6. SOMENTE PRECEDENTES CONSISTENTES PODEM GERIR ADEQUADAMENTE CASOS REPETITIVOS
Como dito em linhas anteriores, além de formar precedentes vinculantes, o incidente de recursos repetitivos tem a função de gerir e decidir casos repetitivos.
Assim, via de regra, com a afetação dos recursos repetitivos, deve-se suspender os outros apelos interpostos em casos idênticos até o pronunciamento definitivo do Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme o art. 896-C, §§ 3º a 5º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), art. 285. do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho (RITST) e art. 1.037, II, do Código de Processo Civil (CPC).
E uma vez publicado o acórdão pelo TST, os casos iguais serão solucionados à luz da ratio decidendi do precedente vinculante (artigos 896-C, § 11, da CLT, 292 e 293 do RITST, bem como 1.039 e 1.040 do CPC), de modo a se atender, inclusive, o primado da isonomia.
Aliás, no primeiro grau, desde que antes da sentença, a parte poderá desistir da ação em curso se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia, nos termos do art. 1.040, § 1º, do CPC.
No entanto, o precedente não vincula se existir, no caso concreto, situação de fato ou de direito não analisada por ocasião do julgamento da causa-piloto (artigos 896-C, § 16, da CLT, 294 do RITST e 1.040, § 1º, do CPC).
Dessarte, no tribunal regional do trabalho, pelo que não foi apreciado no precedente, os julgadores se sentirão legitimados a manter decisões em sentido oposto à conclusão tomada pela corte de vértice, com fundamento no distinguishing (distinção), haja vista, inclusive, o permissivo do art. 489, § 1º, VI, do CPC.
Nesse contexto, a parte também será instigada a alegar distinção com fundamento na situação (fática ou jurídica) não apreciada por ocasião do julgamento do representativo, mormente se entender que, por si só, o argumento seria apto a infirmar a própria conclusão do precedente do TST.
Conceitualmente, até podem ter pontos de intersecção, porém os efeitos deletérios de um precedente lacunoso são mais graves do que os de uma decisão omissa (citra petita), pois essa última, em regra, é prolatada com efeitos inter partes (entre as partes).
Mesmo que enfrente todos os argumentos postos no recurso escolhido como representativo, o precedente pode ser considerado inconsistente quando ignora a amplitude ou a abrangência da questão jurídica em debate (que poderia ser alcançada, por exemplo, com a complementação do julgamento a partir da análise de mais de um processo).
E por ser aplicável de alto a baixo no âmbito da Justiça do Trabalho, com efeitos erga omnes (contra todos), o precedente lacunoso tem o condão de descredibilizar o próprio microssistema no qual se insere, notadamente por não observar o escopo magno da própria jurisdição, qual seja, a pacificação (Cintra; Grinover; Dinamarco, 2012).
E é justamente esse o risco que se corre com a denominada reafirmação de jurisprudência, na qual, como dito, em nome da celeridade, não se aplicam normas processuais que garantem a ampla cognição, o debate qualificado e a motivação reforçada.
Mas nem tudo está perdido. Ao perceber que a amplitude da questão jurídica em debate não pode ser resolvida pela mera reafirmação da sua jurisprudência, o TST pode (e deve, aliás) encaminhar o representativo para julgamento conforme o rito previsto no art. 896-C da CLT, complementado por disposições do regimento interno da corte (artigos 280 a 297) e pelo CPC (artigos 1.036 a 1.041).
Outra opção, mas para o caso de a jurisprudência já ter sido reafirmada: com lastro no princípio da não-surpresa (conjugação entre os axiomas da segurança jurídica e da boa-fé), conforme Didier Jr. (2015), pode-se usar a técnica da sinalização (signaling) para indicar ao jurisdicionado que determinada situação de fato ou de direito não foi contemplada pela reafirmação da jurisprudência dominante.
Ainda segundo o autor, trata-se de técnica preparatória comumente utilizada para antecipar a superação ou revogação do precedente (overruling). Não obstante, com os mesmos fundamentos principiológicos, pode-se utilizá-la para que o próprio TST explicite hipóteses de distinção em relação ao precedente (distinguishing).
Aliás, pode-se utilizar a técnica como antecipação de um novo precedente obrigatório no qual se observe a ampla cognição, o debate qualificado e a motivação reforçada, de modo a oferecer solução mais abrangente a uma questão jurídica complexa.
