5 PROPOSTAS PARA A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL AMBIENTAL NO BRASIL
Ao jurista socialmente comprometido não basta analisar estaticamente o direito posto. É preciso examiná-lo criticamente e propor alterações que venham a modificar a realidade de seu país. Ao estudioso do Direito Constitucional, em especial, surge esta missão propositiva quando observa que a legislação infraconstitucional é insuficiente para a proteção dos bens, interesses e valores acolhidos na Constituição. Havendo em mente essa constatação, procuraremos observar a legislação vigente e trabalhar como pode ela ser melhorada, a fim de efetivar plenamente o direito fundamental ao meio ambiente.
Breno Ladeira Kingma Orlando e Daniel Mariz Gudiño apontam oito instrumentos tributários ou financeiros com função ambiental. Seriam eles os seguintes: (i) concessão de benefícios fiscais; (ii) exclusão de empresas de regimes benéficos; (iii) concessão de alíquotas diferenciadas e isenções fiscais (seletividade ambiental); (iv) tributação da propriedade com critérios ambientais; (v) instituição de tributos ambientais para custear a intervenção pública; (vi) repasse de verbas públicas para Municípios que preservem o meio ambiente; (vii) instituição de fundos ambientais; (viii) instituição de compensações e créditos financeiros [107]. Nem todas essas possibilidades serão exploradas nesse estudo. Procuraremos, por questão de eficiência, focar-nos nas normas que se nos afiguram mais efetivas, que mais potencial de mudança de comportamento dos agentes econômicos e sociais apresentem.
Acreditamos, também, que qualquer proposta veiculada que se proponha a tornar direito positivo deve ser dotada das seguintes características: a) deve ser politicamente viável; b) deve ser adequada aos fins que se propõe; c) deve ser válida constitucionalmente; d) deve ser efetiva. Todas essas notas serão levadas em alta consideração. Em especial, devemos levar em conta o momento e o local em que se projetam as mudanças. No Brasil, este (2008) é mais um ano em que se espera sair do limbo a aguardada Reforma Tributária. A proposta de reforma saiu das dependências do Ministério da Fazenda, chegou, após algumas paradas, à Casa Civil da Presidência da República e hoje se encontra no Congresso Nacional, na PEC 233/2008. Como bem adverte Tupiassu, com base na orientação passada pela OCDE [108], o momento de reforma tributária é o mais apto à introdução da tributação ambiental. Assim, não podemos apresentar propostas que fujam totalmente dos parâmetros firmados por essa reforma. Cabe-nos "reformar a proposta de reforma", mas não substituí-la. É o que procuraremos fazer.
5.2 Impostos incidentes sobre a produção e a circulação econômica
Ao apresentar propostas para o emprego da extrafiscalidade ambiental na legislação dos impostos que incidem sobre a circulação econômica de bens e serviços, teremos como ponto de partida a proposta de reforma tributária em votação no Congresso Nacional, a PEC 233/2008, pois que, como já apontamos, será em cima dessa reforma que podem surgir as alterações mais significativas em nossa ordenação tributária.
Entre as alterações legislativas tributárias que forem produzidas, especial atenção deverá ser conferida aos tributos que incidem sobre a circulação econômica, isto é, sobre a produção e o consumo. Como bem notou Paulo Henrique do Amaral, são esses tributos que detêm o maior potencial de orientar o comportamento dos consumidores, cuja modificação repercute diretamente na atividade do setor produtivo [109].
Uma das idéias centrais da reforma tributária proposta pelo Governo Federal é a substituição de tributos federais que incidem sobre a circulação econômica pelo Imposto sobre o Valor Agregado Federal – IVA-F. Vejamos o que diz a cartilha da reforma tributária do Ministério da Fazenda:
"A principal mudança proposta no âmbito dos tributos federais é a extinção, no segundo ano após a aprovação da Reforma, de cinco tributos e a criação de um novo imposto sobre o valor adicionado (IVA-F), mantendo neutra a arrecadação. Neste sentido, seriam extintas a Cofins, a Contribuição para o PIS, a CIDE-Combustíveis e a Contribuição sobre folha para o Salário Educação, cuja receita seria suprida pelo IVA-F. Adicionalmente, propõe-se a extinção da CSLL, que seria incorporada pelo imposto de renda das pessoas jurídicas.
