Capa da publicação Fases da lavagem de dinheiro em criptomoedas
Capa: Sora
Artigo Destaque dos editores

Da colocação à integração: as fases da lavagem de dinheiro aplicadas às transações com ativos virtuais

Exibindo página 2 de 3
24/09/2025 às 20:05

Resumo:


  • A utilização de mixing-services e exchanges descentralizadas não configura automaticamente o crime de lavagem de dinheiro, sendo necessária a presença de elementos adicionais, como o conhecimento da origem ilícita dos recursos e a intenção específica de dissimular essa origem.

  • A caracterização técnica dos mixing-services revela que esses serviços operam por meio de algoritmos criptográficos que agregam transações para proteção de privacidade, sendo neutros do ponto de vista jurídico-penal e apresentando múltiplos usos legítimos.

  • As exchanges descentralizadas, devido à sua arquitetura baseada em smart contracts autônomos, não podem implementar controles tradicionais de compliance, o que não pode ser presumido como ilicitude das transações realizadas, demandando elementos adicionais para configuração de crimes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. METODOLOGIA

A presente pesquisa caracteriza-se como exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa fundamentada em análise dogmática e comparativa. O método dedutivo foi adotado como procedimento principal para examinar a aplicabilidade dos elementos típicos da Lei 9.613/1998 às transações realizadas através de mixing-services e exchanges descentralizadas. A investigação estruturou-se em quatro etapas metodológicas distintas e complementares que permitiram a construção sistemática do conhecimento sobre o objeto de estudo.

A primeira etapa consistiu na análise dogmática dos elementos típicos do crime de lavagem de dinheiro conforme previsto na legislação brasileira. Procedeu-se ao exame detalhado do artigo 1º da Lei 9.613/1998, identificando os elementos objetivos e subjetivos necessários para a configuração típica das condutas de ocultação e dissimulação. A interpretação sistemática dos verbos nucleares do tipo penal foi realizada através da hermenêutica jurídica, considerando tanto a literalidade da norma quanto sua teleologia. Os princípios limitadores do poder punitivo estatal foram analisados como parâmetros interpretativos para delimitar o alcance da norma penal.

A segunda fase metodológica concentrou-se na investigação técnica do funcionamento dos mixing-services e exchanges descentralizadas. A compreensão dos protocolos tecnológicos subjacentes a esses serviços demandou análise interdisciplinar que conjugou conhecimentos jurídicos e técnicos. Os white papers dos principais protocolos de mixagem foram examinados para identificar as características operacionais desses sistemas. A arquitetura das DEX foi estudada através da análise de smart contracts e documentação técnica disponível publicamente. Essa abordagem permitiu compreender os mecanismos de ofuscação transacional e as limitações técnicas inerentes a cada tecnologia.

A terceira etapa envolveu pesquisa bibliográfica sistemática em bases de dados acadêmicas nacionais e internacionais. Foram consultados periódicos especializados em Direito Penal Econômico, publicações sobre tecnologia blockchain e documentos oficiais de organismos internacionais como o Financial Action Task Force. A seleção das fontes priorizou publicações dos últimos cinco anos para garantir atualidade das informações sobre tecnologias em constante evolução. Obras doutrinárias clássicas sobre lavagem de dinheiro foram utilizadas como fundamento teórico para a análise comparativa entre os métodos tradicionais e as novas modalidades tecnológicas.

A análise comparativa constituiu a quarta fase metodológica, na qual se cotejou o funcionamento técnico dos mixing-services e DEX com os elementos típicos identificados na primeira etapa. Utilizou-se método comparativo funcional para examinar como diferentes jurisdições abordam a regulação desses serviços. Os modelos regulatórios da União Europeia, Estados Unidos e países asiáticos foram analisados para identificar convergências e divergências nas abordagens jurídicas. Essa comparação permitiu contextualizar a análise dogmática brasileira no panorama internacional e identificar possíveis lacunas normativas.

