RESUMO: Partindo da análise sistemática e teleológica da Lei nº. 11.382/06, o presente trabalho pretende desvendar a natureza jurídica do parcelamento da dívida exeqüenda (art. 745-A do Código de Processo Civil). Após a defesa da hipótese que aceita a sua natureza heterogênea e potestativa, avalia-se a participação do credor e do magistrado na concessão do benefício, assim como questões relativas à sua vigência, à sua constitucionalidade e à sua aplicabilidade subsidiária no procedimento de cumprimento de sentença.
PALAVRAS-CHAVE: 1.Execução; 2.Parcelamento; 3.Direito heterogêneo; 4. Direito potestativo.
INTRODUÇÃO
A Lei nº. 11.382, promulgada em 06 de dezembro de 2006, alterou profundamente a sistemática da execução lastreada em título executivo extrajudicial. Deu continuidade, assim, à reforma dos procedimentos de execução forçada, iniciada pela Lei nº. 11.232/2005.
As inovações introduzidas mantiveram consonância com o desejo de tornar o processo um instrumento de eficaz realização do direito material, prestigiando os princípios da celeridade e da economia processual, sem descurar do princípio do menor sacrifício possível do executado.
Nesse sentido, o legislador buscou encurtar a duração dos atos executórios, de forma a abreviar o tempo necessário para a completa satisfação do exeqüente. Incentivou também a postura pró-ativa do devedor, dele exigindo colaboração em prol da concretização da prestação jurisdicional.
Dentre as modificações instaladas com o escopo de instigar a cooperação do executado através do adimplemento voluntário da obrigação, tem causado grande celeuma o poder que lhe foi conferido para requerer o parcelamento do montante exeqüendo, nos termos do novo artigo 745-A do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.
§ 1º Sendo a proposta deferida pelo juiz, o exeqüente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito.
2º O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos.
Como se depreende da simples leitura da regra transcrita, o devedor, após reconhecer o débito e efetuar o depósito de 30% (trinta por cento) do seu valor, poderá requerer ao magistrado o parcelamento do restante da dívida em até 6 (seis) parcelas mensais.
A controvérsia tem início a partir do instante em que se verifica que o artigo 745-A nada esclarece acerca da necessidade de oitiva do credor, pouco dizendo também quanto à atitude a ser tomada pelo juiz em face do pedido de fracionamento da dívida.
Diante desta constatação, os intérpretes têm divergido quanto à natureza do direito conferido ao executado pelo texto legal.
Boa parte da doutrina lhe atribui o predicado de potestatividade, de forma que o parcelamento poderia ser imposto ao credor, pelo devedor, respeitados os requisitos exigidos pela lei. Vozes respeitáveis, porém, condicionam o benefício à concordância do credor ou mesmo do magistrado.
Neste artigo, partindo-se da análise da doutrina e da jurisprudência, será defendida a natureza potestativa do instituto em questão. Em seguida, tomando por premissa a configuração de tal potestatividade, serão analisados alguns aspectos importantes do ainda polêmico artigo 745-A do CPC.
1. CONCESSÃO DO PARCELAMENTO: REQUISITOS E PROCEDIMENTO
Estabelece o dispositivo legal que o executado, no prazo disponibilizado para a oposição de embargos, poderá, após promover o depósito de 30% (trinta por cento) do valor exeqüendo, inclusive custas e honorários advocatícios, requerer o pagamento do restante da dívida em até 6 (seis) prestações mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.
Se a proposta for deferida pelo juiz, o valor depositado poderá ser levantado pelo credor e os atos executórios serão suspensos, assim permanecendo enquanto a quitação do saldo ocorrer da forma prevista. Caso o pedido seja indeferido, o depósito será mantido e o processo tornará ao seu curso normal.
Se o parcelamento for deferido, porém descumprido pelo devedor, a execução prosseguirá e todas as parcelas restantes estarão automaticamente vencidas. Além disso, o montante que não foi pago será acrescido de multa de 10% (dez por cento) sobre seu valor.
O magistrado julgará o pedido através de decisão interlocutória, da qual caberá agravo de instrumento.
Veja-se que o pedido de fracionamento da dívida será necessariamente [01] feito no prazo de 15 (quinze) dias, contados da juntada do comprovante de citação. Para tanto, o executado deverá reconhecer o débito e comprovar o depósito de 30% (trinta por cento) do montante, considerado em sua totalidade [02].
De fato, em que pese a existência de respeitáveis opiniões em contrário, a possibilidade de o devedor parcelar somente a parte incontroversa, mantendo a execução quanto ao restante, é solução que não se adapta aos objetivos da reforma.
