RESUMO
Este trabalho se propõe a discutir sobre a importância de se alegar a existência do "jus postulandi" nas sentenças e acórdãos que decidem sobre o indeferimento de pagamento de honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, dado o fato de este pedido ter se tornado comum nas petições e a sua negativa estar se tornando imotivada, ou pelo menos, desacompanhada de bons fundamentos. A principal técnica utilizada foi a da pesquisa jurisprudencial, em que várias ementas foram colacionadas para embasar as diversas posições apontadas no decorrer do texto. Uma pesquisa de campo também foi feita no Tribunal Regional do Trabalho do Paraná a fim de identificar qual a incidência de ações interpostas via "jus postulandi". E, por óbvio, um importante referencial teórico (doutrina) alicerçou o desenvolvimento de todo o artigo. A conclusão é de que o direito de a parte postular desacompanhada de advogado na justiça laboral deve continuar existindo. Entretanto, as decisões a respeito de honorários advocatícios devem ser reescritas, com novos fundamentos, já que a existência do "jus postulandi" em nada obsta o deferimento da verba honorária para aqueles que, de qualquer modo, preferem contratar um profissional para atuar nas suas causas.
Palavras-chave: honorários advocatícios; sucumbência; "jus postulandi", processo; trabalho.
1.INTRODUÇÃO
O pagamento de honorários advocatícios sempre foi tema de grande discussão entre a doutrina e jurisprudência trabalhistas. Há algum tempo essa discussão arrefeceu-se, pois houvera assentado um entendimento comum posicionando-se pela negativa desse direito. Com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, que ampliou a competência material da Justiça do Trabalho, submetendo ao seu conhecimento e julgamento dissídios oriundos da relação de trabalho, a controvérsia voltou à tona, trazendo consigo outros pontos a serem solucionados.
Na justiça do trabalho não existe pagamento de honorários ao advogado da parte vencedora (sucumbência) na relação processual, exceto em dois casos:
-Quando a lide versar sobre relação de trabalho. A exceção está prevista na Instrução Normativa nº. 27 do TST: Art. 5º - "Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência".
-Quando a lide for de natureza acidentária e tiver sido ajuizada na justiça comum antes da EC 45/04, sendo posteriormente transferida para a justiça do trabalho.
Há, ainda, um outro caso de pagamento de valores pelo sucumbente, mas que não se enquadra exatamente naquilo que chamamos de verba honorária. É a situação em que a parte vencedora é um empregado que receba menos de dois salários mínimos ou que prove não poder demandar sem prejuízo de seu sustento ou de sua família, estando ele assistido por advogado pertencente ao sindicato de sua categoria. Nesse caso, reza a Lei 5584/70 que os honorários do advogado, pagos pelo vencido, reverterão em favor do Sindicato assistente, ou seja, é um valor a ser destinado ao Sindicato, e não aos advogados propriamente ditos, pois estes já devem receber um salário fixo para realizarem qualquer atuação processual. A idéia do legislador é robustecer a força coletiva, sindicalizada, organizada. Sendo assim, não podemos considerar estes valores como honorários advocatícios, mesmo sendo esta a terminologia utilizada pela lei.
Em todos os casos decorrentes de relação de emprego, que é a chave mestra da estrutura processual trabalhista, pois para ela é que foi criada esta justiça especializada, é incabível a concessão da verba honorária. Esta posição está bem clara nas seguintes súmulas e OJ do Tribunal Superior do Trabalho:
ENUNCIADO Nº. 219 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE CABIMENTO. Na Justiça do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios, nunca superiores a 15%, não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.
Referência: Lei nº. 1060/50, art. 11 - Lei nº.5584/70, arts. 14 e 16
ENUNCIADO Nº. 329 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. Mesmo após a promulgação da Constituição da República de 1988, permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado 219 do Tribunal Superior do Trabalho.
