Resumo: Trata-se de um ensaio a respeito do Tribunal do Júri, em que são apresentados os aspectos históricos, as características, os princípios, forma de constituição e recrutamento de jurados etc., com destaque para o procedimento, que passou por grande alteração, através da Lei n. 11.689/08. Além de indicar os posicionamentos divergentes sobre determinados aspectos, procura-se posicionar a respeito de cada um, mas sem perder de vista a inevitável dose perplexidade em torno de algumas novidades introduzidas pela referida lei, a exigir observação e acompanhamento doutrinário e jurisprudencial sobre os rumos a serem tomados na vivência prática.
Palavras-chave: Constituição Federal, Processo Penal, Tribunal do Júri, procedimento e Lei n. 11.689/08.
1.ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI
Embora indicando outras versões sobre a origem Tribunal do Júri, Rogério Lauria Tucci (1999, pp. 11-67) [01] indica como verdadeiro embrião do tribunal popular o segundo período evolutivo do processo penal romano. Assim conclui por entender que a noção de tribunal popular, que consiste no julgamento de ser humano por seus pares, exige uma estruturação, ainda que rudimentar e, também a observância de regras previamente estabelecidas. Essa estruturação só teve lugar em Roma, "com a quaestio, órgão colegiado constituído por cidadãos, representantes do populus romano, presidido pelo pretor, e cujas constituição e atribuições — assim como os crimina determinantes da sua competência, e respectivas penas — eram definidos em leges, prévia e regularmente editadas". Cada quaestio era formada por um presidente (praetor) e, no máximo, cinqüenta cidadãos.
As listas oficiais continham cerca de mil nomes de jurados, e estes eram, individualmente, colocados numa urna, para serem oportunamente indicados; podia haver recusa do acusador (tacitamente, pela não-indicação), ou do acusado (pela rejeição). O presidente era o magistrado a quem incumbia examinar, preambularmente, a acusação; decidir sobre a competência, receber o juramento das partes, escolher e convocar os iudices iurati, presidir as discussões e fazer executar a sentença. E os demais jurados, uma vez indicados e não recusados, deviam participar de todo o procedimento, e, no final, pronunciar-se, por meio de votação, pela condenação do acusado, pela sua absolvição, ou, ainda, por um alargamento da instrução.
Quanto ao procedimento, recebida a acusação, o nome do acusado era publicado numa tábua,sendo cancelado somente após a sua absolvição. Em seguida, ele era citado; se não comparecesse, seus bens eram objeto de inscrição e, um ano depois, confiscados. Comparecendo, era interrogado sobre a acusação, como formulada. Confessando a accusatio, tudo terminava. Negando-a, o pretor determinava que o acusador e o acusado voltassem a juízo, em dia desde logo designado, com tempo suficiente à colheita dos elementos de prova. Nesse tempo, o acusador cuidava da investigação para comprovar a acusação, enquanto que o acusado tinha o direito de acompanhar toda a sua atividade ou indicar um preposto para controlá-la. Em juízo, após a composição do órgão julgador, passava-se aos debates. Primeiro, falava o acusador; em seguida, o acusado. Com o tempo, permitiu-se a constituição de patronos como oradores. As votações, no início, eram feitas oralmente, e, depois, passaram a ser por cédulas, com as inscrições: "A (absolvo), C (condemno), ou NL (non liquet)" cujo resultado era anunciado pelo quaesitor.
Além dessas características comuns, havia outras semelhanças entre o Júri brasileiro e as quaestiones perpetuas. A quaestio era formada por um magistrado (quaesitor), que a presidia, mas despido da função de votar, e jurados judices jurati, com o poder de julgar, num processo de natureza pública, contraditório e oral. Semelhantes, também, a forma de recrutamento dos componentes do órgão julgador e as peculiaridades do procedimento.
Outros autores apontam seu surgimento na Inglaterra, notadamente a partir da Magna Carta, de 1215, quando se propagou para o mundo ocidental o preceito "ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento por seus pares, segundo as leis do país" [02].
2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO JÚRI
É consensual, contudo, que a instituição do Júri é levada para as ilhas britânicas, onde se adaptou aos costumes ingleses, originando um órgão julgador diferenciado, de caráter misto. Tal foi o desenvolvimento do Júri na Inglaterra, que dali se irradiou pela Europa e pela América.