Ao longo das discussões, considerou-se a possibilidade de incorporar também o IPI ao IVA-F, mas optou-se por manter o IPI, pois isso permite simplificar e reduzir o número de alíquotas do IVA-F. Ainda assim, a perspectiva é de uma simplificação expressiva do IPI, que seria mantido apenas por suas funções regulatórias:
• tributação seletiva, com alíquotas elevadas, de fumo e bebidas;
• utilização como instrumento de política industrial, como é o caso da Lei de Informática;
• utilização como instrumento de política regional, através da manutenção dos benefícios existentes para a Zona Franca de Manaus" [110].
Com relação ao ICMS, imposto estadual incidente sobre a circulação econômica (de produtos e de serviço de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação), a proposta veiculada na reforma tributária é a criação de um "novo ICMS", com regramento legal uniforme para todos os Estados. Citemos mais uma vez a Cartilha do Ministério da Fazenda:
"A principal medida de simplificação proposta no projeto de Reforma Tributária é a unificação das 27 legislações estaduais do ICMS em uma única legislação. A mudança será feita com a extinção do atual ICMS e a criação de um "Novo ICMS", que tem a mesma abrangência em termos de mercadorias e serviços do atual.
No novo imposto, que continuará sendo cobrado pelos Estados, as alíquotas serão nacionalmente uniformes e fixadas na seguinte seqüência:
a) o Senado define quais serão as alíquotas aplicáveis (provavelmente 4 ou 5 alíquotas);
b) o Confaz propõe o enquadramento dos bens e serviços entre as diversas alíquotas;
c) o Senado aprova ou rejeita a proposta do Confaz.
Com o modelo proposto estabelece-se um sistema de pesos e contrapesos entre a preocupação do Confaz com a preservação da receita e a preocupação do Senado em não aumentar a carga tributária.
Adicionalmente, para evitar o nivelamento das alíquotas pelo topo – e o conseqüente aumento da carga tributária –, a proposta prevê que para um número limitado de bens e serviços – definidos em lei complementar –, os Estados poderão fixar alíquotas diferenciadas, ajustando sua receita para baixo ou para cima. Este mecanismo permitirá equacionar o problema de produtos com elevada participação nas receitas estaduais e alíquotas muito diferenciadas entre os Estados, como é o caso do óleo diesel, cuja alíquota varia de 12% a 25%" [111].
Como se observa, dos tributos incidentes sobre a produção e circulação econômica, que podem ensejar, eficientemente, a tributação extrafiscal ambiental, o IPI é o único que permanecerá inalterado pela PEC da Reforma Tributária, se mantidos integralmente seus termos. Comecemos, pois, nossa análise pelo IPI.
5.2.1 IPI
A extrafiscalidade no IPI está prevista de forma explícita em nossa Constituição como funcionalizada pela essencialidade do produto (art. 153, § 3º, I, CRFB). Essa "função da essencialidade dos produtos", segundo colhemos da lição de Eduardo Domingos Bottallo, relativa à norma constitucional prevista no art. 21, § 3º, da Constituição revogada, é entendida tradicionalmente como destinada a "exonerar da tributação ou atenuar de sua incidência aqueles bens que se mostram essenciais ou necessários ao consumo geral, agravando, em contrapartida, aqueles de uso supérfluo ou suntuário" [112]. Assim, justifica-se a tributação extrafiscal com o fim de garantir o gozo do direito ao consumo de produtos essenciais por toda a população, direito este que é diretamente ligado à noção de vida digna, colhendo fonte tanto no direito à vida (art. 5º, caput, CRFB) quanto no princípio da dignidade humana (art. 1º, III, CRFB).
A partir da constatação acima, indagamos se também não se justifica a tributação extrafiscal do IPI para efetivar outros bens e direitos constitucionalmente positivados. Respondemos veementemente que sim, mormente a fim de se tutelar o direito constitucional fundamental ao meio ambiente sadio. Como já vimos no primeiro capítulo deste estudo, o direito em questão tem como bem jurídico tutelado, entre outros, a própria vida humana digna. Deveras, a evolução de nossa sociedade industrial demonstrou que, para se ter uma vida digna, não basta ter direito ao consumo de bens essenciais (extrafiscalidade tradicional do IPI). Mais do que isso, para se ter qualidade de vida (vida digna), é necessária a preservação do meio ambiente. Essa visão tradicional de garantia do consumo é característica de um estado de evolução social e econômica em que se busca a inclusão de pessoas no mercado consumidor e, assim, na sociedade como um todo. Esse estágio ainda não foi abandonado no Brasil, que ainda deve ter como bandeira de luta a inclusão social. Sem embargo disso, a inclusão social vem se mostrando não ser suficiente para o homem da sociedade atual, mesmo da brasileira. A este não basta ser consumidor ("cidadão econômico"), ter vida socioeconômica; é necessário que essa vida tenha boa qualidade, o que demanda o acesso a recursos hídricos preservados, a atmosfera saudável, aos bens vegetais preservados etc. Em suma, hoje, não basta consumir; é necessário ser um cidadão, consumidor, com qualidade de vida. Nessa nova perspectiva, o desenvolvimento econômico não é descartado como fim das políticas do Estado, mas passa a ser-lhe agregada a necessidade do "desenvolvimento ambiental". Um não pode mais andar distante do outro.
