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A nova lei de estágio e os direitos fundamentais trabalhistas

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A Relação De Estágio Na Lei 11788/08

À primeira vista, poderia parecer que a aplicação direta dos direitos fundamentais na relação de trabalho em sentido amplo poderia tornar desnecessária a nova proteção infraconstitucional empreendida pela Lei 11788/08. Tal conclusão, porém, não pode ser extraída, uma vez que os níveis de concretização da constituição através da hermenêutica dos direitos fundamentais ainda não são capazes, no plano prático, de oferecer a devida proteção aos estagiários.

Estabelece a Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008 que o estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

Nos termos do art. 2º da Lei, o estágio pode ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso. O estágio obrigatório é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma. Por sua vez, estágio não-obrigatório é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.

Para que a relação de estágio não crie vínculo empregatício, deverão ser observados os requisitos insertos no art. 3º da Lei : I – matrícula e freqüência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino; II – celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino; III – compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso. Ademais, o estágio deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente.

Saliente-se que somente podem conceder estágio, nos termos do art. 9º da Lei 11788, as pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional.

É necessário que a parte concedente do estágio celebre termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento, oferte instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, indique funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até dez estagiários simultaneamente.

A parte concedente de estágio deverá ainda contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, além de entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho. Ainda, deverá manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio e enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de seis meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário.

Como inovação da lei, tem-se que a jornada de atividade em estágio não poderá ultrapassar, nos termos do art. 10, quatro horas diárias e vinte horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos ou seis horas diárias e trinta horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular. Em relação a essa jornada máxima, a própria lei excepciona, no § 1o do art 10, que o estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada de até quarenta horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino.

A duração do estágio, na mesma parte concedente, não poderá exceder dois anos, exceto quando se tratar de estagiário portador de deficiência.

Além da limitação da jornada de trabalho, a nova lei estabeleceu, no art. 12, a compulsoriedade da contraprestação, bem como do auxílio-transporte, na hipótese de estágio não obrigatório. Ainda,foi estabelecido, pelo art. 13, o período de recesso de 30 dias, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a um ano. Esse recesso deverá ser gozado preferencialmente durante suas férias escolares. Esse recesso é remunerado, quando o quando o estagiário receber bolsa ou outra forma de contraprestação, havendo ainda a proporcionalidade, nos casos de o estágio ter duração inferior a um ano.

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Aplica-se ao estagiário, ainda, nos termos do art. 14 da Lei 11788, a legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho, sendo sua implementação de responsabilidade da parte concedente do estágio.

Importante regra foi estabelecida no art. 17, referente à limitação do número de estagiários. Com efeito, o número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio deverá atender às seguintes proporções: de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário; de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários; de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários; acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários. Tal limitação, contudo, não se aplica aos estágios de nível superior e de nível médio profissional.


Considerações finais

A ampliação das relações de trabalho na atualidade chama a atenção para a necessidade de proteção das relações não propriamente empregatícias, mas de trabalho em sentido amplo.

Nesse sentido, a proposta de aplicação direta dos direitos fundamentais trabalhistas às relações de trabalho em sentido amplo vem ao encontro desta necessidade de maior proteção.

Porém, enquanto a hermenêutica constitucional não concretizar efetivamente os direitos trabalhistas insertos no art. 7º da Constituição Federal, são bem vindas as leis infraconstitucionais que visam a ampliar os direitos dos trabalhadores em sentido amplo, tal como a lei 11788/08.


Referências

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6 ed. Coimbra: Almedina, 2003.

GODOY, Dagoberto Lima. Reforma Trabalhista no Brasil: princípios, meios e fins. São Paulo: LTr, 2005.

LUÑO, Antônio-Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. 8.ed. Madrid: Tecnos, 2005

MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: Saraiva, 2004.

MOURA, Paulo C. A crise do emprego: uma visão além da economia. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Trad. Wagner Giglio. 3. ed. São Paulo: LTR, 2000.

