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Cognição das excludentes de ilicitude em virtude de apresentação de flagrante fato típico na fase policial de persecução

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24/10/2008 às 00:00
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Resumo: O artigo deriva de uma pesquisa científica, que resultou na monografia intitulada "Cognição das excludentes de ilicitude em virtude de apresentação de flagrante fato típico na fase policial de persecução". Enfatiza o estudo da prisão em flagrante no seu conceito, o andamento da lavratura do flagrante enfatizando na possibilidade de não formalizar por meio do uso da cognição em situações absolutamente óbvias e claras.

Palavras-chave: liberdade – excludente – prisão – cognição.


1. Introdução

Este trabalho tem por objeto na possibilidade de não formalizar a lavratura do flagrante, pela autoridade policial, nos casos de existência clara e inequívoca de excludente de ilicitude. Limitou-se o estudo ao período presente, no âmbito nacional.

Primeiramente, trata-se do conceito da liberdade. Também é analisada a liberdade e a sua relação com a culpabilidade.

No item seguinte, destacam-se as excludentes de ilicitude e a problemática de seu requisito subjetivo.

A prisão cautelar foi analisada, estabelecendo-se, ainda, a diferença entre prisão penal e prisão processual, a função da polícia judiciária e a prisão em flagrante. Examinou-se o conceito, as fases e a natureza pré-cautelar da prisão em flagrante e a cognição, destacando-se a lavratura ou não de prisão em flagrante em determinadas circunstâncias.


2. Liberdade

A pretensão da liberdade é um anseio profundamente enraizado no ser humano.

Assim, a liberdade é uma expressão do latim libertas, de liber expressando a condição de livre, e juridicamente indica "[...] a faculdade ou o poder outorgado à pessoa que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas, no entanto, as regras legais instituídas." (SILVA, 2005, p. 843.).

As liberdades públicas são as que se fundamentam na liberdade, civil e politicamente considerada. Têm caráter negativo, pois limitam o poder do Estado, impedindo-o de interferir na esfera individual.

2.1. Liberdade como fundamento da culpabilidade

O conceito de culpabilidade, "[...] como censurabilidade pessoal da ação ou omissão típica e ilícita, é de natureza formal" (PRADO, 2007, p. 432), pois não estabelece seu fundamento.

Trata-se de embasar a culpabilidade no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, considerando-a como ser livre e responsável, valores constantes à sociedade democrática.

A liberdade de vontade vem a ser, uma vez que, a capacidade de poder reger-se, ou seja, não é a liberdade de poder atuar de outro modo, mas para poder atuar conforme ao sentido, assim, a liberdade não é um circunstância, porém um ato: "[...] o ato de liberação da coação causal dos impulsos para a autodeterminação conforme ao sentido" (BITENCOURT, 2008, p. 334). E justamente na ausência desse ato de liberação estabelecem-se as bases do fenômeno da culpabilidade, na qual, é constituída pela ausência de autodeterminação equivalente ao aspecto de um sujeito capaz dela.

Por fim, essa análise da liberdade enfatiza que a culpabilidade não significa "livre" decisão em benefício do mal, porém permanecer preso pela coação dos impulsos, sendo o sujeito capaz de autodeterminação conforme ao sentido (BITENCOURT, 2008, p. 334).


3. Excludentes de ilicitude

São também denominadas cláusulas de exclusão da antijuridicidade, justificativas ou descriminantes. Assim, são condições especiais em que o agente atua que impedem que as tornem a ser antijurídicas (GRECO, 2008, p. 316).

As causas que excluem a ilicitude podem ser expressas quando estão previstas no artigo 23, do Código Penal, ou causas supralegais de exclusão da antijuricidade, quando aplicadas analogicamente, ante a ausência de previsão legal (JESUS, 2003, p. 364).

São quatro as previstas no artigo 23, do Código Penal: estado de necessidade; legítima defesa; estrito cumprimento do dever legal; exercício regular de direito (JESUS, 2003, p. 360).