Referência: CF-88, art. 133 - CLT, art. 791 - Lei nº. 5584/70 - Enunciado 219 do TST
ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº. 305 DA SDI-I. Honorários advocatícios. Requisitos. Justiça do Trabalho. DJ 11.08.2003 - Parágrafo único do artigo 168 do Regimento Interno do TST. Na Justiça do Trabalho, o deferimento de honorários advocatícios sujeita-se à constatação da ocorrência concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato.
Esse entendimento jurisprudencial foi solidificado por causa do "jus postulandi", que é a possibilidade de o empregado ajuizar uma ação trabalhista desacompanhado de um advogado. A hermenêutica apurada confidencia que o raciocínio da jurisprudência e doutrina aponta para a seguinte direção: se o empregado tem essa facilidade de acessar a justiça sem contratar um advogado, por que fazer a outra parte da relação processual pagar algo que seria dispensável? Isto não seria conceder benefícios em demasia ao hipossuficiente e, com isso, trazer desigualdade à lide?
Entretanto, esse posicionamento a respeito do direito de postular já está ultrapassado e precisa ser revisto. Embora o "jus postulandi" continue existindo e sendo exercido normalmente, hodiernamente ele não tem mais a capacidade de fundamentar a inconcessibilidade de honorários advocatícios na relação de emprego. É sobre este ponto que trata este trabalho.
2.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: GÊNEROS E ESPÉCIES
O objeto deste estudo é a utilização do "jus postulandi" como fundamento para concessão ou não dos honorários de sucumbência. Para tanto, seria de grande valia uma breve explanação sobre o que são honorários advocatícios e onde se encaixam os termos "honorários de sucumbência", "honorários assistenciais" e "honorários contratuais".
O termo "honorário advocatício" é amplo, considerado como gênero, e engloba todos os outros termos, sendo que cada variação tem uma particularidade, mas, por fim, acabam tendo o mesmo sentido, que é remunerar o advogado que prestou serviço em favor de alguém.
Os honorários assistenciais têm vez quando uma das partes é beneficiária da assistência judiciária prevista pela Lei 1060/50. Prescreve seu art. 2º que "considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família".
Nesse caso, quem deve arcar com custas e emolumentos é o Estado, que mantém o serviço de assistência judiciária, ficando a Defensoria Pública responsável por defender judicialmente os comprovadamente necessitados (Art. 134 CF/88). Quando a Unidade Federativa é desprovida deste órgão, a OAB local deve indicar um advogado para desempenhar a tarefa. Independentemente do resultado da ação, um valor previamente fixado sempre é destinado ao advogado para pagar os seus préstimos. No caso da Defensoria Pública, os causídicos são concursados e recebem um salário mensal. Em locais onde haja cursos superiores de Direito é muito comum a existência de um núcleo em que alunos e professores atendam as pessoas necessitadas. Nesses casos não há remuneração.
Na justiça do trabalho os honorários assistenciais só cabem no caso a pouco descrito, ou seja, quando o reclamante necessitado se utiliza de advogado do sindicato de sua classe. Nessa situação, a Lei 1060/50 autoriza que o juiz arbitre até o "máximo de 15% sobre o líquido apurado na execução da sentença como honorários assistenciais" (Art. 11, § 1º).
Por sua vez, os honorários contratuais são aqueles ajustados entre o procurador e seu cliente, sendo que este não é considerado um necessitado no sentido jurídico da palavra, e pode dispor de uma quantia para contratar um profissional particular. Em geral, esse valor é estipulado com base em uma porcentagem do montante líquido da ação – na justiça do trabalho a recomendação da OAB é de que esse percentual seja fixado entre 20 e 30% -, mas nada impede que seja convencionada uma quantia fixa independente de resultado.
Os honorários de sucumbência são deferidos sempre que na lide exista um vencedor e um vencido. Eles funcionam como um tipo de multa que o litigante perdedor tem que pagar por ter feito a parte vencedora contratar um advogado para pleitear um direito que já era dela, mas que para vê-lo satisfeito necessitou do serviço de um profissional. Logo, quem sucumbe, paga. Note-se que estes honorários nada têm a ver com os contratuais, pois aqueles sempre são pagos pela parte derrotada na lide e estes sempre são descontados do montante auferido pelo litigante vitorioso, ou seja, provêm de fontes distintas. Estes honorários estão previstos no art. 20 do Código de Processo Civil:
A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.
