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A inconstitucionalidade e a ilegalidade da exigência de certidão de conclusão do curso de direito no ato de inscrição para o Exame de Ordem

03/10/2008 às 00:00
Leia nesta página:

1. Introdução

Se há um tema importante e polêmico nos dias atuais é o exame de ordem. Isto porque, com a promulgação do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB (Lei 8.906 de 04 de julho de 1994), a aprovação no Exame tornou-se requisito necessário à inscrição como advogado nos quadros da OAB, e conseqüentemente, para o exercício da advocacia em nosso país.

O exame tem divido opiniões no cenário político, jurídico e social brasileiro, já que há quem defenda que o exame de proficiência deve ser estendido a todos os acadêmicos do Brasil, independentemente do curso superior, mas há também quem vislumbre a desnecessidade de se aplicar tais exames aos bacharéis, tendo em vista que o Ensino Superior já sofre avaliações por meio do ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), prova aplicada pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) para avaliar a qualidade do nível superior no Brasil.

Independente da questão existente de ser ou não necessário o exame de proficiência para o exercício profissional, certo que, para o exercício da advocacia, a aprovação no exame é obrigatória.

Surge então a indagação: quais pessoas estão legitimadas a realizar o exame de proficiência da OAB?

Os mais apressados certamente já responderam que somente poderão realizar o exame os bacharéis em direito. Mas para responder a esta indagação deve ser analisada e interpretada as normas jurídicas existentes no Brasil sob o tema.


2. Violação a legalidade e ao livre exercício profissional

O Estatuto da Advocacia e da OAB, no artigo 8º, institui, entre outros requisitos, a necessidade de aprovação em exame de ordem para inscrição como advogado.

De acordo com o § 1º do mesmo artigo, o exame de ordem deve ser regulamentado por meio de provimento do Conselho Federal da OAB.

Atualmente, é o Provimento 109 de 05 de dezembro de 2005 que regulamenta o exame de ordem. O seu art. 2º aparentemente responde a indagação acima, in verbis:

"Art. 2º O Exame de Ordem é prestado pelo bacharel em Direito, formado em instituição reconhecida pelo MEC, na Seção do Estado onde concluiu seu curso de graduação em Direito ou na de seu domicílio eleitoral.

§ 1º Poderá ser deferida a inscrição do concluinte do curso de Direito, em instituição reconhecida pelo MEC, desde que o candidato:

I - comprove, mediante certidão expedida pela instituição de ensino, que concluíra o curso;

II - comprove que a formatura fora marcada para data posterior à de realização do Exame de Ordem;

III - assine compromisso dando ciência de que somente receberá o certificado de comprovação do Exame de Ordem com a formatura."

§ 2º É facultado aos bacharéis em direito que exercerem cargos ou funções incompatíveis com a advocacia prestar Exame de Ordem, mesmo estando vedada sua inscrição na OAB.

Deste modo, apenas os bacharéis em direito e os concluintes do curso que comprovarem o término da graduação estão aptos a realizarem o exame.

Ocorre que o artigo 2ª do provimento supracitado fere os princípios constitucionais do livre exercício profissional e da legalidade.

O art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) estabelece que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;"

Este dispositivo é claro ao normatizar que apenas a lei pode estabelecer restrições à liberdade de trabalho, ofício ou profissão.

Por outro lado, a CRFB/88, no mesmo rol de direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, positivou, no inciso II, o princípio da legalidade, segundo o qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

No que diz respeito à competência para legislar sobre trabalho, ofício ou profissão, a CRFB/88 estabelece no seu art. 22, XVI ser privativa da União dispor sobre "a organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;"

A lei que deve ser observada, no caso, é a Lei Ordinária n.º 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.

Este estatuto prevê, de forma expressa em seu artigo 8º, ser necessário o diploma ou a certidão de graduação em Direito somente para a inscrição nos quadros da OAB como advogado e não para prestar o Exame da Ordem.

Revela-se, portanto, desarrazoado, ilegal e inconstitucional o art. 2º do Provimento 109/2005 do Conselho Federal da OAB que impedem os acadêmicos do décimo e último semestre (ou segundo semestre do quinto ano) do curso de Direito, de prestarem as provas do Exame de Ordem, haja vista que ultrapassa os limites de sua regulamentação superior, inserta na CRFB/88 e na Lei n. 8.906/94.

Na leitura do art. 8º da Lei 8.906/94, percebe-se claramente que o Provimento 109/2005 da OAB extrapolou a sua competência, pois a Lei 8.906/94 não restringiu a inscrição no Exame apenas aos candidatos portadores de diploma ou certidão de graduação, como fez o provimento.

Se o EAOAB exige a apresentação de diploma ou certidão de graduação em direito, o faz para a inscrição nos quadros de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, que pressupõe aprovação nas duas etapas do Exame de Ordem e não para a simples participação neste.

Verifica-se, portanto, que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil extrapolou os limites de sua regulamentação, impondo restrições mais amplas do que as previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no Estatuto da Advocacia e da OAB.