A natureza jurídica das causas justificantes é a de excludente de antijuricidade do fato, portanto, presente uma delas não há crime (GOMES, 2007, p. 442).

3.1. Requisitos objetivos e subjetivos da justificação

A antijuridicidade, compreendida como relação de contrariedade entre o fato e a norma jurídica, tem sido definida, para alguns doutrinadores, "[...] como puramente objetiva, sendo indiferente a relação anímica entre o agente e o fato justificado" (BITERCOURT, 2008, p. 305). Entretanto, segundo o entendimento majoritário, de tal modo como há uma unidade de elementos do mundo exterior ou objetivos e anímicos ou subjetivos do tipo há igualmente componentes subjetivos e objetivos, ou seja, a adoção da teoria finalista (WELZEL, 2001, p. 76).

O finalismo trata do injusto pessoal (TAVARES, 2000, p. 152), isto é, o fundamental passa a ser o modo e a forma de execução da conduta proibida por parte do agente, que darão, então, o sentido da sua atividade e a caracterização do desvalor do ato gerando a subjetivação da antijuricidade.

A ausência do elemento objetivo ou subjetivo no fato praticado leva à ilicitude da conduta (JESUS, 2003, p. 363), pois, não basta que estejam presentes os elementos objetivos de uma causa de justificação, sendo imprescindível que o sujeito tenha consciência de agir acobertado por uma excludente, isto é, com vontade de evitar um dano pessoal ou alheio (BITENCOURT, 2008, p. 305). Em outras palavras, comprovada a realização do tipo, a antijuricidade (WELZEL, 2001, p. 94) pode ser verificada como um procedimento negativo perante a constatação de que não se trata de nenhuma causa de justificação.

Luiz Flávio Gomes entende que no caso de estado de necessidade, previsto no artigo 24, do Código Penal não há dúvida de que exige o requisito subjetivo, uma vez que o sujeito sacrifica direito alheio para salvar outro próprio ou de terceiro. Quanto à legítima defesa, em razão da inexistência da expressa referência ao requisito subjetivo no artigo 25, do Código Penal, também defende que é indispensável o requisito subjetivo, pois não há outra alternativa válida (2007, p. 444).

Os elementos objetivos são expressos ou implícitos, porém sempre determinados pela lei penal.

A lei penal somente define os conceitos de legítima defesa e de estado de necessidade, fornecendo-nos os elementos objetivos. Quanto ao estrito cumprimento do dever legal e ao exercício regular do direito, é necessário extrair os conceitos da doutrina e da jurisprudência (GRECO, 2008, p. 317).

Além dos requisitos objetivos, o agente deve saber que atua amparado por uma causa de exclusão de ilicitude, sendo esta condição subjetiva indispensável (GRECO, 2008, p. 318).


4. Prisão cautelar e prisão em flagrante

Em princípio, prisão é a privação da liberdade daquele que responde a um fato considerado como infração penal ou a pena imposta em razão de uma sentença condenatória (CARVALHO, 1999, p. 4).

A Constituição Federal prevê em seu artigo 5°, inciso LXI, que só há duas formas de realizar-se uma prisão: a) em flagrante delito, b) por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (MARQUES, 2000, p. 31).

Diferente da prisão de natureza penal, a custódia cautelar ou processual não objetiva a punição, porém, constitui apenas instrumento para a realização do processo ou para a garantia de seus resultados.

É possível concluir que a prisão processual pode decorrer de mandado e prescindir de mandado. Ao contrário a prisão pena que só pode ocorrer por mandado, ou seja, em cumprimento ordem escrita de autoridade judiciária competente (CARVALHO, 1999, p. 21).

Note-se que a prisão processual não decorre de sentença condenatória transitada em julgado, isto é, significa que por outra decisão ela pode ser revogada. Além disso, tem natureza cautelar, ou seja, "[...] visa a proteger bens jurídicos envolvidos no processo ou que o processo pode, hipoteticamente, assegurar" (GRECO FILHO, 1998, p. 263).

