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Do recente entendimento do STJ acerca da natureza jurídica da contribuição ao INCRA como contribuição de intervenção no domínio econômico.

As conseqüências desse entendimento e sua inconstitucionalidade

21/08/2008 às 00:00
Leia nesta página:

1. Breve evolução jurisprudencial sobre o tema.

A constitucionalidade ou legalidade da contribuição ao INCRA já foi objeto de diversos debates ao longo dos anos perante os tribunais brasileiros.

Primeiramente, no fim da década de 90, mais precisamente em 1998 e 1999, vigorava o posicionamento de que a contribuição ao INCRA encontrava-se plenamente exigível, quer das empresas urbanas, quer das empresas rurais, conforme os seguintes julgados do Egrégio STJ:

FUNRURAL - EMPRESAS URBANAS - PRORURAL - FONTE DE CUSTEIO - CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA.

1. Todas as empresas, urbanas ou rurais, estão obrigadas a recolher anualmente as contribuições de 2,4% para o INSS e 0,2% para o INCRA, sobre o valor de sua folha de pagamento.

2. Somente a contribuição de 2,4% foi destinada ao FUNRURAL e é fonte de custeio do PRORURAL. A contribuição de 0,2% do INCRA nunca foi fonte de custeio do PRORURAL, e o art. 3º, § 1º da Lei nº 7787/89 não a suprimiu.

(STJ, REsp nº 173.588 / DF, Rel. Min. Garcia Vieira, 01ª Turma, DJ 21.09.1998)

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL (ART. 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL) DESTINADA A FINANCIAR O INCRA E O FUNRURAL. NATUREZA UNIVERSAL DA CONTRIBUIÇÃO QUE DEVE SER SUPORTADA, TAMBÉM, PELAS EMPRESAS URBANAS.

(...)

1. A contribuição social, segundo a Constituição Federal, será financiada por toda a sociedade. E se a contribuição (ou a seguridade social) tem o caráter de universalidade, a sua incidência não está condicionada a que a empresa (contribuinte) exerça atividade exclusivamente rural. A contribuição não é um tributo (ou uma taxa) de fundo corporativista a ser suportada por uma determinada classe (grupo ou categoria) (art. 176, III, do Decreto nº 83.080/79).

(STJ, REsp nº 165.075 / SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, 01ª Turma, DJ 02.08.1999)

A questão, assim, chegou ao Supremo Tribunal Federal o qual sedimentou o entendimento de que não havia qualquer óbice constitucional à cobrança das contribuições ao INCRA e ao FUNRURAL, conforme o julgado abaixo:

EMENTA: Contribuição para o FUNRURAL: empresas urbanas: acórdão recorrido que se harmoniza com o entendimento do STF, no sentido de não haver óbice a que seja cobrada, de empresa urbana, a referida contribuição, destinada a cobrir os riscos a que se sujeita toda a coletividade de trabalhadores: precedentes.

(STF, AI-AgRg nº 334.360 / SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 01ª Turma, DJ 25.02.2005)

Mesmo após essa aparente "pacificação" da matéria, o STJ vinha entendendo, a partir de 2003, que a contribuição ao INCRA, mesmo constitucional, seria ilegal, não podendo ser exigida das empresas urbanas, em razão da superposição contributiva. Ou seja, o entendimento (empresas urbanas) outrora utilizado para justificar a incidência da exação em debate agora revestia-se de argumento favorável aos contribuintes. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL E PARA O INCRA. EMPRESA PRIVADA. PREVIDÊNCIA URBANA. IMPOSSIBILIDADE DE SUPERPOSIÇÃO CONTRIBUTIVA. COMPENSAÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE A PARTIR DO ADVENTO DAS LEIS 7.787/89 E 8.212/91.

1. As contribuições para o FUNRURAL e para o INCRA são indevidas pela empresa vinculada exclusivamente à Previdência Urbana, por força da vedação da superposição contributiva. Precedentes das Turmas de Direito Público.

