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O Supremo Tribunal Federal e a contribuição previdenciária dos servidores inativos

03/10/2008 às 00:00
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O julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.105 e nº 3.128, nas quais foi declarada a constitucionalidade da cobrança da contribuição previdenciária dos servidores inativos, pode ser considerado o leading case do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do regime previdenciário do servidor público.

Até a EC nº 41/03, a taxação do servidor público inativo havia sido instituída pela Lei nº 9.783/99, que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 2.010, relator o Min. Celso de Melo, DJ de 12/4/2002.

Por ocasião do julgamento da ADI nº 2.010, o STF entendeu ser inconstitucional a instituição de contribuição previdenciária para o servidor público inativo. Isso porque o caput art. 40 da Constituição Federal, que dispõe sobre o regime previdenciário do servidor, utilizava-se da expressão "servidor ocupante de cargo efetivo".

Logo, os princípios do equilíbrio financeiro-atuarial que garantiriam a solvabilidade do regime voltavam-se apenas para os servidores ativos, aqueles que, a rigor, ocupavam cargo efetivo.

Excluíram-se, dessa forma, os servidores inativos da responsabilidade de arcar com eventuais déficits do regime previdenciário, em razão da ausência de suficiente matriz constitucional para a sua taxação.

Outros dois fundamentos essenciais para a declaração de inconstitucionalidade da taxação do servidor inativo, por ocasião do julgamento da ADI nº 2.010, foram os princípios da contributividade e da retributividade direta.

Segundo o parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição Federal, nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado ou majorado sem a correspondente fonte de custeio. Em uma via inversa, não se admite a majoração da fonte de custeio, com a criação ou incremento de alíquotas, sem a correspondente contrapartida, o aumento do benefício.

No caso da taxação do servidor inativo, este estaria sujeito a um incremento da contribuição sem a correspondente contrapartida, em uma quebra dos princípios da contributividade e da retributividade direta.

Vale ressaltar que o princípio da retributividade estrita em matéria previdenciária, expressamente consagrado no parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição, vem tendo o seu conteúdo reiteradamente esvaziado pelas inúmeras iniciativas normativas de aumento das fontes de custeio da seguridade social, sem o correspondente aumento dos benefícios ao qual o segurado do Regime Geral de Previdência Social faz jus.

Logo, a contribuição dos servidores públicos inativos não é um caso isolado de quebra desse princípio, mas acaba por inaugurar uma prática que viria a ser regra, nas relações entre o segurado e o Regime Geral de Previdência Social.

Esse aspecto foi ressaltado pelo Min. Carlos Ayres, no julgamento do RE nº 415.545, que versa sobre as correções das pensões por morte dos segurados do INSS, que traçou um quadro de todas as hipóteses de aumento das fontes de custeio da seguridade social, sem o correspondente aumento dos benefícios. Observe-se a tabela abaixo, extraída do acórdão do RE nº 415.454, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ. de 26.10.2007, à fl. 1131:

DIPLOMA

O QUE FEZ?

QUAL FOI O RESULTADO?

LC nº 84/1996, arts. 1º e 2º

Instituiu contribuição social de empresas e pessoas jurídicas outras (inclusive cooperativas em geral e cooperativas de trabalho)

Criação solitária de nova fonte de custeio da seguridade social

Lei Complementar nº 110/2001

Instituiu contribuições sociais devidas pelo empregador em caso de despedida de empregado sem justa causa

Criação solitária de nova fonte de custeio da seguridade social

Medida Provisória nº 2.158-35/2001 (alínea ''b'' do inciso II do art. 93)

Revogou totalmente a LC nº 85/1996, que concedia isenção de contribuições sociais previstas na LC nº 70/1991

Incremento solitário no custeio da seguridade social

Lei nº 10.684/2003, art. 22

Majorou a base de cálculo (de 12 para 32%) da contribuição social sobre o lucro líquido das empresas de que trata o inciso III do art. 15 da Lei nº 9.249/1995

Incremento solitário no custeio da seguridade social

Pode-se concluir que a garantia constitucional da fonte de custeio, como desdobramento do princípio da retributividade, no sentido hoje largamente difundido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, teve o seu significado, alcance e conteúdo modificado a partir da atuação legislativa e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A Emenda Constitucional nº 41/03 e o julgamento da ADI nº 3.105, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 18/2/2005, pelo Supremo Tribunal Federal podem ser considerados o marco inicial dessa virada interpretativa.

