O presente artigo tem por objetivo delimitar a competência da
Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE do Ministério da Fazenda para
autorizar promoções comerciais que envolvam distribuição gratuita de prêmios a
título de propaganda, quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou
operação assemelhada, nos termos da Lei nº 5.768, de 20 de
dezembro de 1971 [01], bem como pretende traçar diretrizes para a
aplicação das sanções administrativas relativas à violação do regime legal de
autorização.
Embora fato pouco conhecido, toda promoção comercial que
envolva distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda, quando efetuada
mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, exige prévia
autorização do Poder Público. A Lei nº 5.768, de 1971, que
disciplina a matéria, é peremptória nesse sentido, ex vi de seu art. 1º:
Art 1º A distribuição gratuita de prêmios a
título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou
operação assemelhada, dependerá de prévia autorização do Ministério da Fazenda,
nos termos desta lei e de seu regulamento.
Por necessidade de maior capilaridade e estrutura para
atender à demanda de autorizações, a competência administrativa na matéria foi
repartida pelo legislador infraconstitucional entre a Secretaria de
Acompanhamento Econômico – SEAE, órgão do Ministério da Fazenda, e a Caixa
Econômica Federal - CEF, empresa pública vinculada a esse Ministério. O art.
18-B da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998 [02],
com redação dada pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001,
estabeleceu o seguinte, verbis:
Art. 18-B. Ressalvadas as competências do Conselho Monetário Nacional, ficam transferidas para o Ministério da Fazenda as estabelecidas na Lei n
º5.768, de 20 de dezembro de 1971, no art. 14 da Lei nº7.291, de 19 de dezembro de 1984, e nos Decretos-Leis nºs 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, e 204, de 27 de fevereiro de 1967, atribuídas ao Ministério da Justiça.§ 1
ºA operacionalização, a emissão das autorizações e a fiscalização das atividades de que trata a Lei nº5.768, de 1971, ficam a cargo da Caixa Econômica Federal, salvo nos casos previstos no § 2ºdeste artigo.§ 2
ºOs pedidos de autorização para a prática dos atos a que se refere a Lei mencionada no § 1ºdeste artigo, em que a Caixa Econômica Federal ou qualquer outra instituição financeira seja parte interessada, serão analisados e decididos pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.§ 3
ºAs autorizações serão concedidas a título precário e por evento promocional, que não poderá exceder o prazo de doze meses. ― Realçado.
Do mesmo modo, o art. 27, § 9º, da Lei nº
10.683, de 28 de maio de 2003, ato normativo que rege atualmente a organização
da Presidência da República e dos Ministérios, manteve a repartição de
competência acima transcrita, nos seguintes termos:
Art. 27.. .....................................
§ 9
ºSão mantidas as competências do Ministério da Fazenda e da Caixa Econômica Federal previstas no art. 18-B da Lei nº9.649, de 27 de maio de 1998, com a redação dada pela Medida Provisória nº2.216-37, de 31 de agosto de 2001.
Assim, consoante o art. 18-B, caput, da Lei nº
9.649, de 1998, o poder regulamentar sobre a distribuição gratuita de prêmios a
título de propaganda, quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou
operação assemelhada, é outorgado ao Ministério da Fazenda. Já a
operacionalização, a emissão das autorizações e a fiscalização das referidas
atividades, competem à CEF [03], nos termos do art. 18-B, § 1º,
ressalvadas as situações em que essa empresa pública ou qualquer outra
instituição financeira seja parte interessada, caso em que as atribuições
passarão à SEAE, por força do § 2º do mesmo artigo.
Não obstante, a fim de determinar com maior precisão as hipóteses em que a competência executiva caberá à SEAE, importa interpretar a legislação aplicável a partir de um prisma teleológico. A ratio da regra que excepciona a competência da CEF em favor da SEAE está no conflito de interesses que pode surgir nos casos em que o agente a ser fiscalizado pela CEF é instituição financeira.
Sendo a própria CEF agente econômico que atua em regime de competição no mercado financeiro, isto é, em exercício de atividade econômica em sentido estrito [04], não é difícil vislumbrar situações de conflito de interesses que imponham a proibição de a CEF exercer atribuições públicas coercitivas justamente sobre seus próprios concorrentes.