O artigo 745-A busca estimular o adimplemento voluntário do devedor e simplificar a satisfação do crédito. Aceitar o parcelamento de somente parte do montante exeqüendo retiraria toda a força do dispositivo, pois a acolhimento de seu valor integral é o ônus que deve ser suportado pelo devedor para ter direito ao benefício. Além do mais, a execução poderia se tornar mais complexa e demorada com a concomitância de procedimentos, prejudicando sobremaneira o credor.
Após a confissão da totalidade do valor exeqüendo, o executado estará impedido de questioná-lo através de embargos, por preclusão lógica. A situação é análoga àquela criada pelo reconhecimento jurídico do pedido (art. 269, II do CPC), inviabilizando qualquer defesa posterior do sujeito passivo da execução.
O devedor vê-se obrigado, deste modo, a optar entre a oposição de embargos e o pedido de parcelamento, havendo mútua exclusão entre as duas alternativas. Por isso a inversão dos atos também é vedada, ou seja, o executado não pode embargar a execução e, após se ver vencido em sua pretensão, requerer o parcelamento da dívida.
Na verdade, o reconhecimento da dívida gera mais do que a simples preclusão da oposição de embargos. Ela dá azo à aplicação do princípio que proíbe o ato contraditório (venire contra factum proprium), atingindo o direito material em si e, por conseqüência, impedindo o executado de contestar o crédito por qualquer outro meio [03]. O devedor que confessa o débito não mais poderá, por exemplo, mover ação declaratória pedindo o reconhecimento da falsidade do título que lastreia a execução [04].
Entretanto, esta vedação não alcança fatos novos, como a penhora e a adjudicação realizadas após a retomada do processo (no caso de não pagamento de uma prestação), nem questões de mérito que não tenham sido elididas pela confissão (caso da compensação, que é plenamente compatível com o reconhecimento da dívida).
É esta a lição do advogado Pedro Nogueira, para quem a preclusão gerada pelo reconhecimento do débito "não impede a propositura de embargos de segunda fase e nem elimina a possibilidade de se discutir algumas questões de mérito após a resolução do parcelamento", desde que tais questões sejam posteriores à concessão do benefício ou que, mesmo anteriores, não tenham sido resolvidas pela confissão [05].
Outro ponto digno de nota é a cobrança de juros de 1% (um por cento) ao mês, incidindo sobre o valor das parcelas, com o evidente objetivo de remunerar o tempo que será distendido em razão do parcelamento. Esta regra afasta a aplicação subsidiária do artigo 406 do Código Civil [06], pois estipula taxa fixa com o objetivo de evitar discussões nesse sentido, simplificando o procedimento.
Verifica-se, portanto, que a lei estabelece quatro pressupostos básicos para que o pedido do devedor seja deferido:
a)a tempestividade, isto é, o respeito ao prazo de 15 (quinze) dias para peticionar, contado da juntada de comprovante da citação;
b)o reconhecimento do crédito do exeqüente, em seu valor total;
c)o prévio depósito de 30% (trinta por cento) deste valor;
d)e a proposição de pagamento em, no máximo, seis parcelas mensais, através de petição avulsa.
Este é o procedimento básico descrito pela norma, conforme o entendimento derivado da sua simples leitura ou de pequeno esforço exegético. Contudo, muitos aspectos complementares, como a necessária oitiva do exeqüente, têm sido intensamente debatidos pelos processualistas.
A compreensão das questões controvertidas depende basicamente do que se pensa sobre a natureza jurídica do direito ao parcelamento, razão pela qual tais questões somente serão abordados após a análise desse ponto capital.
Antes de se adentrar ao cerne da discussão, porém, é preciso abordar o conceito de potestatividade, que por sua vez se vincula à noção de direito subjetivo, como adiante se percebe.
2. DIREITOS SUBJETIVOS: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Sílvio Rodrigues, com a clareza que lhe é peculiar, explica que o direito subjetivo trata-se "da faculdade conferida ao indivíduo de invocar a norma em seu favor, ou seja, da faculdade de agir sob a sombra da regra, isto é, a facultas agendi" [07]. É o direito que uma pessoa tem de evocar regras gerais em seu favor. Deriva do direito objetivo, que é a regra geral imposta à sociedade.
O saudoso mestre Agnelo Amorim Filho, abordando doutrina de Chiovenda, explica a existência de duas classes de direitos subjetivos: os direitos a uma prestação e os direitos potestativo [08].
O primeiro grupo é composto por direitos que têm por objeto um bem da vida que só pode ser fornecido através da contraprestação do sujeito passivo.