Isto porque, a Ordem dos Advogados do Brasil possui competência normativa regulamentar e não inovadora, não podendo ultrapassar, assim, os limites permitidos pela Lei 8.906/94 e pela CRFB/88, sob pena de restrição ao direito constitucional do livre exercício profissional e de lesão ao princípio da legalidade.

Logo, resta totalmente desnecessária a apresentação de diploma ou certidão de graduação em direito para inscrição como candidato no Exame de Ordem, uma vez que a inscrição nos quadros de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil somente se aperfeiçoará com a aprovação do candidato nas duas etapas do certame e o preenchimento, aí sim, dos demais requisitos previstos no art. 8º do Estatuto da Advocacia e da OAB.

O Provimento 109/2005, de forma antagônica, no art. 2º, § 1º dispõe: "Poderá ser deferida a inscrição do concluinte do curso de Direito, em instituição reconhecida pelo MEC, desde que o candidato: I - comprove, mediante certidão expedida pela instituição de ensino, que concluíra o curso."

O renomado dicionário Aurélio assinala que concluinte é o "estudante que está no último ano do curso, já, portanto, a concluí-lo".

Surge então uma indagação de ordem lógica: como pode o concluinte do curso de direito comprovar que concluiu o curso?

Assim, carece de razão lógica, legal e constitucional o art. 2º, § 1º do Provimento 109/2005 do Conselho Federal da OAB.

Deste modo, estão legitimados para prestar o exame de proficiência do OAB todos os acadêmicos concluintes de curso de Direito reconhecido pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura, que comprovem estar cursando o décimo e último semestre (ou segundo semestre do quinto ano) da graduação em Direito.

Isto porque é sabido que as várias etapas do Exame de Ordem levam algum tempo e, nesse lapso temporal, os bacharéis em Direito estarão impedidos de ingressarem no mercado de trabalho, sofrendo, assim, prejuízos decorrentes do impedimento imposto pelo art. 2º do Provimento 109/2005 da OAB, que pode ser sanado pela inscrição e realização do Exame de Ordem e devida aprovação neste.

Ademais, além de ser inconstitucional e ilegal, o artigo 2º do Provimento 109/2005 não cumpre com da função social, princípio que deve ser observado sempre pela administração pública.

Portanto, faz-se necessário que a Ordem dos Advogados do Brasil, instituição responsável pela profissão indispensável à administração da justiça, se preocupe em respeitar a CRFB/88, bem como, o seu próprio estatuto, Lei 8.906/94, e não a violá-los por meio de um Provimento do Conselho Federal.

Para isso, deve ser rejeitado o inconstitucional art. 2º do Provimento 109/2005 da OAB, para garantir aos acadêmicos concluintes do curso de Direito, que tenham interesse em prestar o Exame de Ordem no décimo semestre da graduação, a realização das provas do exame, para que tão logo colem grau e se tornem bacharéis em direito, possam requerer a inscrição nos quadros de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil na seccional competente, de modo a se habilitarem ao exercício da profissão para a qual vêm se preparando durante quase cinco anos.

Ademais, a eventual aprovação no Exame de Ordem, por si só não gera direito adquirido para o candidato fazer sua inscrição definitiva na Ordem dos Advogados do Brasil, uma vez que deverá preencher as demais condições exigidas pela lei, dentre as quais, a apresentação de diploma de bacharel em Direito, conforme dispõe o Estatuto da Advocacia e da OAB.

Frise-se que, qualquer candidato que não preencha os requisitos do art. 8º da Lei 8.906/94, deverá ter negado o seu ingresso como advogado nos quadros da OAB.

Assim, deve prevalecer o direito dos concluintes do curso de Direito de somente exigir-lhes a comprovação de título de bacharel em Direito no momento em que o candidato aprovado em Exame de Ordem, requerer a sua inscrição nos quadros de advogados da OAB.

Neste sentido, mister se faz mencionar que a única seccional da OAB que respeita o princípio do livre exercício profissional, estabelecido no art. 5º, inc. XIII da CRFB/88 é a do Rio de Janeiro que, contrariando o Provimento 109/2005, exige a comprovação da condição de bacharel em Direito e demais documentos devidos, após a aprovação do candidato no Exame de Ordem, conforme os itens 1 e 2 do Edital de abertura para inscrição no 32º Exame de Ordem da OAB/RJ, publicado dia 02/02/2007 no site da Instituição:

"...

1- No ato da inscrição, o candidato deverá anexar: 1- fotocópia do diploma de bacharel em Direito, expedido por faculdade autorizada, credenciada ou reconhecida, ou declaração de conclusão do curso, ou ainda declaração de estar cursando o 10º período, com previsão de conclusão do curso para o final deste semestre; 2- fotocópia da identidade e do CPF e 4- fotocópia de comprovante de residência. O candidato que não estiver de posse dos documentos acima exigidos, não poderá inscrever-se no Exame.