O Júri então era composto por vinte e quatro pessoas, escolhidas entre os vizinhos do acusado e os moradores do lugar em que cometida a infração penal. Essas pessoas, por terem conhecimento do fato e da pessoa do acusado, constituíam, ao mesmo tempo, o "Júri de acusação" e "Júri de julgamento". "A partir do século XVII, substituídos os duelos judiciários, as ordálias e os julgamentos de Deus pela declaração de doze cavaleiros, consolidou-se o Júri britânico com esse número de jurados". O procedimento passou a ter duas fases, a do Júri de acusação e a do Júri de julgamento; a discussão, a votação e o veredicto dos jurados são sigilosos e realizados em sala reservada [03].
Segundo Ruy Barbosa [04], com essas características, antes mesmo de irradiar-se no continente europeu, o Júri inglês estabeleceu-se na América do Norte. Primeiro, foi consagrado, formalmente, na Carta Régia outorgada ao primeiro grupo de imigrantes incumbido da civilização colonial, generalizando-se por toda a colônia, ainda no século XVII. Até hoje, a instituição do Júri é muito forte nos Estados Unidos da América do Norte.
O Júri sofreu influência da Revolução Francesa, porquanto a Assembléia Constituinte deliberou, em 1789 e 1790, a remodelação da justiça, consagrando o Júri criminal como instituição judiciária. Embora orientado, de início, pelo modelo inglês, a França conferiu-lhe caráter político: adotou-se a publicidade dos debates e na instrução da causa; estabeleceu-se que só o cidadão (eleitor) poderia ser jurado; e o processo passou a ter três fases: a) instrução preparatória; b) Júri de acusação, formado por oito membros, sorteados de um lista de trinta cidadãos; c) debates e Júri de julgamento, formado por doze membros, sorteados de uma lista de duzentos cidadãos, com direito de recusa de vinte, pelas partes.
Por último, ao contrário do que ocorria na Inglaterra, onde a condenação do acusado dependia da unanimidade de votos dos jurados, na França se admitiu o resultado por maioria, segundo Arthur Pinto da Rocha [05].
3.O JÚRI NO BRASIL
De acordo com o magistério de José Henrique Pierangeli [06], o Júri foi instituído no Brasil, em 1822, através de um Decreto sem número, datado de 18 de junho, que "crêa juízes do facto para julgamento dos crimes de abusos de liberdade de imprensa". Esse decreto fixava em 24 o número de jurados, sendo que os "réos" poderiam recusar até 16 desses jurados, ficando os 8 restantes encarregados pelo julgamento.
A Constituição Política do Império, de 25 de março de 1824, estabeleceu, no art. 151: "o Poder Judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os códigos determinarem". O art. 152 dispunha que "os jurados se pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei".
Uma Lei, também sem número, de 20 de setembro de 1830, no título III, dispondo sobre "a eleição dos jurados e promotores do jury", institui o "Jury de Accusação" e o "Jury de Julgação".
O Código do Processo Criminal do Império, de 29 de novembro de 1832, define a composição desses dois conselhos. O primeiro conselho, composto por 23 jurados (art. 238), tinha a incumbência de decidir sobre a existência ou não de base suficiente para a acusação (arts. 244 e 245). Quando o Júri de acusação decidia no sentido afirmativo, formava-se o segundo conselho, composto por 12 jurados (art. 259). Este era o conselho de sentença ou conselho de julgamento, encarregado de dar o veredicto, através de votação de quesitos, que lhes eram formulados pelo Juiz (art. 269).
A Lei n. 261, de 03.12.1841, reformando o Código de Processo Criminal, extinguiu o Júri de Acusação. Em seu lugar, foram encarregados de elaborar as sentenças de pronúncia (isto é, a decisão de encaminhamento do caso ao Tribunal do Júri) os Chefes de Polícia e os Juízes Municipaes (art. 54). Permaneceu apenas o Conselho de Sentença, com o mesmo número de jurados (12), cujas decisões eram tomadas por maioria. Em caso de empate, prevalecia a decisão mais favorável ao acusado. Essa Lei foi regulamentada, em sua parte especial, pelo Regulamento n. 120, de 31.01.1842.
