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Prescrição disciplinar: uma abordagem didática, com base na jurisprudência

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20/10/2008 às 00:00
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Analisa-se a forma de cômputo da prescrição disciplinar, o momento da interrupção da prescrição e a possibilidade de prescrição antes e depois da instauração de sindicância ou processo administrativo.

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar as normas que regem a prescrição da ação disciplinar, detalhando-se o artigo 142 da Lei nº 8.112/90, com auxílio de farta jurisprudência. Analisa-se, didaticamente, a forma de cômputo da prescrição disciplinar, o momento da interrupção da prescrição e a possibilidade de prescrição antes e depois da instauração de sindicância disciplinar ou processo administrativo disciplinar. Também são abordados em detalhes alguns casos especiais, como a hipótese de crime, a prescrição do abandono de cargo, a suspensão do curso da prescrição e o reflexo da declaração de nulidade de PAD na prescrição. Finalmente, resumem-se as principais teses deste artigo

Palavras-chave: Lei nº 8.112/90. Artigo 142. Prescrição Disciplinar. Conhecimento do Fato.Prescrição Penal. Abandono de Cargo. Suspensão da Prescrição. Nulidade.


Introdução

O estudo da prescrição disciplinar é fundamental, já que a prescrição da ação disciplinar acarreta a extinção da punibilidade. Neste artigo, será abordado em detalhes o cômputo da prescrição disciplinar, de uma maneira didática, esmiuçando-se a análise do artigo 142 da Lei nº 8.112/90, socorrendo-se, sempre que possível, da jurisprudência, de modo a ratificar as teses aqui esposadas.

Para tanto, inicialmente são tecidas breves considerações a respeito dos fundamentos da prescrição disciplinar. Em seguida, são apresentados os principais conceitos relacionados com a fluência do prazo prescricional: a interrupção da prescrição e a possibilidade de prescrição antes e depois da instauração de sindicância disciplinar ou processo administrativo disciplinar. Após, estudam-se alguns casos especiais de prescrição, como a hipótese de crime, a prescrição do abandono de cargo, a suspensão do curso da prescrição e o reflexo da declaração de nulidade de PAD na prescrição, entre outros. Por fim, conclui-se resumindo as principais idéias deste artigo.

Registre-se que os artigos citados, quando não informada a lei, referem-se à Lei nº 8.112/90.


1.Fundamentos da Prescrição

A prescrição acarreta a extinção da punibilidade, restando à Administração Pública apenas o registro do fato nos apontamentos do servidor, conforme o comando do artigo 170 [01]. Além disso, de acordo com o artigo 112 [02], ainda que não suscitada pela defesa, a prescrição deve ser declarada de ofício pela autoridade julgadora. Este também é o entendimento de Guimarães (2006, p. 186):

No Direito Administrativo, a prescrição é de ordem pública – art. 112 da Lei nº 8.112/90 e, como tal, deve ser conhecida e declarada pelo julgador, independentemente de provocação da parte interessada, não podendo ser relevada pela administração.

No entanto, o objetivo da prescrição não é proteger o servidor faltoso, mas evitar que a apuração disciplinar se prolongue indefinidamente. De acordo com Costa (2006, p. 245):

Por conseguinte, infere-se que o instituto da prescrição disciplinar se propõe a realizar três escopos fundamentais, a saber:

a) forçar os dirigentes públicos para que responsabilizem o mais rápido possível o servidor faltoso, a fim de que a regularidade volte logo ao seu leito de normalidade;

b) pacificar a certeza e segurança das relações jurídicas entre a administração e o seu funcionário, evitando, assim, que fique o infrator disciplinar intranqüilo pelo resto de sua vida funcional;

c) desencorajar a negligência dos chefes hierárquicos, com vistas a tornar o serviço público o mais eficiente possível.

Não devem, pois, os operadores do direito (advogados, administração, juízes e outros) se arredar dos objetivos mencionados e se aproximar de vetustos preconceitos que, estigmatizando os servidores públicos, vejam a prescrição da falta disciplinar exclusivamente como um privilégio ilegítimo e odioso.

A penalidade prescrita não pode ser utilizada para efeito da reincidência regida pelo artigo 130 [03]. Entretanto, aquelas penalidades prescritas que foram registradas nos assentamentos funcionais, de acordo com o já citado artigo 170, caso ainda não tenham tido seu registro cancelado pelo comando do artigo 131 [04], devem ser consideradas como antecedente funcional, para efeito do artigo 128 [05].