(...)
3º. Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.
Em se tratando de relação de emprego, os honorários de sucumbência inexistem na justiça do trabalho. Quando pedidos, sempre são indeferidos por conta da existência do "jus postulandi". Na justiça comum os honorários contratuais e os de sucumbência podem ser acumulados, nada impedindo que o advogado receba o valor convencionado com seu cliente (fixo ou porcentagem ou os dois) além do valor deferido na sucumbência (arbitrada pelo juiz).
A Lei nº. 8.906/94 (Estatuto da OAB) faz a distinção entre as diversas espécies de honorários advocatícios, diferenciando os honorários convencionados (contratuais) dos sucumbenciais. Veja-se o que diz o seu artigo 22: "A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência". Esse artigo, no que se refere à sucumbência, não é aplicado na justiça do trabalho para as relações de emprego. Subsistindo o "jus postulandi", conforme artigos 791 e 839, "a" da CLT, a contratação de advogado seria uma "faculdade" dos litigantes. Por conseguinte, a parte sucumbente não teria que pagar nada a mais por um "capricho" do autor da ação, que poderia muito bem ter ajuizado uma reclamatória desacompanhado de profissional qualificado, tese esta defendida pela ampla maioria da jurisprudência e combatida neste trabalho.
3. Inovações a respeito de honorários contratuais e assistenciais
Uma nova forma de abordagem dos honorários contratuais tem tomado conta dos petitórios trabalhistas, considerando-os como um dano emergente causado ao reclamante por culpa da impontualidade do reclamado em honrar seus compromissos trabalhistas. Portanto, com base no princípio da reparação integral, previsto no Novo Código Civil (artigos 389, 395 e 404), não seria justo uma pessoa cobrar uma dívida de valor exato e receber somente parte desse valor, pois uma porcentagem teria que destinar ao advogado que lhe assistiu.
De forma a simplificar, pode-se exarar o seguinte exemplo: Pedro convencionou com seu empregador trabalhar durante 30 dias e em contraprestação receber o valor de R$ 400,00. Após ter trabalhado, não recebido e ajuizado uma ação de cobrança, ganhou a causa e seu empregador finalmente lhe pagou os R$ 400,00. No entanto, Pedro receberá somente R$ 280,00, pois 30% (R$ 120,00) teve que ser utilizado para pagar seu procurador. Conclusão: Pedro trabalhou 30 dias e recebeu como se tivesse trabalhado apenas 21. Isto não soa como uma injustiça? Não seria razoável o empregador de Pedro lhe pagar os R$ 400,00 e mais o valor por ele gasto para pagar seu advogado? Dispensável questionar se Pedro tinha mesmo necessidade de contratar um advogado, já que poderia valer-se do "jus postulandi", pois este ponto será abordado posteriormente.