Desse modo, sob esse enfoque teleológico da norma, adequado ao enfrentamento da questão, a definição da competência da SEAE depende da verificação, no caso concreto, da existência de algum interesse direto ou indireto de instituição financeira na realização da distribuição por sorteio.
Presente o interesse direto ou indireto do agente econômico,
ou caso este seja, à luz do regime de concorrência do mercado financeiro, idôneo
a gerar conflito de interesses com a CEF, entende-se que a competência para
autorizar, fiscalizar e penalizar a distribuição gratuita de prêmios a título de
propaganda, quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação
assemelhada, será da SEAE; em caso contrário, as atribuições caberão à própria
CEF, ex vi do art. 18-B da Lei nº 9.649, de 1998, com
redação dada pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001.
Outro ponto digno de nota diz respeito aos critérios
jurídicos para aplicação, pela SEAE, das penalidades administrativas cominadas
na Lei nº 5.768, de 1971, nos casos de violação da exigência de
autorização prévia pelas sociedades realizadoras de promoção comercial.
Na hipótese de violação do regime legal de autorização
previsto para as promoções comerciais, o art. 12, caput e parágrafo
único, da Lei nº 5.768, de 1971, prevê as sanções de multa e de
proibição de realizar novas operações, in verbis:
Art. 12. A realização de operações regidas por esta Lei, sem prévia autorização, sujeita os infratores às seguintes sanções, aplicáveis separada ou cumulativamente:
I - no caso de que trata o art. 1
º:a) multa de até cem por cento da soma dos valores dos bens prometidos como prêmios;
b) proibição de realizar tais operações durante o prazo de até dois anos;
...........................................................
Parágrafo único. Incorre, também, nas sanções previstas neste artigo quem, em desacordo com as normas aplicáveis, prometer publicamente realizar operações regidas por esta Lei. – Realcei.
A Lei nº 5.768, de 1971, o Decreto nº
70.951, de 9 de agosto de 1972 [05], e a Portaria SEAE nº
41, de 19 de fevereiro de 2008 [06], não dispuseram expressamente
sobre critérios de imposição das penalidades a cargo da SEAE, conferindo
certa discricionariedade ao administrador no particular.
Sem embargo, a Lei nº 9.784, de 29 de
janeiro de 1999 [07], incidente subsidiariamente à espécie por força
de seu art. 69 [08], traz alguns parâmetros de obediência obrigatória
na aplicação de sanções administrativas, conforme colecionado a seguir:
Art. 2
ºA Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
................................
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
...................................
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
..................................
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
..................................
§ 1
ºA motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
Chega-se, portanto, a uma primeira conclusão: conquanto
detenha a SEAE discricionariedade, isto é, liberdade operacional, para definir,
em linhas gerais e à luz do caso concreto, em que termos a sanção do art. 12 da
Lei nº 5.768, de 1971, será aplicada, tal definição deve,
obrigatoriamente, vir acompanhada de adequada fundamentação. Deve, ainda,
observar os princípios e critérios listados no art. 2º da Lei nº
9.784, de 1999, em especial o princípio da proporcionalidade, cuja aplicação
compulsória na esfera do direito administrativo sancionador, aliás, vem sendo
reiteradamente afirmada na doutrina e jurisprudência.
Com relação especificamente à identificação dos sujeitos ativos da infração administrativa, especialmente na hipótese de promoção comercial patrocinada em conjunto por mais de uma sociedade empresarial, encontram-se outras balizas jurídicas que devem ser observadas pela SEAE por ocasião de imposição da penalidade.
Primeiramente, por participação na infração, é razoável que se entenda não só a contribuição de cada sociedade para a prática do ato de divulgação irregular da promoção em si, mas também de todos os atos correlatos à realização da promoção comercial.
Explica-se: o art. 12 da Lei nº 5.768, de
1971, tipifica como infração a conduta de "realizar operação não autorizada",
qual seja a "distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando
efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada" (art.
1º da Lei).