Em 1871, foi editada a Lei n. 2.033, de 23 de setembro, regulamentada pelo Decreto n. 4.824, de 22.11.1871, com disposições legais sobre a Legislação Judiciária. Mas, não se registrou substancial modificação sobre o Júri. Após a proclamação da República, pelo Decreto n. 848, de 11.10.1890, foi criado o Júri federal, também composto por 12 jurados.
A Constituição Federal de 1891 dispõe, no art. 72, § 31: "é mantida a instituição do Júri". Assim, sucessivamente, aconteceu com as Constituições de 1934, de 1946, de 1967, e na EC de 1969. Embora não prevista na Constituição de 1937, o Júri foi regulado pelo Decreto-lei n. 167, de 5.01.1938, que retirou a soberania dos veredictos, permitindo a apelação sobre o mérito. A soberania dos veredictos foi restaurada pela Constituição de 1946, a qual conferiu à lei ordinária a tarefa de estruturar o Júri, mas vedou a manutenção de número par de jurados e fixou a competência mínima para os crimes dolosos contra a vida.
O texto constitucional de 1946, quanto ao Júri, foi regulamentado e complementado pela Lei n. 263, de 23.02.1948, cujo art. 1.° dispõe: "a organização do Tribunal do Júri e, igualmente, o processo dos crimes de sua competência continuam a ser regidos pelo Código de Processo Penal, com as modificações decorrentes do disposto no artigo 141, § 38, da Constituição, e constantes da presente Lei". Observe-se que o Código foi promulgado em 1941, entrando em vigor no ano seguinte; portanto, poucos anos depois, entra em choque com o texto da Constituição de 1946, de caráter mais democrático.
Assim, os artigos 74, § 1.°, 78, 466, 474, 484, 492, 564, 593 e 596, do CPP, tiveram suas redações modificadas pela Lei n. 263/48, justamente para se adequar à referida Constituição.
Atualmente, a instituição do Júri está prevista no art. 5.°, XXXVIII, da Constituição de 1988, que dispõe: "é reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida".
Por último, sobreveio a Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, que entrou em vigência em 9 de agosto do mesmo ano, alterando os dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal.
4.PRINCÍPIOS OU REQUISITOS FUNDAMENTAIS
Em vez da expressão ampla defesa, para o Júri o legislador optou por prever plenitude de defesa. Para a grande parte dos doutrinadores a distinção não é levada em conta. Alguns, contudo, consideram que são distintos os efeitos das duas expressões, argumentando que a defesa no Júri há de ser mais abrangente. Guilherme de Souza Nucci [07], por exemplo, afirma que os próprios termos indicam dessemelhança, porque amplo significa vasto, largo, copioso, ao passo que pleno quer dizer completo, perfeito, absoluto. "O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos".
Para justificar a distinção Nucci exemplifica com a atuação do defensor que haverá de ser perfeita no Júri, podendo ser apenas satisfatória no processo comum; isto porque, no Júri são julgadores leigos, votam sem fundamentar a decisão e a má atuação da defesa pode resultar em condenação, enquanto que no processo comum o juiz terá condições de suprir a deficiência defensiva, absolvendo o réu.
A nosso ver, contudo, não é tão significativa a distinção. É certo que a defesa do réu no processo criminal deveria ser mesmo plena, isto é, perfeita, se fosse possível. No caso do Júri, o que propicia melhores condições de defesa é o próprio rito, que a isso conduz tendo em vista suas peculiaridades.
De fato, no procedimento do Júri, o acusado tem maiores oportunidades de defesa. Além das duas fases para se proferir juízos de admissibilidade, a primeira, quando se decide pelo recebimento da denúncia ou da queixa e, a segunda, por ocasião da pronúncia, haverá a oportunidade perante os jurados, onde a maior publicidade do julgamento exige, igualmente, mais empenho da defesa e, ao mesmo tempo, melhor fiscalização popular.