Note-se que se juiz obrigar o reclamado a pagar aquilo que o reclamante pediu e, além disso, "indenizá-lo" pela despesa que ele teve com a contratação de advogado, estar-se-ia transformando o honorário contratual em honorário de sucumbência, pois ao invés do causídico ser remunerado por seu cliente, o seria pela parte adversa. Neste caso os advogados estariam vestindo a verba de sucumbência com roupa de indenização por perdas e danos por conta dos honorários contratuais, utilizando o princípio da reparação integral como desculpa. Em virtude deste artifício e também pelo fato de existir normatização própria que reja o assunto, inaplicável subsidiariamente o Código Civil, sendo este tipo de pedido indeferido pelos Tribunais do Trabalho. Como exemplo, veja o julgado da 2ª Região inserto a seguir:
INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – ART. 404 DO CÓDIGO CIVIL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – LEI 5584/70 – SÚMULA 219 DO C. TST – "Por existir legislação específica e prioritariamente aplicável ao Processo do Trabalho, mais especificadamente a Lei 5584/70, que trata da questão dos honorários advocatícios, e que condiciona sua condenação à assistência ao empregado, na ação trabalhista, por sindicato de classe e ao estado de miserabilidade, na acepção jurídica do termo, resta inaplicável o teor do art. 404 do Código Civil para sustentar condenação da reclamada em pagamento de indenização por perdas e danos referentes aos honorários de advogado, sendo aplicável ao caso, ainda, o teor do item "I" da Súmula nº 219 do C. TST, que cristaliza o entendimento jurisprudencial iterativo, notório e atual daquela Corte, a respeito. Recurso Ordinário a que se dá provimento, no aspecto." (TRT 2ª R. – RS 01574-2006-201-02-00-0 – (20070355490) – 5º T. – Relª. Juíza Amélia Li Chum – DOESP 22.05.2007) JNCCB.404
Por estes pontos fracos, tem-se que não prosperará a tese da reparação integral sofrida pelo trabalhador que custeia seu advogado. Por outro lado, uma nova forma de interpretar os honorários assistenciais tem sido adotada pelos TRT’s, que é a de deferir o pagamento da verba honorária ao advogado do trabalhador amparado pela lei de assistência judiciária, mesmo que o causídico não esteja vinculado a sindicato algum.
O novo entendimento se assenta na fundamentação de os honorários não serem devidos somente com base na Lei 5.584/70, mas também conforme a Lei 1.060/50, pelo que, se o trabalhador não tiver acesso à assistência de sindicato, ou se não lhe convier esta assistência, pode contar com advogado de sua escolha ou indicado pelo juiz.
O que comumente ocorre é o pedido de assistência judiciária de forma indiscriminada. Existem processos em que o valor pleiteado ultrapassa a casa dos milhões, em que o patrimônio do autor é considerável, em que seu salário mensal era superior a muitos salários mínimos, e mesmo assim há o pedido de assistência judiciária, com declaração de pobreza e tudo o mais. Quando tal afirmação não é desconstituída, conforme este entendimento de vanguarda, são devidos os honorários assistenciais até o limite de 15% sobre o montante da condenação. Neste sentido é o julgado dos autos 3300-2005-104-04-00-0, do TRT 4ª Região, de 23.11.06, firmado pelo desembargador Pedro Luiz Serafini:
(...) HONORÁRIOS DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
A recorrente afirma que a jurisprudência tem se assentado no sentido de não ser monopólio dos sindicatos a prestação de assistência judiciária. Com razão. Segundo o Juiz Relator, a assistência judiciária gratuita, na Justiça do Trabalho, decorre do preenchimento dos requisitos previstos na Lei nº 5.584/70, não implementados in casu, haja vista a ausência de credencial sindical concedida por sindicato que representa a categoria da autora. É este o entendimento jurisprudencial vertido na Súmula nº 219 do TST. Nada obstante, o entendimento que prevalece na Turma, vencido o Juiz Relator, é no sentido de que se considera cabível a condenação em honorários assistenciais pela aplicação da Lei nº 1.060/50, que dispõe que a assistência judiciária compreende, entre outros benefícios, os honorários de advogado, uma vez que não se pode atribuir aos sindicatos o monopólio sobre a assistência judiciária. Assim, tendo sido apresentada a declaração de pobreza (fl. 07), vencido o Juiz Relator, dá-se provimento ao recurso, para acrescer à condenação o pagamento de honorários assistenciais arbitrados em 15% sobre o valor bruto do crédito atribuído à reclamante. (ipsis literis)
A decisão colacionada não é isolada. Sem muito esforço, diversos acórdãos podem ser encontrados defendendo mesma posição. A fim de ilustração, temos: RO 01823-2005-201-04-00-6 (TRT 4ª Região); 0060-2006-071-09-00-4 (TRT 9ª Região); 2326-2006-001-09-00-2 (9ª Região), entre outros.