Com a Emenda Constitucional nº 41/03, o Poder Reformador procurou incorporar os fundamentos delineados no julgamento da ADI nº 2.010, de forma a contornar os óbices que a jurisprudência do STF havia imposto à taxação dos inativos, produzindo, dessa forma, a suficiente matriz constitucional.

As ingerências e pressões que o Poder Executivo exerce no Poder Judiciário são objeto de preocupação não apenas de juristas, mas ocupam a pauta dos noticiários sob vários rótulos, especialmente a judicialização da política, que via de regra deságua no ativismo judicial [1]. Nesse contexto, o conteúdo político das decisões do STF no controle concentrado de constitucionalidade, bem como o papel político por ele exercido não fica de fora desse acalorado debate [2].

O controle concentrado de constitucionalidade [3] desenvolve-se em um processo tipicamente objetivo, cuja caracterização foi paulatinamente construída pela jurisprudência do STF [4]. O processo objetivo denota-se pelo seu escopo de defesa da Constituição e de manutenção da ordem constitucional, o que pressupõe a inexistência de interesses subjetivos deduzidos à lide e a ausência de partes propriamente ditas e de contraditório.

Percebe-se o fluxo de pressão que o Poder Executivo exerce sobre o Poder Judiciário, especialmente sobre o STF, na medida em que fundamentos de ordem eminentemente econômica e administrativa são levados a cabo para justificar decisões judiciais, o que modernamente vem sendo denominado o pensamento jurídico do possível.

Contudo, no caso da taxação do servidor inativo, verifica-se o refluxo dessa pressão vinda do Poder Judiciário e incorporada pelos outros Poderes, no caso, o Poder Legislativo, em um movimento ínsito à harmonia entre os Poderes. Com efeito, a Emenda Constitucional nº 41/03 é um exemplo típico de absorção pelo Poder Legislativo, Poder Reformador, das balizas e diretrizes estabelecidas pelo Poder Judiciário, no caso, o STF. Portanto, o movimento de equilíbrio entre os Poderes exige fluxos e refluxos tanto do Poder Executivo em direção ao Poder Judiciário, quanto deste em direção àquele.

Nesse sentido, a EC nº 41/03 forneceu a matriz constitucional suficiente para a taxação dos servidores públicos inativos, mediante a introdução, no caput do artigo 40, da expressão "e inativos", e do princípio da solidariedade. O princípio da solidariedade foi o principal fundamento para que o STF, por ocasião do julgamento da ADI nº 3.105, declarasse a constitucionalidade da taxação do servidor inativo.

Caso paradigmático, o julgamento da ADI nº 3.105 assentou a constitucionalidade da contribuição dos servidores inativos. Nessa ocasião, o STF entendeu que o princípio da solidariedade, introduzido no caput do art. 40 da CF, pela EC nº 41/03, autorizava a instituição da contribuição dos servidores inativos, em prol da solvabilidade do sistema previdenciário do servidor, atendendo-se ao equilíbrio financeiro-atuarial.

De outro turno, foi feita uma releitura do princípio da retributividade direta (§ 5º do art. 195 da CF). Conforme já destacado, o STF, por ocasião do julgamento da ADI nº 2.010, entendera que da mesma forma que não se admitia o incremento de benefício sem a correspondente fonte de custeio, não haveria de se admitir o incremento da fonte de custeio sem o incremento de benefício (em uma via dupla).

Já por ocasião do julgamento da ADI nº 3.105, o STF entendeu que o princípio da retributividade direta garante, apenas, o não incremento do benefício sem a correspondente fonte de custeio, e não o inverso. É como se as fontes de custeio pudessem ser majoradas indefinidamente, com vistas impedir eventual insolvabilidade do sistema, tudo em prol de uma solidariedade universal.

Além desse aspecto que introduziu uma modificação na leitura do princípio constitucional da retributividade em um típico caso de mutação constitucional provocada pela sua interpretação jurisprudencial [5], vale destacar o perfil aditivo da decisão do Supremo Tribunal Federal que introduziu no ordenamento jurídico constitucional uma baliza exatoria diferente da fixada na Emenda Constitucional nº 41/03.

Isso porque a EC nº 41/03, em seu artigo 4º, previa:

"Art. 4º Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere:

I - cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União."