A prisão pena decorre da aplicação do preceito secundário previsto nas normas penais incriminadoras, ou seja, tem sua fonte no direito material. O motivo da prisão é a condenação (ZILLI, 2008).

Praticada uma conduta criminosa e possuindo a comprovação da autoria e materialidade, a sentença condenatória deverá ser prolatada. Em regra, depois do trânsito em julgado desta decisão deve-se expedir o mandado para o cumprimento da pena.

4.2. Polícia judiciária

A polícia é função fundamental do Estado. Dela se serve a Administração para restringir coercitivamente o exercício de atividades individuais, a fim de garantir o bem geral e o interesse público (MARQUES, 2000, p. 158).

A ciência processual atual coloca ao lado do processo de conhecimento e do processo executivo o denominado processo cautelar, ou seja, é um processo destinado a garantir os meios e os resultados do processo definitivo, evitando-se, assim, as conseqüências do periculum in mora (MARQUES, 2000, p. 160).

Cabe a polícia judiciária a consecução do primeiro momento da atividade repressiva do Estado, conferida no âmbito estadual às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, sem prejuízo de outras autoridades, previsto no artigo 144, parágrafo 4°, da Constituição Federal e na esfera federal, as atividades de polícia judiciária cabem, com exclusividade, à polícia federal, conforme no artigo 144, parágrafo 1°, inciso IV, da Constituição Federal (CAPEZ, 2006, p. 73).

A polícia judiciária tem a função investigatória (MARQUES, 2000, p. 160). Ela deve impedir o que desaparecimento as provas do crime e obter os primeiros elementos informativos da persecução penal, com o objetivo de preparar a ação penal. Trata-se de uma atividade administrativa que o Estado exerce, no interesse da repressão ao crime, como preâmbulo da persecução penal. A autoridade policial não é juiz, ou seja, não atua como inter partes, e sim como parte. Cabe-lhe a tarefa de coligir o que se fizer necessário para a restauração da ordem jurídica violada pelo crime, em função do interesse punitivo do Estado. Entretanto, em vários aspectos, restringiu-lhe a força de atuação (FERNANDES, 2000, p. 241):

a) previu-se como função do Ministério Público o controle externo da atividade policial, previsto no artigo 129, inciso VII, da Constituição Federal;

b) as buscas e apreensões domiciliares, salvo nos casos de flagrante delito;

c) aos presos em flagrante são garantidos vários direitos que prestam a um controle da atuação das autoridades policiais, previstos na Constituição Federal.

Na instrução judiciária, realizada na relação processual após a fase postulatória, não se poderiam colher certas provas, ou praticar determinadas diligências, se antes não houvesse atuado a polícia judiciária, justificando a função cautelar que a esta é confiada, no momento pré-processual da persecutio criminis (MARQUES, 2000, p. 161).

4.3. Prisão em flagrante

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É uma exceção ao princípio de que ninguém pode ser preso sem ordem escrita pela autoridade competente. É cabível quando o sujeito é surpreendido ou apanhado em flagrante delito mesmo sem ordem escrita, não só por parte de órgãos da Polícia Judiciária, mas ainda por qualquer do povo (MARQUES, 2000, p. 69), pois é um ato administrativo (MIRABETE, 2005, p. 401) previsto no artigo 5°, inciso LXI, da Constituição Federal e artigo 301, do Código de Processo Penal que permite essa exceção.

Prisão em flagrante delito é a prisão que é surpreendida no mesmo momento da consumação da infração penal (TOURINHO FILHO, 2007, p. 438). Atualmente, a prisão em flagrante fundamenta-se como providencia acautelatória da prova de materialidade do fato e da autoria.

Podem-se identificar na prisão em flagrante cinco fases distintas (MARQUES, 2000, p. 80-87):

A captura é o ato inicial da prisão em flagrante, ou seja, a captura propriamente dita devendo obedecer aos dispostos artigos 283 e 284, do Código de Processo Penal.

