Capa da publicação Proteção mitigada: marcas fracas podem coexistir?
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A mitigação da exclusividade nas marcas fracas ou evocativas.

Análise da evolução jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de São Paulo

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20/09/2025 às 15:53

Resumo:


  • A jurisprudência do STJ e do TJ-SP sobre marcas evocativas está consolidando a proteção mitigada desses tipos de marcas, permitindo a convivência pacífica com outras semelhantes desde que não haja risco de confusão para o consumidor.

  • A análise comparada com os EUA, União Europeia e Convenção de Paris mostra que a jurisprudência brasileira acompanha tendências internacionais, harmonizando-se com princípios de distintividade e evitando a apropriação indevida de expressões genéricas.

  • A mitigação da exclusividade das marcas evocativas tem impactos práticos e econômicos, promovendo um mercado mais competitivo, diversificado e favorecendo a inovação, ao mesmo tempo em que reforça a confiança do consumidor e reduz a litigiosidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

STJ e TJ-SP consolidaram tutela mitigada a marcas evocativas de baixa distintividade. Há risco de confusão ao consumidor que exija exclusividade sem afetar a livre concorrência?

Resumo: O presente artigo analisa a evolução jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de São Paulo quanto à proteção das chamadas marcas fracas ou evocativas. Trata-se de signos compostos por expressões de uso comum, de baixa originalidade e reduzida distintividade, cuja exclusividade conferida pelo registro é mitigada em razão do princípio da especialidade e da necessidade de resguardar a livre concorrência. A partir da análise de recentes acórdãos (2022–2024), verifica-se a consolidação do entendimento de que tais marcas podem conviver pacificamente com outras semelhantes, desde que ausente risco de confusão para o consumidor. O estudo aborda, ainda, os impactos práticos dessa interpretação para o mercado, bem como a perspectiva comparada em relação ao direito estrangeiro.

Palavras-chave: Marca evocativa. Distintividade. Concorrência desleal. STJ. TJ-SP.

Sumário: 1. Introdução. 2. O conceito de marca e sua função distintiva. 3. Jurisprudência recente do STJ sobre marcas evocativas. 4. Jurisprudência recente do TJ-SP sobre a mitigação da exclusividade. 5. Impactos práticos e reflexos econômicos. 6. Perspectiva comparada: EUA, União Europeia e Convenção de Paris. 7. Conclusão. Referências.


1. Introdução

O estudo da proteção jurídica das marcas ocupa lugar central no âmbito da propriedade industrial, uma vez que tais signos distintivos cumprem a função essencial de identificar produtos e serviços, diferenciando-os de seus concorrentes, ao mesmo tempo em que transmitem ao consumidor informações relacionadas à qualidade, à origem e à reputação do bem ou serviço ofertado.

Não se trata, portanto, de um simples elemento gráfico ou fonético, mas de verdadeiro ativo intangível de natureza estratégica, dotado de expressivo valor econômico e simbólico, inserido em um ambiente marcado pela competitividade intensa e pela necessidade de preservação da lealdade concorrencial.

No ordenamento jurídico brasileiro, a disciplina normativa encontra-se prevista na Lei nº 9.279/1996, a qual estabelece os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e assegura ao titular o uso exclusivo da marca em todo o território nacional.

Esse direito, todavia, não se revela absoluto, encontrando limites não apenas na função social da propriedade industrial e nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, mas também no grau de distintividade do signo registrado.

É justamente nesse ponto que a doutrina e a jurisprudência desenvolvem a diferenciação entre marcas fortes, dotadas de elevado grau de originalidade, e marcas fracas ou evocativas, cuja capacidade de diferenciação é reduzida em virtude da utilização de expressões de uso comum ou de conotação meramente sugestiva.

A discussão a respeito da extensão da tutela conferida a tais marcas tem assumido relevância crescente no cenário jurídico contemporâneo. Isso porque, diante da baixa criatividade inerente a esses sinais, sua exclusividade não pode ser reivindicada de modo amplo, sob pena de se criar indevido monopólio sobre palavras ou expressões necessárias à comunicação comercial.

A jurisprudência pátria, em especial a do Superior Tribunal de Justiça e a do Tribunal de Justiça de São Paulo, vem consolidando entendimento no sentido de que a proteção das marcas evocativas deve ser mitigada, permitindo-se a convivência com outras semelhantes desde que ausente risco efetivo de confusão ao consumidor.

