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Assédio moral: problema antigo, interesse recente

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O postulado da dignidade humana pode ser compreendido como a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio (Larenz, 1978).

Este princípio, erigido à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, possui outra vertente de relevo, consistente na premissa de não ser possível a redução do homem à condição de mero objeto de terceiros, vedando-se, assim, a coisificação da pessoa humana.

Com o mesmo status constitucional emerge o direito de todos a um meio ambiente de trabalho sadio, equilibrado e seguro, o que, no entanto, se afigura de difícil concretização nos dias atuais, em razão da crise vivenciada pelo mercado de trabalho, onde predomina a lógica da dominação e da competitividade exacerbada.

Fácil perceber, então, que a prática do assédio moral, na qual a vítima se vê por repetidas vezes submetida a situações constrangedoras e humilhantes, isolada e ridicularizada perante terceiros, durante a jornada de trabalho e dentro da própria empresa, fere mortalmente estes dois postulados constitucionais, gerando seqüelas negativas não apenas para a vítima que tem sua saúde danificada, mas para a empresa que terá altos custos, queda em sua produtividade e aumento do absenteísmo, e para o Estado, que arcará com a prestação de mais benefícios previdenciários e serviços de reabilitação profissional.

As causas motivadoras do assédio moral ainda não estão suficientemente explicadas, no entanto, a inveja sentida pelo assediador de alguma característica, habilidade ou talento da vítima é apontada como um dos motivos mais freqüentes para a sua ocorrência. A discriminação também se apresenta como causa ensejadora do mobbing, a exemplo do assédio moral praticado por motivos raciais, religiosos, em razão de deficiência física ou doença, ou em função de orientação sexual, pois em casos tais o agressor ao não aceitar uma diferença ou particularidade da vítima passa a persegui-la e tratá-la com menosprezo e desrespeito na frente de seus pares, tentando, desta forma, forçar seu pedido de demissão ou, em situações mais extremas, o seu suicídio.

A prevenção emerge, portanto, como a melhor forma de combate ao psicoterror, através da adoção de medidas simples e de baixo custo, mas que se implementadas garantirão uma maior qualidade de vida aos empregados e, por conseguinte, um meio ambiente de trabalho sadio e produtivo.

A reformulação dos métodos de gestão; a inserção de atividades lúdicas e de relaxamento na jornada diária de trabalho; o investimento na informação através de palestras e cartilhas conscientizando dos males provocados por essa violência; o incentivo à boa comunicação mediante a criação de ouvidorias e núcleos de mediação dentro da empresa; a abordagem do assédio moral em reuniões e cursos da CIPA, como forma de desmistificar o tema, inserindo-o no cotidiano do empregado, são alguns exemplos de medidas de prevenção que contribuem sobremaneira para a preservação da saúde e dignidade do trabalhador.

A ausência de tratamento legal específico ou a não tipificação como crime não pode ser óbice, como efetivamente não tem sido, para a apreciação de casos pelo Poder Judiciário, pois, como antes mencionado, o assédio moral viola frontalmente a dignidade da pessoa humana, sendo perfeitamente possível a incidência deste postulado no âmbito das relações privadas.

A invocação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, aliado às normas civilistas de responsabilidade civil, que impõem o dever de indenizar àquele que causar danos a outrem, têm sido o fundamento utilizado para o embasamento das condenações proferidas pela Justiça do Trabalho, gerando, basicamente, três tipos de reparação à vítima, a rescisão indireta do contrato de trabalho, recebendo o empregado suas verbas rescisórias como se de uma despedida sem justa causa se tratasse; indenização por danos morais, em decorrência da violação aos direitos da personalidade; e indenização por danos materiais, nos casos em que da violência moral resultem gastos financeiros para a vítima, como despesas com tratamentos, remédios, etc.

Imprescindível, então, que o problema do assédio moral não seja ocultado, nem banalizado e sim compreendido com a gravidade que possui e com as conseqüências nefastas que ocasiona, pois somente assim, cientes da dimensão exata deste fenômeno, poderemos combater esta patologia social, fomentada pelo contexto econômico da atualidade, e que corrói, impiedosamente, as relações pessoais no ambiente de trabalho.


8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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WEBGRAFIA: www.assediomoral.org.br

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Sobre a autora
Maria Rita Manzarra Garcia de Aguiar

Juíza do Trabalho do TRT da 21ª Região (RN). Especializanda em Processo Penal pela Universidade de Fortaleza (CE). Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Maria Rita Manzarra Garcia. Assédio moral: problema antigo, interesse recente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1907, 20 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11741. Acesso em: 19 abr. 2024.

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