Em razão dessas constatações, o entendimento tradicional de que o IPI deve ser tributado somente de acordo com a "essencialidade econômica" do produto deve ceder para a compreensão moderna de que também deve ser considerada para efeito de eleição da alíquota do IPI a "essencialidade ambiental do produto" [113], a que deve corresponder a "seletividade ambiental" [114].
Em verdade, essa noção de essencialidade aproximada à extrafiscalidade socioambiental (em vez de econômica) já pode ser reconhecida no sistema atual, em que se impõem alíquotas extremamente proibitivas para a produção de cigarros e bebidas. Trata-se de medida nitidamente protetiva do direito fundamental à saúde, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (AC 1657/RJ).
Como se pode observar, o IPI é, na ordem constitucional hoje vigente, um dos tributos federais mais importantes para a tributação ambiental. Porém, após o exame do Decreto 6.006/2006, que institui as alíquotas do IPI, modificado por diversos decretos, sendo o último o Decreto 6.455/2008, de 12 de maio de 2008, observamos poucos produtos sujeitos à tributação ambiental. Citamos dois casos que visualizamos:
a) Peteleria (peles com pêlo) curtida ou acabada, não reunida ou reunida sem adição de outras matérias, "de vison": a alíquota é de 60%, salvo algumas exceções (ver Seção VIII do Decreto 6.006/2006);
b) Veículos automotores em uso particular: para os veículos em geral (movidos a gasolina), alíquota fica entre 13 e 25% (salvo os com cilindrada não superior a 1.000 cm³, em que a alíquota fica, qualquer que seja o combustível, em 7%) para veículos com motor movidos a álcool, ou mistos ("bicombustíveis" ou mais), a alíquota varia entre 11 e 18%; não há previsão menor de alíquotas para automóveis movidos a biocombustível ou a energia elétrica, que são menos impactantes ao meio ambiente (ver Seção XVII do Decreto 6.006/2006); ressalve-se, também, a alíquota para veículos direcionados ao deslocamento na neve: 45%.
Como vemos, hoje, no Brasil, é praticamente nula a tributação ambiental por meio do IPI, o que, para nós, representa inconstitucionalidade por ofensa à proibição de insuficiência.
É ainda importante registrar que a madeira é tributada pelo IPI com alíquotas entre 0% e 10% (ver Seção IX do Decreto 6.006/2006), o que demonstra a clara ausência de uso desse instrumento tributário para fins de desestimular a extração de madeira da Amazônia, objeto central da ganância das grandes madeireiras. Já a alíquota de IPI para a serra (incluída a elétrica) é de 8%. Para se ter uma idéia de quanto essa alíquota é baixa, compare-se-a com a alíquota de IPI para a faca de cozinha: 12%; isto é, 50% maior do que a alíquota que incide sobre a serra, que é utilizada para cortar árvores, e não tomates.
Uma medida legislativa que consideramos boa, relativa à tributação ambiental no IPI, foi a introdução pela MP 75/2002 de crédito presumido de IPI nas operações de aquisição de desperdícios, resíduos e aparas de plásticos. Previa o art. 6º da referida medida provisória que a aquisição desses produtos "por estabelecimentos industriais, para utilização como matéria-prima ou produto intermediário, ensejará ao adquirente o direito à fruição de crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados, correspondente ao valor resultante da aplicação da maior alíquota do imposto, dentre as estabelecidas para os produtos classificados nas posições 39.01 a 39.14, sobre o valor de aquisição daqueles desperdícios, resíduos ou aparas". O propósito da medida provisória era estimular a compra e a reutilização de material reciclável. Essa norma, porém, foi retirada da lei de conversão, a Lei 10.684/2004, o que consideramos um retrocesso.