Os classificados no segundo grupo, por sua vez, conferem ao indivíduo o poder de interferir em direitos alheios, sem que se exija do sujeito passivo qualquer manifestação de aquiescência. O direito potestativo, portanto, submete outras pessoas à vontade do sujeito que o detém.
Ainda conforme a lição de Amorim Filho, a doutrina de Chiovenda classifica os direitos subjetivos potestativos em três outros grupos [09].
O primeiro congrega os direitos que, para serem exercitados, dependem única e exclusivamente de uma manifestação de vontade do seu titular. Não é necessária a intervenção judicial para o seu pleno exercício.
O segundo grupo contém direitos cujo exercício pode se condicionar à ação estatal, quando houver insubordinação do sujeito passivo. A intervenção judicial, como se percebe, dependerá da atitude daquele que deve suportar a imposição.
Por fim, há ainda os direitos potestativos que, por interferirem profundamente na esfera jurídica de outras pessoas, possuem acentuada relevância para a manutenção da ordem pública e, por isso, só podem ser exercidos através do acionamento do Estado. Aqui, a intervenção judicial é imprescindível, concretizando-se através de uma ação constitutiva necessária, conforme a terminologia utilizada por Amorim Filho [10].
Note-se que em nenhuma das três classes de direitos potestativos há a necessidade de que o sujeito passivo concorde com a sujeição. O que as diferencia é apenas a forma como se dá o constrangimento promovido pelo sujeito ativo, pois em alguns casos o Estado não precisa interferir, noutros a intervenção é ocasional e, por fim, há aqueles em que a participação estatal é sempre obrigatória.
Como será demonstrado adiante, o direito do executado ao parcelamento da dívida exeqüenda encaixe-se perfeitamente no grupo dos direitos subjetivos potestativos exercitáveis, necessariamente, pela via judicial.
3. A NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO CRIADO PELO ART. 745-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Inicialmente, é preciso lembrar que discutir a natureza jurídica de um instituto significa buscar sua essência, possibilitando o seu enquadramento em uma das categorias elaboradas pela ciência jurídica. É tarefa fundamentalmente didática, pois tem por escopo facilitar a compreensão daquilo que se procura classificar.
O presente tópico objetiva justamente promover tal enquadramento jurídico em relação ao instituto do parcelamento.
De pronto, é possível afirmar que a Lei nº. 11.382/2006, quando acrescentou o artigo 745-A ao Código de Processo Civil, tencionou estabelecer nova forma de adimplemento da obrigação exeqüenda, tornando-a menos onerosa para o devedor.
O legislador buscou, deste modo, alternativa que incentivasse o executado a adimplir voluntariamente a obrigação, sem com isso prejudicar de forma desmedida os interesses da outra parte.
Através do parcelamento, denominado por alguns moratória legal ou judicial [11], o exeqüente recebe seu crédito em dinheiro, no tempo máximo de 6 (seis) meses, corrigido e acrescido de juros, podendo ainda ter acesso imediato a 30% (trinta por cento) do montante a que faz jus. Além disso, evita o desgaste provocado pelas discussões que naturalmente se desenvolvem nos embargos à execução.
O executado, por sua vez, tem a oportunidade de adequar o pagamento às suas possibilidades financeiras, mesmo que para tanto se veja compelido a pagar juros e a reconhecer a totalidade do valor exeqüendo.
No instituto criado pelo artigo 745-A, vislumbra-se, pois, a justa compatibilização entre o princípio da efetividade da execução e o princípio da menor onerosidade ao devedor (art. 620 do CPC). É nítido o equilíbrio entre o direito do credor de receber aquilo que lhe é devido e o direito do devedor de pagar da forma que lhe traga menor prejuízo.
Este, contudo, é um equilíbrio instável, já que ônus e bônus se equivalem na medida. O parcelamento obedece a vários requisitos legais que estabelecem uma frágil igualdade entre exeqüente e executado [12]. Qualquer interferência pode pender a balança para um dos lados, desrespeitando solenemente os princípios prestigiados pelo legislador.
Em razão disso, a concessão do benefício deve observar estritamente os parâmetros legais. Tal fato torna inadmissível sua submissão à concordância do credor, pois o equilíbrio criado pela lei estaria sendo mitigado para beneficiar uma das partes. Muito menos aceitável é a ingerência do magistrado, que tem o dever de zelar pela paridade entre os sujeitos envolvidos na lide.