A análise dos julgados mais recentes evidencia uma tendência consolidada: a de subordinar a exclusividade registral ao exame concreto das circunstâncias do mercado, levando em consideração o ramo de atividade das partes, a apresentação visual dos sinais distintivos, a identidade ou não do público-alvo e, sobretudo, a boa-fé no exercício da atividade empresarial.

Trata-se de evolução jurisprudencial que busca equilibrar, de um lado, o direito de exclusividade do titular da marca e, de outro, a preservação da livre concorrência e do dinamismo econômico, evitando a apropriação indevida de expressões corriqueiras.

O presente artigo, nessa perspectiva, tem por finalidade examinar criticamente a construção desse entendimento, detendo-se nos fundamentos utilizados pelos tribunais e refletindo sobre os impactos práticos dessa orientação no ambiente empresarial.


2. O conceito de marca e sua função distintiva

A marca, nos termos do art. 122. da Lei da Propriedade Industrial, é definida como todo sinal distintivo visualmente perceptível, capaz de identificar e distinguir produtos e serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa.

A função primordial da marca consiste, portanto, em individualizar a origem do produto ou serviço, funcionando como indicativo de procedência e qualidade e permitindo ao consumidor reconhecer e diferenciar os bens oferecidos no mercado.

Essa função distintiva é acompanhada por outras de não menor importância, como a função de garantia, que assegura determinado padrão de qualidade; a função de investimento, que transforma a marca em valioso ativo intangível passível de cessão, licenciamento ou franquia; e a função comunicativa, pela qual a marca se converte em vetor de marketing e instrumento de publicidade.

A doutrina, contudo, evidencia que nem todas as marcas ostentam o mesmo grau de distintividade. As chamadas marcas fortes são aquelas de fantasia ou arbitrárias, cuja originalidade lhes confere proteção ampla, a exemplo de termos como “Kodak” ou “Xerox”.

Em contraposição, existem as marcas fracas, que se utilizam de expressões genéricas ou descritivas, de baixo teor inventivo, e que, por isso, não podem monopolizar termos indispensáveis à atividade econômica.

Entre essas duas categorias, situam-se as denominadas marcas evocativas, que não descrevem diretamente o produto ou serviço, mas evocam ou sugerem qualidades a ele relacionadas, como ocorre com expressões do tipo “Neoface” ou “AutoStar”.

Embora registráveis, tais marcas não gozam de exclusividade plena, justamente porque se entende que outros empresários podem legitimamente fazer uso de vocábulos semelhantes sem que isso configure infração.

A extensão da tutela marcária, nesse cenário, deve ser analisada à luz de dois vetores fundamentais. O primeiro deles é o princípio da especialidade, segundo o qual a proteção da marca limita-se ao ramo de atividade em que é empregada.

Desse modo, uma mesma expressão pode coexistir em segmentos de mercado distintos, sem que haja violação ao direito do titular, desde que as atividades desenvolvidas não guardem afinidade suficiente para induzir o consumidor a erro.

O segundo vetor é o risco de confusão, elemento central na caracterização da concorrência desleal, que exige análise concreta do conjunto marcário, da apresentação visual, das cores, tipografia e estilização, bem como da identidade de público e das circunstâncias de utilização no mercado.

Apenas quando se verificar a possibilidade de confundir o consumidor médio, de induzi-lo a acreditar que determinado produto ou serviço possui origem diversa daquela que efetivamente tem, é que se poderá reconhecer a infração.

Dessa forma, o direito de exclusividade decorrente do registro não se mostra absoluto. Ele deve ser interpretado de maneira proporcional e em consonância com os princípios constitucionais e com a finalidade econômica da marca, de modo a assegurar sua função distintiva sem comprometer a liberdade de iniciativa e a competitividade no mercado.

Essa visão sistêmica é a que orienta, cada vez mais, a jurisprudência contemporânea, ao reconhecer a convivência legítima entre marcas evocativas semelhantes, desde que não se configure risco de confusão no público consumidor.


3. Jurisprudência recente do STJ sobre marcas evocativas

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou, ao longo da última década, um entendimento cada vez mais uniforme acerca da proteção mitigada das marcas evocativas.