E tal "operação de distribuição" ― importa sublinhar ― deve ser compreendida, para efeito de aplicação da Lei, não como um ato isolado e específico de divulgação da promoção comercial, que pode ter por executora apenas uma dentre as sociedades-promotoras, e, sim, como um procedimento, composto por diversos atos, neles inserida a divulgação, mas também outros, como, por exemplo, o apoio financeiro, a organização, a junção de esforços em geral.
Ademais, tratando-se de infração cometida por pessoa jurídica – e não por pessoa natural –, não deve o órgão sancionador se guiar por categorias como o dolo ou culpa, próprias da dinâmica de ação humana. Inversamente, a responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, à falta de outro parâmetro acolhido na lei, é mais adequadamente aferida por meio do conceito de dever objetivo de cuidado, que a entidade deve respeitar na condução de suas atividades.
Esse, a propósito, tem sido o entendimento do magistério abalizado, in litteratim:
"No plano do Direito Administrativo Sancionador, pode-se dizer que a culpabilidade é uma exigência genérica, de caráter constitucional, que limita o Estado na imposição de sanções a pessoas físicas. Não se trata de exigência que alcance também as pessoas jurídicas, com o mesmo alcance. Pode-se sinalizar que a culpabilidade das pessoas jurídicas remete à evitabilidade do fato e aos deveres de cuidado objetivos que se apresentam encadeados na relação causal. É por aí que passa a culpabilidade." [09] ― Realçado.
Dessa forma, um critério juridicamente seguro a ser seguido na apuração da responsabilidade das pessoas jurídicas perpassa pela investigação acerca da possibilidade de evitação do fato irregular e da obediência ao dever objetivo de cuidado pela sociedade, isto é, se a entidade tomou todas as medidas e diligências normalmente exigíveis para evitar a ocorrência do fato.
Somado ao dito anteriormente, outro parâmetro a ser utilizado pelo órgão sancionador, agora no julgamento acerca da configuração de infração em seu aspecto objetivo, pode ser extraído a partir dos bens jurídicos tutelados pela norma repressiva.
A exigência de autorização prévia para a distribuição
gratuita de prêmios a título de propaganda, quando efetuada mediante sorteio,
vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, visa a tutelar dois bens
jurídicos principais. De um lado, tem-se a liberdade de concorrência (arts. 170,
inciso IV, e 173, § 4º, da CRFB), vulnerada nos casos de
atuação desleal dos agentes econômicos. De outro, é o consumidor (art. 170,
inciso V) que deve ser protegido contra a publicidade e a propaganda enganosas.
Assim, considerando o objetivo de tutela da livre concorrência e do consumidor, um critério relevante para reconhecer in concreto a ocorrência da infração consiste em verificar se o fato investigado é potencialmente danoso aos bens protegidos pela Lei e pela atuação fiscalizatória da SEAE. Havendo essa potencialidade, o fato adentra o âmbito de incidência da norma punitiva, merecendo repressão.
Prosseguindo na análise, é também possível indagar, quando
uma promoção comercial for realizada por mais de uma sociedade empresarial, se o
limite máximo da sanção inserta no art. 12, inciso I, alínea "a", da Lei nº
5.768, de 1971 ("multa de até cem por cento da soma dos valores dos bens
prometidos como prêmios") deve ser aplicado individualmente por empresa ou a
todas globalmente.
O referido art. 12 não dispõe que a sanção ali contida deve incidir globalmente. Além disso, no caput do artigo, há a previsão de que a prática da irregularidade sujeita os infratores às penas cominadas, entre elas a proibição de realizar novas operações por dois anos. Não parece sustentável que o legislador tenha intencionado repartir o período de dois anos da pena de proibição de operações entre sociedades que atuaram em conjunto. De modo semelhante, considerando que o preceito primário é o mesmo para as duas sanções, também não é adequado entender que o valor da multa deverá ser repartido entre as pessoas jurídicas em concurso.
