Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, a pronúncia do acusado encerra a fase de formação da culpa através de uma decisão interlocutória mista, cujo conteúdo versa sobre a existência do delito e sobre os indícios de autoria contra o réu.
A antiga redação do artigo 408, § 1°, do Código de Processo Penal, preceituava que "na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu".
Sobre o mencionado dispositivo legal, entendia-se que o juiz, ao proferir a sentença de pronúncia, não deveria se manifestar a respeito das regras de concurso de crimes, sob o fundamento que se tratava de critério de fixação das penas. [01] Apenas deveria haver menção ao tipo básico em que o réu estivesse incurso e qualificadoras, sendo as regras de aplicação de pena de competência exclusiva do Juiz Presidente do Tribunal do Júri.
Entretanto, a sentença de pronúncia, depois da vigência da Lei 11.689/08, sofreu alterações no conteúdo de sua fundamentação. O artigo 413, § 1°, do Código de Processo Penal, passou a prever que "a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento".
Como se observa na redação do novo artigo, o magistrado ficou obrigado a fundamentar a inclusão das causas de aumento, não se fazendo qualquer distinção, na lei, entre as causas de aumento da parte geral ou especial, do Código Penal.
Pode ser inferido disso que, no caso de haver mais de um crime a ser remetido ao Tribunal do Júri, na vigência da nova sistemática processual, a sentença de pronúncia deve mencionar se os delitos ocorreram em concurso de crimes.
Tanto o concurso formal (artigo 70, do Código Penal) como a continuidade delitiva (artigo 71, do Código Penal) estão previstos na lei material como causas de aumento da parte geral do Código Penal. Sua inclusão na sentença de pronúncia não traria maiores problemas, diante do disposto no artigo 413, § 1°, do Código de Processo Penal.
Sem embargo, maiores esclarecimentos devem ser feitos com relação à menção ao concurso material de crimes (artigo 69, do Código Penal). Neste ponto, é oportuno dizer que a fundamentação da sentença é necessária tanto para inclusão, como para exclusão de causa de aumento, como reflexo da regra do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Portanto, na hipótese de restarem excluídas as regras dos artigos 70 e 71, do Código Penal, o juiz da pronúncia estaria automaticamente definindo a aplicação das regras de concurso material (artigo 69, do Código Penal) aos delitos, em caso de eventual condenação pelo Tribunal do Júri.
Seguindo o raciocínio lógico, parece que a Lei 11.689/08 introduziu a obrigatoriedade de o magistrado da pronúncia se manifestar sobre o concurso de crimes, seja este concurso material, formal ou continuidade delitiva.
Tal entendimento possibilitaria maior chance de defesa ao acusado, o qual poderia argüir a matéria em sede de recurso em sentido estrito (artigo 581, inciso IV, do Código de Processo Penal) interposto contra a decisão que pronunciar o réu.
Uma vez reconhecida, na fase de pronúncia, a incidência da continuidade delitiva ou do concurso formal, tais causas de aumento deverão ser questionadas aos jurados, como determina o artigo 483, § 3°, inciso II, do Código de Processo Penal, o qual preceitua que "decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre circunstâncias qualificadoras ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação".
A tese de que as regras de concurso de crimes são matérias de aplicação da pena – e por isso, questão adrede apenas ao magistrado que preside o julgamento perante o Tribunal do Júri – parece superada.
Sendo reconhecido, na sentença, o concurso formal ou a continuidade delitiva, deverá ser elaborado o respectivo quesito aos senhores jurados, até porque se trata de matéria que pode ser alegada pela defesa em benefício do réu. Afastada a aplicação das mencionadas causas de aumento, devolver-se-ia ao magistrado o poder de fixar a pena, seguindo os critérios jurídicos, ainda que seja aplicada norma mais rigorosa ao réu (artigo 69, do Código Penal).
Já na hipótese de ter sido reconhecido o concurso material na sentença, não sendo este causa de aumento de pena, não há obrigatoriedade de o magistrado elaborar quesito a respeito ao Conselho de Sentença. Neste caso, o magistrado, ao fixar a pena na sentença condenatória, deverá obrigatoriamente se prender às regras do artigo 69, do Código Penal, já que a sentença de pronúncia transitou em julgado neste ponto, havendo preclusão pro judicato. [02]
Entretanto, se houver pedido expresso da defesa em plenário, isso obrigará o magistrado a quesitar as teses da continuidade delitiva ou concurso formal, mesmo que já tenham sido afastadas pela sentença de pronúncia. Como já foi dito anteriormente, sendo as regras da continuidade delitiva e concurso formal mais benéficas ao réu do que a regra do concurso material, nada impede ao advogado do acusado que alegue tais teses em plenário, como consagração ao princípio da plenitude da defesa. [03]
Em resumo, havendo o reconhecimento, na pronúncia, das causas de aumento do artigo 70 e 71, do Código Penal, estas deverão ser submetidas à votação. No caso do concurso material (artigo 69, do Código Penal), existe a desnecessidade da elaboração de quesito a respeito, ficando o Juiz Presidente do Tribunal do Júri vinculado ao que restou decidido na sentença de pronúncia transitada em julgado, a não ser que alguma das partes alegue, em plenário, tese mais benéfica ao réu (concurso formal ou continuidade delitiva).
Notas
01 Neste sentido: "Não se incluem as circunstâncias genéricas de aumento ou diminuição da pena, isto é, as previstas na Parte Geral, que servem para auxiliar o juiz a fixar a pena e não a definir o tipo penal no qual está incurso o réu. Assim, evita-se na pronúncia a inclusão de agravantes, atenuantes e menções ao concurso de crimes. Nessa linha: TJSP: ‘A pronúncia não pode fazer referências ao art. 69 do Código Penal, que implica critério de fixação de penas, matéria desbordante dos limites deliberativos do Conselho de Sentença’ (RSE 285.914-3, Ribeirão Preto, 3ª C, rel. Luiz Pantaleão, 03.10.2000, v.u. JUBI 55/01)" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7ª edição: São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.008, pg. 708).
02 MARREY, Adriano; FRANCO, Alberto Silva, STOCO, Rui. Teoria e Prática do Júri. 7.ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.000, pg. 269.
03 Neste sentido: "Essa causa de aumento, que, na realidade, atua em benefício do acusado, pois evita a soma das penas, como ocorreria aplicando-se o concurso material, pode ser tese de defesa, merecendo, pois, ser questionada pelo juiz presidente aos jurados. Não se concebe a teoria de que é pura matéria de aplicação da pena, devendo ficar inteiramente ao critério do magistrado, uma vez que, no Tribunal do Júri, impera a soberania dos veredictos, bem como a plenitude da defesa, e todas as teses admissíveis em direito podem ser invocadas pelas partes. Note-se que o crime continuado é um fato a merecer a avaliação dos senhores jurados: houve ou não uma continuação na prática dos vários homicídios? Assim, em respeito à soberania dos veredictos e à plenitude de defesa, somos da opinião de que o juiz deve incluir o quesito pertinente à continuidade delitiva quando expressamente requerido por qualquer das partes." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pg. 815).