A Corte Superior reconhece que, embora o registro marcário confira ao titular o direito de uso exclusivo, essa prerrogativa não pode ser estendida de maneira irrestrita quando se trata de signos compostos por vocábulos de uso comum ou de baixa originalidade.

Nesses casos, a exclusividade deve ser temperada pela análise concreta do risco de confusão, pela aplicação do princípio da especialidade e pela consideração da boa-fé objetiva na atuação empresarial.

Um dos precedentes paradigmáticos foi o julgamento do Recurso Especial n. 1.237.752/PR, no qual a Quarta Turma, em voto condutor do Ministro Marco Buzzi, reconheceu que a vedação à registrabilidade de expressões genéricas ou de uso comum deve ser avaliada em relação ao produto ou serviço a ser identificado e não à palavra isoladamente considerada.

O Tribunal, nesse julgado, afirmou que a concorrência desleal somente se configura quando a imitação da marca, em razão de sua apresentação visual ou estilização coincidente, associada à identidade de público-alvo, gera no consumidor a falsa percepção de estar adquirindo produto ou serviço diverso daquele efetivamente comercializado.

Mais recentemente, no Agravo Interno no AREsp n. 1.516.110/MG, a Quarta Turma reiterou a tese de que as marcas evocativas, por constituírem expressão de uso comum, de pouca originalidade e sem suficiente força distintiva, atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro, sendo admissível a convivência com outras semelhantes.

Essa orientação foi reforçada em 2024, no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial n. 2.053.824/SE, ocasião em que a Ministra Maria Isabel Gallotti destacou a pacificação do entendimento da Corte e aplicou a Súmula 83/STJ para afastar o recurso especial, porquanto o acórdão recorrido encontrava-se em plena harmonia com a jurisprudência consolidada.

Não se trata, portanto, de negar eficácia ao direito de exclusividade decorrente do registro da marca, mas de reconhecer que essa exclusividade não se reveste de caráter absoluto.

O STJ tem reiteradamente enfatizado que a proteção conferida ao titular deve ser delimitada, acima de tudo, pelo risco de confusão que o uso de outro sinal possa causar no consumidor médio, considerado em suas condições normais de percepção.

Essa diretriz aproxima a jurisprudência brasileira dos parâmetros internacionais e reforça a função da marca como instrumento de identificação e não como meio de apropriação indevida de termos de uso corrente no mercado.


4. Jurisprudência recente do TJ-SP sobre a mitigação da exclusividade

No mesmo compasso, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de sua Câmara Reservada de Direito Empresarial, tem desempenhado papel de relevo na sedimentação da compreensão de que as marcas evocativas comportam tutela mitigada.

A Corte paulista, sensível às especificidades do mercado e às peculiaridades dos conflitos empresariais, vem proferindo decisões que reafirmam a possibilidade de convivência pacífica entre marcas semelhantes, desde que não se evidencie a intenção de confundir o consumidor ou de se aproveitar indevidamente da reputação alheia.

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Exemplo emblemático encontra-se na Apelação Cível n. 1017919-10.2022.8.26.0100, julgada em 2024, em que se discutia a utilização da marca “Neoface”. O Tribunal concluiu tratar-se de expressão evocativa, alusiva a uma nova face ou nova aparência, de baixa distintividade, razão pela qual a exclusividade conferida ao registro deveria ser mitigada.

Reconheceu-se, ademais, que a autora atuava no setor de produtos ortodônticos, ao passo que a ré exercia atividades como clínica odontológica, segmentos que, embora relacionados à saúde bucal, não se confundiam a ponto de induzir o consumidor médio a erro.

Em linha semelhante, na Apelação Cível n. 1021231-31.2021.8.26.0002, julgada em 2023, relativa à marca “AutoStar”, a Corte paulista reafirmou a tese de que a união de termos corriqueiros, como “auto” e “star”, não gera distintividade suficiente para conferir ao titular um direito amplo de exclusividade.

O Tribunal destacou que a ré atuava em segmento modesto de comercialização de veículos seminovos em Várzea Grande, enquanto a autora se posicionava como concessionária de automóveis de luxo em São Paulo, de modo que os públicos-alvo eram distintos e a possibilidade de confusão inexistia.