Como propostas legislativas relativas ao IPI, ainda sob exame do Congresso Nacional, destacamos as seguintes:
a) PL 6.262/2005, da Câmara dos Deputados: cria selo de qualidade ambiental para produtos que não causem danos ambientais, cujas saídas ficarão isentas de IPI. O projeto foi apensado ao PL 707/2003 e, após, arquivado. Foi desarquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em março de 2007. O PL 707/2003, por sua vez, foi arquivado em janeiro de 2007 e desarquivado em março do mesmo ano.
b) PL 3.955/2004, da Câmara dos Deputados: estabelece isenção de IPI para saídas de máquinas, equipamentos e aparelhos antipoluentes. O projeto foi arquivado em janeiro de 2007 e desarquivado em março do mesmo ano. Em julho de 2007, foi aprovado, por unanimidade, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável o Parecer da lavra do Relator, o Deputado Wandenkolk Gonçalves, do PSDB/PA, com duas emendas.
c) PL 5.501/2001, da Câmara dos Deputados: estabelece a redução de 50% do IPI incidente sobre embalagens recicláveis. O projeto foi arquivado em novembro de 2006 e, até o presente momento, não foi desarquivado;
d) PL 1.760/99, da Câmara dos Deputados: institui isenção de IPI para produtos que tenham como matéria-prima mais de 50% de produtos recicláveis. O projeto foi arquivado em novembro de 2006 e, até o presente momento, não foi desarquivado.
Todas essas medidas são úteis à proteção ambiental. Aproveitando a reforma tributária, porém, pensamos que algumas imunidades constitucionais poderiam ser introduzidas no § 3º do art. 153 da Constituição da República, impedindo, de vez, a instituição de IPI sobre a industrialização de alguns produtos que são importantes para a proteção ambiental no país. Citamos aqui alguns produtos que, pensamos, poderiam ser objeto de imunidade de IPI:
a) Produtos que utilizam, em seu processo de produção, 50% ou mais de materiais recicláveis;
b) Automóveis movidos exclusivamente por combustível não-poluente, como a energia elétrica ou solar;
c) Veículos de transporte coletivo (ambientalmente vantajosos, se comparada suas emissões de gases com a soma de gases emitidos pelos veículos individuais substituídos);
d) Máquinas, equipamentos e aparelhos antipoluentes;
Além dessas instituições de imunidades, pensamos que a redação do art. 153, § 3º, I, do Diploma Magno deve ser alterada, a fim de deixar expressa a imposição à União do dever de que as alíquotas do IPI devem ser estabelecidas de acordo com o grau de impacto da produção no meio ambiente.
5.2.2 Contribuições sociais: PIS/COFINS
No que tange às contribuições conhecidas como "PIS/COFINS", a MP 227/2004, convertida na Lei 11.116/2005, fixa alíquotas menores para comercialização de biodiesel. Tem-se aqui exemplo de tributação extrafiscal ambiental no seio dessas contribuições para a Seguridade Social. Contudo, como vimos, a intenção da proposta de reforma tributária do Ministério da Fazenda é extinguir essas contribuições, sendo integradas elas ao IVA-F. Como contribuição para a Seguridade Social, somente continuará a existir a incidente sobre a folha de pagamentos. Portanto, esperamos que a norma tributária extrafiscal em questão seja transplantada para o IVA-F.
5.2.3 IVA-F
Nossa grande esperança, com a reforma tributária, é que o IVA-F já nasça "verde". De fato, o nascimento de um novo tributo é o momento mais importante para a introdução de finalidades extrafiscais em seu bojo. O IVA-F, se vier à luz, será o tributo federal incidente sobre a circulação econômica. Sua importância será ímpar, haja vista que os tributos incidentes na cadeia de consumo são decisivos para influenciar a opção de compra dos consumidores, onerando alguns produtos e estimulando a compra doutros. Por via da demanda, influencia-se a produção, a qual, economicamente, é limitada pelo consumo. Por isso, proporemos, a seguir, algumas sugestões de normas que poderão ser agregadas a sua arquitetura constitucional.
Em primeiro lugar, tomando o texto da Proposta de Emenda à Constituição apresentada ao Congresso Nacional, observamos a necessidade de alteração do art. 153, § 6º, do futuro Texto Constitucional, a fim de inclusão da obrigatoriedade de serem as alíquotas diferenciadas em razão do impacto ambiental, positivo ou negativo, gerado pela produção sujeita à tributação. A proposta consiste em introduzir no novo tributo a "seletividade ambiental", consistente na alocação de alíquotas de acordo com a "essencialidade ambiental" do produto, tal como já admite hoje a doutrina para o IPI, mas que pouco tem sido posta em prática pelo Governo Federal.