Destaque-se que a prescrição disciplinar é matéria afeta à autoridade julgadora e, portanto, somente pode ser declarada por ocasião do julgamento. Caso seja alegada pelo acusado em sua peça de defesa, poderá ser abordada pela comissão de inquérito no relatório final, mas apenas de forma condicional. Nesse sentido já se pronunciou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio do Parecer PGFN/CDI/N° 1497/2005, verbis:

11. Em relação à prescrição temos que o servidor público acusado se defende dos fatos a ele atribuídos e não propriamente da capitulação legal conferida pela Comissão Processante. O Processo Administrativo Disciplinar previsto na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, apresenta 3 (três) fases distintas: instauração, inquérito administrativo e julgamento. Esta observação tem sentido na medida em que não se pode declarar antecipadamente a suposta prescrição de uma penalidade sem que antes se percorra todo o trâmite legal e, por fim, a autoridade competente, se for o caso, pode declarar prescrita a pretensão punitiva, determinando o registro nos assentos funcionais do respectivo servidor, conforme dispõe o art. 170 do referido diploma legal.

........................................................................................................................................

13. Daí porque somente é possível reconhecer a extinção da pretensão executória por ocasião do julgamento, quando a autoridade julgadora poderá mudar a capitulação legal da conduta, aplicando a penalidade mais adequada para o caso concreto, conforme dispõe a Lei nº 8.112 de 1990. (grifo nosso)


2.Interrupção da Prescrição pela Instauração de PAD

A prescrição da ação disciplinar é regida pelo artigo 142:

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.

§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

§ 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

§ 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

§ 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.

Em rápida análise, verifica-se que há três prazos distintos de prescrição, diretamente relacionados com as respectivas penalidades, de forma que quanto mais grave a penalidade, maior é o prazo de prescrição. Assim, a penalidade mais branda (advertência) prescreve em 180 dias. A penalidade de grau médio (suspensão) prescreve em 2 anos. E as penalidades graves (demissão e demais penas expulsivas) prescrevem em 5 anos.

Além disso, de acordo com o § 3º do artigo 142, a instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar – PAD interrompe a prescrição. Desta forma, tem-se a delimitação de dois momentos em que a punibilidade pode ser consumida pela prescrição:

-Antes da instauração de sindicância ou PAD; e

-Depois da instauração de sindicância ou PAD.

E como o instituto utilizado pelo § 3º do artigo 142 foi o da "interrupção", o prazo de prescrição recomeça a correr (do zero) depois da instauração, após um período determinado (que será analisado adiante), conforme a figura a seguir [06]:

, e não o procedimento meramente apuratório e esclarecedor de fatos, desprovido do contraditório e da ampla defesa e que não dispensa a posterior instauração do processo administrativo. [...] (grifo nosso)

AgRg no MS Nº 13.072 RELATOR : FELIX FISCHER

EMENTA: [...] I - A sindicância só interromperá a prescrição quando for meio sumário de apuração de infrações disciplinares que dispensam o processo administrativo disciplinar. Quando, porém, é utilizada com a finalidade de colher elementos preliminares de informação para futura instauração de processo administrativo disciplinar, esta não tem o condão de interromper o prazo prescricional para a administração punir determinado servidor, até porque ainda nesta fase preparatória não há qualquer acusação contra o servidor. Precedente. (grifo nosso)

Analogamente, outros procedimentos investigativos não contraditórios, como a auditoria correcional e a investigação disciplinar, também não interrompem a contagem da prescrição. Assim, apenas os procedimentos de apuração que têm a capacidade de infligir penalidade ao servidor e que, portanto, devem respeitar os princípios da ampla defesa e do contraditório, são causas interruptivas da prescrição.