(...)

(STJ, REsp nº 418.596 / RS, Rel. Min. Luiz Fux, 01ª Turma, DJ 02.06.2003)

Surpreendentemente, em agosto de 2004, reunidas a primeira e segunda turma do STJ (01ª Seção), foi publicado um acórdão referente ao julgamento de um EREsp, no qual evidenciou-se a plena exigibilidade da exação ao INCRA, nesses termos:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL E PARA O INCRA. EMPRESA URBANA. EXIGIBILIDADE.

1. É legítimo o recolhimento da contribuição previdenciária para custeio do FUNRURAL e do INCRA por empresas urbanas, já que a lei não exige a vinculação da empresa a atividades rurais.

2. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Seção.

3. Embargos de divergência acolhidos.

(STJ, EREsp nº 412.923 / PR, Rel. Min. Castro Meira, 01ª Seção, DJ 09.08.2004)

A partir de 2005, no entanto, o STJ voltou atrás e novamente considerou que a exação ao INCRA não encontrava guarida na legislação federal, tendo sido revogada pela Lei nº 8.212/91. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA. EMPRESAS URBANAS. LEGALIDADE. LIMITAÇÃO TEMPORAL. VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.212/91.

I - A Primeira Seção tem entendido pela legalidade da cobrança da contribuição previdenciária para o INCRA, por parte das empresas urbanas, até o advento da Lei nº 8.212, de 25 de julho de 1991, quando passou a ser inexigível. Precedentes: REsp nº 624.714/PR, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 13/09/04; REsp nº 443.496/PR, Relª Minª ELIANA CALMON, DJ de 13/09/04; AGA nº 570.272/PR, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 16/08/04; e EAG nº 470.011/SP, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 01/07/04.

II - Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no REsp nº 687.125 / PR, Rel. Min. Francisco Falcão, 01ª Turma, DJ 21.03.2005)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA. EXTINÇÃO. LEI 8.212/91. LEGITIMIDADE DO INSS.

1. Até a vigência da Lei 8.212, de 24.07.1991, a contribuição social para o INCRA era devida pelas empresas urbanas. O art. 18 da Lei n º 8.212/91 não relacionou aquela instituição como entidade beneficiada pelo custeio da seguridade social. Aplica-se aqui a máxima inclusio unius alterius exclusio, ou seja, o que a lei não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la.

(STJ, REsp nº 712.127 / RS, Rel. Min. Castro Meira, 02ª Turma, DJ 01.07.2005)

Em 2006, ocorreu nova alteração jurisprudencial. Dessa vez, felizmente, não quanto ao seu mérito. O Superior Tribunal de Justiça solidificou o entendimento de que não teria sido a Lei nº 8.212/91 que extinguiu a contribuição ao INCRA, mas sim a Lei nº 7.787/89. Nesse sentido, vê-se os seguintes arestos: EREsp nº 503.287 / PR, DJ 19.09.2005; AgRg no REsp nº 712.147, DJ 22.05.2006; AgRg no AgRg no REsp nº 734.617, DJ 11.05.2006; AgRg no REsp nº 742.483, DJ 28.04.2006.

Finalmente, no fim de 2006, a Nobre Ministra Eliana Calmon, acatando a tese de que a contribuição ao INCRA se trataria de uma contribuição de intervenção no domínio econômico, submetendo-se ao regime do art. 149 da CF/88, alterou toda a jurisprudência mansa e pacífica da Corte a respeito dessa exação e decidiu pela plena exigibilidade desta, não tendo as Leis nº 7.787/89, 8.212/91 e 8.213/91 qualquer influência sobre ela, à luz do seguinte precedente:

VIGÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO AO INCRA. NATUREZA DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. LEIS Nº 7.789/89 E 8.212/91. DESTINAÇÃO DIVERSA. EMPRESAS URBANAS. ENQUADRAMENTO.