O tratamento dos dados coletados seguiu abordagem qualitativa interpretativa. As informações técnicas sobre blockchain foram sistematizadas em categorias analíticas que permitissem sua correlação com as categorias jurídico-penais. A análise de conteúdo foi empregada para examinar decisões judiciais e pareceres técnicos sobre casos envolvendo criptomoedas e lavagem de dinheiro. A triangulação entre fontes doutrinárias, documentos técnicos e análise normativa assegurou a consistência metodológica da pesquisa.

As limitações metodológicas do estudo relacionam-se principalmente à natureza dinâmica do objeto pesquisado. As tecnologias blockchain evoluem rapidamente, criando novos protocolos e funcionalidades que podem alterar as conclusões alcançadas. A escassez de jurisprudência consolidada sobre o tema no Brasil impôs restrições à análise empírica de casos concretos. A natureza pseudônima das transações em blockchain dificultou a obtenção de dados estatísticos precisos sobre a utilização desses serviços para fins ilícitos.

A validação dos resultados foi realizada através da submissão das conclusões preliminares ao escrutínio de especialistas em Direito Penal Econômico e profissionais da área de compliance de criptoativos. O feedback obtido permitiu refinar as análises e identificar aspectos que demandavam aprofundamento. Essa abordagem dialógica contribuiu para aumentar a robustez das conclusões e sua aplicabilidade prática.


4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1. ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO TÍPICA DAS CONDUTAS ENVOLVENDO MIXING-SERVICES

A análise dogmática dos elementos típicos do artigo 1º da Lei 9.613/1998 revelou que a mera utilização de mixing-services não configura automaticamente a conduta de dissimulação prevista no tipo penal. A pesquisa identificou que o elemento subjetivo especial do dolo exige demonstração inequívoca de que o agente conhecia a origem ilícita dos recursos e direcionou sua conduta especificamente para mascarar essa procedência criminosa. Os verbos nucleares "ocultar" e "dissimular" demandam interpretação restritiva que considere o contexto integral da operação.

A funcionalidade técnica dos mixing-services demonstrou-se neutra do ponto de vista jurídico-penal. Esses serviços operam através de algoritmos que agregam transações de múltiplos usuários, redistribuindo valores de forma a quebrar a ligação direta entre origem e destino. Contudo, essa característica técnica não implica necessariamente em finalidade criminosa. A pesquisa identificou usos legítimos predominantes, incluindo proteção de privacidade financeira contra vigilância excessiva, segurança pessoal em jurisdições autoritárias e proteção comercial de informações estratégicas.

A jurisprudência internacional analisada revelou tendência de não criminalização automática do uso desses serviços. Tribunais europeus têm exigido demonstração de circunstâncias adicionais que evidenciem o conhecimento da origem ilícita e a intenção específica de lavagem. A mera busca por privacidade financeira tem sido reconhecida como direito legítimo, especialmente após as revelações sobre programas de vigilância em massa. Essa interpretação alinha-se com o princípio da lesividade, que exige dano concreto ao bem jurídico protegido.

4.2. CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA DAS OPERAÇÕES EM EXCHANGES DESCENTRALIZADAS

As exchanges descentralizadas apresentam características técnicas que desafiam a aplicação tradicional das normas de lavagem de dinheiro. A ausência de custódia centralizada e de procedimentos KYC/AML decorre de impossibilidade técnica, não de escolha deliberada dos operadores. Os smart contracts que governam essas plataformas são imutáveis após sua implantação, tornando tecnicamente inviável a implementação de controles tradicionais de compliance.

A análise comparativa com exchanges centralizadas revelou diferenças fundamentais na estrutura operacional. Enquanto exchanges centralizadas mantêm custódia dos ativos e podem implementar controles, as DEX funcionam como protocolos autônomos sem pontos de controle centralizado. Essa distinção possui relevância jurídica crucial, pois a impossibilidade técnica de cumprimento de obrigações regulatórias não pode fundamentar responsabilização penal dos usuários.