Se existir, mesmo que por parte de terceiros, resistência à prisão, a pessoa que pretender realizar a captura e aqueles que a contribuírem poderão utilizar dos meios essenciais para defender-se ou para vencer a resistência, lavrando-se, portanto, o auto de resistência, como está previsto no artigo 292, do Código de Processo Penal.

Capturado o delinqüente, deverá ser conduzido à presença da autoridade competente, previsto no artigo 304, do Código de Processo Penal, mas, "não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo", expresso no artigo 308, do Código de Processo Penal.

Para elaboração da lavratura do auto, assim que, apresentado o capturado à autoridade competente, se esta constatar estarem presentes as exigências legais para a prisão, deverá lavrar o auto, circunstanciando a prisão em flagrante (BONFIM, 2006, p. 371).

A autoridade policial deverá ouvir "o condutor e as testemunhas que o acompanharem e interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita", previsto no artigo 304, caput, do Código de Processo Penal. Caso não haja testemunhas, serão ouvidos apenas o condutor e o conduzido (artigo 304, parágrafo 2°, do Código de Processo Penal).

Com a introdução da Lei n. 11.113/2005 modificou a redação do caput e do parágrafo 3° do artigo 304, do Código de Processo Penal, permitindo o condutor, após ser ouvido e ter assinado o auto, recebendo cópia do recibo de entrega do preso, possa deixar o local. Em seguida, serão ouvidas as testemunhas e o indiciado, dispensando-se cada um que já tiver prestado seu depoimento.

Conforme, Guilherme de Souza Nucci:

O objetivo da lei é prático: voltou-se à liberação dos policiais que tiverem dado voz de prisão ao autor do crime, na medida em que finalizarem suas declarações. [...] atualmente, conforme forem ouvidos, podem deixar o recinto, não necessitando aguardar o término de todas as inquirições para seguir nos seus afazeres. (2007, p. 552)

O auto de flagrante deve ser sem irregularidades e defeitos substanciais, sob pena de ser nulo, fato que ensejará, em conseqüência, o relaxamento da prisão, ainda que possa valer como peça informativa da investigação.

Em geral, as formalidades do auto de flagrante são indeclináveis, "pois que o referido auto é exigido ad solemnitatem, como instrumento imprescindível da coação cautelar que nele vem documentada" (MARQUES, 2000, p. 82).

Todas as formalidades mencionadas estão enquadradas no artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal, por isso, devem ser insanáveis como elementos do auto de legitima a coação processual e cautelar.

A autoridade policial que presidir o auto de flagrante, depois de concluído este, determinará a prisão do réu, desde que decorra das respostas contidas nos depoimentos ouvidos fundada suspeita contra o conduzido, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança.

A notícia da ordem de prisão deverá ser consignada em instrumento em separado, denominado nota de culpa em que a determinação sobre o recolhimento e será exarada, para que, conseqüentemente, possa o carcereiro ou diretor da prisão cumprir o que prevê e determina o artigo 288, do Código de Processo Penal.

Dentro em vinte e quatro horas, como prevê o artigo 306, parágrafo 2°, do Código de Processo Penal: "[...] será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas."

O objetivo da nota de culpa é de esclarecer a razão da prisão, pois a finalidade da nota de culpa é a de facilitar ao preso a utilização de medidas de proteção a sua liberdade. Alcançado esse objetivo, a forma não é sacramental (GRECO FILHO, 1998, p. 271).

