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Brevíssimas considerações sobre o seguro-seqüestro

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Em data de 13 de outubro deste ano, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), vinculada ao Ministério da Fazenda, divulgou a Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB nº 07/2008, na qual revela não haver quaisquer óbices jurídicos à realização de contratos de seguro para cobrir danos patrimoniais sofridos por pessoas físicas em decorrência do crime de extorsão mediante seqüestro. Assim, basta à seguradora interessada elaborar propostas com tal teor e submetê-las à consideração da Autarquia, para que possa explorar tal espécie de seguro.

De pronto, manifestaram-se em desacordo com a aprovação o ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, Antônio Carlos Biscaia, e o presidente da OAB, Luis Flávio D’Urso. O primeiro defende que tais seguros incentivariam a realização de seqüestros pelos criminosos, além de pôr os próprios segurados em perigo, transformando-os em alvos em potencial, segundo o último.

Tal matéria já poderia ter sido tratada pelo legislador, posto que, ainda no ano de 2002, em virtude da observância de tal prática no exterior (principalmente no caso de grandes empresas que mandam altos executivos a viagens de negócios em países de terceiro mundo), o Deputado Federal pelo Distrito Federal Alberto Fraga apresentou o Projeto de Lei nº 6.047/2002, através do qual se pretende vedar (art. 1º) a realização de contrato de seguro para pagamento de resgate decorrente de crimes de extorsão mediante seqüestro, previsto no art. 159 do Código Penal, ou semelhantes, alcançando tal proibição também as apólices contratadas no exterior, que não teriam validade no território nacional, conforme disposição constante do parágrafo único do mesmo artigo.

Além disso, cuida o projeto de lei, em seu art. 2º, da proibição do exercício, por particulares, de atividade de intermediação ou negociação para libertação de vítima do crime de extorsão mediante seqüestro ou semelhante, ou pagamento de resgate.

A não obediência a tais mandamentos constituir-se-ia em crime, apenável com pena de reclusão, de um a três anos, e multa, que, no caso das pessoas jurídicas, teria valor de cem mil a cinco milhões de reais.

O citado projeto de lei foi analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, tendo sido aprovado, dada a sua constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. Arquivado em 31 de janeiro de 2007, nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados [01], foi desarquivado em 5 de março do mesmo ano, mediante requerimento do Deputado que o patrocinou.

A justificativa apresentada para o PL nº 6.047/2002 pauta-se no argumento de que as atividades de negociação e investigação de crimes são exclusivas do Poder Público, indelegáveis, e, portanto, não comercializáveis. O estabelecimento de tais contratos, segundo o Deputado, significaria a rendição total do Estado à barbárie. O comércio, dessa forma, beneficiar-se-ia da torpeza, enriquecendo os empresários.

Em que pesem as nobres intenções aí exposta e o repúdio à realização dessa espécie de seguros, não pode prosperar o mandamento inserto no art. 2º do projeto de lei. A Segurança Pública, apesar de ser de prestação obrigatória do Estado, não é serviço exclusivo do mesmo, podendo as atividades de segurança privada (segurança pessoal, transporte de valores, vigilância patrimonial, escolta armada) ser realizadas pelo particular, o qual deve contar com autorização expressa do Poder Público, responsável pela sua fiscalização, em consonância à Portaria nº 387/2006 do Departamento da Polícia Federal, publicada no D.O.U em 1º de setembro de 2006.

Assim, acrescentaríamos o serviço de segurança privada ao rol de serviços que o Estado tem a obrigação de prestar, mas sem exclusividade, no qual Celso Antônio Bandeira de Mello insere os serviços de educação, saúde, previdência social, assistência social e radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Com efeito, o presidente da OAB, quando da sua manifestação acerca da Carta Circular da SUSEP, revelou que a lei não impede que familiares negociem diretamente com seqüestradores, ou que recorram a outras pessoas para fazê-lo, apesar de não ser essa conduta aconselhável.

Assim, salvo no que diz respeito ao art. 2º do referido projeto de lei pelas razões expostas, damos total apoio ao seu prosseguimento com eventual sancionamento da respectiva lei, o que terá o efeito de invalidar qualquer contrato de seguro fixado antes de sua aprovação, bem como os posteriores.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Resolução nº 17, de 1989: aprova o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br/internet/legislacao/RegInterno.pdf>. Acesso em: 23 out. 2008.

BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria 387, de 28 de agosto de 2006. Publicada no Diário Oficial da União nº 169, de 1º de setembro de 2006. p. 80.

BRASIL. Projeto de Lei nº 6.074/2002: Proíbe o contrato de seguro para pagamento de resgate decorrente de crimes de extorsão mediante seqüestro, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/17421.pdf>. Acesso em: 23 out. 2008.

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EX-SECRETÁRIO CRITICA APROVAÇÃO DE SEGURO-RESGATE. Terra Magazine. Disponível em: <http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3279143-EI6578,00-ExSecretario+critica+aprovacao+de+seguroresgate.html>. Acesso em: 23 out. 2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 23. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.


Notas

01 Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II - já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV - de iniciativa popular;

V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Parágrafo único. A proposição poderá ser desarquivada mediante requerimento do Autor, ou Autores, dentro dos primeiros cento e oitenta dias da primeira sessão legislativa ordinária da legislatura subseqüente, retomando a tramitação desde o estágio em que se encontrava.

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Sobre a autora
Cíntia Bezerra de Melo Pereira Nunes

bacharelanda em Direito pela UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Cíntia Bezerra Melo Pereira. Brevíssimas considerações sobre o seguro-seqüestro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1947, 30 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11906. Acesso em: 23 abr. 2024.

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