Observe-se que a Constituição Federal de 1946, que dentre outras qualidades unanimemente reconhecidas, resgatou a dignidade do Tribunal do Júri, não faz distinção: menciona plena defesa aos acusados em geral [08], e plenitude de defesa quando se refere ao Júri [09]. Ao comentar esses dispositivos, escreveu José Frederico Marques [10]:
No art. 141, § 25, a defesa plena é assegurada como garantia genérica envolvendo toda a contextura jurídica da ordem legal. No § 28, a amplitude de defesa do réu vem assegurada como consagração prévia de formas processuais que ao Júri se ligam com o caráter de normas pro defensionis. No § 25, a defesa é plena, bastando que se assegurem aos acusados "os meios e recursos essenciais a ela"; n § 28, a defesa é ampla, devendo, portanto, o legislador estatuir meios e recursos não essenciais ao direito de defesa, mas a este inerentes dentro da instituição do Júri. A recusa peremptória não é meio ou recurso essencial ao direito de defesa, mas se enquadra na defesa ampla perante o Júri, como elemento constitutivo das prerrogativas do réu.
Pelo que se nota, além do texto constitucional anterior (que foi repetido na Constituição de 1988) também na doutrina não se fazia distinção efetiva, senão quanto ao aspecto de se tratar de um procedimento especialíssimo, cujas peculiaridades ensejam defesa mais ampla ou plena.
No mesmo sentido, Antonio Alberto Machado [11] assevera.
É claro que o princípio da ampla defesa caracteriza todo o edifício processual, tanto no processo do Júri quanto nas demais formas de procedimento. Todavia, a sua afirmação específica em relação ao tribunal popular significa que a defesa deve ser exercida com todos os meios e recursos inerentes a ela, bem como a utilização de argumentos e teses que eventualmente possam refugir ao âmbito jurídico. É o caso, por exemplo, da utilização de argumentos morais, filosóficos, sociais, religiosos, políticos etc., que não são propriamente jurídicos e podem perfeitamente embasar as decisões dos jurados, já que estas não necessitam de motivação e podem muito bem se louvar em elementos que não constituem exatamente uma razão jurídica expressa num determinado dispositivo legal.
Não nos parece correto, contudo, a faculdade de nova manifestação da defesa, equivalente ao exercício de tréplica, sem que a acusação faça uso da réplica, como se defende, em nome da plenitude da defesa. Em primeiro lugar, não seria tréplica, que pressupõe a existência de réplica. Depois, configuraria inegável ferimento ao princípio da isonomia processual e do devido processo legal. Afinal, o direito de defesa, seja ela ampla ou plena, decorre do direito de ação, cujo exercício, por parte do órgão acusador, não pode ser restringida.
Ou, então, que a defesa possa inovar suas teses por ocasião da tréplica, cujo procedimento afetaria gravemente o contraditório, na medida em que o acusador já não disporá de oportunidade para se manifestar [12], a não ser por meio de ligeiros e, muitas vezes, conturbados apartes.
Também se costuma dizer que o juiz presidente estará obrigado a formular quesito sobre a tese apresentada pelo próprio réu, ainda que divergente do que a apresentada pelo defensor técnico, em virtude desse princípio. Contudo, essa postura pode ser prejudicial ao réu. Os jurados poderão entender como falta de sinceridade, de um ou de outro. A meu ver, a confiança do acusado em seu advogado é condição indispensável ao efetivo exercício de defesa, razão pela qual as duas participações – defesa técnica e autodefesa – devem ser convergentes e coerentes entre si.
4.2.O sigilo das votações
Desde a Constituição de 1946, se estabeleceu que a votação dos quesitos, pelos jurados, seria sigilosa, em relação ao público e ao réu. Para cumprimento dessa regra, prevê o Código que a votação ocorra em sala especial ou sala secreta onde ficarão apenas o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça (art. 485 caput); onde não houver essa sala, determina-se a retirada deste e de todos os circunstantes do plenário (art. 485, § 1.º), permanecendo as mesmas pessoas referidas.
Além disso, dispõe o § 2.º, do art. 485, que o juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará retirar da sala quem se portar inconvenientemente.
De acordo com o art. 486, antes de proceder-se à votação de cada quesito, o juiz presidente mandará distribuir aos jurados cédulas de papel, contendo 7 (sete) delas a palavra sim, 7 (sete) a palavra não. E visando assegurar o sigilo do voto, o oficial de justiça recolherá em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas (art. 487).
Anteriormente, todos os jurados deveriam depositar o seu voto, de forma que a decisão por unanimidade quebrava o sigilo das votações. Com a reforma introduzida pela Lei n. 11.689/08, a decisão será encerrada quando atingidos quatro votos.