Esse entendimento é de grande erudição e merece sucesso. A prestação de assistência judiciária não pode ser privilégio dos sindicatos, pois isto implicaria em muitas desvantagens para os requerentes. A iniciar pelo fato de não existir um sindicato para cada categoria profissional, e que a evolução e criatividade dos trabalhadores e do mercado de trabalho nunca poderão ser superadas pela legislação e organizações obreiras, ou seja, sempre existirá uma categoria sem legislação própria, sem sindicato, sem proteção. Por que o advogado desses reclamantes não poderia receber seus vencimentos direto do empregador faltoso?
Ocorre que este juízo só abarca os honorários assistenciais, não sendo contemplado nele os reclamantes que não estão assistidos pela Lei 1.060/50. Para estes, a única forma de remunerar seus advogados seria por meio dos honorários de sucumbência.
Desta forma, de fundamental importância o desdobramento do estudo acerca da verba sucumbencial, pois somente esta é que poderá ser paga pelos reclamados aos advogados dos reclamantes, e vice-versa, sem qualquer tipo de interpretação equivocada a respeito do instituto em tela. Para isto, essencial é a compreensão dos motivos pelos quais o "jus postulandi" é considerado incompatível com o honorário de sucumbência para, posteriormente, refutá-los.
4. "Jus Postulandi" e a cobrança de honorários advocatícios na Justiça do Trabalho
A justiça do trabalho foi originalmente concebida para proteger os empregados, trabalhadores que possuíam um vínculo com os empregadores e que, na maioria dos casos, encontravam-se em posição de desvantagem. O empregador não dependia do empregado, pois se ele o dispensasse, poderia contratar outra pessoa sem dificuldades, já o empregado dependia do dinheiro recebido para sobreviver. Em situações como essa, denominamos o empregado de hipossuficiente, pois é a parte economicamente mais fraca da relação jurídica.
O que se buscava resguardar com a criação desta especializada eram os direitos primordiais daqueles que não tinham conhecimento e cultura alguma para pleitear aquilo que lhes pertencia, como férias, décimos terceiros, horas extras, entre outros direitos. Para pedidos tão simples como esses, desnecessária seria a contratação de um profissional especializado para intervir na questão, podendo o próprio trabalhador, hipossuficiente e inculto, pleitear aquilo que ele achava lhe caber. Esse pedido direto de tutela jurisdicional do Estado, dispensando-se a intercessão de um advogado, chama-se "jus postulandi", termo latino que quer dizer direito de pedir, de postular.
Louvável a intenção do legislador em facilitar, para o mais necessitado, o acesso à justiça. Esta posição foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 e continua em pleno vigor atualmente, sendo ratificada pela ADIn 1.127-8 que, em sede de liminar, suspendeu a eficácia de parte do Art. 1º, inc. I, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), que prescrevia ser atividade privativa da advocacia a postulação perante qualquer órgão do Poder Judiciário e juizados especiais, relevando esta propriedade dos advogados nos Juizados de Pequenas Causas, na Justiça do Trabalho e na Justiça de Paz. Neste esteio, os requerentes estão livres para buscar a tutela jurisdicional desses órgãos sem o auxílio de profissional habilitado.
Ocorre que com o aumento de complexidade do direito laboral, com o progresso das relações de emprego, com a evolução das organizações sindicais e seus mais diversos acordos e convenções coletivas e com o desenvolvimento do capitalismo surge a dúvida: seria mesmo vantagem para o trabalhador ajuizar uma reclamação sem a assistência de um advogado? Ele não estaria se prejudicando, deixando de postular muitos direitos que desconhece e se perdendo em prazos e recursos que, pudera, jamais saberia que existem? Pensando nisto chega-se à conclusão de que a intercessão de um advogado na Justiça do Trabalho tornou-se indispensável. Isto não quer dizer que o "jus postulandi" se extinguiu, mas somente seria utilizado por quem realmente quisesse e soubesse o que estaria fazendo.