I - A Primeira Seção do STJ, na esteira de precedentes do STF, firmou entendimento no sentido de que não existe qualquer óbice para a cobrança da contribuição destinada ao INCRA também das empresas urbanas. Precedentes: EDcl no AgRg no REsp nº 716.387/CE, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJ de 31/08/06 e EDcl no REsp nº 780.280/MA, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 25/05/06.

II - Este Superior Tribunal de Justiça, após diversos pronunciamentos, com base em ampla discussão, reviu a jurisprudência sobre o assunto, chegando à conclusão que a contribuição destinada ao INCRA não foi extinta, nem com a Lei nº 7.787/89, nem pela Lei nº 8.212/91, ainda estando em vigor.

III - Tal entendimento foi exarado com o julgamento proferido pela Colenda Primeira Seção, nos ERESP nº 770.451/SC, Rel. p/ac. Min. CASTRO MEIRA, Sessão de 27/09/2006. Naquele julgado, restou definido que a contribuição ao INCRA é uma contribuição especial de intervenção no domínio econômico, destinada aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares. Assim, a supressão da exação para o FUNRURAL pela Lei nº 7.787/89 e a unificação do sistema de previdência através da Lei nº 8.212/91 não provocaram qualquer alteração na parcela destinada ao INCRA.

IV - Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no AgRg no REsp nº 894.345 / SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 01ª Turma, DJ 24.05.2007)

Destarte, após tantas idas e vindas do Superior Tribunal de Justiça, o atual posicionamento da Corte demonstra claramente que a contribuição ao INCRA tem natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico, com fulcro no art. 149 da CF/88. Assim, para reacender o debate no tocante à natureza jurídica e ao regime constitucional-tributário aplicável à exação em tela, obrigatoriamente deve haver uma exegese do art. 149 da Carta Magna, o que inviabiliza o pleito exclusivamente perante a legislação federal, merecendo uma declaração final do Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela interpretação e harmonização das normas constitucionais.

Assim é que proceder-se-á a considerações sobre o regime constitucional-tributário das contribuições a que alude o supracitado art. 149, concluindo que a contribuição ao INCRA não se trata de uma CIDE, vez que não preenche os requisitos necessários para caracterizá-la como tal.


2. das contribuições elencadas no art. 149 da CF/88. Inconstitucionalidade da contribuição ao INCRA como CIDE.

O art. 149 da Constituição Federal de 1988 possui a seguinte redação:

"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo".

A partir de uma leitura sistemática deste artigo com outros comandos constitucionais, conjuntamente à análise do RE nº 138.284 / CE, pode-se perceber que o constituinte originário concedeu prerrogativa à União de instituir contribuições, quais sejam: sociais (seguridade social, outras de seguridade social e gerais), de intervenção no domínio econômico, corporativas e de melhoria (art. 145, III).

Particular interesse teremos quanto às contribuições de intervenção no domínio econômico, sua natureza constitucional-tributária, suas características e peculiaridades, revelando os motivos pelos quais elas são justamente as mais conflituosas na doutrina e na jurisprudência pátria.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao determinar a contribuição ao INCRA como CIDE, durante o julgamento do EREsp nº 770.451 / SC (acórdão ainda não publicado), utilizou os seguintes argumentos:

a)a contribuição do INCRA tem finalidade específica (elemento finalístico) constitucionalmente determinada de promoção da reforma agrária e de colonização, visando atender aos princípios da função social da propriedade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais (art. 170, III e VII, da CF/88);

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b)a contribuição destinada ao INCRA, desde sua concepção, caracteriza-se como contribuição especial de intervenção no domínio econômico, classificada doutrinariamente como contribuição especial atípica (CF/67, CF/69 e CF/88 - art. 149);

c)as contribuições especiais atípicas (de intervenção no domínio econômico) são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade). Esse é o traço característico que as distingue das contribuições de interesse de categorias profissionais e de categorias econômicas;

d)o produto da sua arrecadação destina-se especificamente aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares. Por isso, não se enquadra no gênero Seguridade Social (Saúde, Previdência Social ou Assistência Social);

