democrática, tal como concebida por Schumpeter, depende não apenas da realização periódica de eleições entre elites políticas, mas também da confiança pública nas instituições que regulam e fiscalizam esse processo. Em contextos como o brasileiro, marcados por escândalos recorrentes de corrupção e práticas clientelistas, essa confiança é fragilizada, comprometendo a percepção da política como um jogo justo e equilibrado.
Diante desse cenário, mecanismos como a transparência, a fiscalização e a prestação de contas assumem papel fundamental para garantir que a democracia competitiva funcione como um método legítimo de escolha de governantes. A transparência institucional é, como destaca Roberto de Andrade (2014), essencial para a legitimidade democrática e para a prevenção da corrupção sistêmica.
O conceito de accountability é central nesse debate. Guillermo O’Donnell (2010) distingue a accountability horizontal, exercida por instituições autônomas como tribunais, órgãos de controle e parlamentos, como um dos pilares das democracias de qualidade. Para ele, não basta a realização de eleições regulares; é necessário que os eleitos estejam permanentemente sujeitos a mecanismos de controle, evitando comportamentos arbitrários ou irresponsáveis.
Complementando essa visão, Adam Przeworski (1998) argumenta que a estabilidade democrática depende da disposição dos perdedores em aceitar os resultados eleitorais. Essa aceitação, por sua vez, só é possível quando existe confiança generalizada de que o processo político é transparente, previsível e equitativo. Assim, a transparência institucional, tanto na tomada de decisões quanto na gestão de recursos públicos, constitui um pré-requisito para a legitimidade da competição entre elites.
No modelo da chamada “democracia de público”, descrito por Bernard Manin (2013), os cidadãos participam cada vez menos diretamente da formulação de políticas e tornam-se receptores passivos de decisões tomadas por representantes. Nesse contexto, a visibilidade das ações governamentais passa a ser o principal instrumento de controle democrático. A ausência de transparência, portanto, equivale à exclusão política.
No Brasil, uma iniciativa relevante nesse sentido é o Portal da Transparência do governo federal, que permite o acompanhamento, em tempo real, de dados sobre gastos públicos, transferências de recursos e execução orçamentária. Ferramentas como essa reduzem a assimetria de informação entre governantes e governados, fortalecendo os mecanismos de controle social e contribuindo para o bom funcionamento do modelo competitivo defendido por Schumpeter.
5.4.4. Regulação e inovação na comunicação política
O avanço das redes sociais e a disseminação de desinformação representam desafios centrais ao modelo de democracia competitiva formulado por Schumpeter. Esse modelo pressupõe eleitores minimamente informados, capazes de escolher racionalmente entre elites políticas concorrentes. No entanto, o ambiente digital atual, marcado por algoritmos opacos, segmentação personalizada de conteúdo e fake news, compromete essas condições básicas de escolha.
A ausência de regulação adequada das plataformas digitais fragiliza a equidade do processo eleitoral e favorece a manipulação da opinião pública. No Brasil, iniciativas como a Lei nº 13.834/2019, que trata de denúncias caluniosas com fins eleitorais, e os debates em torno do Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/2020), indicam esforços iniciais de resposta institucional, ainda que limitados.
Como alerta Cass Sunstein (2002), a fragmentação informacional produzida por ambientes digitais tende a reduzir a exposição à diversidade de ideias e intensificar a polarização, prejudicando o debate público democrático. Já Shoshana Zuboff (2020) denuncia os riscos do “capitalismo de vigilância”, em que dados pessoais são usados para influenciar preferências políticas, comprometendo a autonomia do eleitor.
Para que a competição entre elites seja percebida como legítima, é necessário garantir tanto a regulação do ambiente digital quanto a promoção da educação midiática. A democracia, diante dos desafios tecnológicos, precisa adaptar-se para proteger seus fundamentos: transparência, igualdade de condições e liberdade informada de escolha.
5.4.5. Equilíbrio entre competição e representação substantiva
Por fim, embora a teoria schumpeteriana valorize a alternância e a competição eleitoral, seu foco exclusivo pode resultar em uma democracia formal, desprovida de conteúdos substanciais como justiça social e inclusão.
No Brasil, a ampliação da representatividade e do pluralismo social, por meio de reformas políticas, é fundamental para que a democracia ultrapasse o mero processo eleitoral e incorpore demandas sociais amplas.
A partir dessa perspectiva crítica e propositiva, a teoria schumpeteriana oferece um ponto de partida fundamental para compreender a dinâmica da democracia brasileira, sobretudo sua estrutura procedimental e a centralidade das elites políticas. Entretanto, sua aplicação evidencia a necessidade de um olhar ampliado que considere as especificidades socioeconômicas e culturais do país, assim como os novos desafios impostos pela era digital e pela polarização política.
Esse diálogo entre teoria e prática é essencial para pensar estratégias que fortaleçam a democracia brasileira, tornando-a não apenas um método competitivo eficaz, mas também um sistema mais participativo, inclusivo e capaz de responder às demandas contemporâneas por justiça e representatividade.
5.5. O uso de big data nas campanhas eleitorais: personalização e manipulação
Até alguns anos esse termo era utilizado apenas por profissionais da área de marketing político, passando, porém, a ser cada vez mais popularizado nos últimos tempos. Refere-se à utilização em campanhas eleitorais de grande volume de dados para identificar padrões e tendências do eleitorado, tais como preferências políticas, comportamento, etc., para, assim, direcionar a fala e propostas dos candidatos.
No Brasil, como no resto do mundo, tem sido frequentemente utilizado esse método nas campanhas eleitorais com o objetivo de adaptar o discurso e a linguagem de acordo com cada segmento populacional, assim otimizando a comunicação política. Essa prática, no entanto, levanta questões sobre privacidade, manipulação e a própria natureza da democracia, levando muitos candidatos a falarem o que o povo quer ouvir e não o que, de fato, desejam eles fazer.
O uso dessas big datas nas campanhas eleitorais modernas ilustra uma faceta avançada da teoria schumpeteriana, ao mostrar como a competição política se tornou ainda mais controlada pelas elites, especialmente aquelas com acesso a grandes volumes de dados e recursos tecnológicos. O uso de algoritmos para personalizar as campanhas eleitorais e direcionar mensagens específicas a diferentes segmentos da população é uma das principais inovações nos processos eleitorais contemporâneos.
Casos como o escândalo Cambridge Analytica no Reino Unido e nos EUA, que envolveu a recolha de informações pessoalmente identificáveis de cerca de 87 milhões de usuários do Facebook, demonstram como dados pessoais são coletados de maneira invasiva para criar perfis detalhados de eleitores e moldar campanhas políticas que influenciam suas decisões. Embora esse processo de personalização de campanhas possa aumentar a eficácia da mensagem política, também reduz a capacidade do eleitorado de fazer escolhas informadas, pois muitos eleitores são bombardeados por informações tendenciosas e, muitas vezes, manipulativas. A manipulação da informação e a criação de bolhas informativas reforçam a ideia de Schumpeter de que a verdadeira agência democrática é substituída pela escolha de pacotes de ideias controlados por elites políticas e tecnológicas.