Presenciamos um período jamais visto na história. As transformações e inovações decorrentes de fatores sociais, econômicos, políticos etc., dos últimos cinqüenta anos, possibilitaram à humanidade dobrar o "conhecimento" adquirido durante milênios da vida do homem sobre a face da Terra.
As inovações tecnológicas (informática, telecomunicações e robótica) são simplesmente fantásticas, promovem o desenvolvimento dos meios de produção e do comércio mundial.
Como conseqüência da integração dos países e da criação de mercados comuns, a concorrência do comércio mundial exige cada vez mais: qualidade, produtividade e custos baixos. Em outras palavras, temos uma ingerência do mercado consumidor nos meios de produção, inclusive nas relações de trabalho.
Em decorrência desse processo contínuo de transformações, surge o fenômeno conhecido como flexibilização de normas de trabalho que, com algumas variações de forma e conteúdo, ganha importância em inúmeros países da Europa, como Itália, Espanha, Portugal, França, Alemanha, e Estados Unidos da América, Canadá, Japão, entre outros.
Ocorre a efervescência do Direito Coletivo do Trabalho e novas questões ganham destaque, como por exemplo, a possibilidade de reduzir os adicionais legais por acordo ou convenção coletiva de trabalho. Objeto desse nosso estudo.
II - O salário
Salário é o pagamento efetuado pelo empregador (sujeito ativo) ao empregado (sujeito passivo) para que possa aproveitar o trabalho dessa pessoa, sem que necessariamente o faça; à obrigação de pagar o salário corresponde o direito de contar com o trabalhador em ocasiões normais.(1)
Salário é o conjunto de prestações fornecidas ao trabalhador pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, seja em função da contraprestação do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou demais hipóteses previstas em lei. (2)
Além da importância estipulada, integram o salário: as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, abonos, diárias de viagem e ajuda de custo que excedam de cinqüenta por cento do salário do empregado e, ainda, as parcelas in natura (art. 457 e 458, CLT).
III - A natureza jurídica dos adicionais legais
A pesquisa acerca da natureza jurídica de um determinado fenômeno supõe a sua precisa definição - enquanto declaração de sua essência e composição -, seguida de sua classificação, enquanto fenômeno passível de enquadramento em um conjunto próximo de fenômenos correlatos. (3)
A Constituição Federal e a legislação trabalhista disciplinam os adicionais de: horas extras, insalubridade, periculosidade, transferência e noturno.
Excetuando o adicional de hora extras, o qual possui uma previsão constitucional mínima de 50% sobre a hora normal, os demais têm seus parâmetros fixados pela legislação federal.
Os adicionais não têm a natureza jurídica de indenização. O que o empregado receber por trabalhar em condições desfavorável não deixa de ser salário: a respectiva taxa é que varia, por força desses mesmos fatores que agravam as circunstâncias nas quais a prestação de serviços será desenvolvida e que são, como na Economia, causas de variação das tarifas salariais. O empregado recebe essas bonificações porque trabalhou para a empresa, em condições mais gravosas, mas sempre dentro de uma relação de contraprestatividade direta e imediata com a causa jurídica trabalho. Portanto, o que varia é apenas o modo pelo qual se reveste esse trabalho, isto é, os seus aspectos acidentais. (4)
Os adicionais são acréscimos do salário (sobre-salário) relacionados a uma condição especial, geralmente ocasional ou transitória, em que o trabalho é prestado ou a uma situação especial em que se encontre o empregado. Entra no gênero - percentagens - referido no citado parágrafo do art. 457. (5)
Portanto, os adicionais legais possuem natureza jurídica salarial, desde que pago em caráter permanente ou com habitualidade, sendo que são devidos enquanto durar a condição gravosa.
IV - Negociação coletiva de trabalho e a flexibilização de normas
No plurinormativismo das fontes do Direito do Trabalho, temos o acordo e a convenção coletiva de trabalho como fontes autônomas - princípio da criatividade jurídica da negociação -, decorrentes da vontade das partes - princípio da autonomia privada coletiva - (art. 7º, XXVI, CF), com representação obrigatória dos trabalhadores pelos Entes Sindicais (art. 8º, VI).