Caso a nota de culpa não for expedida ou for expedida fora do prazo de 24 horas, Guilherme de Souza Nucci entende que

[...] configurar-se ato abusivo do Estado, proporcionando o relaxamento da prisão em flagrante, bem como medidas penais – abuso de autoridade, se for o caso, havendo dolo – e administrativas contra a autoridade policial. Há quem sustente que a não expedição de nota de culpa pode implicar responsabilidade da autoridade, mas não afetaria a prisão em flagrante realizada. [...] Não respeitadas estas, a solução é considerar ilegal a detenção e não simplesmente tomar providencia contra o agente do Estado. (2007, p. 556)

Além disso, a nota de culpa deve ser extraída em várias vias, sendo a primeira via entregue ao preso, devendo este passar recibo na cópia, que será anexada aos autos do inquérito. Caso o preso não souber, não puder ou não quiser assinar o recibo (cópia), terá necessidade de o fato ser testemunhado por duas pessoas (TOURINHO FILHO, 2007, p. 469), como prevê o artigo 306, parágrafo 2°, do Código de Processo Penal.

Logo após da apresentação da nota de culpa, completa-se o procedimento da prisão em flagrante.

José Frederico Marques menciona que:

A detenção do réu torna-se perfeitamente formalizada. E enquanto não se enviar o inquérito a juízo, permanece ele à disposição da autoridade policial que estiver presidindo às investigações. Remetidos os autos ao juízo, ao magistrado que deste for titular passará o réu a ficar à disposição.

[...]

O juiz pode entender insubsistente a prisão em flagrante, ou por nulidade do auto que a formaliza, ou da própria captura e custódia do acusado. Em qualquer uma dessas hipóteses, a prisão em flagrante será relaxada e o réu posto em liberdade. Também pode o juiz anular a prisão em flagrante e decretar a prisão preventiva do acusado, com o que mudará a razão de ser e fundamento da custódia em que deve ser mantido. (2000, p. 85-86)

Somente o juiz pode averiguar a legalidade da prisão, tendo o dever de relaxá-la, se for considerado ilegal, conforme dispõe o artigo 5°, inciso LXV, da Constituição Federal (NUCCI, 2007, p. 556).

José Frederico Marques escreve que:

Quando a autoridade policial não se convencer de que há indícios de autoria, o conduzido será solto. Posto o réu em liberdade, ou recolhido ele à prisão, a autoridade policial, se o caso for de contravenção, remeterá os autos ao juiz competente, desde que tenha ouvido, no auto de flagrante, as três testemunhas a que alude o artigo 532, do Código de Processo Penal, tudo consoante o que determina o artigo 535. Pode haver necessidade, no entanto, de novas provas e diligências, que a autoridade policial fará realizar, desde que para isso seja competente. (2000, p. 84)

4.3.1. Natureza

Antonio Scarance Fernandes (2000, p. 288) escreve que as situações concretas devem comprovar a presença dos pressupostos ou requisitos para a prisão cautelar, que são dois:

a) o fumus boni iuris, ou fumaça do bom direito, ou seja, a verificação dos elementos mínimos que apontem a existência do crime e da autoria;

b) o periculum in mora, ou periculum libertatis, isto é, a liberdade do acusado coloca em risco a marcha processual, a regularidade ou os objetivos da persecução penal (ZILLI, 2008).

Para prisão em flagrante (FERNANDES, 2000, p. 290) são necessários dois elementos para a sua configuração: a atualidade e a visibilidade. A atualidade refere-se à prova por si mesma da prática do delito. "A visibilidade liga-se à circunstância de que alguém assista à consumação do delito. É algo externo que se junta à flagrância." (FERNANDES, 2000, p. 291)

Em relação, ao requisito do fumus boni iuris da prisão em flagrante é preciso que o agente tenha sido surpreendido em uma das hipóteses do artigo 302, do Código de Processo Penal, servindo para evidenciar a existência de crime e o provável autor.

A complexidade é maior na justificativa de recolhimento no requisito do periculum libertatis (FERNANDES. 2000, p. 292), pois nem sempre seria justificada a prisão do agente, já que a pessoa pode ter residência fixa, trabalho certo, família regularmente constituída, nunca ter se envolvido criminalmente, então, será encaminhado ao cárcere pelo simples fato do flagrante, mas não necessariamente em virtude da necessidade do prisão passe o sucesso do processo.

