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Tribunal do júri

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26/10/2008 às 00:00
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5.CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

No Júri, a publicidade é ampla ou popular (CPP, art. 792), está acessível a todas as pessoas, sem restrição. Essa publicidade se verifica desde o sorteio anterior à convocação dos jurados, feito "a portas abertas" (art. 433), até o resultado final em relação a cada julgamento, com a publicação da sentença, na presença do réu, também a portas abertas (art. 493).

Além disso, confirma sua natureza pública o fato de ser formada a instituição por cidadãos, representantes do povo.

A exceção ocorre no momento da votação, verificada em sala secreta, conforme se comentou linhas acima.

5.2.A oralidade e seus corolários

Pelo sistema ou princípio da oralidade do procedimento, as declarações são feitas através da palavra oral. Em decorrência da oralidade, aparecem os princípios da concentração, imediatidade ou imediação e identidade física do juiz.

No procedimento do Júri, a palavra tem grande importância, pois seus atos mais destacados, que são os debates, não são escritos na integralidade. São apenas registrados na ata os dados essenciais (CPP, art. 495, XIV). No entanto, Frederico Marques [17] criticou o fato de que, praticamente, apenas os discursos da acusação e da defesa sejam efetivamente sob a forma oral, pois muitas vezes não se faz prova em plenário. Os depoimentos são lidos, desnaturando o Júri, na medida em que o jurado não tem contato direto com a prova. A leitura deveria restringir-se às provas periciais.

Também nesse aspecto, a reforma implementada pela Lei n. 11.689/08 deverá provocar alteração de posturas, pois será limitada a leitura de peças, no plenário. Conforme dispõe o art. 473, § 3º, as partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis.

De outro lado, na fase de julgamento, realizada em plenário, os atos são concentrados, sob pena de nulidade. Uma vez instalada a sessão de julgamento, não haverá interrupção, salvo pelo tempo necessário para realização de diligências (art. 497, VII). Se estas não puderem ser realizadas imediatamente, será dissolvido o Conselho de Sentença (art. 481), devendo o julgamento ser reiniciado e não retomado do ponto em se interrompeu.

A imediatidade é constatada pela presença indeclinável e permanente dos jurados e do próprio juiz presidente, durante todo o julgamento, que não podem se ausentar do julgamento.

Pela identidade física, o juiz deve lavrar a sentença ato contínuo, segundo o veredicto dos jurados (CPP, art. 492).

5.3.Procedimento escalonado ou bifásico

O procedimento do Júri se desenvolve em etapas ou fases. Inicialmente, há uma fase preliminar, preparatória, anteriormente denominada de sumário de culpa ou juízo de acusação, que é feita no juízo singular. Com a reforma, essa etapa é designada de instrução preliminar. Após essa fase, o juiz profere um juízo de admissibilidade. Sendo positivo esse juízo, isto é, sendo pronunciado o réu, inicia-se a segunda etapa, a fase de julgamento (judicium causae), que se desenrola no plenário, perante os jurados.

Não se pode esquecer que, em regra, já terá ocorrido a fase do inquérito policial, que, no sistema brasileiro, corresponde a uma das etapas da persecução penal.

Para Nucci [18], o procedimento deve ser considerado trifásico: a) fase de formação de culpa (da denúncia à decisão de pronúncia); b) fase de preparação do plenário (Seção III, capítulo II); e c) fase de julgamento da causa (em plenário).


6.ORGANIZAÇÃO DO JÚRI

De acordo com o art. 425, anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população.

Mas, nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial (art. 425, § 1.º).

Para localização desses cidadãos alistáveis, o juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado (art. 425, § 2.º).

Nos termos do art. 426, essa lista geral de prováveis jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri.

Fala-se em probabilidade de inclusão, porque a lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva (art. 426, § 1.º). Aquele que possui os requisitos legais é alistável, um jurado virtual, isto é, "de pessoa com capacidade para ser membro do corpo de jurados" [19].

Se essa reclamação ao juiz não surtir efeito, está previsto recurso no sentido estrito contra a decisão que incluir ou excluir jurado da lista (art. 581, XIV), no prazo de vinte dias (art. 586, parágrafo único).

Representantes do Ministério Público, da Seção local da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Públicas poderão acompanhar a seleção de jurados. Após o alistamento e resolvidas eventuais impugnações, os nomes e endereços dos alistados, em cartões iguais, após serem verificados na presença desses representantes, permanecerão guardados em urna fechada a chave, sob a responsabilidade do juiz presidente (art. 426, § 3.º).

