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Manifestações de apoio entre candidatos majoritários e proporcionais.

Aspectos do §8º do art. 28 da RTSE nº 22.718

11/09/2008 às 00:00
Leia nesta página:

A Resolução nº 22.718 do Tribunal Superior Eleitoral dispõe sobre a propaganda eleitoral, cujas regras são aplicáveis às eleições de 2008.

O §8º do art. 28 desta Resolução trata sobre os limites para a manifestação de apoio entre candidatos majoritários e proporcionais no âmbito da propaganda eleitoral gratuita, ou seja, nos guias eleitorais.

Da leitura de tal dispositivo, depreendem-se alguns pontos problemáticos ao aplicador.

Inicialmente, questão que se mostra relevante para o salutar desenvolvimento do pleito eleitoral é a aplicação do dispositivo acima referido, no tocante à propaganda eleitoral gratuita realizada via Rádio.

Igualmente importantes são as nuances que envolvem o termo "vice-versa" constante do dispositivo em questão, que merece também análise mais atenciosa.

São estes os aspectos tratados no presente estudo.


1 - O §8º face à propaganda eleitoral gratuita via Rádio

Aduz o referido dispositivo:

"§8º É vedado aos partidos políticos e coligações incluir, no horário destinado aos candidatos proporcionais, propaganda das candidaturas majoritárias, ou vice-versa, ressalvada a utilização, durante a exibição do programa, de legendas com referência a candidatos majoritários, ou, ao fundo, cartazes ou fotografias desses candidatos."

Tal ditame encontra-se no capítulo dispensado à regulamentação da "propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão" (Capítulo VII). Por este motivo, o §8º vem sendo aplicado a estas duas realidades: Rádio e TV.

Entretanto, é importante destacar que alguns termos usados pelo legislador no §8º revelam a intenção de regular a propaganda na TV. Cite-se "exibição do programa", "legendas", "ao fundo", "cartazes ou fotografias". Trata-se de permissões inviáveis quando a propaganda realiza-se via Rádio.

Neste sentido, não seria técnico aplicá-lo indistintamente a realidades aparentemente semelhantes, porém substancialmente tão diversas.

Mas aplicar tal dispositivo apenas à realidade da TV implica dizer que a propaganda via Rádio ficaria sem regulamentação neste aspecto? Por não serem possíveis as inserções de cartazes, fotografias ou legendas na propaganda via rádio, implica dizer que fica proibida qualquer inserção, ou liberadas totalmente?

Quanto ao Rádio, pode-se proceder à aplicação analógica do §8º, o que tem sido feito frequentemente, ficando proibida, então, qualquer inserção de propaganda "majoritária" nos guias "proporcionais" (ou vice-versa), já que as formas permitidas são inviáveis via Rádio. Porém, entendemos não ser esta a solução mais adequada.

É necessário ter em mente que a analogia é forma de integração de lacunas, quando uma situação regulada fornece parâmetros para regulação de situação análoga, semelhante.

Destaque-se o ensinamento do emérito doutrinador português, José de Oliveira Ascensão:

"Não basta uma semelhança da descrição exterior da situação: é necessário que haja semelhança sob o ponto de vista daquele efeito jurídico. (...) O que a analogia supõe é que as semelhanças são mais relevantes que as diferenças. Há um núcleo fundamental nos dois casos que exige a mesma estatuição. Se esse núcleo fundamental pesar mais que as diversidades, podemos então afirmar que há analogia."

No presente contexto, é incontestável a semelhança da TV e do Rádio (meios de comunicação em massa). Entretanto, mister observar que as limitações do Rádio no tocante à inserção de legendas, cartazes, fotografias, distanciam sobremaneira tal meio de comunicação da realidade da TV, o que afastaria a aplicação analógica do §8º à propaganda via Rádio.

Do ponto de vista dos efeitos jurídicos do §8º, as diferenças substanciais entre TV e Rádio superam as aparentes semelhanças.

Assim, para propor uma solução coerente para tal impasse, é importante deixar a analogia de lado e partir para a interpretação teleológica, ou seja, das finalidades da norma, da intenção do legislador. Conforme leciona Paulo Nader:

"Tudo o que o homem faz e elabora é em função de um fim a ser atingido. A lei é obra humana e assim contém uma idéia de fim a ser alcançado. Na fixação do conceito e alcance da lei, sobreleva de importância o estudo teleológico, isto é, estudo dos fins colimados pela lei. (...) Assim, é natural que no ato da interpretação se procure avivar os fins que motivaram a criação da lei, pois nessa descoberta estará a revelação da mens legis." [ 2]

A finalidade do dispositivo em comento é evitar a invasão de candidaturas majoritárias nos guias proporcionais. Por isso, proibiu-se a manifestação desmedida de apoio, permitindo-se apenas legendas, cartazes, fotografias etc.; nada falado.

Neste norte, podemos iniciar proposta de solução para a questão do Rádio.

Por interpretação teleológica ao mencionado §8º, considerando a intenção protetiva e reguladora da resolução 22.718 em geral, é de se admitir que candidatos proporcionais poderão manifestar apoio a candidatos majoritários, desde que seja mantida a discrição. Assim, entendemos que dizeres como "o meu candidato é fulano", "voto em fulano", "junto com fulano" "para prefeito, fulano" etc., são plenamente admissíveis nos guias eleitorais via Rádio.

Trata-se de permissão cuja avaliação fica a cargo do Juiz Eleitoral, que, dando conteúdo valorativo à idéia de discrição, ao estilo dos conceitos legais indeterminados tão largamente utilizados no nosso ordenamento[ 3] , deve analisar o caso concreto, coibindo o que considerar excessivo.