Ademais, a regra geral aplicável ao regime punitivo penal é a de que as penas cominadas em lei, mínimo e máximo, não são dividas entre os agentes em concurso, mas fixadas por indivíduo. Assim, por exemplo, o homicídio simples previsto no art. 121, caput, do Código Penal, prevê pena de reclusão de 6 a 20 anos. Caso praticado em concurso de agentes, a pena de cada co-autor, individualmente, permanece tendo por mínimo e máximo 6 e 20 anos, respectivamente.
Embora não se esteja aqui defendendo a transposição irrefletida do regime penal para o administrativo, é válido observar que as garantias de que se reveste o acusado na seara criminal, voltadas à proteção da liberdade individual, são ainda mais rigorosas do que as vigentes no regime administrativo sancionador. Logo, o que vale para o regime mais favorável aos direitos do infrator – o penal -, não pode ser considerado excessivo para o regime menos favorável – o administrativo.
Assim, não havendo previsão legal expressa de incidência
global de penas para os casos de concurso de infratores, o limite máximo da
sanção prevista no art. 12, inciso I, alínea "a", da Lei nº
5.768, de 1971, é de ser aplicado individualmente, por sociedade infratora, na
medida da responsabilidade administrativa apurada individualmente.
Tendo em vista as considerações anteriores, o presente estudo nos leva às seguintes conclusões:
a)havendo interesse direto ou indireto de instituição financeira a evidenciar conflito de interesses com a CEF, a competência para autorizar, fiscalizar e penalizar a distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda, quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, será da SEAE; em caso contrário, as atribuições caberão à CEF;
b)a SEAE tem discricionariedade na aplicação da sanção
contida no art. 12 da Lei nº 5.768, de 1971, sendo obrigatória,
porém, a motivação de sua decisão, bem como a obediência estrita aos princípios
e critérios listados no art. 2º da Lei nº
9.784, de 1999, em especial o princípio da proporcionalidade;
c)"operação de distribuição", prevista no art. 12 da Lei nº
5.768, de 1971, compreende não somente o ato isolado e específico de divulgação
da promoção comercial, como também outros atos correlatos ao procedimento, como
o apoio financeiro, a organização e a junção de esforços entre as diversas
sociedades promotoras;
d)a responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, à falta de outro parâmetro acolhido na lei, provém da violação ao dever objetivo de cuidado, revelado pelo fato de a sociedade promotora não ter tomado as medidas e diligências normalmente exigíveis para evitar a ocorrência do fato;
e)critério relevante para aferir a existência de infração é a potencialidade danosa do fato aos bens jurídicos livre concorrência e consumidor; e
f)na hipótese de concurso de sociedades, o limite máximo da
multa prevista no art. 12, inciso I, alínea "a", da Lei nº
5.768, de 1971, deve ser considerado individualmente, por ente infrator.
Notas
- "Abre a legislação sobre distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, estabelece normas de proteção à poupança popular, e dá outras providências".
- "Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências".
- Conquanto extravase os propósitos do presente trabalho avançar sobre o tema, cumpre registrar que a possibilidade de pessoa jurídica de direito privado controlada pelo Estado, como empresas públicas e sociedades de economia mista, exercerem poder de polícia, inerente à atividade de "fiscalizar", é tema ainda sujeito a controvérsias na doutrina e jurisprudência. No sentido da possibilidade de pessoas administrativas de direito privado atuarem com poder de polícia: Carvalho Filho, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 16ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 67.
- A atividade econômica em sentido amplo constitui gênero, do qual são espécies a atividade econômica em sentido estrito e o serviço público. Sobre as formas de atuação estatal na ordem econômica: GRAU, Eros Roberto, A ordem Econômica da Constituição de 1988, 6ª edição, São Paulo: Malheiros, 2001, Capítulo 4.
- "Regulamenta a Lei n
º5.768, de 20 de dezembro de 1971, que dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, e estabelece normas de proteção à poupança popular". - "Regulamenta a distribuição gratuita de prêmios a título de
propaganda, quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou
modalidade assemelhada, a que se refere à Lei n
º5.768, 20 de dezembro de 1971, e o Decreto nº70.951, de 9 de agosto de 1972." - "Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal".
- "Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei".
- OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, 2ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: RT, 2005, p. 470.