Não se pode olvidar que o pedido de parcelamento do débito implica renúncia do executado ao direito de opor embargos, os quais, no âmbito da execução de título extrajudicial, têm a relevante função de oportunizar o contraditório (ainda que limitado), não exercido em face da inexistência de uma fase de conhecimento.
O indeferimento de tal pedido geraria enorme prejuízo para o devedor, que assim desperdiçaria sua única oportunidade para fazer qualquer objeção aos valores promovidos pelo exeqüente ou sustentar defesas cabíveis apenas em sede de embargos.
Em face de tais considerações, duas conclusões quanto à natureza do parcelamento são possíveis de imediato.
Percebe-se, como já ressaltado, que o instituto em análise cria nova forma de extinção da relação obrigacional, pois regula o seu adimplemento. A norma em análise tem um inexorável aspecto de direito substantivo.
Por outro lado, são também evidentes as suas implicações processuais, principalmente o efeito de instigar o pronunciamento do Poder Judiciário e o de promover a suspensão (e posterior extinção) da execução.
Portanto, a primeira ilação possível é no sentido de que o instituto possui natureza jurídica heterogênea ou bifronte, com uma faceta no direito material e outra no direito processual. O primeiro aspecto é predominante, pois, conforme preleção do advogado Eduardo Yoshikawa, "a moratória altera a exigibilidade [...] da obrigação, e a exigibilidade, como reconhecem os processualistas, é um problema de direito material [...]" [13].
Identificando-se a natureza jurídica de cada faceta em separado, verifica-se que, no campo do direito substantivo, o artigo 745-A estabelece nova causa de extinção de obrigação ao criar forma específica de adimplemento parcelado. Há mitigação da regra esculpida nos artigos 313 e 314 do Código Civil, o que se justifica pelas peculiaridades da situação em que o parcelamento pode ser deferido [14].
Já na seara adjetiva, o instituto manifesta-se como incidente processual [15], porque traz pretensão que somente se desenvolve no seio da ação principal e que precisa ser resolvida através de decisão interlocutória [16].
A segunda conclusão possível é no sentido de que este instituto heterogêneo tem natureza potestativa, visto que o titular do direito ao parcelamento pode obtê-lo independentemente da concordância do credor [17].
Especificando ainda um pouco mais, pode-se afirmar que o direito potestativo em questão é daqueles exercitáveis apenas através da intervenção do Estado, o que se evidencia pelo fato de que requerimento só pode ser feito no corpo de um processo de execução. De outro modo, tratar-se-ia de parcelamento extrajudicial, e não judicial, como de fato é.
Em suma, o parcelamento da dívida objeto de execução de título executivo extrajudicial é direito subjetivo heterogêneo potestativo, exercitável unicamente pela via judicial, razão pela qual é mais propriamente denominado parcelamento compulsório [18].
Tendo por premissa a potestatividade do instituto em análise, serão analisados outros pontos controvertidos a ele relacionados.
4. OS LIMITES DA MANIFESTAÇÃO DO CREDOR
O artigo 745-A silencia quanto à atitude que pode ser tomada pela outra parte em face do pedido de parcelamento. Esta brecha tem ensejado acaloradas discussões quanto à possibilidade do exeqüente discordar da concessão de tal benefício, impedindo a sua concretização.
Veja-se que já foi demonstrado, no tópico anterior, que o exeqüente não tem poder para impedir o deferimento do parcelamento que atenda às exigências legais, sob pena de assim promover o desequilíbrio na relação jurídica estabelecida pelo art. 745-A do CPC.
Contudo, é preciso consolidar esta posição através do aprofundamento do tema, assim como esclarecer os verdadeiros limites da manifestação do credor. É o que será feito adiante.
De início, é preciso reconhecer que a oitiva do exeqüente se faz imprescindível, em respeito ao princípio do contraditório.
O requerimento do devedor, se acatado pelo juiz, interfere diretamente na esfera de direitos da parte contrária, forçando-a a aceitar uma forma de pagamento não pactuada. Em razão disso, o titular do direito afetado deve ter oportunidade para se manifestar sobre o assunto, o que deverá ser feito no prazo geral de 5 (cinco) dias (art. 185 do CPC).
Entretanto, como dito, há discordância quanto aos limites da defesa do credor.
Os doutrinadores que não compreendem o parcelamento como direito potestativo do executado tendem a exigir a concordância do exeqüente como uma das condições para a concessão do benefício.
Para estes, a interferência do Estado no sentido de impor o pagamento parcelado é inaceitável, pois o título executivo, já devidamente formado, não aceita modificação da obrigação por ele representada. Somente o titular do direito discutido poderia concordar com esta alteração.