Registre-se que a interrupção da prescrição dá-se apenas uma vez, ainda que a comissão de sindicância disciplinar ou de PAD seja reconduzida diversas vezes até a apresentação do relatório final. Ainda, se em decorrência de uma sindicância disciplinar, que, conforme já explanado, interrompeu o fluxo da prescrição, for instaurado um PAD, não haverá nova interrupção da prescrição. Nesse sentido também é a manifestação da Advocacia-Geral da União – AGU:

Parecer AGU GQ-144 (não vinculante):

7. Em harmonia com os aspectos de que o art. 142 destina-se a beneficiar o servidor e o respectivo instituto da prescrição objetiva imprimir estabilização às relações que se estabelecem entre a Administração e os servidores públicos, obstando que se perpetue a viabilidade da sanção disciplinar, é válido asserir que:

a) a interrupção do curso do prazo prescricional, como estatuída no § 3º, ocorre uma só vez quanto ao mesmo fato. Na hipótese em que a comissão não tenha concluído seus trabalhos no prazo estipulado e, por esse motivo ou outro qualquer, imponha-se a continuidade da investigação, a instauração de outro processo não terá o condão de novamente interromper o prazo prescricional; (grifo nosso)


3.Prescrição Antes da Instauração do PAD

A prescrição disciplinar antes da instauração do PAD foi separada em duas modalidades por Costa (2006): prescrição disciplinar direta (p. 121) e prescrição disciplinar retroativa (p. 129):

Feitos esses esclarecimentos propedêuticos, passa-se, então, ao exame da modalidade de prescrição disciplinar direta. Esta se define como a perda, por parte da administração, do direito de punir disciplinarmente o servidor faltoso, em razão de haver, antes mesmo da instauração do procedimento respectivo (sindicância, processo disciplinar sumário ou ordinário), decorrido determinado lapso de tempo previsto na norma aplicável. (grifo nosso)

Assim, a prescrição retroativa disciplinar se caracteriza quando se conclui que, após a realização dos trabalhos investigatórios, a pena concreta a ser imposta ao servidor já havia sido alcançada pelo lapso prescricional ocorrido entre o dia da ciência do fato e a data em que a respectiva portaria instauradora fora oficialmente publicada. (grifo nosso)

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A decisão de instaurar ou não um processo cuja penalidade, em tese, já teria sido alcançada pela prescrição é controversa. No entanto, caso o processo não tenha sido deflagrado, ainda que motivado pelo fato da autoridade instauradora ter vislumbrado eventual prescrição da penalidade mais gravosa, entendemos que não há que se falar em prescrição no sentido estrito, já que neste caso não houve apuração e nem se cogita de proceder ao registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.

O caso mais usual de prescrição antes da instauração do PAD é aquele que Costa denominou "prescrição retroativa", na qual, ao final da apuração disciplinar, a autoridade julgadora verifica que a penalidade que seria infligida ao servidor foi alcançada pela prescrição antes mesmo da instauração do processo. Devido ao fato da eventual prescrição ser conhecida apenas após o julgamento do PAD, Teixeira a chamou de "prescrição em perspectiva".

A principal controvérsia com relação à prescrição antes da instauração do PAD diz respeito ao § 1º do artigo 142: "O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido". A lei estabeleceu que o prazo de prescrição da ação disciplinar, diferentemente da regra geral do Direito Penal, se inicia na "data em que o fato se tornou conhecido". No entanto, não está expresso na Lei nº 8.112/90, e nem ao menos indicado, por quem o fato deveria ser conhecido para deflagrar a contagem do prazo prescricional.

A AGU já abordou a matéria no Parecer AGU GQ-55, aprovado pelo Exmo. Sr. Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União e, portanto, vinculante para todos os órgãos da Administração Pública Federal. Neste Parecer, cujo cerne não era analisar o § 1º do artigo 142, mas sim identificar a norma aplicável à contagem do prazo prescricional por infração cometida ainda sob a vigência da Lei nº 1.711/52, mas apurada já depois da entrada em vigor do atual Estatuto (Lei nº 8.112/90), a AGU manifestou entendimento de que o termo inicial da prescrição somente se configura com o conhecimento de suposta irregularidade especificamente pela autoridade competente para instaurar o feito disciplinar, in verbis:

A inércia da Administração somente é suscetível de se configurar em tendo conhecimento da falta disciplinar a autoridade administrativa competente para instaurar o processo

. Considerar-se a data da prática da infração como de início do curso do lapso temporal, independentemente do seu conhecimento pela Administração, sob a alegação de que a aplicação dos recursos públicos são objeto de auditagens permanentes, beneficiaria o servidor faltoso, que se cerca de cuidados para manter recôndita sua atuação anti-social, viabilizando a mantença do proveito ilícito e a impunidade, bem assim não guardaria conformidade com a assertiva de que a prescrição viria inibir o Estado no exercício do poder-dever de restabelecer a ordem social, porque omisso no apuratório e apenação. (grifo nosso)