Os Nobres Ministros do STJ, ao argumentarem nesse sentido, levaram em consideração, em síntese, dois aspectos: um, baseado na atividade realizada pelo INCRA, como sendo de promoção à reforma agrária e, portanto, não se aproximando da Seguridade Social e, outro, no sentido de que a CIDE, por não exigir referibilidade direta entre o sujeito passivo e a destinação das verbas arrecadadas, estaria em total consonância com a contribuição ao INCRA.

Não verificaram, assim, as características e peculiaridades da exação ao INCRA em sua plenitude. Não analisaram o regime tributário-constitucional a que ela é submetida, muito menos avaliaram, na totalidade, sua regra-matriz de incidência.

A incidência da CIDE – contribuição de intervenção no domínio econômico – como o próprio nome diz, deve respeitar uma estreita ligação com os princípios da atividade econômica e com a própria ordem econômica vigente no Estado brasileiro, ou seja, deve estar diretamente ligada aos conceitos, limites e objetivos estampados nos arts. 170 e ss da Carta Magna de 1988.

A ordem econômica, baseada, de um lado, na livre iniciativa e, por outro lado, na valorização do trabalho humano, compreende diversas atuações de entes públicos e privados a fim de que sejam atingidos os objetivos elencados nos incisos do art. 170. Destarte, é dever do Estado (mediante atuação ou intervenção), bem como da iniciativa privada realizar ações no intuito de cumprir os desígnios da ordem econômica.

A livre iniciativa, por sua vez, para que ocorra em sua plenitude, deve ser equilibrada por dois valores extremamente relevantes: a defesa da livre concorrência, consubstanciada na repressão ao abuso do poder econômico (art. 173, §4º) e a proteção aos interesses e direitos do consumidor.

O Prof. Miguel Reale, a propósito, esclarece:

"Livre iniciativa e livre concorrência são conceitos complementares, mas essencialmente distintos. A primeira não é senão a projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas, assegurando não apenas a livre escolha nas profissões e das atividades econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meios julgados mais adequados à consecução fins visados. Liberdade de fins e meios informa o princípio da livre iniciativa, conferindo-lhe um valor primordial, como resulta da interpretação conjugada dos arts. 1º e 170".

"Já o conceito de livre concorrência tem caráter instrumental, significando o princípio econômico segundo o qual a fixação de preços das mercadorias e serviços não deve resultar de atos de autoridade, mas sim do livre jogo das forças em disputa de clientela na economia de mercado" [01].

A atuação (lato sensu) do Estado na atividade econômica, no intuito de promover e estimular a livre iniciativa e a livre concorrência, proteger o consumidor e inibir o abuso do poder econômico, auxiliando na consecução dos ditames da justiça sócio-econômica, tem sua base constitucional nos arts. 173, 174 e 175 da CF/88.

O primeiro deles regula a intervenção direta do Estado na atividade econômica, usualmente mediante a criação de pessoas jurídicas de direito privado, submetidas, portanto, ao regime jurídico do direito privado (inciso II e o §2º do art. 173). Estabelece esse comando constitucional que, ressalvados os casos previstos pela própria CF/88, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado somente será permitida quando for ameaçada a segurança nacional ou para atender a relevante interesse coletivo.

A regra, destarte, é a exploração da atividade econômica pela iniciativa privada – respeitando assim a base constitucional do Estado liberal brasileiro – e a exceção, é a estatal.

Da leitura do §4º do art. 173, advém a segunda modalidade de atuação (lato sensu) estatal no domínio econômico: o Estado intervirá, mediante legislação própria, a fim de coibir o abuso do poder econômico que vise à dominação de mercados, ao aumento arbitrário dos preços ou à eliminação da concorrência (art. 173, §4º).