Em síntese conclusiva:

Quanto à TV, nada muda. O §8º deve ser aplicado ipsis litteris, já que a discrição das manifestações de apoio é mantida conforme se obedeça aos limites estabelecidos pelo legislador: utilização apenas de legendas, cartazes, fotografias.

No tocante ao Rádio, tempera-se o teor do §8º, dando-lhe nova roupagem por interpretação teleológica, aplicando-o, mutatis mutandis, àquela realidade, permitindo a discreta manifestação falada, sempre conforme o caso concreto.


2 - O §8º e o termo "Vice-Versa"

O texto do §8º consagra que nos guias eleitorais de TV (e rádio conforme as considerações acima) é proibida a inclusão de propaganda das candidaturas majoritárias, no horário destinado aos candidatos proporcionais, ou vice-versa. Na parte final, consagra uma exceção a esta vedação: admite-se a inserção de cartazes, fotos, legendas, em referência aos candidatos majoritários.

O termo vice-versa indica que a vedação abrange tanto a manifestação de apoio "majoritário em favor de proporcional" quanto o contrário. Já a exceção, permissiva, indica a existência de apenas uma possibilidade de manifestação de apoio: "proporcional em favor de majoritário", dentro dos limites estabelecidos para a TV e para o Rádio, conforme os termos expostos no tópico anterior.

Obedecidos os limites desta manifestação, tal situação não nos parece complicada. É possível, permitida e não compromete de forma alguma a lisura do pleito eleitoral e a igualdade de condições entre candidatos.

Ocorre que, quando a situação se inverte, a questão toma outro rumo.

É o caso, por exemplo, em que determinado candidato a prefeito manifeste apoio a algum ou alguns candidatos a vereador. Note-se que a adesão de um candidato a prefeito em favor de um candidato a vereador sem dúvidas colocará este em posição privilegiada em relação aos demais candidatos daquele partido ou coligação. Assim, é quase impossível que permaneça intacta a igualdade de condições entre aqueles candidatos.

A força de um candidato majoritário perante o eleitorado é infinitamente superior à influência exercida por um ou por outro candidato proporcional, que muitas vezes é mesmo insignificante para a escolha daquele. Em outros termos, a escolha do vereador pode se dar em decorrência do apoio do prefeito; porém, o contrário (escolha do prefeito em virtude de apoio do vereador) é bem menos visualizável na prática.

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Neste sentido, é forçoso entender que o apoio a um candidato majoritário feito por candidato proporcional pode ser feito sem maiores problemas, já que este é partidário ou coligado com apenas um candidato a prefeito, não pondo em xeque a igualdade no pleito majoritário.

Entretanto, o apoio de candidato majoritário em favor de candidatura proporcional desequilibra este pleito, pelo que tal prática merece ser coibida. Este apoio seria possível se não fosse direcionado a um ou a outro candidato, mas a todo o leque de candidatos proporcionais aderentes. Mas como isto poderia ser feito?

Via de exemplo, seria o caso em que o candidato majoritário inserisse em seu guia eleitoral de TV, legendas com os nomes de partidos, coligações ou mesmo de candidatos proporcionais, respeitando a abrangência de todos os partidários ou coligados em tal manifestação de apoio; ou ainda, inserisse dizeres em seu guia eleitoral via Rádio, como "junto com os vereadores da coligação (ou partido) tal".

Em casos como o exemplo acima, em tese, não haveria privilégio de um candidato em detrimento de outro, pelo que a vedação absoluta não teria razão de ser.

Ocorre que, dependendo da quantidade de candidatos proporcionais, tal possibilidade pode encontrar barreiras de ordem prática, no sentido de que pode ser inviável ao candidato majoritário inserir manifestações de apoio a todos aqueles, mesmo que as manifestações sejam realizadas ao longo de vários dias. Em se tratando de municípios com número de candidatos proporcionais reduzido, tal possibilidade torna-se mais palpável na prática.

Entretanto, para evitar tais problemas práticos, e coibir a possibilidade de tratamento diferenciado quando houvesse mais ou menos candidatos proporcionais, de fato o mais coerente é estender a vedação ao apoio de majoritários em favor de proporcionais.


Concluindo:

[ 1] José de Oliveira Ascensão in O Direito: Introdução e Teoria Geral, 2005, p. 446/447.

[ 2] Paulo Nader in Introdução ao Estudo do Direito, 2003, p. 273/274.

[ 3] Conceitos legais indeterminados (Unbestimmte Gesetzbegriffe) "são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conteúdo é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com uma hipótese de fato posta em causa. Cabe ao juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma, preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto" (Nelson Nery Júnior in O Novo Código Civil: Estudos em homenagem ao Prof. Miguel Reale, 2003, p. 407). São exemplos de conceitos indeterminados os termos "perigo iminente", "caso de urgência", "atividade de risco" (Todos no Código Civil, arts. 188, II; 251, parágrafo único; e 927; respectivamente).


REFERÊNCIAS

ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral. 13 ed. Coimbra, Almedina, 2005.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. MENDES, Gilmar Ferreira. FRANCIULLI NETTO, Domingos (coord.). O Novo Código Civil: estudos em homenagem ao prof. Miguel Reale, São Paulo: LTR, 2003

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23 ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2003.

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Sobre o autor
Adisson Taveira Rocha Leal

Advogado.professor universitário. Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Adisson Taveira Rocha. Manifestações de apoio entre candidatos majoritários e proporcionais.: Aspectos do §8º do art. 28 da RTSE nº 22.718. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1898, 11 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11711. Acesso em: 25 abr. 2024.

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