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O polêmico crédito-prêmio do IPI

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Recentemente, a página eletrônica do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veiculou notícia dando conta de que uma indústria gaúcha de calçados teria direito a reaver crédito-prêmio do IPI, segundo decisão proferida pela Segunda Turma [01].

Para melhor analisar essa decisão, que reflete o entendimento por ora pacificado do STJ, vale resgatar um pouco do histórico desse incentivo fiscal.


1. Escorço histórico-normativo

O crédito-prêmio do IPI é um benefício fiscal criado pelo Governo Militar de Costa e Silva como forma de incentivar as exportações brasileiras, à época em patamar raquítico [02].

O incentivo foi veiculado pelo Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969, e se consubstanciava, grosso modo, como um "reembolso" do Estado pelos tributos pagos internamente pelo exportador.

Embora tamanho benefício não faça qualquer sentido do ponto de vista da atual conjuntura econômica, sobretudo em matéria de comércio exterior, o certo é que, nos idos de 1969, o Governo Brasileiro resolveu "pagar" para que os brasileiros exportassem produtos industrializados.

Após algumas alterações legislativas menos importantes, o Estado, dez anos após a instituição do crédito-prêmio, encontrando um cenário de exportações fomentado, resolveu extingui-lo por meio do Decreto-lei nº 1.658/1979, com redação alterada pelo Decreto-lei nº 1.722, do mesmo ano.

Assim reza a norma supostamente extintiva:

"§ 2º O estímulo será reduzido de vinte por cento em 1980, vinte por cento em 1981, vinte por cento em 1982 e de dez por cento até 30 de junho de 1983, de acordo com ato do Ministro de Estado da Fazenda." [03]

Como se vê, criou-se, por intermédio deste dispositivo legal, um mecanismo de extinção gradual do benefício fiscal ao longo do tempo, que se concluiria em junho de 1983.

Referida norma, portanto, impõe uma vigência temporária à norma instituidora do benefício, qual seja aquela enunciada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 491/69.


2. A extinção em 1983

Diante disso, a primeira celeuma jurídica envolvendo a extinção do crédito-prêmio parece ter se dado com relação ao mês de junho de 1983, em atenção aos dois mencionados Decretos-leis datados de 1979.

A principal controvérsia com relação a essa data decorre da entrada em vigor do Decreto-lei nº 1.894/81, que, em seu artigo 1º, inciso II, "institui" [04], entre outros incentivos fiscais, o do Decreto-lei nº 491/69.

Reafirmando a linha temporal, a fim de melhor fixar as premissas ora adotadas, tem-se que, em 1979, um benefício teve sua vigência no tempo limitada ao ano de 1983, mas, em 1981, e, portanto, antes do término da vigência, o mesmo benefício foi instituído por outro ato normativo formalmente idêntico.

A norma do Decreto-lei nº 1.894/81, a nosso ver, acaba por prorrogar a vigência da norma antes limitada temporalmente, prorrogação essa que foi introduzida sem novo condicionante no tempo.

Noutras palavras, a norma que limitava a vigência do crédito-prêmio ao ano de 1983 acabou sendo prorrogada por tempo indeterminado em 1981.

Acerca desse tipo de ocorrência, assim asseverou o professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:

"A revogação simples funda-se em circunstâncias ínsitas nela própria. Isso pode ocorrer quando traz preordenada a data da expiração da sua vigência. Tal ocorre com as leis temporárias, promulgadas para viger, por exemplo, por um ano, que se têm por revogadas se não forem prorrogadas ao término do prazo legalmente previsto. (...)" [05]

Com efeito, havendo a prorrogação, parece evidente a desnecessidade de que a norma prorrogadora revogue expressamente a disposição temporal contida no ato normativo anterior.


3. Extinção em 1985

A segunda tentativa de extinção do crédito-prêmio era para acontecer em 30 de abril de 1985, em decorrência do disposto nas Portarias 252/82 e 176/84, ambas do Ministério da Fazenda (MF).

Tal extinção se deu por delegação de poderes para reduzir ou suspender o crédito-prêmio, contida no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.724/79, e no inciso I, do artigo 3º, do Decreto-Lei nº 1.894/81.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal acabou por declarar a inconstitucionalidade dessa delegação, o que, com a edição da Resolução do Senado Federal nº 71/2005, fulminou o fundamento de validade das mencionadas Portarias.


4. Extinção em 1990

A posição contemplada mais recentemente pelo STJ [06], e que foi adotada também no caso que deu origem à notícia mencionada, dá conta da extinção do crédito-prêmio em 1990, com fundamento no disposto no artigo 41, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Segundo referido dispositivo, os benefícios fiscais de natureza setorial vigentes em 1988 deveriam ser confirmados por lei, sob pena de revogação após 2 anos da promulgação da Constituição da República.