Outro precedente digno de nota é a Apelação Cível n. 0004353-18.2007.8.26.0106, na qual se examinou a expressão “Odonto System”. A Câmara Reservada assentou que se tratava de vocábulo meramente descritivo da atividade odontológica, de reduzida originalidade, e que a convivência entre as marcas não acarretava risco de confusão, sobretudo em razão da diferenciação gráfica e visual adotada pelas empresas.

Essas decisões revelam que o TJ-SP tem seguido de perto a orientação do STJ, mas com a vantagem de aplicar os critérios abstratos fixados pela Corte Superior ao exame minucioso das circunstâncias fáticas de cada caso concreto.

A tônica das decisões paulistas repousa na análise contextual: verifica-se não apenas a natureza evocativa do signo, mas também o histórico empresarial das partes, o público a que se destinam os serviços, a localidade em que atuam e os elementos gráficos empregados. Esse enfoque pragmático fortalece a segurança jurídica, ao mesmo tempo em que evita a indevida apropriação privada de expressões genéricas, assegurando, assim, um mercado mais livre e competitivo.


5. Impactos práticos e reflexos econômicos

A consolidação jurisprudencial acerca da mitigação da exclusividade das marcas evocativas projeta efeitos diretos sobre a prática empresarial, a dinâmica concorrencial e a própria racionalidade econômica do sistema de propriedade industrial.

O primeiro impacto digno de nota reside no ônus que passa a recair sobre os titulares de marcas de reduzida distintividade. Ao optarem por registros compostos por expressões corriqueiras ou de natureza sugestiva, esses empresários assumem, ainda que implicitamente, o risco de ver limitada a extensão de sua proteção.

O direito conferido pelo registro existe, mas revela-se fragilizado diante da necessidade de conviver com outros signos semelhantes, sobretudo quando inexiste demonstração cabal de confusão no mercado consumidor.

Esse resultado, embora possa ser percebido como um enfraquecimento da exclusividade pelo titular, cumpre importante função no equilíbrio do ambiente concorrencial.

Ao impedir que uma única empresa se aproprie de termos de uso comum ou de expressões que evocam características genéricas dos produtos e serviços, a jurisprudência assegura que tais palavras permaneçam disponíveis ao uso coletivo, preservando a fluidez da linguagem e evitando a criação de barreiras artificiais à entrada de novos concorrentes no mercado.

A marca, nesse contexto, deixa de ser um obstáculo intransponível e passa a funcionar como instrumento de identificação limitado, ajustado ao grau de originalidade de sua constituição.

Sob a perspectiva do consumidor, os reflexos também são relevantes. A mitigação da exclusividade favorece a diversidade de ofertas no mercado, amplia as opções de escolha e impede que se estabeleça monopólio indevido sobre signos de baixa criatividade.

A proteção passa a ser calibrada em função da real possibilidade de confusão, de modo que apenas quando efetivamente se comprova que o público médio pode ser induzido em erro é que se reconhece a infração marcária.

Essa racionalidade contribui para reforçar a confiança do consumidor no sistema de identificação de produtos e serviços, uma vez que apenas marcas dotadas de genuína força distintiva são capazes de impedir o uso de expressões similares.

Do ponto de vista macroeconômico, observa-se que a linha jurisprudencial adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo harmoniza-se com princípios constitucionais e com diretrizes de política concorrencial.

Ao limitar a proteção de marcas evocativas, evita-se que agentes econômicos se utilizem do registro como mecanismo de restrição abusiva da concorrência, fortalecendo, em contrapartida, o dinamismo do mercado e estimulando a inovação.

As empresas são incentivadas a investir em marcas verdadeiramente originais e criativas, capazes de gerar diferenciação efetiva, reputação consolidada e valor intangível que transcende o simples uso de palavras comuns.

Não menos importante é o reflexo sobre a litigiosidade. Ao reiterar de forma clara e uniforme que a exclusividade das marcas evocativas é mitigada, os tribunais reduzem a margem de incerteza e desestimulam a propositura de demandas infundadas, nas quais se pretende alargar artificialmente o âmbito de proteção de registros frágeis.

A uniformização jurisprudencial, nesse sentido, produz externalidades positivas tanto para o Judiciário, que passa a lidar com menor volume de litígios repetitivos, quanto para os agentes econômicos, que podem planejar suas estratégias de branding com maior previsibilidade.