Essa lista geral deverá ser completada anualmente (art. 426, § 5.º), tendo em vista que, além de outras causas que podem provocar exclusão do nome, a lei veda a participação do jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação (art. 426, § 4.º).

Assim, existem quatro categorias de jurados: os alistáveis, os alistados, os vinte e cinco sorteados para compor o Tribunal e os sete que compõem o Conselho de Sentença.

6.1.1.As condições para o alistamento e a função do jurado.

O jurado é o órgão leigo, não permanente, do Poder Judiciário, investido legalmente de atribuições jurisdicionais, para integrar juízo colegiado heterogêneo a que se dá o nome de Júri. Esse órgão exerce sua atribuição através do veredicto, que é o ato decisório por ele proferido, a respeito da existência do crime e a autoria [20].

Trata-se de serviço obrigatório, para os maiores de 18 anos, possuidores de notória idoneidade (art. 436). É certo que não é possível aferir, com exatidão, o critério de idoneidade, por se tratar de termo vago e impreciso. Deve-se, contudo, verificar, pelo menos, se o alistando não possui maus antecedentes criminais. Outrossim, não se pode alistar o jurado analfabeto, que não apenas terá dificuldade de compreensão do que ouvir, como lhe será impossível conferir qualquer texto e até mesmo expressar-se corretamente.

Assim como a do analfabeto, outras situações, também não mencionadas pela lei, são apontadas pela doutrina como incompatíveis com a função de jurado. Tal é o caso, por exemplo, do surdo-mudo e do cego. Whitaker, referido por Frederico Marques [21], diz que o surdo-mudo, "privado como se acha de ouvir as ocorrências do plenário que tanto elucidam o processo, é inapto para a função de juiz". E, quanto ao cego, o mesmo se dá devido à privação de realizar exame das provas.

Fora isso, nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do Júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução (art. 436, § 1.º). Também não poderá recusar, injustificadamente, o serviço do Júri, sob pena de incorrer em multa no valor de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado (art. 436, § 2.º).

De outro lado, dispõe o art. 438, que a recusa ao serviço do Júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto.

Esse serviço consiste no exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada, fixado pelo juiz, atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (art. 438, §§ 1.º e 2.º).

6.1.2.Isenção e impedimentos

O art. 437 dispõe sobre os isentos do serviço do Júri. São eles:

I – o Presidente da República e os Ministros de Estado;

II – os Governadores e seus respectivos Secretários;

III – os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais;

IV – os Prefeitos Municipais;

V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública;

VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública; VII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública;

VIII – os militares em serviço ativo;

IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa;

X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.

Na verdade, isentas realmente são os maiores de 70 anos e aquelas pessoas que demonstrarem justo impedimento, a ser analisado individualmente. Os demais constantes da relação revelam incompatibilidade com a função de jurado, por isso não podem ser incluídos sequer na lista geral.

Também estará impedido aquele que integrou o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista (art. 426, § 4.º). Esse impedimento, na verdade, constitui o que se denominou de jubilação, cuja palavra tem o sentido de aposentadoria. Anteriormente, estava prevista a jubilação, isto é, a substituição do jurado que comparecesse durante seis dias consecutivos de julgamento [22].

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6.2.A Formação do Tribunal do Júri

O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento (art. 447). Dispõe o art. 448 que são impedidos de servir no mesmo Conselho:

I – marido e mulher;

II – ascendente e descendente;

III – sogro e genro ou nora;

IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio;

V – tio e sobrinho;

VI – padrasto, madrasta ou enteado.

Com a reforma foi estendido o impedimento em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar (art. 448, § 1.º).

E, nos termos do § 2.º, do mesmo dispositivo, aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados. Portanto, devem ser observados, ainda, os artigos 252 a 254, do CPP.

Considera-se suspeito o juiz quando tem algum interesse em relação a qualquer das partes (CPP, art. 254). Impedimento significa obstáculo ou proibição para funcionar no processo ou intervir em ato judiciário em virtude da existência ou ocorrência de determinado motivo, como são aquelas situações retratadas no art. 252, com as modificações introduzidas ao direito familiar pela Constituição de 1988, especialmente o art. 226 e seus parágrafos. Impedido é o juiz e não o juízo. E as incompatibilidades dizem respeito a cargos ou funções que não podem ser desempenhados juntos ou simultaneamente pela mesma pessoa ou no mesmo processo [23].