É certo que nenhuma lei tratou do crédito-prêmio do IPI entre 1988 e 1990, mas a observação que aqui se faz é sobre a sujeição desse benefício ao conceito de "incentivo fiscal de natureza setorial".

Embora o legislador se utilize amiúde de termos e expressões vagas ou imprecisas – até para alcançar um maior número de fatos concretos do passado, presente e futuro –, é certo que as palavras possuem certos limites semânticos que não podem ser ultrapassados pelo intérprete, sob pena de fazer tábula rasa do ordenamento jurídico.

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Interpretando o termo "setorial", o STJ vem entendendo que o crédito-prêmio do IPI se subsume à norma do ADCT, por se tratar de incentivo para o "setor exportador".

Com efeito, a interpretação dos textos do Direito é tarefa tormentosa, que exige muito rigor com a linguagem corrente, em busca do que há de mais próprio (e, nesse contexto, menos metafórico) [07] no significado.

Diante disso, a argumentação manifestada pelo STJ não sobrevive à análise que se segue, relativamente ao termo "setor".

Como setor pode-se encontrar duas grandes acepções etimológicas, a primeira como campo ou ramo de atividade; e a segunda como "divisão ou subdivisão, parte" [08].

Alinhando as duas conotações, e superando eventuais divergências dogmáticas quanto ao conceito de incentivo fiscal [09], conclui-se que "incentivos fiscais de natureza setorial" [10] só podem ser aqueles benefícios outorgado a uma parte dos contribuintes de determinado tributo, em razão do seu campo de atuação empresarial (atividade).

Tanto que o Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar a matéria, assim julgou:

"Como se vê, a decisão impugnada lastreou-se na existência, à época dos fatos, de incentivo fiscal, de natureza setorial, porquanto vinculado a um programa econômico que se achava, à época dos fatos, em plena fase de expansão, tendo por objeto a instalação, no país de ‘uma linha de fabricação de câmaras fotográficas’, segundo a Exposição dos Ministros da Indústria e Comércio e da Fazenda, que foi aprovada pelo Presidente da República (...)" [11] (grifos nossos).

Na mesma linha exemplificativa seria o caso de eventual incentivo fiscal que beneficiasse exportadores de câmeras fotográficas.

No caso do crédito-prêmio, contudo, a situação fática parece não se enquadrar nesse conceito ora proposto, uma vez que o incentivo fiscal se aplica à totalidade dos que exportem produtos manufaturados, quaisquer que sejam os "ramos de atividade" (ou setores da economia) a que pertençam a esses produtos.

Ademais, se "setor exportador" fosse um campo de atividade, quais seriam os demais? O importador e o que opera exclusivamente no mercado interno? Não parece que isso se refira a setor econômico.

A exportação, assim como a importação e o comércio interno, são operações, que podem se dar, em regra, em qualquer ramo de atividade, como o das câmeras fotográficas, o automobilístico, entre tantos.


5. Conclusõe

  1. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89088>. Acesso em 10/09/2008.
  2. Como se sabe, até o início dos anos 70, assim como acontecia desde o Brasil-colônia, o país figurava no cenário internacional como um agente eminentemente importador de produtos manufaturados, e exportava exclusivamente matérias-primas agrícolas, mas em patamar irrisório frente ao Agronegócio dos dias atuais.
  3. Parágrafo 2º, do artigo 1º, do Decreto-lei 1.658/79.
  4. Verbo utilizado pela ementa do referido veículo introdutor.
  5. Princípios Gerais de Direito Administrativo, 2007, p. 303.
  6. A partir do julgamento, pela 1ª Seção, dos Embargos de Divergência em REsp nº 396.836 - RS, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j: 08/03/2006.
  7. O conceito de metáfora é aqui utilizado na mesma acepção que encontramos em Daniel Mendonça, na obra "Los Derechos em Juego" (Tecnos, 2003).
  8. AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 730.
  9. Até porque o próprio STJ já parte da premissa de que o crédito-prêmio do IPI é um incentivo fiscal.
  10. Artigo 41, caput, do ADCT.
  11. Trecho do voto do Ministro Ilmar Galvão no RE 140.896-1 SP, 1ª Turma, DJ 02.08.96.
  12. Tanto que, em meados de abril de 2008, o STF reconheceu que o tema possui repercussão geral (RE 577.302).
  13. Conclusão obtida a partir de informações colhidas no "site" do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=571).
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Sobre o autor
Carlos Eduardo de Arruda Navarro

Advogado em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAVARRO, Carlos Eduardo Arruda. O polêmico crédito-prêmio do IPI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1944, 27 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11895. Acesso em: 23 abr. 2024.

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