O jurista Elpídio Donizzeti figura dentre as respeitáveis opiniões que conferem especial relevância à concordância do credor. O insigne magistrado entende que tal aquiescência é um dos requisitos para o deferimento do parcelamento. Havendo discordância, este só poderia ser concedido caso o juiz não encontrasse forma mais proveitosa para a satisfação do crédito [19].
Também se posicionando a favor da liberdade do exeqüente, o ilustre professor José Maria Tesheiner, apesar de reconhecer que a lei dispensa a concordância da parte afetada, critica duramente o dispositivo por nele verificar ofensa ao direito líquido e certo do credor ao recebimento, à vista, do valor devido. Para Tesheiner, somente ao titular do direito caberia apreciar a conveniência ou não do parcelamento [20].
Apesar das respeitáveis opiniões acima descritas, o melhor entendimento é o que considera ser desnecessária tal anuência.
Pensar de outra forma implicaria em desprezo à inteligência do legislador, pois o instituto consolidado no artigo 745-A corresponderia exatamente à transação entre partes, cuja aplicação é tranquilamente acolhida em sede de execução. O legislativo teria desperdiçado esforços para autorizar o que já era possível.
Além disso, a discordância do credor traria malefícios desproporcionais ao devedor, que não apenas perderia o direito ao parcelamento, como estaria ainda impedido de opor embargos e de reaver o depósito prévio de 30% (trinta por cento) do valor total da execução.
Em tais circunstâncias o art. 745-A tornar-se-ia letra morta, sempre esbarrando na "vontade" do exeqüente, certamente mais interessado em tirar proveito da situação desvantajosa do executado que já não poderia mais discutir o valor da dívida.
Há que se ter em mente, ainda, que o parcelamento interessa ao Estado quando promove a celeridade e a economia processual, aperfeiçoando e facilitando o exercício da sua função jurisdicional. Por conseqüência, também os demais jurisdicionados são beneficiados pela disponibilização de um Judiciário menos congestionado.
Sendo o parcelamento conveniente para o devedor, para a coletividade e até mesmo para o credor – que é beneficiado pelo pagamento em menor tempo, ainda que fracionado –, nada justifica que este último simplesmente impeça a sua concessão, agindo egoisticamente.
Ressalte-se, por fim, que o argumento de ofensa ao direito subjetivo do credor não prospera. O artigo 745-A, ao trazer nova forma de pagamento, atua sobre todas as obrigações nascidas em sua vigência, criando a expectativa de que o parcelamento possa ser imposto.
Tudo funciona como se houvesse uma cláusula implícita, legalmente cominada, estabelecendo a possibilidade de que o pagamento seja feito em prestações caso o juiz defira o benefício solicitado pelo devedor no prazo para oposição de embargos, no seio de uma execução de título extrajudicial. A obrigação já nasce com esta limitação legal [21], presumindo-se que as partes têm conhecimento desta condição.
Desta forma, é infundada a afirmação de que a concessão do parcelamento afronta o direito do credor ao pagamento imediato. Tal direito, se constituído na vigência da Lei nº. 11.382/2006, já nasce limitado neste ponto.
Quanto ao entendimento dos Tribunais brasileiros, vislumbra-se tendência à consolidação do posicionamento aqui defendido. A Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, recentemente proferiu acórdão nesse sentido, como se depreende da ementa abaixo transcrita:
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PARCELAMENTO DO DÉBITO. ART. 745-A DO CPC. Segundo o art. 745-A do CPC, o magistrado pode aceitar o parcelamento do débito independente da aceitação do credor. Contudo, o inadimplemento de quaisquer das parcelas implica no vencimento antecipado das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, incidindo a multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas. Recurso prejudicado. (Agravo de Instrumento nº. 70020408167, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Des. Maria Berenice Dias, Julgado em 10/08/2007).
Em face do exposto, é inevitável concluir que o credor tem, sim, direito a se manifestar sobre o pedido de parcelamento, mas seus argumentos devem se limitar à desconstituição dos requisitos erigidos pela Lei. Desta forma, poderão ser argüidas, verbi gratia, a insuficiência do depósito prévio, a intempestividade do requerimento, a prévia oposição de embargos à execução, etc.
A concordância do credor, ainda que não seja exigida para a concessão do benefício, tem o efeito de tornar praticamente irrecusável a proposta do executado, mesmo que inexistente algum dos requisitos do artigo 745-A. A razão disto é que se configura, no caso, a transação entre as partes, e não exatamente o parcelamento compulsório.
Já a discordância do credor é sempre irrelevante, como demonstrado.