2- No caso de estar cursando o 10º período, o candidato, no ato da inscrição, assinará um Termo de Compromisso, ficando ciente de que só será considerado APTO para inscrição nos Quadros de Advogados da OAB, após a apresentação de documento comprobatório da sua colação de grau, devidamente expedido pela faculdade, no prazo máximo e improrrogável de 180 dias, contados a partir da data da realização da prova prático-profissional referente ao 32º Exame de Ordem. O candidato que não entregar o documento comprobatório da colação de grau no prazo mencionado acima terá sua nota e aprovação desconsideradas para todos os efeitos, ficando a Comissão de Exame de Ordem impedida de expedir certificado ou declaração que indique a aprovação do candidato.

..."

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Quanto ao entendimento jurisprudencial sobre o tema, os Tribunais Regionais Federais ainda não firmaram posicionamento.

Assim, corroboram a tese aqui defendida os seguintes julgados: TRF 1º Região: AMS 2003.36.00.006523-0/MT, D.J. de 09/02/2004; TRF 2º Região: REOMS 2005.02.01.001801-8/ES, D.J. de 23/05/2005; REOMS 2004.51.01.490465-5/RJ, D.J. de 16/03/2006; TRF 3º Região: AMS 2004.61.00.009032-9/SP, D.J de 29/03/2006; TRF 4ª Região: AMS 2004.72.00.014138-0/RS, D.J. de 31/08/2005; 2005.71.10.003524-5/RS, D.J de 28/03/2006; AMS 2005.72.00.011173-2, D.J. de 23/08/2006; TRF 5ª Região: REOMS 2002.81.00.009472-2/CE, j. em 05.10.2004.

Em sentido contrário: TRF 1ª Região: 2006.33.00.004565-1/BA, j. em 30/06/2006; TRF 4ª Região: AI 2005.04.01.035947-0/RS, j. em 14/12/2005; TRF 5ª Região: REO 2002.81.00.015022-1/CE, j. em 03/08/2004; REOMS 2005.84.00.006560-2/RN, j. em 09/03/2006; AI 2005.05.00.028874-3/CE, j. em 14/03/2006.

Muito embora haja divergência jurisprudencial no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, a Segunda Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, no julgamento do Recurso Especial 500.340/RS, julgado em 12/12/2006, publicada no Diário da Justiça de 08/02/2007, p. 306, fixou entendimento de que o acadêmico do curso de Direito, poderá prestar o exame da ordem, e se aprovado e comprovado a conclusão do curso, poderá obter inscrição definitiva como advogado, conforme ementa:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. OAB. INSCRIÇÃO NO EXAME DE ORDEM. CONCLUSÃO DO CURSO DE DIREITO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA.

1. O fato de exame de ordem ter sido prestado por acadêmico do curso de Direito não impede a obtenção da inscrição definitiva na OAB.

2. Na hipótese dos autos, o curso de Direito foi concluído há cinco anos, e o impetrante obteve a aprovação no exame, o que configura situação fática consolidada pelo decurso do tempo que deve ser respeitada, sob pena de causar prejuízos severos ao recorrido.

3. Recurso especial improvido.

Sendo o STJ a corte guardiã das normas infraconstitucionais, cabe a ela uniformizar a jurisprudência, prolatando decisões modelos, como a acima mencionada, que deve servir como norte orientador dos tribunais inferiores.

Sobre este tema, cabível ainda a aplicação analógica da Súmula 266 desta Corte Superior, que dispõe:

"Súmula 266 - O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público."

Assim, tal como a posse é o marco para a apresentação do diploma ou a habilitação específica quando se trata de concurso público, no caso de Exame da Ordem, é no momento da inscrição definitiva nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil que deve o candidato apresentar o diploma e demais documentos exigidos no art. 8º da Lei 8.906/94 para o exercício da advocacia.


3. Conclusão

Portanto, o artigo 2º do Provimento 109/2005 do Conselho Federal da OAB é inconstitucional e ilegal, pois não observa o disposto no artigo 5º, inciso II e XIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e nem o artigo 8º da Lei 8.906/94, Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil.

Como a CRFB/88 dispõe que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão", e esta garantia fundamental do livre exercício profissional somente pode ser limitado pelas qualificações profissional que a lei estabelece, não pode a Ordem dos Advogados do Brasil editar um Provimento restringindo a liberdade profissional.

Ademais, também não cumpre com a função social, que deve ser respeitado por todas as entidades públicas, uma vez que é sabido que as fases do Exame de Ordem levam algum tempo, e nesse período, os bacharéis estarão impedidos de ingressarem no mercado de trabalho e exercerem a profissão para a qual se prepararam arduamente.

Portanto, atento ao princípio da autotutela, deve o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil reanalisar na norma constante no art. 2º do Provimento 109/2005. E enquanto isso não ocorre, cabe ao Poder Judiciário, ao ser provocado, garantir esse direito fundamental aos acadêmicos concluintes do curso de direito.


4. BIBLIOGRAFIA

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 359.

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Sobre o autor
Welder Queiroz dos Santos

Advogado. Pós-graduando lato sensu em Direito Processual Civil pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Welder Queiroz. A inconstitucionalidade e a ilegalidade da exigência de certidão de conclusão do curso de direito no ato de inscrição para o Exame de Ordem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1920, 3 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11803. Acesso em: 22 dez. 2024.

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