Assim, não se pode dizer que a prisão em flagrante tem natureza cautelar, pois não estão presentes os requisitos fumus boni iuris e periculum in mora, que são essenciais para caracterizar a natureza cautelar. Trata-se, na verdade, de medida de natureza pré-cautelar, já que há visibilidade do delito, o fumus commissi delicti. Além disso, essa detenção deverá ser submetida ao crivo judicial no prazo máximo de 24 horas, porque o flagrante é uma medida precária, que não está dirigida a garantir o resultado final do processo, podendo ser efetivado por qualquer do povo ou pela autoridade policial, ou seja, destina-se a colocar o detido à disposição do juiz, para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar.

É por esse motivo que o legislador preocupou-se, no texto constitucional, previsto no artigo 5°, inciso LXII, em que houvesse uma breve comunicação ao juiz de direito sobre a prisão em flagrante. Admite-se apenas que a pessoa fique recolhida, sem controle judicial sobre a precisão da custódia, por um período muito curto, breve, estando o juiz responsável de verificar, pela cópia do auto de prisão em flagrante, se a prisão, naquele caso, deve permanecer. "Caso entenda que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva, deve conceder liberdade provisória nos termos do artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal." (FERNANDES, 2000, p. 292)

4.4. Proibição do auto de prisão em flagrante

4.4.1. Cognição

Kazuo Watanabe ensina que a cognição pode ser realizada em duas vertentes:

No plano horizontal, que trata da extensão ou amplitude do conhecimento, em relação, aos temas de Direito (2000, p. 111). Ocorre quando a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo e do mérito. O plano horizontal pode ser classificado em:

a) cognição plena em que a instrução tem como objeto uma cognição total, plena, que pretende um juízo de segurança e não de verossimilhança (2000, p. 113);

b) cognição sumária significa uma limitação na atividade instrutória, ou seja, menos extenso no sentido horizontal (2000, p. 125). O nível de conhecimento é limitado, pois se busca um juízo de verossimilhança e não de certeza. Posteriormente, no processo, a cognição será plena, suprindo as limitações da atividade anterior. Esse juízo de verossimilitude é provisional, podendo ser alterado pelo posterior processo plenário. Neste caso, está limitada ao imprescindível (LOPES, 2008), já que reserva para o processo propriamente dito a investigação dos dados complementares, da mesma forma como a sua verificação, ou seja, a instauração do inquérito (NUCCI, 2007, p. 553), proporcionando ao julgador o convencimento quanto à exatidão e certeza dos mesmos.

No plano vertical (NUNES, 2000, p. 35) a cognição indica que o limite para o conhecimento do objeto cognoscível é demarcado pelo momento procedimental nos diferentes tipos de procedimento, isto é, de acordo com suas respectivas fases até o encerramento. "No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)" (WATANABE, 2000, p. 112).

Kazuo Watanabe afirma que:

[...] se a cognição estabelece sobre todas as questões, ela é horizontalmente ilimitada, mas se a cognição dessas questões é superficial, ela é sumária quanto a profundidade. Seria, então, cognição ampla em extensão, mas sumária em profundidade. Porém, se a cognição é eliminada "de uma área toda de questões", seria limitada quanto à extensão, mas se quanto ao objeto cognoscível a perquirição do juiz não sofre limitação, ela é exauriente quanto à profundidade. Ter-se-ia, na hipótese, cognição limitada em extensão e exauriente em profundidade. (2000, p. 113)

Apesar desse conteúdo ser dirigido ao conhecimento do julgador será considerado neste ponto, pela semelhança da atividade administrativa realizado pelo delegado por ocasião da decisão da lavratura do auto de prisão. Tratando-se de prisão em flagrante, interessa-nos a cognição sumária, pois se encontra mais de acordo com os fins da instrução preliminar. A prisão em flagrante, enquanto modalidade de prisão pré-cautelar exige para a sua decretação, que haja fumus commissi delicti, ou seja, a probabilidade da ocorrência de um delito, o que, via de regra, é verificado de imediato, até mesmo pelos próprios fundamentos exigidos para esta modalidade de restrição de liberdade.