Com a Constituição Federal de 1988, o Brasil adota um modelo de flexibilização de normas do trabalho atrelada ao sistema de negociação coletiva, nas questões de redutibilidade salarial (art. 7º, VI), jornada de trabalho (XIII) e trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (XIV).
V - A principiologia trabalhista e o ordenamento jurídico
Em um dos mais completos estudos sobre o estudos dos princípios do Direito do Trabalho, Américo Plá Rodriguez(6) enumera-nos como sendo: protetor (in dubio pro operario; norma mais favorável e a condição mais benéfica); irrenunciabilidade de direitos; continuidade da relação de emprego; primazia da realidade, razoabilidade e boa-fé.
Diante disso, poderíamos pensar que a redução de adicionais legais por negociação coletiva de trabalho encontraria óbice no princípio protetor - norma mais favorável.
Porém, o princípio protetor - norma favorável ao trabalhador - não é absoluto. Tem exceções ou derrogações resultantes de imperativos diferentes. Primeira, diante das leis proibitivas uma vez que se o Estado, através de lei, vedar que através de outras normas jurídicas seja dispensado um tratamento mais benéfico para o trabalhador, será inaplicável, por contrariar a lei, uma convenção coletiva que infringir a proibição. É o que pode ocorrer quando o Estado fixa normas sobre política salarial e indexação da economia impedindo estipulações contrárias através da negociação coletiva. Segunda, diante de leis de ordem pública, ainda que não expressamente proibitivas, pela sua função de garantia maior da sociedade. A negociação coletiva pode e quase sempre atua no sentido de criar normas e condições de trabalho mais benéficas para os assalariados, acima das previstas nas leis, segundo uma sucessividade de direitos que é válida, a menos que vedada pelo Estado ou contrária à ordem pública. Nada impede que a negociação venha a cumprir, excepcionalmente, o papel flexibilizador, redutor de vantagem, o que pressupõe acordo com o sindicato. (7)
Implica dizer que nos casos de redutibilidade salarial a cláusula coletiva in pejus retira a sua validade da própria Norma Constitucional, a qual possui permissivo expresso para que a norma inferior possa dispor forma diversa, afastando o princípio protetor, ante a observância das condições nela estabelecida - negociação coletiva.
Tal entendimento decorre da construção nomodinânica de Hans Kelsen.
VI - Conclusão
Feitas essas considerações sobre o tema proposto, temos para nós que os adicionais legais possuem natureza jurídica salarial e são partes componentes do próprio salário, o qual, por dispositivo constitucional expresso, poderá sofrer reduções por negociação coletiva de trabalho, com exceção ao adicional de horas extras, o qual possui um adicional mínimo constitucional.
Contudo, em havendo previsão legal para pagamento do adicional de horas extras superior ao mínimo constitucional, como no caso dos advogados (art. 20, § 2º, Lei n. 8.906/94), entendemos ser possível a sua redução por negociação coletiva até o patamar mínimo previsto na Constituição.
NOTAS
- NASCIMENTO, Amauri Mascaro. O Salário. São Paulo: LTr, 1996, ed. Fac-similada, pág. 21.
- MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros, 4ª ed., 1997, pág. 169.
- DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª ed., 1999, pág. 92.
- NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., pág. 250.
- MARANHÃO, Délio et allie. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 17ª ed., 1998, pág. 196.
- RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Traduzido por Wagner Giglio. São Paulo: LTr, 5ª tiragem, 1997.
- NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 22ª. ed., pág. 104.
Bibliografia
JORGE NETO, Francisco Ferreira e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante. Estudos Dirigidos - Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. O Salário. São Paulo: LTr, ed. Fac-similada, 1996
_____________ . Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 22ª ed., 1996.
MARANHÃO, Délio et allie. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Getulio Vargas, 17ª ed., 1998.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros, 4ª ed., 1997.
RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Traduzido por Wagner Giglio. São Paulo: LTr, 5º tiragem, 1997.
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª ed., 1999.
SÜSSEKIND, Arnaldo et allii. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 18ª ed., 1999.