Na jurisprudência do STJ, apenas o acórdão do MS 11974 (que será visto adiante) analisou a questão com mais profundidade, chegando a conclusões diversas. O restante dos julgados do STJ acompanha o entendimento da AGU:

STJ MS 6547 (DJ: 23/04/2001) Relator: Felix Fischer

Voto: [...] Ocorre que, conforme dispõe o §1º do art. 142 acima indicado, o prazo começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. Em vista dessa disposição expressa, não se pode considerar como dies a quo do lapso prescricional o dia em que foi concedido o benefício, porque nessa ocasião não foi constatada ainda a infração. In casu, deve-se considerar como o momento em que se tomou conhecimento da infração a data em que a autoridade competente para instaurar o processo soube da falta disciplinar, [...] (grifo nosso)

STJ MS 8251 (DJ: 14/04/2003) Relator: Jorge Scartezzini

Ementa: [...] 1 - Não há que se falar em ocorrência da prescrição da pretensão punitiva disciplinar, tendo em vista que o prazo prescricional começou a fluir do momento em que a Administração tomou conhecimento da infração; no caso, da data em que a autoridade competente para instaurar o processo soube da falta disciplinar. [...] (grifo nosso)

STJ MS 8595 (DJ: 07/04/2003) Relator: Felix Fischer

Voto: [...] Ocorre que, conforme dispõe o § 1º do art. 142 acima indicado, o prazo começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. Em vista dessa disposição expressa, não se pode considerar como dies a quo do lapso prescricional o dia em que foi concedido o benefício ou praticados os atos que ensejaram a sua cassação, porque nessa ocasião não foi constatada ainda a infração. In casu, deve-se considerar como o momento em que se tomou conhecimento da infração a data em que a autoridade competente para instaurar o processo soube da falta disciplinar, em 10/04/2001 (fls. 43 e 51/52). Nesse sentido é a lição de FRANCISCO XAVIER DA SILVA GUIMARÃES (Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União, Forense, 1998, p. 165): "Com efeito, se a prescrição extingue o direito de punir administrativamente, em razão de decurso de prazo legal, por inércia ou negligência, só se caracterizará a partir do conhecimento da falta disciplinar, pela autoridade competente para instaurar o processo" (grifo nosso)

STJ MS 8998 (DJ: 09/12/2003) Relator: Gilson Dipp

Ementa: [...] V- Consoante entendimento jurisprudencial e nos termos do art. 142 e parágrafos da Lei nº 8.112/90, não há a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva da Administração se entre a data do conhecimento do fato pela autoridade competente e a da instauração do processo administrativo disciplinar contra o servidor não houve o transcurso de mais de cinco anos. IV - Ordem denegada.

Voto: [...] Na presente hipótese, consoante se verifica nos documentos acostados pelo impetrante, bem como nas informações prestadas, a autoridade competente para a instauração da ação disciplinar somente tomou conhecimento da existência de irregularidades em janeiro de 2003 (fl. 191). O processo administrativo disciplinar foi instaurado em março de 2003, sendo publicada a Portaria constituindo a Comissão processante para a apuração das denúncias. (grifo nosso)

Assim, entende-se que, nos casos em que a competência correcional insere-se na via hierárquica, o início do fluxo prescricional se configura na data em que a autoridade competente para instaurar a ação disciplinar, em geral o titular em exercício do órgão ou unidade, teve conhecimento do fato.

Entretanto, esta não é mais a realidade corrente na maioria das repartições públicas, em que a competência para apuração de irregularidades foi deslocada para uma unidade específica dentro da estrutura do órgão público, em geral denominada de Corregedoria.

Desta forma, torna-se por demais draconiano o entendimento de que, mesmo que o titular do órgão tenha conhecimento do fato, o prazo prescricional ainda não estaria correndo, uma vez que o responsável pela apuração disciplinar (a unidade de Corregedoria) ainda não teria conhecimento do fato. Some-se a isto o fato da prescrição ser de ordem pública, devendo ser regulada por lei e, também, que o estabelecimento das estruturas de Corregedoria normalmente se dá por norma infra-legal (Decretos ou Portarias), ter-se-ia uma interpretação extremamente restritiva para o início da contagem da prescrição em função de atos normativos sem força de lei, numa interpretação por extensão ou analogia do Parecer AGU GQ-55.