Assim, a jurisprudência que delimita o alcance das marcas evocativas não se restringe a uma questão técnica de propriedade industrial, mas reflete escolhas de política pública voltadas a assegurar um mercado competitivo, equilibrar direitos individuais e interesses coletivos e incentivar a criatividade empresarial.

Em última análise, a mitigação da exclusividade projeta-se como instrumento de promoção da eficiência econômica e da justiça concorrencial, contribuindo para a maturidade do sistema jurídico brasileiro no campo da propriedade intelectual.


6. Perspectiva comparada: EUA, União Europeia e Convenção de Paris

O exame da proteção conferida às marcas evocativas não pode prescindir de uma análise comparada, sobretudo porque o direito marcário, embora enraizado em ordenamentos nacionais, encontra-se profundamente influenciado por tratados internacionais e por experiências estrangeiras consolidadas.

O Brasil, como signatário da Convenção da União de Paris de 1883, insere-se em um contexto jurídico que busca harmonizar a disciplina da propriedade industrial, estabelecendo parâmetros mínimos de tutela e evitando a apropriação indevida de expressões genéricas ou descritivas que devem permanecer no domínio público.

Nos Estados Unidos, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram a tradicional classificação das marcas em cinco categorias: fanciful, arbitrary, suggestive, descriptive e generic. As marcas fanciful, formadas por termos inventados, e as arbitrary, compostas por palavras comuns aplicadas em contextos inusitados, recebem proteção ampla.

As suggestive, que evocam qualidades do produto ou serviço sem descrevê-los diretamente, também são protegidas, embora possam demandar maior esforço probatório quanto à sua distintividade.

As marcas merely descriptive, por sua vez, não são registráveis de imediato, salvo se adquirirem secondary meaning, isto é, quando, pelo uso reiterado no mercado, passam a ser reconhecidas pelo público como indicativas de uma origem empresarial específica. As marcas generic, por fim, permanecem no domínio público e jamais podem ser apropriadas.

Essa classificação evidencia uma racionalidade semelhante à adotada pela jurisprudência brasileira. O critério central de análise não é o registro em si, mas a capacidade distintiva do sinal e o risco de confusão que pode gerar ao consumidor.

A exigência do secondary meaning para a proteção de marcas descritivas corresponde, em grande medida, ao que no Brasil se alcança pela mitigação da exclusividade das marcas evocativas, impondo ao titular o ônus de comprovar a efetiva associação da marca à sua reputação e à fidelização de clientela.

Na União Europeia, o regime também consagra a centralidade da distintividade. A Diretiva (UE) 2015/2436, que aproxima as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas, estabelece a irregistrabilidade de sinais destituídos de caráter distintivo ou compostos exclusivamente por indicações descritivas ou genéricas.

O Tribunal de Justiça da União Europeia tem reiteradamente decidido que apenas sinais dotados de força distintiva intrínseca ou adquirida podem merecer tutela ampla. Assim como nos Estados Unidos, admite-se que marcas inicialmente descritivas ou evocativas obtenham proteção reforçada mediante a demonstração de distintividade adquirida pelo uso, fenômeno semelhante ao secondary meaning norte-americano.

A Convenção da União de Paris, embora não estabeleça critérios de classificação tão minuciosos, consagra princípios que reforçam essa lógica de equilíbrio. Ao mesmo tempo em que garante a proteção das marcas registradas em cada país signatário, assegura que expressões genéricas ou necessárias à atividade econômica não sejam monopolizadas, vedando, portanto, a apropriação de termos indispensáveis ao comércio. Essa diretriz coaduna-se com a posição jurisprudencial brasileira, que vem afastando pretensões de exclusividade excessiva em relação a signos evocativos.

Dessa comparação, percebe-se que a jurisprudência nacional não apenas se harmoniza com as tendências internacionais, mas também se insere em um movimento global de racionalização da proteção marcária.

A tutela diferenciada em função do grau de distintividade, a exigência de comprovação de confusão efetiva e a preservação do espaço público da linguagem são princípios compartilhados, o que confere segurança jurídica aos operadores e aproxima o Brasil dos parâmetros internacionais de proteção à propriedade industrial.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGROTTA, Luiz Carlos Nacif. A mitigação da exclusividade nas marcas fracas ou evocativas.: Análise da evolução jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8116, 20 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115693. Acesso em: 5 dez. 2025.

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