Também é necessário alterar a redação do inciso II, para que, nos casos em que a isenção e a alíquota zero sejam instituídas para proteção de direitos fundamentais sociais e difusos (extrafiscalidade socioambiental), em especial o meio ambiente (extrafiscalidade ambiental), seja preservado o crédito da operação, utilizando-se, para tanto, a alíquota padrão do tributo.
Em termos de tributação ambiental promocional, pensamos que os seguintes produtos deveriam receber imunidade relativa ao novo IVA-F (por meio de introdução de um inciso VI ao § 6º do art. 153 do novo Texto Constitucional):
a) Produtos extrativistas explorados com responsabilidade ambiental;
b) Materiais recicláveis;
c) Produtos que utilizam, em seu processo de produção, 50% ou mais de materiais recicláveis;
d) Automóveis movidos exclusivamente por combustível não-poluente, como a energia elétrica e a solar;
e) Veículos de transporte coletivo;
f) Máquinas, equipamentos e aparelhos antipoluentes;
g) Conversão de energia eólica e solar.
Por outro lado, diversos outros produtos deveriam sofrer tributação proibitiva. Esta, a princípio, dependeria de regramento legal, e não constitucional. Ainda assim, cremos que poderia ser acrescido um parágrafo ("§ 8º") ao futuro texto do art. 153, prevendo a tributação exasperada de produtos que geram pressão econômica para o desmatamento da Amazônia Legal. Assim, a circulação de madeira, carne bovina e soja de origem da Região Amazônica seriam obrigatoriamente oneradas quando tivessem por destino Estados fora dessa região ou o exterior. Ainda que sejam redefinidos os limites da Amazônia Legal para a exeqüibilidade dessa medida, sua conseqüência seria dificultar economicamente o comércio desses produtos para satisfazer a demanda do Centro-Sul do Brasil e do exterior, que são os grandes responsáveis por seu consumo. Isso desestimularia novos investimentos nessas áreas econômicas na Amazônia, impedindo o crescimento dessas atividades na região. Por sua vez, o preço final da soja, madeira e carne bovina ao consumidor da Região Amazônica diminuiria drasticamente, em razão da "overdose de oferta" favorecendo, nesse ponto, a população humilde local.
5.2.4 O novo ICMS
Em relação ao novo ICMS, são válidas todas as sugestões que fizemos para o IVA-F, pois ambos são impostos que incidem sobre a circulação econômica de bens e serviços. Portanto, os produtos mencionados no item anterior que geram externalidades ambientais positivas (que seriam imunes ao IVA-F com a introdução do inciso VI ao § 6º do art. 153 do novo Texto Constitucional), também devem ser objeto de imunidade no ICMS. Para tanto, deverá ser introduzida uma alínea d no inciso IV do § 1º do art. 155-A que se propõe seja acrescentado ao texto da Constituição. Demais disso, também sugerimos, como fizemos com o IVA-F, que seja acrescido um inciso V ao mencionado § 1º do art. 155-A da Carta Constitucional, para que seja previsto como obrigatório o estabelecimento de alíquotas de acordo com a seletividade e a essencialidade ambiental.
Também será importante no âmbito do novo ICMS que norma igual ao que propomos como § 8º do art. 153 da Constituição (referente ao IVA-F), condizente com a tributação proibitiva da madeira, soja e carne bovina originadas da Amazônia Legal e destinadas a outros Estados fora da Região Amazônica ou ao exterior, seja introduzida como § 9º do art. 155-A (referente ao novo ICMS).
Ainda no âmbito do ICMS, deverá se atentar para a política do governo federal de desonerar a aquisição de bens de capital. Essa política é pretendida especificamente na reforma tributária, como mostra a Cartilha do Ministério da Fazenda:
"Um dos objetivos da Reforma Tributária é a desoneração completa dos investimentos, principalmente pela redução gradual do prazo requerido para a apropriação dos créditos de impostos pagos na aquisição de máquinas e equipamentos.
Para o ICMS, a redução do prazo de 48 meses será feita de forma progressiva, simultaneamente à transição para a tributação no destino, iniciando-se no segundo ano após a aprovação da Reforma e terminando no oitavo ano. Este prazo é necessário para que a mudança seja suportável para as finanças estaduais" [115].
