6. Conclusão
Este artigo buscou analisar a teoria da democracia formulada por Joseph A. Schumpeter, à luz das práticas políticas contemporâneas, especialmente no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. Partindo da concepção de democracia como um "método competitivo" de escolha de líderes, argumentamos que, embora essa abordagem ofereça uma visão realista sobre o funcionamento dos regimes democráticos modernos, ela também revela tensões profundas entre legitimidade institucional e participação cidadã.
A pesquisa demonstrou que, segundo Schumpeter, a participação política do cidadão médio é reduzida à escolha periódica entre elites políticas concorrentes, em um processo análogo ao mercado. Essa perspectiva elitista desmistifica o ideal rousseauniano da vontade geral, mas também levanta questões sobre a eficácia da representação, a racionalidade do eleitor e a influência desproporcional de lideranças e grupos organizados.
Ao aplicar esse modelo teórico a contextos atuais, como o uso de big data em campanhas eleitorais, a manipulação informacional nas redes sociais e os limites do engajamento político tradicional, observamos que os desafios contemporâneos à democracia não invalidam a abordagem schumpeteriana, mas exigem sua atualização. A estabilidade institucional, a competição entre elites e a alternância no poder continuam sendo pilares das democracias modernas, mas precisam ser complementados por mecanismos que fortaleçam o controle social, a transparência, a diversidade política e a regulação do ambiente comunicacional.
Este trabalho oferece à academia uma releitura crítica da teoria democrática de Schumpeter, demonstrando sua aplicabilidade à análise de fenômenos políticos atuais e propondo caminhos possíveis de aprimoramento da representação política. Para a sociedade, o artigo contribui ao fomentar uma reflexão mais lúcida sobre os limites da participação democrática e sobre a importância de políticas públicas que fortaleçam a cidadania ativa, o combate à desinformação e a integridade das instituições.
Apesar de seu alcance teórico e analítico, esta pesquisa tem algumas limitações. Primeiramente, a abordagem adotada é qualitativa e teórica, sem a aplicação de dados empíricos ou estatísticos que permitam mensurar o impacto direto das práticas descritas (como o uso de big data ou a percepção da cidadania sobre elites políticas). Além disso, a análise empírica se concentrou em exemplos específicos de democracias consolidadas, o que limita a generalização dos resultados para contextos autoritários ou híbridos.
Recomenda-se que futuras pesquisas explorem comparativamente os efeitos das tecnologias digitais sobre o comportamento eleitoral e o grau de autonomia dos eleitores em diferentes contextos culturais e institucionais. Estudos empíricos baseados em entrevistas, surveys ou análise de dados eleitorais também poderiam enriquecer a compreensão sobre como a teoria schumpeteriana se manifesta nas práticas democráticas reais. Outra agenda promissora consiste em investigar formas alternativas de participação política que ampliem a capacidade deliberativa da sociedade sem comprometer a funcionalidade das instituições representativas.
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Nota
1 SuperPACs ou Super Political Action Committees, é a designação de organizações criadas para arrecadação de dinheiro de indivíduos, empresas, corporações, etc., como forma de impulsionar ou se opor à campanha eleitoral de um candidato ou partido, sem limite estabelecido de teto. Segundo Vitória Moreira Zambiazzi (UFSC), na última campanha eleitoral foram criados 2444 SuperPACs nos Estados Unidos, as quais arrecadaram mais de US$ 3,7 bilhões e acumularam um gasto de mais de US$ 2,1 bilhões até a data de postagem de suas informações (Postado em 26.10.2024. https://www.opeu.org.br/2024/10/26/os-superpacs-pro-trump/. Acesso em 28.7.2025).
Abstract: This article revisits Joseph A. Schumpeter’s theory in light of current debates on the quality of political participation in contemporary democracies. In Capitalism, Socialism and Democracy (1942), Schumpeter challenges the classical notion of popular sovereignty and defines democracy as a competitive method for selecting leaders, emphasizing the central role of political elites. The study reflects on the limitations of this model, which narrows citizen participation to periodic voting within a highly professionalized political system. By analyzing contemporary cases—such as elections in the United States and Brazil, European parliamentary systems, and the use of big data in electoral campaigns—the research highlights how modern democracy, while functional, faces persistent tensions between legitimacy and civic passivity. It concludes that Schumpeter’s perspective remains valuable for understanding present-day politics, but also raises important questions about the real extent of political participation in modern democratic systems.
Key words : Schumpeterian democracy. Competitive method. Political participation. Political elites. Big data in electoral campaigns.