Conclusão
O exame panorâmico dos requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário permite compreender que a estrutura deste instituto reflete a própria arquitetura racional do sistema recursal e o papel do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição. A admissibilidade constitui mecanismo de filtragem epistêmica, destinado a assegurar que apenas as questões de índole constitucional e de relevância social ou jurídica alcancem o juízo da Corte Suprema.
Os requisitos de admissibilidade extrínsecos (ligados à forma e à regularidade do ato processual) e intrínsecos (vinculados ao conteúdo e à pertinência da questão constitucional) cumprem função de equilíbrio entre o direito individual de recorrer e o dever institucional de racionalizar o acesso à jurisdição constitucional. A presença do filtro da repercussão geral, nesse contexto, traduz a materialização contemporânea do princípio da eficiência e da segurança jurídica, permitindo que o Supremo Tribunal Federal concentre sua atividade na fixação de teses e na uniformização dos precedentes, e não na revisão casuística de decisões.
Verifica-se, portanto, que a repercussão geral, embora frequentemente criticada por seu caráter restritivo, representa um instrumento essencial à manutenção da coerência e da integridade do sistema jurídico. O Recurso Extraordinário revela-se, então, como um meio técnico de impugnação, mas principalmente como expressão de uma racionalidade processual voltada à tutela do direito objetivo, à estabilidade das decisões e à previsibilidade das relações jurídicas.
Uma “visão de cima” — uma perspectiva panorâmica sobre o instituto — possibilita, então, concluir que o Recurso Extraordinário desempenha papel estrutural na conformação do Estado Constitucional de Direito brasileiro: ao mesmo tempo em que garante a supremacia da Constituição, impõe disciplina e racionalidade ao funcionamento do sistema judicial. Em última análise, a observância rigorosa de seus requisitos de admissibilidade não é obstáculo à justiça, mas condição de sua efetividade, pois permite que a Corte Suprema cumpra sua função primordial de promover a unidade, a coerência e o sentido do Direito.
Referências
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KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. O “novo” juízo de admissibilidade do recurso especial e extraordinário. In: Novo CPC Doutrina Selecionada – vol. 6: Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais / coordenador geral Fredie Didier; organizadores, Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire – 2. ed. – Salvador: JusPodivm, 2016.
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MOREIRA, Barbosa. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo. São Paulo, v. 27, n. 105, p. 183-190, jan./mar. 2002.
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Notas
Tanto o Recurso Extraordinário quanto seu parente, o Especial, possuem um rito particularizado para lidar com demandas repetitivas envolvendo-os, todavia, a opção deste trabalho – por questões de espaço – foi afastar sua apresentação.
“Extraordinário” já em strictu sensu, porque “extraordinário” também é o termo empregado para seu gênero (o gênero dos recursos “extraordinários”, que engloba Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Embargos de Divergência; pelo critério classificatório de Cassio Scarpinela Bueno, 2019, pg. 779.).
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O argumento para essa classificação sendo: será “extrínseca” (quanto ao modo de exercício do direito) aquilo que depender da forma como elabora a petição, o autor. Isto é; o meio de atuação do autor no processo, é peticionar, esta é sua ferramenta. Ora, se ele intencionalmente elaborar sua petição para que contenha os elementos E1 ou E2, significa dizer que ele norteou seu modo de exercício do direito de determinada forma. Quais os requisitos de admissibilidade enquadrar-se-iam segundo este argumento? A4, A5 e A6. Embora seja possível dizer que A6 é extrínseca apenas “secundum quid”, sob certo aspecto, ainda dentro da dinâmica deste argumento. Ao contrário, os requisitos B5 e B6 já contêm alguma objetividade, externa ao poder administrativo do autor. Já está dado, de alguma forma, o prequestionamento (ou não), e é isso que constituirá, para além dos poderes do autor a existência do requisito.