Oportuno demonstrar um exemplo que bem explica o raciocínio delineado. Na petição inicial dos autos de Reclamação 00100-2004-668-09-00-2 do TRT-PR foram feitos os seguintes requerimentos, entre outros: pagamento de indenização consistente em pensão mensal equivalente à percentagem efetiva da redução laborativa, a ser aferida por exame pericial, incidindo esta percentagem sobre a remuneração devida à autora quando em atividade (salário base acrescido do anuênio, das comissões pagas, rsr, horas extras pré-contratadas, vale refeição, auxílio cesta alimentação, horas extras, labor em sábados, domingos e feriados, intervalos sonegados e respectivos descansos remunerados, 13º, férias e FGTS); ressarcimento de despesas resultantes de tratamento, no importe de 4,55 salários mínimos, nos primeiros dezoito meses, bem como de 2,90 s.m. a partir de então (...) vencidos e vincendos até quando a autora completar setenta anos de idade; constituição de um capital para garantir o pagamento das prestações futuras; indenização por dano moral; etc (p. 15 e 16). Em cálculo de liquidação realizado recentemente (fl. 521 da Carta de Sentença) ficou estabelecido os seguintes valores: devido à requente – R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais); constituição de capital – R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais).
No Recurso Ordinário interposto pela autora foi requerida a condenação em honorários advocatícios, os quais foram deferidos pelo seguinte argumento:
(...) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (...) são indevidos honorários advocatícios nas ações acidentárias que venham a ser ajuizadas já na Justiça do Trabalho. Entretanto, a presente demanda foi ajuizada na Justiça Comum, ocasião em que a reclamante obrigatoriamente necessitou contratar advogado particular, tendo sido os autos posteriormente remetidos à Justiça do Trabalho em razão da decisão proferida pelo STF (fl. 452). Conquanto não seja aplicável na Justiça do Trabalho o art. 20 do CPC em decorrência do tratamento legal específico para este processo especializado (art. 769 CLT), a questão dos honorários advocatícios deve ser apreciada porque, conforme já mencionado, os presentes autos são oriundos da Justiça Comum. (...) Nesse passo, considerando que o reclamado foi sucumbente na presente demanda, dou provimento ao recurso para condená-lo a pagar os honorários advocatícios, no importe de 20% sobre o valor da condenação. (TRT-PR. – 00100-2004-668-09-00-2 – ACO – 11869-2007 – 3ª TURMA – Rel. Altino Pedrozo dos Santos – DJPR 11.05.07)
Em resumo, temos que se já estivesse em vigor a EC 45/04 na época em que foi ajuizada esta ação, a Justiça do Trabalho é que seria a competente para receber a petição inicial. Todos os pedidos teriam sido feitos da mesma forma e o advogado não receberia os honorários de sucumbência. E isto ocorreria única e simplesmente por causa do "jus postulandi". Isso é dizer que a autora teria a obrigação de saber fazer todos os pedidos e realizar todas as impugnações, analisar todos os documentos, requerer provas periciais e examiná-las, inquirir testemunhas, protocolar recursos, enfim, acompanhar a reclamação até o final, conforme art. 791 da CLT. Saber que os Tribunais pensam assim é espantoso.
Deixar as partes postularem seus pedidos quando o caso é complexo traz sérios prejuízos, não somente a elas, mas também a todo o sistema jurisdicional, neste sentido são as palavras do Ministro Mozart Russomano:
A prática nos tem demonstrado que, ao menos no Brasil, não é aconselhável o sistema (exercício do direito de ação diretamente pela parte). O índice intelectual do empregado e do empregador não é, entre nós, suficiente alto para que eles compreendam, sem certas dificuldades, as razões de ser da Justiça do Trabalho, sua atribuição de indicar aos fatos uma lei protecionista do trabalhador, mas interpretada com imparcialidade. Por outro lado, o direito processual do trabalho está subordinado aos princípios e aos postulados medulares de toda a ciência jurídica que fogem da compreensão dos leigos. É um ramo do direito positivo com regras abundantes e que demandam análise de hermeneuta, por mais simples que queiram ser. O resultado disso tudo é que a parte que comparece sem procurador, nos feitos trabalhistas, recai em uma inferioridade processual assombrosa. (Comentários à CLT, RJ: Forense, 1990, II Tomo, págs. 867/868).