A regra do sigilo se estende aos jurados entre si, para que um não influencie no convencimento do outro. Aliás, será causa de nulidade do julgamento se um jurado externar sua opinião, ainda que inconsciente ou inadvertidamente, por exemplo, por meio de pergunta. A confirmar a assertiva, o Código exige a incomunicabilidade dos jurados, entre si, quanto ao tema do processo (art. 466).
A esse respeito, preleciona Mauricio Antonio Ribeiro Lopes [13]:
A forma sigilosa, ou secreta, da votação – principalmente, mas também do restante da participação do jurado na sessão de julgamento – decorre da necessidade de resguardar-se a independência dos jurados (juízes leigos, destituídos de garantias, ao contrário dos juízes togados), no ato crucial do julgamento, que é a deposição dos votos, em sentido positivo ou negativo, dela resultando a sorte do veredicto e o destino dos acusados.
Em virtude da determinação constitucional da publicidade dos atos e das decisões judiciais, surgiu o entendimento de que o julgamento do Júri, também, deveria ocorrer a portas abertas, no mesmo local público onde houve os debates, abolindo-se, em conseqüência, a chamada "sala secreta". No entanto, a jurisprudência pacificou o entendimento de que não foi abolida a sala secreta [14].
Desse modo, o sigilo, no julgamento pelo Júri, se desdobra no sigilo das votações e na incomunicabilidade dos jurados.
4.3.Soberania dos veredictos
O princípio da soberania dos veredictos do Júri indica que suas decisões não podem ser substituídas por decisões de juízes togados. Por isso, a decisão proferida pelo juiz, na primeira fase do procedimento, não constitui decisão de mérito, nem deve conter expressões que possam sugestionar os jurados. Cumpre-lhe, nessa oportunidade, evitar que alguém seja, injustamente, submetido a julgamento popular. Sua função é a de verificar se estão presentes os elementos que justificam a pronúncia.
Mas, não é absoluta a soberania do Júri.
Em primeiro plano, o tribunal superior (togado), na sua competência funcional, quando acionado, verifica a regularidade do veredicto. Se for o caso, determina que outro julgamento seja realizado, pelo Tribunal do Júri. Segundo Frederico Marques [15], a Constituição não se refere a soberania de cada veredicto e sim do conjunto de veredictos. "Quer isto dizer que mais de um veredicto pode haver, embora o último, predominando sobre o primeiro, forçosamente o revogue".
Essa situação pode ocorrer na apelação (CPP, art. 593, § 3.°, d), em que o Tribunal togado, se der provimento ao recurso, o fará para que outro julgamento seja feito, pelo próprio Tribunal do Júri.
Mas, se na apelação não há quebra da soberania do Júri, o mesmo não se pode dizer da revisão criminal. Nesta, salvo a hipótese de nulidade, os casos de reconhecimento de erro judiciário provocam a substituição da decisão dos jurados leigos pelo técnico, em nova decisão de mérito.
4.4.Competência mínima
Após relembrar que as regras de competência funcional são fixadas em razão da fase do processo, do objeto do juízo e dos graus de jurisdição, Hermínio Marques Porto [16] destaca que os três critérios são identificados no procedimento do Júri. O primeiro critério se revela no fato de que este procedimento se desenvolve em etapas; o segundo consiste na fixação de atribuições diferentes para o juiz presidente e para os jurados; e o terceiro estabelece a competência dos tribunais de segundo grau, em fase de recurso.
A Constituição Federal, ao estabelecer a competência do Tribunal do Júri, indica que, no mínimo, lhe estão afetos os crimes dolosos contra a vida. Essa competência não poderá ser retirada. Mas, poderá ser ampliada, para incluir outros crimes. Como se sabe, na sua origem, o Júri não se restringia a julgamento apenas de crimes dessa natureza. E, mais recentemente, a Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que dispunha sobre os crimes contra a economia popular, atribuía competência ao Júri (art. 12).
Em decorrência disso, o art. 74, do CPP, relaciona os crimes previstos nos arts. 121, §§ 1.° e 2.°, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127, do CP, consumados ou tentados. Relembre-se, outrossim, que o Júri terá competência, também, nos crimes conexos e continentes, em razão do disposto no art. 78, I, do CPP.