Já o parágrafo 18 do artigo 40 da Constituição, com a redação prevista pela EC nº 41/03, previa:

"§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos."

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A norma constitucional previa três faixas de não incidência de contribuição previdenciária para o servidor inativo (limite remuneratório a partir do qual passaria a incidir a contribuição previdenciária), uma para o servidor que se aposentasse de acordo com a regra geral fixada no artigo 40 da Constituição (igual ao limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS), outra par ao servidor dos Estados, Distrito Federal e Municípios (equivalente a 50% do limite máximo dos benefícios do RGPS) e uma última para os servidores da União (que equivaleria a 60% do limite máximo dos benefícios do RGPS).

O Supremo Tribunal Federal entendeu que a distinção de faixas de não incidência de contribuição previdenciária entre servidores inativos violava frontalmente o princípio da isonomia. Logo, como solução constitucionalizante, declarou a inconstitucionalidade dos incisos I e II do artigo 4º da EC nº 41/03, nos seguintes termos:

"Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões "cinquenta por cento do" e "sessenta por cento do", constante do art. 4º, § único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", constantes do § único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda." [6]

De acordo com a interpretação do STF, todos os servidores públicos, independentemente da esfera à qual estavam vinculados e do modelo de aposentação (se regra geral ou regra de transição), estariam sujeitos à mesma faixa de isenção previdenciária, a saber, a regra geral fixada no artigo 40 da Constituição Federal.

O precedente da ADI nº 3.105, de 2005, mostra-se como um autêntico caso de ativismo judicial na medida em que o STF atuou não apenas como legislador negativo, ao declarar a inconstitucionalidade das expressões cinqüenta por cento e sessenta por cento nos incisos do artigo 4º da EC nº 41/03, mas como se legislador fosse, ao igualizar os parâmetros contributivos entre todos os servidores inativos, inovando no modelo contributivo previsto pelo poder constituinte reformador.

Esse entendimento foi, em um primeiro momento, favorável, na medida em que submeteu todos os servidores públicos a faixas mais amplas de não incidência de contribuição previdenciária.

Contudo, para além desse aspecto mediato, há um desdobramento extremamente prejudicial aos direitos e garantias fundamentais, não apenas dos servidores, mas de todos os cidadãos que estão sujeitos à voracidade da atividade tributária do Estado. Na medida em que a exação previdenciária[7] não conhece limites em uma contrapartida estatal direta e específica - no caso da exação de contribuições, cujo caráter assemelha-se ao da taxa, em uma vinculação direta entre recolhimento e benefício - as contribuições poderão ser instituídas a bel prazer do Fisco, sem nenhuma repercussão em benefícios, com fundamento único na solidariedade do sistema, em prol da sua solvabilidade. Fica institucionalizada a possibilidade do confisco, vedada pela Constituição.


Notas

[1] Sobre o tema, vide artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, do dia 14.5.2008, "Ativismo judicial: é sempre legítimo?", do Deputado Maurício Rands, líder do Governo na Câmara.

[2] COELHO, Inocêncio Mártires. Constitucionalidade/Inconstitucionalidade: uma questão política?, Revista Jurídica, vol. 2, n. 13, junho/1999, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_13/ques_politica.htm, acesso de 4.6.2008.

[3] No presente artigo, entende-se por controle concentrado de constitucionalidade aquele exercido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (inclusive por omissão), da ação declaratória de constitucionalidade e da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

[4] STF: Representação nº 1.016 e nº 1.405 e Ação Rescisória 878.

[5] DAU-LIN, Hsü. Mutación de La Constituición, Instituto Vasco de Administración Pública: Bilbao, 1998, p. 31.

[6] ADI 3.105, disponível em http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(ADI$.SCLA.%20E%203105.NUME.)%20OU%20(ADI.ACMS.%20ADJ2%203105.ACMS.)&base=baseAcordaos, acesso de 02.09.2008.

[7] Nesse ponto, é importante lembrar que doutrina e jurisprudência sempre distinguiram a exação previdenciária dos demais tributos, conferindo-lhe um caráter mais aproximado das taxas (vinculação) e não de impostos (não vinculados).

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Sobre a autora
Damares Medina

Advogada, mestre em Direito e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA, Damares. O Supremo Tribunal Federal e a contribuição previdenciária dos servidores inativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1920, 3 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11797. Acesso em: 6 out. 2024.

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