Então, ainda que as competências para instaurar sindicâncias disciplinares ou processos disciplinares tenham sido retiradas dos titulares de órgãos ou unidades, em função da existência de uma unidade de Corregedoria, estes dirigentes mantêm o poder-dever de promover a apuração imediata de irregularidades cometidas por servidor lotado em sua repartição, ainda que de forma indireta, comunicando à autoridade competente para apuração. Não agindo dessa maneira, entende-se que o chefe da unidade estaria caracterizando a inércia da Administração.

Assim, entende-se que, nos casos em que a competência correcional foi deslocada para uma unidade de Corregedoria, o início do fluxo prescricional também se configura na data em que o titular em exercício do órgão ou unidade teve conhecimento do fato.

Obviamente, esta interpretação não prejudica a configuração do termo inicial da prescrição na hipótese em que a primeira autoridade a saber do fato já é exatamente a autoridade competente na esfera disciplinar.

Este entendimento se harmoniza com a decisão proferida no MS 11974, que, como já dito anteriormente, analisou a questão com mais profundidade:

STJ MS 11974 (DJ: 07/05/2007) Relator: Laurita Vaz

Ementa: 1. O art. 142, § 1.º, da Lei n.º 8.112/90 – o qual prescreve que "O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido"–, não delimita qual autoridade deverá ter obtido conhecimento do ilícito administrativo. Dessa forma, não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não o fez. [Trecho do Voto: "Desta forma, é equivocada a conclusão do Parecer-AGU GQ-55] 2. Ademais, consoante dispõe o art. 143 da Lei n.º 8.112/90, qualquer autoridade administrativa que tomar conhecimento de alguma irregularidade no serviço público deverá proceder à sua apuração ou comunicá-la à autoridade que tiver competência para promovê-la, sob pena de responder pelo delito de condescendência criminosa. 3. Desse modo, é razoável entender-se que o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à apuração de infrações puníveis com demissão ou cassação de aposentadoria, comece a correr da data em que autoridade da Administração tem ciência inequívoca do fato imputado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento das irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar. 4. Na hipótese, admitida a ciência das irregularidades, pelo Superintendente Regional do INCRA, em maio de 1995 e sendo de 5 (cinco) anos o prazo para o exercício da pretensão punitiva do Estado, nos termos do art. 142, inciso I, da Lei n.º 8.112/90, resta configurada a prescrição, já que o processo administrativo disciplinar que culminou com a aplicação da pena de cassação de aposentadoria do ora Impetrante foi instaurado apenas em 28/03/2005. 5. Segurança concedida. (grifo nosso)

Como último elemento relacionado com a autoridade que configuraria o conhecimento do fato, tem-se a competência, em tese residual, para instauração de processos disciplinares no âmbito da Administração Pública Federal pela Controladoria-Geral da União – CGU, em função do artigo 20, § 5º, da Lei n° 10.683/2003, combinado com o art. 4º, inciso VIII, do Decreto n° 5.480/2006.

Desta forma, tratando-se a prescrição da forma mais conservadora possível, a data do conhecimento do fato por um dos componentes do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal seria também o início do fluxo prescricional, conforme Teixeira:

Por conta dessa coexistência e pela impossibilidade de termos dois prazos de prescrição para apenas um fato ilícito, vale consignar que se deve considerar o marco inicial da fluência do prazo prescricional a data em que o fato se tornou conhecido pela primeira dessas duas entidades competentes, seja ela a autoridade competente pela via hierárquica ou pela previsão regimental (nos casos da existência de unidade de Corregedoria), seja ela a Controladoria-Geral da União, por um de seus órgãos componentes do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal. (grifo nosso)

Uma outra questão, ainda relacionada ao conhecimento do fato, diz respeito à forma que pode se dar este conhecimento. O mais usual é, evidentemente, a comunicação formal, por escrito ou por meio eletrônico, oriunda de representações ou denúncias ou, ainda, de atividades investigativas que em geral redundam em uma destas formas, como um Relatório de Auditoria ou Correição, por exemplo. Nesse sentido, confiram-se os julgados a seguir:

STJ MS 8259 (DJ: 17/02/2003) Relator: Hamilton Carvalhido

Ementa: [...] 11. Os fatos atribuídos ao impetrante, apesar de terem sido praticados há vários anos, só foram conhecidos pela Administração Pública após a conclusão do Relatório de Correição nº 016/2001, em 27 de abril de 2001. A portaria instauradora do processo administrativo disciplinar (Portaria Conjunta nº 50) foi publicada em 19 de outubro de 2001, interrompendo o curso da prescrição, [...]. (grifo nosso)

STJ MS 12533 (DJ: 01/02/2008) Relator: Arnaldo Esteves Lima

Ementa: [...] 2. No tocante à prescrição, a Administração tomou conhecimento dos supostos ilícitos disciplinares em junho de 2000, quando sobreveio relatório da equipe de auditoria do INSS. Por meio da Portaria/INSS/CORRGOI nº 479, de 18/10/04, foi instaurado o processo administrativo disciplinar, oportunidade em que houve interrupção do prazo prescricional. A contagem voltou a ter curso por inteiro após 140 (cento e quarenta) dias da abertura dos trabalhos, conforme orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. Assim, não houve a prescrição da pretensão punitiva do Estado, porquanto o ato de demissão da impetrante foi publicado no Diário Oficial de 1º/12/06. [...] (grifo nosso)

Entretanto, algumas outras formas também devem ser consideradas. Costa (2006, p. 201) discorre com propriedade sobre o conhecimento dos fatos por meio da mídia, no caso dos chamados "fatos notórios":

Notícias sobre corrupção e improbidade política e administrativa, caindo assim no domínio do conhecimento comum da comunidade nacional, e às vezes internacional, chegam a configurar o conceito jurídico de fato notório. E, por isso mesmo, não deixam margem para que as autoridades administrativas das repartições referentes justifiquem as suas omissões sob o pretexto de que desconheciam tais denúncias. Posto que o notório se define como público e do domínio de todos, não mais assiste razão à autoridade administrativa que, sob qualquer pretexto, queira delas se esquivar. Isso porque tais matérias, uma vez veiculadas em jornais, revistas, rádio, televisão e outros meios de comunicação social, não podem mais ser desconhecidas da administração. Principalmente quando tais irregularidades, no todo ou em parte, tenham tido como cenáculo o próprio interior das repartições públicas. (grifo nosso)

Por fim, deve-se levar em consideração, ainda, que o fato pode se tornar conhecido durante o curso de um PAD instaurado para apurar outras irregularidades e, nesse caso, a data de conhecimento do fato será posterior inclusive à instauração do processo disciplinar, não havendo que se falar em prescrição antes da instauração, conforme já asseverou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio do Parecer PGFN/CDI/N° 27/2005, verbis:

16. Não assiste razão ao indiciado ao sustentar a prescrição da ação disciplinar, em virtude do transcurso de quase doze meses, entre a data do fato investigado, ocorrido no dia 31 de julho de 2000, e a efetiva instauração do processo, materializada por meio da Portaria publicada no dia 13 de julho de 2001.

17. A Administração somente teve conhecimento da infração disciplinar praticada pelo indiciado no dia 21 de setembro de 2001, data em que ele prestou seu primeiro depoimento à Comissão de Inquérito e no qual admitiu que se ausentou do seu posto de trabalho durante o expediente sem comunicar à sua chefia imediata, [...]

Concluindo, para que a autoridade instauradora garanta que nenhuma penalidade seja fulminada pela prescrição antes de instaurar a apuração disciplinar, a instauração deve ser publicada em até 180 dias da data do conhecimento do fato.

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Sobre o autor
Nelson Rodrigues Breitman

Especialista em Direito Disciplinar pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, lotado na Corregedoria-Geral há mais de cinco anos, onde já exerceu o cargo de Chefe da Divisão de Ética e Disciplina. Coordenador e instrutor da matéria Direito Disciplinar do Curso de Formação para Auditores-Fiscais e Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil. Instrutor de cursos de Processo Administrativo Disciplinar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BREITMAN, Nelson Rodrigues. Prescrição disciplinar: uma abordagem didática, com base na jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1937, 20 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11800. Acesso em: 2 mai. 2024.

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