A autoridade policial possui discricionariedade para decidir sobre a lavratura do auto de prisão em flagrante (MARQUES, 2000, p.158). Diante de um fato típico provado, excepcionalmente, o delegado de polícia pode recusar-se a determinar a prisão e, conseqüentemente, liberar imediatamente o apresentado (Uma das hipóteses está previstas no artigo 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Outra, consta no artigo 301, da Lei n. 9.503/97.). Neste caso, não se trata de relaxamento de prisão, pois esta não chegou sequer a ser efetivada, nem formalizada. Fernando Capez (2006, p. 261) definiu tal hipótese como recusa em iniciar a prisão, diante da ausência de pressupostos indiciários mínimos da existência de tipicidade ou antijuricidade. Assim, por exemplo, a autoridade policial não precisa prender em flagrante vítima de lesão corporal ou de roubo que, encontrando-se, evidentemente, em condição de legítima defesa, matou seu agressor.

Para que não ocorra a lavratura do auto de prisão em flagrante é preciso obedecer a certos requisitos, ou seja, a certeza dos fatos e a profundidade de provas tornando-se cognição parcial e exauriente. Havendo a superficialidade das evidências e visando à segurança, deve-se concretizar o auto de prisão, deixando o juiz manifestar-se acerca da legalidade, já que se trata de uma medida pré-cautelar.

Ressalta-se que diante de existência de prova sobre o fato típico, a atuação do delegado de polícia no sentido de afastar o flagrante é excepcional (CAPEZ, 2006, p. 261), apenas para evitar a prisão manifestamente desnecessária, já que, ao verificar que estão presentes os requisitos autorizadores para a decretação de tal medida, torna-se sua obrigação fazê-lo.

Até mesmo porque a lavratura do auto depende da notícia de infração penal acompanhada de mínimo de elementos de prova sobre autoria e materialidade.

É preciso lembrar que a infração penal para existir necessita de, pelo menos, demonstração de existência de conduta típica e ilicitude. Se lícita a conduta, não haverá crime. Se não houver crime, não poderá haver lavratura do auto de prisão em flagrante.

Portanto, se durante a lavratura do auto, surgirem elementos que desautorizem a prisão, a autoridade policial pode impedir a sua conclusão, deixando de completar o procedimento para a prisão em flagrante.

Nesse sentido, é a construção jurisprudencial do antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

Prevaricação. Delegado de polícia que não lavra auto de prisão em flagrante em razão da existência de dúvidas quanto a caracterização da infração cometida pelo agente. Configuração. - Inocorrência. Trancamento da ação penal. Necessidade: - Inexiste prevaricação na conduta de delegado de polícia que deixa de lavrar o auto de prisão em flagrante em razão da existência de dúvidas quanto a caracterização da infração cometida pelo agente, que exigia esclarecimentos e investigações sobre os fatos, uma vez que tal decisão é de caráter técnico-jurídico, decorrente de uma discricionariedade regrada, sendo certo que não pode a acusação firmar denúncia ao acusado com base em elementos de natureza subjetiva, sem precisá-los, especificá-los ou determiná-los, devendo, nesta hipótese, a ação penal ser trancada por falta de justa causa. (TACRIM-SP – HC – 5ª Câmara. Rel. Claudio Caldeira. Ementa 113397. Julgado em 04.10.2000 – VU)