Hélio Tornaghi indicou o critério para distinguir entre impedimento e suspeição: o juiz é impedido quando tem interesse no desfecho da causa e suspeito quando se interessa por qualquer das partes [24]. Além dessas situações já previstas na legislação a reforma, através do art. 449, aduziu que não poderá servir o jurado que:

I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior;

II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado;

III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado.

As duas primeiras situações, em que pese tratarem-se de inovação em termos específicos, estão relacionadas com o art. 252, II, além de referidas no art. 607, § 3.º (que a reforma revogou) e na Súmula n. 206, do STF ("É nulo o julgamento ulterior pelo Júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo"). Ademais, são situações comprováveis no próprio processo.

A última hipótese, todavia, pode decorrer de manifestação em qualquer local ou veículo, cumprindo ao interessado levar ao conhecimento do juiz presidente, ao impugnar o jurado, o que deverá ser feito em plenário, por ocasião do sorteio.

A ordem de preferência entre os impedidos é disciplinada pelo art. 450, mantendo o jurado que houver sido sorteado em primeiro lugar.

Além disso, como a questão de número jurados é de suma importância, sendo previsto número mínimo para que o julgamento seja iniciado, os excluídos por impedimento, suspeição ou incompatibilidade serão considerados para a constituição do número legal exigível para a realização da sessão (art. 451).

Por último, o art. 452 dispõe que o Conselho de Sentença poderá conhecer de mais de um processo, no mesmo dia, se as partes o aceitarem, hipótese em que seus integrantes deverão prestar novo compromisso.

6.2.1.As prerrogativas e os deveres dos jurados

A lei confere alguma vantagem pessoal ao jurado que tenha efetivamente exercido a função. Isto é, para aquele que tenha sido convocado, sorteado e, de fato, integrado o Conselho de Sentença.

O art. 439 declara o exercício efetivo da função de jurado serviço público relevante, estabelece presunção de idoneidade moral e assegura prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

Constitui também direito do jurado, na condição do art. 439, preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária (art. 440). E nenhum desconto será feito nos vencimentos ou salário daquele que comparecer à sessão do Júri (art. 441).

Mas, em contrapartida, ao jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer no dia marcado para a sessão ou retirar-se antes de ser dispensado pelo presidente será aplicada multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a sua condição econômica (art. 442).

Somente será aceita escusa fundada em motivo relevante devidamente comprovado e apresentada, ressalvadas as hipóteses de força maior, até o momento da chamada dos jurados (art. 443). O jurado somente será dispensado por decisão motivada do juiz presidente, consignada na ata dos trabalhos (art. 444).

O jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados (art. 445).

6.3.As reuniões do Júri e a ordem dos julgamentos

O Tribunal do Júri não é um órgão permanente. Ele se reúne periodicamente, quando os jurados são convocados, de acordo a situação de cada localidade e conforme a necessidade, desde que esteja prevista a realização de sessões. Cada período é denominado de reunião, na qual pode ocorrer uma ou mais sessões.

A esse respeito, dispõe o art. 453, do CPP, com a redação da Lei n. 11.689/08: o Tribunal do Júri reunir-se-á para as sessões de instrução e julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária.

No Estado de São Paulo, seu Código Judiciário (Decreto-lei complementar 3/69) dispõe: a) nas comarcas de primeira e segunda entrâncias, o Júri reunir-se-á quatro vezes ao ano, nos meses de março, junho, setembro e dezembro; b) nas comarcas de terceira entrância, haverá seis reuniões ao ano, nos meses pares, funcionando permanentemente quando houver Vara Privativa; c) na Capital, os Tribunais do Júri funcionarão permanentemente, salvo nos domingos e feriados, na Semana Santa, e entre os dias 23 de dezembro a 2 de janeiro [25].

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Sobre o autor
Antonio Milton de Barros

promotor de Justiça aposentado, mestre e doutorando em Direito pela PUC/SP, professor de Processo Penal na Faculdade de Direito de Franca (SP), fundador-coordenador do Núcleo de Aperfeiçoamento e Crítica de Ciências Criminais (NACCRIM) da Faculdade de Direito de Franca (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Antonio Milton. Tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1943, 26 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11896. Acesso em: 19 abr. 2024.

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