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTR, 2005

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

______. O princípio da máxima efetividade e a interpretação constitucional. São Paulo: Ltr, 1999.

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil In: BARROSO, Luís Roberto (org). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 193-284.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.


Notas

  1. Segundo Moura , (1998, p.81-82 )a globalização leva por terra os limites tradicionais e demais formas de demarcação de áreas de interesse. Operacionalmente, a globalização permite uma grande agilidade na administração. Por outro lado, a força das empresas transnacionais é cada vez mais surpreendente.pois lideram o progresso tecnológico, comandam os processos de pesquisa e desenvolvimento, determinam o limite do acesso público às informações e capacidade de consumo. Segundo o autor, ainda, a globalização prejudica, muitas vezes, a sobrevivência da indústria nacional, que fica à mercê da competição desigual com certos países produtores. Por fim, destaca ainda que a globalização onera fortemente os trabalhadores, tirando-lhes ou reduzindo-lhes empregos e salários, criando o paradoxo da produção cada vez mais abundante de bens e serviços, a preços cada vez mais competitivos, mas tendo como resultado a drástica diminuição de empregos, o rebaixamento dos salários
  2. Atualmente, os serviços dominam todos os setores de produção econômica, que cada vez são mais dependentes de pesquisa e tecnologia, de controle de qualidade, de financiamentos seletivos, de qualidade dos serviços, de distribuição eficiente, enfim da qualidade da mão-de-obra refletida na qualidade total dos serviços. Outra modalidade de trabalho que vem assistindo a um grande crescimento ao longo dos últimos anos é a do teletrabalho, ou o trabalho realizado fora do escritório, por muitos conhecido também como "empresa virtual". Pelo lado do trabalhador, apresenta vantagens de economia do tempo gasto em locomoção da residência para o escritório ou fábrica, além de poder realizar suas atividades em casa, administrando o tempo disponível em conjunto com as atividades domésticas. Pelo lado da empresa, representa economia de instalações e material de consumo. (MOURA, 1998, p.44 )
  3. José Afonso da Silva (1998, p. 86-91) distingue as normas em eficácia plena, contida e limitada, as quais, por seu turno, se dividem em normas de princípio institutivo e de princípio programático. Segundo o autor, a norma constitucional de eficácia plena dispõe precisamente sobre a matéria que se trata, disciplinando a conduta positiva ou negativa a ser seguida. A aplicabilidade das normas constitucionais de eficácia plena é imediata, sendo desnecessária a e redundante a atividade do corpo legislativo ordinário. Tem os seguintes caracteres essenciais: a) contêm vedações ou proibições; b) conferem isenções, imunidades e prerrogativas; c) não designam órgãos ou autoridades especiais para execução do comando constitucional; d) não indicam procedimentos solenes para sua execução; e) não demandam do legislador ordinário. Já as normas de eficácia contida têm conteúdo que pode ser limitado pelo legislador ordinário, tendo os seguintes caracteres: a) são normas que, em regra, solicitam a intervenção do legislador ordinário, fazendo remissão a uma legislação futura. b) sua eficácia será plena enquanto não houver intervenção legislativa; c) são de aplicabilidade direta e imediata; d) alguma delas já contém um conceito ético judicizado; e) sua eficácia pode ser afastada pela incidência de outras normas constitucionais. Por sua vez, as normas de eficácia limitada são dispositivos que não se encontram à disposição do destinatário para, desde sua criação, regular o objeto sobre o qual versa o enunciado. As de princípio institutivo visam dar corpo a órgãos e instituições, e as de princípio programático são aquelas que evidenciam o caráter compromissório das Constituições modernas.
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Sobre a autora
Flávia Moreira Guimarães Pessoa

juíza do Trabalho em Aracaju (SE), coordenadora e professora da Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho, especialista em Direito Processual pela UFSC, mestre em Direito, Estado e Cidadania pela UGF, doutoranda em Direito Público pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A nova lei de estágio e os direitos fundamentais trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1918, 1 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11787. Acesso em: 26 abr. 2024.

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