Prevaricação. Delegado de polícia que deixou de lavrar autos de prisão em flagrante de acusado que nessa situação se encontrava iniciando somente o inquérito policial. Caracterização. Inocorrência: Inocorre o delito do art. 319 do CP, na conduta de delegado de polícia que deixou de lavrar auto de prisão em flagrante de acusado que nessa situação se encontrava iniciando somente o inquérito policial, pois a regra da lavratura do auto de prisão em flagrante em situações que o exijam, não é rígida, sendo possível certa discricionariedade no ato da autoridade policial, que pode deixar de fazê-lo em conformidade com as circunstâncias que envolvem cada caso. (TACRIM-SP – HC – 8ª Câmara. Rel. Roberto Midolla. Ementa 113882. Julgado em 30.11.2000 – MV)

Outra situação é a do auto de prisão em flagrante que chegou a ser concluído, até mesmo com a assinatura de todas as partes, porém, antes da comunicação imediata ao juiz, a autoridade policial toma conhecimento de uma ocorrência que tornaria a prisão abusiva. Neste caso, poderá haver o relaxamento, pois a prisão em flagrante foi efetivada. É o caso de um crime de ação penal pública condicionada à representação, em que o ofendido se retrata após a lavratura do auto (CAPEZ, 2006, 262). A prisão tornou-se ilegal e pode ser relaxada pela própria autoridade policial, já que a sua comunicação ao juiz retardaria ainda mais a soltura de alguém que não mais deve continuar preso.

4.4.2. Liberdade provisória

A fixação de fiança será cabível pela autoridade policial, independentemente de requerimento, durante o inquérito, nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples (artigo 322, do Código de Processo Penal), exceto quando se tratar de crime contra a economia popular ou crime de sonegação fiscal (BONFIM, 2006, p. 400). Se houver recusa ou demora da autoridade policial, o preso, ou alguém, poderá prestá-la por petição dirigida ao juiz competente, que decidirá (artigo 335, do Código de Processo Penal).

A liberdade provisória será concedida mediante termo de compromisso firmado pelo indiciado ou réu de apresentar-se a todos os atos do processo, sob pena de revogação. Se o juiz constatar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato amparado por causa excludente de ilicitude, conforme o artigo 310, caput, do Código de Processo Penal, poderá conceder a liberdade provisória.

Uma primeira leitura do artigo 310 mencionado, induz a pensar que a concessão da liberdade provisória atribuída ao juiz, impossibilita o delegado de polícia de apreciar as causas excludentes de ilicitude. Entretanto, há que se considerar que o Código de Processo Penal vigente foi editado em 1941, portanto, bem anterior a Constituição Cidadã. Segundo a norma máxima, a regra atual é a liberdade, só se admitindo a prisão em situações excepcionais. Assim, também por força constitucional, deve o delegado decidir a lavratura do flagrante.

É preciso ressaltar que toda prisão cautelar de natureza processual é provisória devendo ser decretada dentro dos limites legais (TOURINHO FILHO, 2007, p. 474). E não sendo relaxada a prisão ilegal o instrumento adequado para cessar o constrangimento da liberdade será o habeas corpus (BONFIM, 2006, p. 743).

4.4.3. Abuso de autoridade em prisão ilegal

Para o delegado de polícia lavrar o auto de prisão em flagrante deve estar munido de elementos que comprovem a ocorrência do crime e indiquem que o detido foi o seu autor. Assim, a contrario sensu, sem a demonstração mínima de existência de conduta típica e de ilicitude, a lavratura do auto de prisão em flagrante pode configurar em crime de abuso de autoridade, conforme o artigo 3°, da Lei n. 4.898/65, uma vez que está restringindo, sem respaldo legal, a liberdade de locomoção (NUCCI, 2008, p. 36-37) do sujeito, que é garantida pela Constituição Federal, conforme previsto no artigo 5°, inciso XV.

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Sobre a autora
Paula Kazue Shirabe

Acadêmica de Direito das Faculdades Integradas de Três Lagoas - AEMS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SHIRABE, Paula Kazue. Cognição das excludentes de ilicitude em virtude de apresentação de flagrante fato típico na fase policial de persecução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1941, 24 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11885. Acesso em: 23 nov. 2024.

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