O art. 174 da Constituição Federal de 1988, por sua vez, regulamenta outra maneira do Estado intervir na atividade econômica, dessa vez como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, planejamento, este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Nesse ponto, grande parte da doutrina ressalta a ratificação da adoção do liberalismo pelo Estado brasileiro.

Por fim, a atuação do Estado no ramo econômico também pode se originar a partir da prestação de serviços públicos, direta ou indiretamente, através de concessão ou permissão, sempre obedecido o instituto da licitação. Esse é o teor do art. 175 da Carta de 1988.

Em síntese, há quatro formas de atuação (lato sensu) do Estado na atividade econômica:

a)criação de pessoas jurídicas de direito privado, em determinadas atividades (art. 173, caput);

b)inibição do abuso do poder econômico, mediante legislação própria (art. 173, §4º)

c)atuação como agente normativo e regulador, planejando e incentivando políticas (art. 174);

d)prestação de serviços públicos, direta ou indiretamente (art. 175);

Note-se que utilizamos a nomenclatura "atuação lato sensu" para designar quaisquer formas de interferência estatal na atividade econômica. A "atuação strictu sensu" estaria precisamente delimitada pela hipótese descrita na letra "d".

Assim é que chegamos a conclusão de que as três primeiras formas de atuação é que, única e exclusivamente, poderão ser consideradas como intervenção estatal no domínio econômico, aptas a ensejar a incidência de possíveis contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE.

Ou seja, a imposição de uma CIDE somente se legitima caso ela incida sobre uma das três hipóteses descritas nas letras "a", "b" e "c", acima, pois nessas situações há, de fato, uma intervenção do Estado na atividade econômica.

Temos portanto dois grandes regimes de interferência estatal na atividade econômica: um resultante da reunião das hipóteses "a", "b" e "c"; e outro resultante da letra "d". Naquele, o Estado atua como ser estranho, regido por normas de direito privado, pois está fora do âmbito de suas funções. Nesse, o particular é que se submete ao regime de direito público, prestando serviços originalmente delegados ao Estado. Para corroborar essas palavras, cita-se o ilustre Ives Gandra da Silva Martins [02]:

"Não há como confundir os dois regimes. São distintos. No primeiro, o Estado atua como agente vicário na exploração própria da atuação particular, regida por normas que pertinem ao direito privado e, no segundo, o segmento privado pode atuar como agente acólito do Estado na prestação de serviços públicos, que não se confundem com os aspectos pertinentes ao art. 173".

E, neste ponto, cabe a seguinte indagação: a atividade de reforma agrária pode ser caracterizada como uma intervenção estatal no domínio econômico (entendida esta como uma das hipóteses descritas nas letras "a", "b" ou "c")?

Ademais, a reforma agrária é atividade naturalmente destinada aos particulares? Seria ela submetida ao regime jurídico do direito privado?

Para todos os questionamentos acima, a resposta é negativa. A política estatal que tenha como finalidade a reforma agrária nada mais é do que uma ação (strictu sensu – art. 175 da CF) do Estado no seu próprio campo de atuação. E não há que se falar em intervenção no domínio econômico quando o Estado atua no seu próprio campo de funções. E, por decorrência lógica, se não há intervenção no domínio econômico, também não há hipótese de incidência legítima para a instituição de CIDE, como pretensamente quer-se caracterizar a contribuição ao INCRA.

O dicionário de língua portuguesa Houaiss define a palavra intervenção como sendo a "ingerência de um indivíduo ou instituição em negócios de outrem" ou, melhor ainda, como "interferência do Estado em domínio que não seja de sua competência".

Nas sábias palavras do Mestre Tércio Sampaio Ferraz Júnior [03], percebe-se a seguinte conclusão, idêntica à acima demonstrada:

"É evidente que a falta de critérios do que seja intervenção e domínio econômico impede a identificação adequada dessa figura (CIDE). Tal ausência de critérios abre um largo campo para que os poderes públicos possam invadir competências alheias ou provocar um bis in idem a pretexto de instituir tributo de sua própria área, infringindo, como já posto, limitações constitucionais próprias dos impostos além de lesar interesses de estados e municípios no produto da arrecadação de impostos. Portanto, a correta análise de que e quando seja possível a intervenção é essencial ao deslinde do tema das contribuições".