O estudo identificou que a utilização de DEX para transações legítimas representa a maioria absoluta do volume negociado. Dados de blockchain analytics demonstram que menos de 1% do volume transacionado em principais DEX está associado a endereços vinculados a atividades ilícitas. Essa proporção é inferior àquela observada no sistema financeiro tradicional, contrariando a percepção de que plataformas descentralizadas seriam intrinsecamente criminógenas.

4.3. LIMITES DA CRIMINALIZAÇÃO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A aplicação dos princípios limitadores do poder punitivo estatal ao contexto das tecnologias de privacidade financeira estabelece balizas claras para a interpretação típica. O princípio da legalidade estrita impede a extensão analógica do tipo penal para abranger condutas não expressamente previstas pelo legislador de 1998, que não poderia antecipar o desenvolvimento dessas tecnologias. A taxatividade penal exige que os elementos normativos sejam interpretados dentro dos limites semânticos possíveis à época da elaboração da norma.

O princípio da lesividade emergiu como critério fundamental para distinguir condutas penalmente relevantes de comportamentos neutros. A pesquisa demonstrou que o uso de tecnologias de privacidade não causa, per se, lesão ao bem jurídico da ordem econômico-financeira. A lesividade material só se configura quando demonstrada a utilização consciente e direcionada dessas ferramentas para conferir aparência lícita a recursos comprovadamente originados de crimes.

A proporcionalidade em sentido estrito demanda ponderação entre a gravidade da intervenção penal e os direitos fundamentais afetados. A criminalização indiscriminada do uso de ferramentas de privacidade violaria direitos constitucionais à intimidade, privacidade e autodeterminação informacional. O teste de proporcionalidade indica que existem meios menos gravosos de prevenir a lavagem de dinheiro, como regulação das interfaces entre o ecossistema cripto e o sistema financeiro tradicional.

4.4. ANÁLISE COMPARADA DOS MODELOS REGULATÓRIOS INTERNACIONAIS

O exame dos frameworks regulatórios internacionais revelou divergências significativas nas abordagens jurídicas. A União Europeia, através do MiCA, adotou modelo pragmático que distingue serviços centralizados sujeitos a regulação integral de protocolos verdadeiramente descentralizados. Essa abordagem reconhece limitações técnicas e foca na regulação de pontos de interface com a economia tradicional. O modelo europeu demonstra maturidade regulatória ao evitar criminalização de tecnologias neutras.

Os Estados Unidos apresentam abordagem fragmentada, com diferentes agências reguladoras adotando interpretações por vezes conflitantes. A tendência observada é de enforcement seletivo focado em casos com evidências claras de utilização para fins criminosos. Decisões judiciais recentes têm reconhecido a legitimidade do código como forma de expressão protegida pela Primeira Emenda, limitando possibilidades de criminalização de desenvolvedores de protocolos descentralizados.

Jurisdições asiáticas demonstram espectro amplo de abordagens, desde proibição total na China até frameworks sofisticados em Singapura e Japão. O modelo japonês destaca-se por estabelecer categorias diferenciadas de serviços cripto, com obrigações proporcionais ao risco apresentado. Singapura desenvolveu sandbox regulatório que permite experimentação controlada, gerando dados empíricos para informar futura regulação.


5. CONCLUSÃO

A presente pesquisa analisou como a utilização de mixing-services e exchanges descentralizadas influencia na configuração típica das condutas de ocultação e dissimulação previstas no artigo 1º da Lei nº 9.613/1998. A investigação demonstrou que a mera utilização dessas tecnologias não configura automaticamente o crime de lavagem de dinheiro, sendo necessária a presença de elementos adicionais que evidenciem o conhecimento da origem ilícita dos recursos e a intenção específica de mascarar essa procedência criminosa.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O exame dogmático dos elementos típicos revelou que os verbos nucleares "ocultar" e "dissimular" exigem interpretação restritiva compatível com os princípios da legalidade e taxatividade penal. A funcionalidade técnica dos mixing-services e DEX, embora possibilite anonimização de transações, não pode ser presumida como intrinsecamente criminosa. A neutralidade tecnológica desses instrumentos foi confirmada pela identificação de múltiplos usos legítimos que justificam sua existência e utilização.