No mais, não se pode olvidar que a parte prejudicada pela aplicação equivocada de um precedente pode se valer da ação rescisória, nos termos do art. 966, V, §§ 5º e 6º, do CPC. Contudo, a medida é extrema e excepcionalíssima.
É sempre melhor que, ao jurisdicionado, sejam oferecidos precedentes coerentes e íntegros, nos termos do art. 926. do CPC (com ênfase especial na importância da integridade).
CONCLUSÃO
A linha histórica que indica o número de novos processos anualmente encaminhados para julgamento na instância extraordinária demonstra que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) se transformava, gradualmente, em corte de cassação ou revisão, com prejuízos à qualidade dos seus julgados e à celeridade processual.
Embora a crítica aos “precedentes à brasileira” seja anterior à adoção, pelo TST, da sistemática do incidente de julgamento de recursos repetitivos (acorrida apenas no início de 2025), não há dúvidas de que a corte superior trabalhista evoluiu ao adotar medidas necessárias à efetiva implementação do art. 896-C da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A medida pode contribuir, sobremodo, para a qualidade dos julgamentos do TST, bem como para a celeridade processual. Todavia, não se pode simplesmente ignorar as críticas doutrinárias. Os novos precedentes do TST devem evitar enunciados abstratos e genéricos, pois têm o condão de obliterar a ratio decidendi.
Cumpre, ainda, principalmente na reafirmação da dita jurisprudência dominante, atentar-se para a necessidade de se criar precedentes consistentes, isto é, com sobrevalorização da integridade, inclusive em relação a simples critérios de coerência.
É dizer: deve-se sempre perquirir se, na formação do precedente, foram observados a ampla cognição, o debate qualificado e a motivação reforçada, requisitos sem os quais não há formação de precedentes consistentes, pelo grave prejuízo à integridade da ratio decidendi.
Importa, inclusive, reconhecer que determinadas questões jurídicas complexas não podem ser simplesmente resolvidas pela mera reafirmação de jurisprudência.
E especialmente no atual contexto de transição da sistemática anterior para um novo modelo de gestão e julgamento de casos repetitivos por precedentes qualificados, notadamente em face de teses oriundas da reafirmação de jurisprudência, cumpre valorizar o distinguishing como método necessário à mitigação dos efeitos deletérios de razões de decidir lacunosas, ou seja, formadas sem enfrentar pertinentes aspectos de questões jurídicas complexas.
Por fim, apenas desejamos que, enquanto uma corte verdadeiramente de precedentes, o TST consiga se sobressair na missão de promover a pacificação social dos conflitos trabalhistas.
REFERÊNCIAS
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DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, v. 2, 666 p.
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Notas
1 Expressão apresentada pelo ministro Aloysio Corrêa da Veiga, hoje aposentado, na abertura do Seminário Internacional de Precedentes na Justiça do Trabalho, ao criticar a sistemática processual que abarrotava o TST com agravos de instrumento em recurso de revista.
2 Frase atribuída ao saudoso ministro do TST José Luciano de Castilho Pereira (Rodrigues; Paixão, 2021).
3 Apenas a título de exemplo, podemos apontar os seguintes julgamentos de turmas do TST no sentido de afastar a preliminar de negativa de prestação jurisdicional com fundamento no referido Tema n. 339. do Supremo: Ag-ED-AIRR-101820-19.2016.5.01.0044, 1ª Turma, Relator Desembargador Convocado Marcelo Lamego Pertence, DEJT 08/06/2021; AIRR-21214-43.2017.5.04.0122, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 12/05/2023; AIRR-0000520-81.2021.5.05.0511, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 17/06/2025; AIRR-0000348-66.2023.5.11.0006, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 08/11/2024; Ag-AIRR-1001424-71.2019.5.02.0371, 5ª Turma, Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 05/06/2024; Ag-AIRR-1161-19.2014.5.05.0025, 6ª Turma, Relator Desembargador Convocado Paulo Regis Machado Botelho, DEJT 24/05/2024; Ag-AIRR-11953-67.2016.5.03.0041, 7ª Turma, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 30/05/2025; e Ag-AIRR-12004-36.2014.5.15.0099, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 19/12/2022.