Quando a parte apresenta petição por ela subscrita ou deseja reduzir um pedido a termo, os servidores do judiciário trabalhista não podem auxiliá-la em nada, sob pena de se perder a imparcialidade que é inerente à justiça. Mesmo quando vislumbrem que se esteja fazendo pedidos errados ou que se esteja deixando de requerer direitos relegados.
Outros argumentos falam contra o "jus postulandi". Passa-se a pontuá-los.
I - A Lei 5.584/70, na parte em que tratava da assistência judiciária gratuita, foi revogada pela Lei 10.288/01 (lei nova que tratou da mesma matéria). Este novo diploma alterou o artigo 789 da CLT, inserindo-lhe o § 10. Destarte, o § 10 do artigo 789 estabelecia que a assistência gratuita seria prestada pelo sindicato. Por conseguinte, o pagamento de honorários advocatícios depende dessa assistência sindical. Entretanto, o referido § 10 foi suprimido pelo texto celetário. A Lei 10.537/02 modificou novamente o artigo 789, sendo que a nova redação nada previu acerca da assistência judiciária gratuita. Portanto, foram revogados os dois diplomas que previam o patrocínio sindical como requisito à assistência judiciária gratuita: a Lei 5.584/70 e, posteriormente, o § 10 do art. 789. A lei revogadora (10.537/02, que modificou novamente o art. 789) nada previu acerca do benefício, tampouco determinou a repristinação dos dispositivos revogados. O único diploma que ainda se encontra em vigor é a antiga Lei 1060/50. Neste diapasão, ficaria dispensada a necessidade de sindicatos na contratação de advogados, sendo devidos honorários assistenciais sempre que a parte for necessitada, na interpretação jurídica do termo.
Eis uma ementa garimpada na jurisprudência que demonstra um entendimento em favor da tese apresentada:
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – No processo do trabalho são devidos apenas com base, atualmente, na Lei nº 1.060-50, na medida em que a Lei nº 10.537-02 revogou o artigo 14 da Lei nº 5.584-70. Assim, quando o trabalhador ou quem o representa, mesmo de forma sintética, declara sua dificuldade econômica para demandar, e tal assertiva não é desconstituída, conforme autoriza a Lei nº 7.510-86, que alterou a de nº 1.060-50, são devidos honorários advocatícios, na base de 15% sobre o montante da condenação. (TRT 9ª R. – Proc. 00404-2003-069-09-00-6 – (04754-2004) – Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther – J. 12.03.2004).
II - As dificuldade práticas que o postulante teria para manejar seu processo seriam grandes. Começando pelo fato dele não poder retirar os autos do cartório. As reclamatórias trabalhistas sempre são autuadas com muitas notas, recibos, cartões de ponto, laudos periciais, entre outros documentos que tentam trazer a razão para o lado de quem os apresenta. Para confeccionar as defesas, impugnações e manifestações em geral é de bom alvitre que se retire o processo para analisá-lo minuciosamente, fazer cópias reprográficas do que for mais importante, enfim, realizar todos os atos para uma boa atuação processual. Aos advogados é permitida esta prática, visto que eles respondem legalmente por seus atos, caso em que, se ocorrer alguma irregularidade, a OAB deve ser oficiada e o profissional teria, de pronto, sua licença suspensa, sem prejuízo das ações penais e civis cabíveis. Em relação ao litigante não existe esta garantia. Embora ele também possa ser denunciado por crime contra a justiça ou por supressão de documento, não há como reprimir seu ímpeto de destruir provas que o contrarie nos autos. Tendo em vista a dificuldade deste controle, não permite-se que as próprias partes retirem seus processos da secretaria da Vara do Trabalho.