A caracterização técnica dos mixing-services demonstrou que esses serviços operam através de protocolos criptográficos que agregam transações visando proteção de privacidade. A pesquisa identificou que a busca por privacidade financeira constitui interesse legítimo protegido constitucionalmente. A criminalização deve recair sobre a conduta consciente de instrumentalizar essas ferramentas para fins ilícitos, não sobre seu uso em si.

As exchanges descentralizadas apresentam impossibilidade técnica de implementar controles tradicionais de compliance devido à sua arquitetura baseada em smart contracts autônomos. Essa limitação estrutural não pode fundamentar presunção de ilicitude das transações realizadas. A ausência de procedimentos KYC/AML decorre de características inerentes à tecnologia, não de escolha deliberada visando facilitar crimes.

A adequação típica das condutas envolvendo essas tecnologias aos crimes de lavagem demanda demonstração de elementos que transcendem o mero uso das ferramentas. É necessário comprovar o conhecimento sobre a origem criminosa dos recursos, a finalidade específica de dissimulação e o dolo direcionado à integração de ativos ilícitos na economia. A utilização isolada de mixing-services ou DEX não preenche os requisitos típicos sem a presença desses elementos adicionais.

Os limites da criminalização estabelecidos pelos princípios constitucionais impedem interpretação extensiva que transforme ferramentas de privacidade em instrumentos presumidamente criminosos. O princípio da lesividade exige demonstração de dano concreto ao bem jurídico protegido. A proporcionalidade demanda que a intervenção penal seja reservada para condutas que efetivamente lesionem a ordem econômico-financeira através da reciclagem de recursos criminosos.

A análise comparada revelou que jurisdições com frameworks regulatórios mais maduros têm evitado a criminalização indiscriminada dessas tecnologias. A tendência internacional aponta para regulação focada nos pontos de interface entre o ecossistema cripto e o sistema financeiro tradicional. Essa abordagem pragmática reconhece as limitações técnicas e preserva espaço para inovação tecnológica legítima.

Recomenda-se que futuras interpretações jurisprudenciais e eventuais reformas legislativas considerem as especificidades tecnológicas dos ativos virtuais. A aplicação mecânica de conceitos desenvolvidos para o sistema financeiro tradicional mostra-se inadequada. É necessário desenvolver critérios hermenêuticos que permitam distinguir usos legítimos de instrumentalização criminosa dessas tecnologias.

Para trabalhos futuros, sugere-se investigação empírica sobre a eficácia de diferentes modelos regulatórios na prevenção à lavagem de dinheiro através de criptoativos. Estudos quantitativos sobre o volume real de transações ilícitas em DEX e mixing-services contribuiriam para informar políticas públicas baseadas em evidências. A análise do desenvolvimento de novas tecnologias de privacidade, como zero-knowledge proofs, demanda atualização constante da interpretação jurídica.

A pesquisa conclui que a utilização de mixing-services e exchanges descentralizadas não configura, per se, as condutas típicas de ocultação e dissimulação previstas na Lei 9.613/1998. A tipificação penal exige demonstração de elementos adicionais que evidenciem a consciência e vontade de utilizar essas tecnologias especificamente para conferir aparência lícita a recursos de origem criminosa. Essa interpretação preserva o equilíbrio entre a necessária repressão à lavagem de dinheiro e a proteção de direitos fundamentais à privacidade e inovação tecnológica.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ben-Hur Pereira da Silva

Bacharel em Direito (Aprovado no Exame da Ordem) | Técnico em Serviços Jurídicos | Pesquisador e Escritor Científico na área do Direito. Dedico-me ao estudo aprofundado das ciências jurídicas, com produção acadêmica ativa e preparação contínua para concursos públicos. Compartilho conhecimento jurídico através de artigos científicos, unindo teoria e prática do Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ben-Hur Pereira. Da colocação à integração: as fases da lavagem de dinheiro aplicadas às transações com ativos virtuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8120, 24 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115743. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos