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Benefício assistencial: conceito de família

30/08/2008 às 00:00
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Resumo

Este trabalho analisa o conceito de família para fins do benefício assistencial previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República, combinado com art. 20 da Lei 8.742/93 (Loas). Busca a finalidade da regra que contém essa definição. Por fim, propõe critérios, orientados pela finalidade para, mediante superação do conceito legal de família, corrigir a aplicação da norma aos casos concretos, mediante inclusão no grupo familiar de pessoas que, pelo conceito legal, dele estariam excluídas.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de família da Loas. 1.1. "Conjunto de pessoas elencadas". 1.2. "Que vivam". 1.3. "Sob o mesmo teto". 2. Superação dos critérios econômicos com base no conceito de família. Conclusão.

Palavras-chave: Assistência social 1. Amparo assistencial 2. Benefício assistencial 3. Família.


Introdução

A Constituição prevê, como objetivo da assistência social, "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei" (art. 203, inciso V).

A Lei 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), regulamentou esse benefício, que veio a ser conhecido como amparo assistencial, benefício assistencial, ou benefício de prestação continuada.

Para fazer jus à prestação, a pessoa precisa ser portadora de deficiência ou idosa (art. 203, inciso V, da CRFB e art. 20 da Loas). Além disso, há um requisito econômico: a pessoa tem que demonstrar "não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família". Os §§ 1º e 3º do art. 20 da Loas definem o nível de renda que a família deve ter para ser considerada incapaz de manter a pessoa idosa ou portadora de deficiência:

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

[…]

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

A jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça [01] quanto da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais [02], vem afirmando que esses critérios de avaliação da carência econômica não são absolutos, sendo possível demonstrar que a família é "incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa" com base em outros elementos, além daqueles considerados na lei.

A finalidade do requisito econômico é estabelecer um nível de pobreza, a partir do qual a família é considerada "incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa".

Esse nível de pobreza é estabelecido mediante avaliação da renda per capita da família. A família será considerada necessitada se a renda per capita for inferior a ¼ do salário mínimo.

Como a apuração da necessidade é feita com base na renda per capita, a precisa determinação dos membros da família pode ser decisiva para a obtenção, ou não, do direito ao benefício. A inclusão de pessoa que, sozinha, tem renda mensal maior do que ¼ do salário mínimo reduz a chance de obter o benefício. Sua exclusão aumenta a chance de obter o benefício.

O contrário acontece com pessoas que não têm renda, ou têm renda inferior à ¼ do salário mínimo. Sua inclusão reduz a renda per capita em relação ao ¼ do salário mínimo; portanto, aumenta a chance de satisfazer o critério. Sua exclusão reduz.

Ou seja, abstratamente, a inclusão ou exclusão de pessoas do conceito de família não é nem mais favorável nem mais desfavorável aos portadores de deficiência ou idosos. Apenas no caso concreto é possível avaliar se a inclusão ou exclusão de determinadas pessoas afirmará ou afastará o direito ao amparo assistencial [03].

A Loas considera família, desde que vivam sob o mesmo tento, as pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS).

O presente trabalho propõe uma via de superação do critério legal: a identificação de casos em que, em decorrência da exclusão de pessoas do conjunto considerado como família de acordo com Loas, não é atendido o critério econômico; no entanto, a família é tão ou mais "incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa" do que exige a lei.

Que fique claro que os critérios de superação do critério econômico legalmente previsto, propostos neste artigo, não se pretendem exaurientes. O que se tem percebido até o momento na jurisprudência é a ênfase na avaliação da situação de risco social a que a família está submetida como critério de decisão. Os critérios aqui propostos podem ser usados alternativa ou complementarmente à avaliação do risco social.


1. Conceito de família da Loas

O que este trabalho propõe é que a aplicação do conceito de família da Loas à generalidade dos casos concretos deixa ao desabrigo do amparo assistencial pessoas que dele necessitariam. Para uma análise dessa proposição, é necessário dissecar o conceito da lei.

O texto do §1º do art. 20 dispõe que se entende "como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto". A perfeita compreensão do conceito de família da Loas depende da análise dos três elementos que o compõem: i) pessoas elencadas no artigo 16 da LBPS, ii) que vivam e iii) sob o mesmo teto.

1.1. "Conjunto de pessoas elencadas"

O art. 20, §1º, da Loas fala em "conjunto de pessoas elencadas" no art. 16 da Lei 8.213/91, que trata dos dependentes do segurado da previdência social.

A primeira dificuldade interpretativa é que o art. 16 da Lei 8.213/91 não apenas elenca pessoas que podem ser dependentes, mas também traça regras de prova da dependência e de preferência entre classes de dependentes. Pensamos que o art. 20, §1º, da Loas, ao remeter ao "conjunto de pessoas elencadas" no art. 16, significou que todas as pessoas mencionadas neste artigo como possíveis dependentes. Assim, questões relativas à exclusão entre classes de dependentes ou dependência econômica, relevantes para fins previdenciários, nada importam na busca do conceito de família para o benefício assistencial. Por exemplo: o art. 16 diz que, para fins previdenciários, os pais são dependentes de segunda classe, e, portanto, são preteridos se houver cônjuge, companheiro ou filho menor de 21 anos, dependentes da primeira classe, bem como precisam fazer prova da dependência econômica. Para fins assistenciais, a menção dos pais no art. 16 basta para que eles entrem no conceito de família, sem serem excluídos se houver cônjuge, companheira ou filho menor de 21 anos na família, nem haver necessidade de prova de dependência econômica recíproca.

Assim, estão no conceito de família todas as pessoas elencadas no art. 16, ou seja: a) cônjuge; b) companheiro; c) filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; d) pais; e) irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; f) enteado e g) menor tutelado.

O referencial de avaliação será a pessoa portadora de deficiência ou idosa que se habilita ao benefício. Exemplo: se vivem sob o mesmo teto um idoso viúvo, seu filho, sua nora, e neto, a família, para fins assistenciais, serão considerados o idoso e o filho. A nora (cônjuge do filho) e o neto (filho do filho) não estão elencados no art. 16 da LBPS, portanto não se enquadram no conceito de família da Loas, ainda que vivam sob o mesmo teto.

1.2. "Que vivam"

O art. 20, §1º, da Loas, fala em pessoas "que vivam" sob o mesmo teto. A dificuldade interpretativa está na hipótese da pessoa "viver" em mais de um local. É o caso da pessoa que, por qualquer razão, tem mais de uma casa, ou mesmo não tem casa nenhuma.

A interpretação do que seja "viver" em um determinado local pode ser auxiliada pelo Código Civil. O art. 71 do Código Civil associa o verbo "viver" à residência da pessoa natural:

Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

Ou seja, pessoas que, ainda tendo mais de uma casa, alternadamente vivam sob o mesmo teto do portador de deficiência ou idoso, podem ser considerados familiares. Nesses casos, será importante uma avaliação completa de elementos como o período em que a pessoa vive sob o mesmo teto que o grupo e a sua contribuição para receitas e despesas familiares.

1.3. "Sob o mesmo teto"

Por fim, o art. 20, §1º, da Loas, exige que as pessoas que vivam "sob o mesmo teto". Daí se infere que a lei exigiu a comunhão horizontal de espaço de habitação, ou seja, que as pessoas comunguem uma habitação com um mesmo "teto", ou cobertura. Pessoas que vivam em uma habitação de mais de um andar satisfazem a esse elemento. No entanto, caso exista mais de uma edícula em um mesmo terreno, ainda que haja parentesco entre as pessoas que vivem em uma e outra, não se tratará do mesmo "teto".

Assim, se vivem numa edícula o deficiente e sua mãe, e em outra, localizada no mesmo terreno, um irmão do deficiente de 19 anos de idade, a família, para fins assistenciais, será composta apenas pelo deficiente e a mãe.


2. Superação dos critérios econômicos com base no conceito de família

Já foi demonstrado que o critério econômico constante da Loas para deferimento do amparo assistencial não é absoluto. Também foi buscada a explicitação dos conceitos que compõem o critério econômico.

A lei elege elementos para identificar se a família é "incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa". É tendo em vista essa finalidade que o critério legal pode ser superado. Ou seja, a superação do critério legal depende da demonstração de que, muito embora não atenda o critério legal, a família é tão ou mais carente do que exige o critério legal.

Neste trabalho, propomos critérios de superação, nos casos concretos, do disposto na lei, com base na inclusão de pessoas que estão excluídas no conceito legal de família.

Cada um dos elementos do conceito legal de família para fins assistenciais pode excluir pessoas que, indubitavelmente, dividem as responsabilidades econômicas do grupo.

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Quanto ao elenco de pessoas que podem compor o conjunto, é possível que pessoas que não estejam ligadas à pessoa portadora de deficiência ou idosa pelos laços elencados no art. 16 da LBPS vivam sob o mesmo teto que ela. Isso pode ocorrer com pessoas que têm vínculos de parentesco com o candidato ao benefício. Netos, por exemplo, são simplesmente excluídos do critério legal. Um conjunto de pessoas que tem sob sua responsabilidade uma criança tem a responsabilidade de prover seu sustento. Assim, a presença da criança no grupo é indicativo de que uma maior necessidade do benefício do que se a criança nele não estivesse inserida.

Semelhante situação pode ocorrer com pessoas que, embora não ligadas por laços familiares, sejam ligados por laços socioafetivos, e vivam sob o mesmo teto, estando sob a responsabilidade econômica do grupo.

Quanto a "viver" no mesmo espaço que o grupo, não é impossível que pessoas que vivam apenas uma parte do ano, ou que tenham mais de uma casa, dividam as responsabilidades econômicas do grupo em questão. Se isso ocorrer, podem ser incluídas no cálculo da renda média familiar.

Por fim, o espaço de convivência – sob o mesmo teto – pode não permitir a identificação perfeita do grupo familiar. É possível que, no mesmo terreno, sejam construídas mais de uma edícula, nas quais vivam, dividindo responsabilidades econômicas, pessoas elencadas no art. 16 da LBPS. Ou seja, um mesmo grupo familiar pode morar sob mais de um teto.

Em todas essas hipóteses, pode ocorrer que, com a superação dos conceitos legais, seja possível incluir pessoas na divisão da renda familiar. Com isso, o novo cálculo da renda pode dar direito ao benefício.

Uma advertência deve ser feita. Ao quebrar o critério legal para incluir outras pessoas no conjunto familiar é indispensável que se incluam todas as pessoas que efetivamente geram renda ou despesa para a família.

Primeiro, porque a superação do critério legal é baseada na adequação da hipótese legal ao caso concreto, de acordo com as finalidades da norma. A inclusão de parte das pessoas que dividem receitas e despesas com o grupo familiar não será suficiente para demonstrar a situação de necessidade da família.

Segundo, porque o critério da Loas tem o mérito de reduzir a margem de demonstração de situações de fato de difícil comprovação. Assim, os laços do art. 16, com exceção da união estável, podem ser comprovados com documentos públicos. A indicação do espaço de convivência (teto) pode ser feita por documento do registro de imóveis, ou por simples inspeção. O elemento que exige uma prova mais difícil é o "viver" com o grupo familiar. Entretanto, especialmente quando existem laços familiares, sua demonstração não é difícil. Se abandonado o critério legal, de exigência probatória mais conveniente, não há porque não ampliar o âmbito de investigação da situação da família.

Assim, por exemplo, no benefício requerido por um idoso, não é possível incluir um neto, que more sob o mesmo teto, e deixar de incluir o genro do idoso, que também more sob o mesmo teto, e tenha renda mensal elevada.


Conclusão

Cada um dos conceitos que compõem o critério legal de avaliação da incapacidade econômica da família de prover o sustento de pessoa portadora de deficiência ou idosa pode ser superado, para incluir pessoas que, pelo critério, estavam excluídas do conjunto de pessoas definido como família.

Para que se faça essa superação, deve se ter em vista a finalidade do conceito de família da Loas: averiguar se o conjunto de pessoas é "incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa".

Pela inclusão de pessoas no conceito de família, é possível demonstrar que, no caso concreto, a família do da pessoa portadora de deficiência ou idosa é tão ou mais incapaz de prover sua manutenção do que exige a lei para obtenção do amparo assistencial.

Nesses casos, haverá direito ao benefício.


Notas

  1. Exemplos: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Relator Ministro Félix Fischer. Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial 824.817. Brasília, DF, 14 de novembro de 2006. Disponível em www.stj.jus.br. Consultado em 17/8/2008. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Agravo Regimental no Recurso Especial 478.379. Brasília, DF, 16 de março de 2006. Disponível em www.stj.jus.br. Consultado em 17/8/2008.
  2. BRASIL. Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Relatora Juíza Federal Maria Divina Vitória. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal 200543009039683. Brasília, DF, 13 de agosto de 2007. Disponível em www.jf.jus.br. Consultado em 17/8/2008.
  3. O juiz federal Roger Raupp Rios sustenta que pessoas de baixa renda tendem a se agregar em grupos não ligados por laços de parentesco. Por isso, a avaliação da situação econômica baseada apenas nos vínculos mencionados no art. 16 da LBPS seria, em geral, desfavorável às famílias destinatárias da assistência. Concordamos que o critério legal pode criar injustiças, devendo ser superado em casos concretos. No entanto, não nos parece que o critério legal seja abstratamente maléfico. Justamente por se socorrer do elenco dos dependentes para fins previdenciários, a legislação tende a incluir no conceito de família pessoas que não tem renda (menores e inválidos) e excluir pessoas que tem renda (salvo ao incluir cônjuges, companheiros e pais, os quais, no entanto, não poderiam deixar de figurar em conceito de família). (BRASIL. Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio Grande do Sul. Relator Juiz Federal Roger Raupp Rios. Recurso 2004.71.95.002315-0. Recorrente Instituto Nacional do Seguro Social. Recorrida Noraci Camargo da Costa. Porto Alegre, RS, 15 de abril de 2004. Disponível em http://www.jfrs.gov.br/juristr/votopes/200471950023150.htm. Consultado em 17/8/2008).
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Sobre a autora
Ana Lúcia Andrade de Aguiar

Assessora do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Ana Lúcia Andrade. Benefício assistencial: conceito de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1886, 30 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11663. Acesso em: 22 nov. 2024.

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