Este ensaio tem como propósito esclarecer consumidores, condomínios, engenheiros, construtores e operadores do mercado imobiliário em geral, sobre alguns prazos legais para o exercício do direito de reclamar reparação, indenização, abatimento no valor pago e até mesmo desfazimento (redibição) dos contratos de compra e venda de imóveis em razão de vícios construtivos que surjam no momento da entrega do imóvel (vícios aparentes), ou posteriormente (vícios ocultos).
A reclamação pode ter origem no Código Civil (CC) ou no Código de Defesa do Consumidor (CDC). A depender do que se quer pedir e da natureza da relação civil entre as partes. Se for uma aquisição de um construtor/empreiteiro ou incorporadora, tratando-se de uma relação consumerista, permitirá a escolha do diploma legal, CC ou CDC, por conveniência do consumidor. Em uma relação de negociação imobiliária de natureza não consumerista, apenas o Código Civil poderá ser utilizado.
O Código Civil estabelece que os vícios aparentes devem ser reclamados no momento da entrega do bem. Os ocultos que surgirem em até 1 ano, a depender da gravidade, permitirão abatimento do preço (CC, art. 441) ou o desfazimento do negócio (CC, art. 442), com prazo prescricional de mais 1 ano para ajuizar a ação (CC, art. 445). Se esse prazo de 2 anos não for respeitado, a única opção será uma ação indenizatória dos danos causados e ressarcimento de eventuais reparos realizados, cuja prazo prescricional da obrigação contratual, por entendimento jurisprudencial dominante, é de 10 anos a contar do surgimento do vício (CC, art. 205).
Já os vícios ocultos que comprometem a segurança ou a solidez do edifício, poderão ser reclamados dentro do prazo de garantia específico para a construção civil de 5 anos (CC, art. 618), desde que a ação seja ajuizada em até 180 dias do seu surgimento, conforme parágrafo primeiro do mesmo artigo. Importante mencionar que nesse prazo de 5 anos, que se transformou no prazo geral de garantia da construção civil no imaginário coletivo, a responsabilidade do construtor/empreiteiro é objetiva, não se discutindo culpa, mas apenas o nexo causal entre o vício e a conduta do construtor. Escoado esse prazo de garantia, ou caso o vício surja mais tarde, restará a ação indenizatória com prazo prescricional de 10 anos a contar da ciência do vício oculto. Caso a reclamação parta de terceiro comprador, sem vínculo contratual com a construtora/empreiteiro, esse prazo reduz-se para 3 anos por ser responsabilidade extracontratual (CC, art. 206, §3º)
Curioso, quanto ao art. 618. do CC, é que as possibilidades de reclamação são iguais às do art. 441 e 442, ou seja, cingem-se ao desfazimento do contrato (redibição) ou abatimento do preço via ação quanti minoris. Porém somente se aplicam a vícios ocultos que comprometam a segurança e solidez da obra. Nada impede que se peça o reparo do vício, porém não fundamentado no art. 618 do CC, mas no art. 18 do CDC como será visto na sequência, e apenas em contratos de natureza consumerista.
Outra característica do art. 618. é que se trata de um prazo de garantia. Entendendo-se como prazo de garantia aquele em que há uma probabilidade maior de surgimento de vícios originados no processo de construção (NBR 17.170), e bem por isso, sujeitando o construtor à responsabilidade objetiva. Vencido esse prazo de 5 anos, a responsabilidade passa a ser subjetiva por entendimento doutrinário e jurisprudencial, a despeito do comando do art. 931 do CC, que estabelece a responsabilidade objetiva das empresas pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.
Quando se tratar de uma relação de consumo, o surgimento do vício oculto ensejará a reclamação em até 90 dias do seu surgimento. O construtor, por sua vez, tem 30 dias para reparar o problema. Escoado esse prazo, o adquirente pode, alternativamente, desfazer o negócio, trocar por outra unidade igual, ou obter um abatimento. Portanto, a prerrogativa de requerer o reparo é exclusiva do CDC, incorrendo em atecnia quem se utiliza do art. 618 do CC para solicitar o conserto do vício. Destacando-se que a responsabilidade do empreiteiro/construtor é sempre objetiva, ainda que após o prazo de 5 anos.
E durante quanto tempo após a entrega da obra o adquirente consumidor poderá reclamar um vício que surgir? De acordo com o anexo C da NBR 15.575, durante todo o período de vida útil projetada para o sistema construtivo em questão, desde que as manutenções programadas tenham sido executadas pelo proprietário, ilidindo a alegação de culpa exclusiva da vítima.
Há, talvez, um excesso nesse prazo, que pode chegar a mais de 40 anos. A nova norma de garantias NBR 17.170 surgiu para especificar os prazos de garantia dos principais componentes da edificação, revogando o anexo D da NBR 15.575. Todavia, a vida útil projetada do sistema remanesce hígida no anexo C da NBR 15.575, e é esse prazo que condicionará o termo para caracterização do vício oculto sob a ótica do CDC.
Existe uma proposta bem interessante aventada por Carlos Pinto Delmar1, de criar-se uma espécie de laudo técnico probabilístico ao cabo de um determinado período (5 ou 10 anos) assegurando a probabilidade de cumprimento futuro da vida útil projetada do sistema, evitando futuras reclamações.
Quando tratar-se de um fato do produto, com consequências extrínsecas ao componente viciado, por exemplo uma tubulação rompida que alaga e destrói o pavimento, o prazo prescricional para se obter uma indenização se dilata para 5 anos pelo CDC, em responsabilidade objetiva (CDC, art. 27). Há, contudo, ainda a possibilidade de pedido indenizatório pelo CC, no prazo de 10 anos (CC, art. 205).
Nota
Del Mar, Carlos Pinto. Direito na Construção Civil. PINI, 2015