Uma outra dificuldade reside no fato de não se saber até onde vai o poder de postular sem procurador. Poderia um litigante interpor recurso ordinário, agravo de petição, recurso de revista, agravo de instrumento? Há quem defenda que o "jus postulandi" só pode ser praticado na 1ª instância. Outra corrente afirma que o reclamante pode recorrer até o Tribunal Regional, sendo vedado somente a interposição de recurso para os Tribunais Superiores. In verbis, dois julgados do TST, cada um defendendo uma limitação:
JUS POSTULANDI. RECURSO. ATO PRIVATIVO DE ADVOGADO. LEI Nº 8.906/94 – 1. A simples personalidade jurídica ou capacidade de ser parte não são suficientes para autorizar o exercício, por si, de atos processuais, próprios e especificados em lei, privativos de advogados. O disposto no art. 791 da CLT, jus postulandi, concede, apenas, o direito de as partes terem o acesso e acompanharem suas reclamações trabalhistas pessoalmente, nada mais. Uma vez ocorrido o acesso, o Juiz fica obrigado por lei (arts. 14 a 19 da Lei 5.584/70) a regularizar a representação processual. 2. Nos termos do art. 1º da Lei nº 8.906/94, o ato de recorrer é privativo de advogado (TST. AG-E-RR 292.840/96.1, ac. SBDI-1, 23.2.99)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. JUS POSTULANDI. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra despacho que denegou seguimento ao recurso de revista, que, também, veio subscrito pelo reclamante. O jus postulandi está agasalhado no art. 791 da CLT, que preceitua: "Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final". A expressão "até o final", portanto, deve ser interpretada levando-se em consideração a instância ordinária, já que esta é soberana para rever os fatos e as provas dos autos. O recurso de revista, por sua natureza de recurso extraordinário, exige seja interposto por advogado devidamente inscrito na OAB, a quem é reservada a atividade privativa da postulação em juízo, incluindo-se o ato de recorrer art. 1º da Lei nº 8.906/94. Agravo de instrumento não conhecido (TST. AIRR - 886/2000-401-05-00, ac. 4ª Turma, 12.08.05).
Independente de qual seja o limite para a prática do "jus postulandi", se 1ª ou 2ª instância, o importante é destacar que este impedimento só enfraquece ainda mais a utopia da justiça de fácil acesso, minando a força argumentativa que contrapõe este instituto ao deferimento de pagamento de honorários advocatícios.
III – Outro fator que rebate o "jus postulandi" é o diminuto número de ações interpostas desta maneira. Esta prática, de tão desvantajosa que é, está caindo em desuso. O TRT-PR (9ª Região) conta com 81 Varas do Trabalho, e em pesquisa realizada a fim de embasar este estudo, 67 delas responderam quantas ações foram interpostas deste modo em 2007. O resultado obtido foi o seguinte: o total geral de ações ajuizadas em 2007 nestas Varas foi de 91.449, sendo que somente 48 foram por meio do "jus postulandi", ou seja, aproximadamente 0,053 % (cinqüenta e três milésimos de por cento). No anexo I estão discriminadas todas as Varas que responderam, com os números individualizados. O total geral de ações ajuizadas por Vara foi obtido junto à Secretaria de Estatística daquele Tribunal. Na pesquisa não foram levados em conta os processos interpostos por advogados que postulam em causa própria, pois são, em quase todos os casos, cobranças de honorários.
As respostas foram fornecidas por cada secretaria ou cartório distribuidor, em contato por e-mail. Os pouquíssimos casos positivos referem-se, em sua maioria, à baixas na Carteira de Trabalho ou cobrança de valores inferiores a R$ 100,00. Surpresos com a pesquisa feita, alguns servidores declararam ter de 13 a 15 anos de carreira e nunca terem visto uma ação reduzida a termo, outros disseram que esta prática não existe mais em suas cidades há anos.
A intenção desta pesquisa não é desconstituir a virtude do "jus postulandi", nem clamar pela sua extinção, mas sim demonstrar que ele não pode ser utilizado como fundamento para embasar tese alguma. Uma prática que quase não existe mais, justamente por ser desfavorável ao bom andamento da justiça, não pode continuar alicerçando sentenças e acórdãos. O exercício da postulação própria pode e deve continuar existindo para auxiliar os reclamantes nos casos de grande simplicidade, como baixa na CTPS, ou para cobrança de valores menores, já que nestes casos nenhum advogado se interessaria em defender a causa.