Abre-se espaço para divergência aqui: com a devida vênia, mas não há sentido falar-se que uma vez que o Recurso apenas sustenta a condição de ineficácia da sentença, ele não está produzindo efeitos próprios no plano empírico (que alguns teólogos preferirão chamar “ordem predicamental”). Como corretamente distinguem os teólogos; o ato criador e de manutenção são realmente distintos entre si, lê-se no Credo Apostólico: “Deus criou o universo livremente, com sabedoria e amor. O mundo não é o produto duma necessidade, dum destino cego ou do acaso. Deus criou «do nada» (ex nihilum: 2Mac 7,28) um mundo ordenado e bom, que Ele transcende infinitamente. Deus conserva no ser a sua criação e sustenta-a, dando-lhe a capacidade de agir, e conduzindo-a à sua realização, por meio do seu Filho e do Espírito Santo. (CATECISMO, 54 – grifo ausente no original). No Catecismo Maior de Westminster: “15. Que é a obra da criação? A obra da criação é aquela pela qual Deus, pela palavra do seu poder, fez do nada o mundo, e tudo quanto nele há, para si no espaço de seis dias, e tudo muito bom.” (WESTMINSTER, 15). E mais à frente: “18. Quais são as obras da providência de Deus? As obras da providência de Deus são a sua mui santa, sábia e poderosa maneira de preservar e governar todas as suas criaturas e todas as suas ações, para a sua própria glória.” (WESTMINSTER, 18 – grifo ausente no original). Evidentemente as duas obras produzem efeitos distintos no plano empírico; a primeira, do nada cria tudo, enquanto a segunda apenas sustenta a obra criada, do que segue que a criação e a sustentação são atos distintos quanto a seus efeitos. Assim, se o recurso sustenta a condição de ineficácia da sentença, produz efeito realmente distinto e digno de apontamento próprio. No direito essa mesma afirmativa é sustentável quando se observa a possibilidade de responsabilizar a conduta omissiva. A conduta omissiva é ato realmente distinto daquele que deu causa ao prejuízo que o omisso tem dever de evitar. Mas é precisamente pela ação de suster o ato em continuidade por não o evitar/o impedir, que o omisso é responsabilizável.
“propriamente dito” não é termo empregado pela doutrinadora, afinal, para ela somente o efeito suspensivo propriamente dito é efeito suspensivo, o que se denota da própria observação citada.
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O tribunal competente para apreciar o pedido, porém, vai variar conforme o momento em que se encontra o julgamento do Recurso Extraordinário. Antes da recepção do extraordinário pela corte superior, fica a cargo do presidente ou vice do juízo a quo, depois da recepção, fica a cargo do relator do recurso. (GOMES, 2020, pg. 134)
Uma questão levantada neste tópico é sobre a aparente redundância do dispositivo, porque o Recurso em regime de repetitivo também tem como requisito a repercussão geral, o que o colocaria na hipótese da alínea A. Todavia, como enfatiza Araken de Assis “Não há, bem pensadas as hipóteses, superposição parcial: o precedente tirado do extraordinário no ‘regime de repercussão geral’ é de caso isolado, a tese adotada no julgamento de recurso extraordinário repetitivo envolve múltiplos processos, embora também seja reconhecida a repercussão geral” (ASSIS apud GOMES, 2020, pg. 98)
An overview of the extraordinary appeal: concept, admissibility requirements and the role of general repercussion.
Abstract: This paper provides a comprehensive analysis of the admissibility requirements for Extraordinary Appeals, as provided for in Article 102, III, of the Federal Constitution, with special attention to the function and structure of the general repercussion filter. The theoretical-dogmatic research, with an analytical approach, examines the admissibility hypotheses, the intrinsic and extrinsic prerequisites, and the procedural process of Extraordinary Appeals, highlighting their role in diffuse constitutional review and the standardization of constitutional interpretation. Based on a review of specialized literature—notably Marinoni, Mitidiero, Scarpinella Bueno, Kozikoski, and Gomes—the paper identifies Extraordinary Appeals as an instrument for streamlining the precedent system and consolidating jurisprudential integrity, emphasizing the role of general repercussions as a filtering mechanism necessary for the efficiency and coherence of the Supreme Federal Court.
Key words : Extraordinary Appeals. Admissibility requirements. General repercussions. Supreme Federal Court. Precedents.