(...)

"Portanto, domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada e a intervenção pode dar-se com fundamento no caput do art. 173, no §4º do mesmo art. 173 e com base no art. 174 da CF/88".

Destarte, é pressuposto fundamental e condição sine qua non que, para a legítima criação de uma CIDE, o Estado esteja atuando fora do campo naturalmente destinado à sua participação.

Aliás, a própria Constituição Federal, em seu art. 184, §4º determina expressamente que "o orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício". Ratifica-se isso com o disposto no art. 25, caput e §1º da Lei nº 8.629/93 [04]. Nesse sentido, é tarefa e dever do Estado a promoção e o planejamento da reforma agrária, como instrumento da política agrícola estatal.

Portanto, não sendo atribuição dos particulares o planejamento e execução da reforma agrária, não é possível imaginar que o Estado intervenha nessa seara, sendo ilegítima a CIDE que tenha como elemento finalístico a promoção da reforma agrária, posto ser atividade inerente ao âmbito estatal.

Assim é que chegamos à conclusão de que para a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico devem ser observados, obrigatoriamente, os seguintes requisitos:

a)efetiva intervenção do Estado no domínio econômico, nos limites das possibilidades constitucionalmente previstas;

b)atividade originalmente reservada ao setor privado ou que tenha a este sido transferida por autorização, concessão ou permissão;

c)obediência a um critério finalístico;

Fácil concluir que a contribuição ao INCRA não preenche esses requisitos em sua completude. Não se trata de intervenção no domínio econômico, tendo em vista que essa área (reforma agrária) é de competência do Estado. Logicamente, não se trata de atividade originalmente exercida pela iniciativa privada (calcada na livre iniciativa e na livre concorrência), muito menos foi transferida ao setor privado, por meio de concessão, permissão ou autorização.

Nesse norte, a reforma agrária é atividade essencialmente estatal, pelo que a contribuição de intervenção no domínio econômico – contribuição ao INCRA – instituída com o fim de promovê-la é inconstitucional, por não preencher os requisitos necessários à sua legitimação, decorrentes da interpretação sistemática dos arts. 149, 170, 173, 174 e 175 da Constituição Federal.

Assim é que, não sendo contribuição de intervenção no domínio econômico, trata-se a contribuição ao INCRA de uma típica contribuição social destinada ao financiamento da Seguridade Social, conforme antiga jurisprudência do STJ, tendo sido extinta pelas Leis nº 8.212/91 e 8.213/91 que unificaram o regime da Seguridade Social.


Notas

  1. REALE, Miguel. Aplicações da Constituição de 1988, Forense, 1990, p. 14
  2. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 43
  3. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 65 a 68.
  4. Art. 25. O orçamento da União fixará, anualmente, o volume de títulos da dívida agrária e dos recursos destinados, no exercício, ao atendimento do Programa de Reforma Agrária.

§ 1º Os recursos destinados à execução do Plano Nacional de Reforma Agrária deverão constar do orçamento do ministério responsável por sua implementação e do órgão executor da política de colonização e reforma agrária, salvo aqueles que, por sua natureza, exijam instituições especializadas para a sua aplicação.

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Sobre o autor
Matheus de Abreu Chagas

Advogado tributarista e pós-graduando em Direito Tributário no IBMEC/SP (L.LM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAGAS, Matheus Abreu. Do recente entendimento do STJ acerca da natureza jurídica da contribuição ao INCRA como contribuição de intervenção no domínio econômico.: As conseqüências desse entendimento e sua inconstitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1877, 21 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11631. Acesso em: 26 nov. 2024.

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