Essa política, indiscriminadamente aplicada à aquisição de quaisquer bens de capital, já é medida útil de proteção ambiental, pois que, dentre esses bens, encontram-se aqueles que se destinam à restrição de impactos ambientais, como a emissão de gases poluentes ou tratamento do esgoto industrial. Contudo, cremos ser necessário maior benefício para a aquisição de bens de capital ambientalmente dirigidos. Para estes, não somente deveria haver uma política de desoneração por meio de créditos reais, como também deveriam estar previstos créditos fictícios correspondentes ao valor do tributo que se pagaria com a aquisição desses bens, fixando-se expressamente alíquota para esse fim (crédito-prêmio ambiental).
As mesmas considerações acima feitas devem ser destinadas ao IVA-F, que se pretende também desonere a aquisição de bens de capitais, tal como parcial já ocorre com a PIS/COFINS, a qual, porém, promove a desoneração total somente ao cabo de 48 meses. Também aqui se sugere criar créditos-prêmios para a aquisição de bens de capital com relevância ambiental.
Caso não seja aprovada a reforma tributária e fique intocado o texto do Estatuto Maior, pensamos que o primeiro passo para a tributação ambiental por meio do ICMS seja a superação do entendimento clássico de que a seletividade nessa espécie de tributo seja objeto de discricionariedade do legislador. Nesse sentido, acolhemos a lição de Roque Antonio Carrazza no sentido contrário a essa orientação. Segundo o Professor da PUC/SP, a norma contida no art. 155, § 2º, III, da Lei Excelsa encerra um poder-dever (ou um dever-poder), que impõe seu exercício sempre que for o caso. Logo, o ICMS, assim como o IPI, deverá ser seletivo [116]. Nessa linha de raciocínio, nós, partindo da premissa de que o legislador está amplamente obrigado à proteção dos direitos fundamentais, e de que a tributação extrafiscal deve ser um instrumento nesse sentido, concluímos que é dever do legislador positivar de modo seletivo (inclusive ambientalmente) o regramento do ICMS e a fixação das alíquotas desse tributo.
Mesmo sem estar consolidado o entendimento da obrigatoriedade da seletividade ambiental no ICMS, já há vários exemplos nas legislações estaduais de tributação guiada para a proteção do meio ambiente. Colocaremos, aqui, alguns exemplos:
a) Lei 2.055/93, do RJ: aplica alíquota reduzida (12%) para operações com máquinas, aparelhos, equipamentos e veículos destinados à implantação, ampliação e modernização ou relocalização de unidades industriais ou agroindustriais que visem à defesa do meio ambiente.
b) Lei 2.273/94, do RJ: autoriza o Executivo a conceder prazo especial para pagamento de ICMS para a indústria ou agroindústria que utilize "tecnologia inovadora" e promova a defesa do meio ambiente.
c) Lei 1.095/99, TO: isenta de ICMS a circulação de papel, vidro, plástico e metais reciclados.
d) Convênio ICMS 101/97: isenta de ICMS produtos ligados à conversão de energia eólica e solar.
Essas são medidas extremamente positivas, que podem ser adotadas livremente pelos Estados e pelo Distrito Federal, independentemente da aprovação da PEC 288/2008, que trata da reforma tributária. Além delas, todas as hipóteses que antes prevemos como de imunidade para o IVA-F e para o novo ICMS podem ser incluídas como hipóteses de isenção pelas legislações estaduais e distritais.
5.3 Tributos incidentes sobre a renda e o lucro
Atualmente, o imposto de renda tem sido pouco utilizado com finalidade ambiental, principalmente porque é reconhecido como o tributo com maior finalidade fiscal de nosso sistema tributário. Como exemplo, porém, de lei com escopo ambiental que tratou do imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, podemos citar a Lei 5.106/66, a qual, em seu art. 1º, permitiu a dedução de importâncias pagas em projetos de florestamento ou reflorestamento. Como projetos de lei, podemos citar os seguintes:
a) PL 3637/2004 da Câmara dos Deputados: permite a redução do montante total a ser pago de IRPJ pelas empresas tributadas com base no lucro real da proporção (coeficiente) de utilização de materiais reciclados no processo produtivo. Arquivado em novembro de 2006. Até o presente momento, o projeto não foi desarquivado.
b) PL 3955/2004, da Câmara dos Deputados: permite a dedução em dobro da base de cálculo do IRPJ dos valores gastos na aquisição e instalação de equipamentos destinados a evitar a poluição. O projeto foi arquivado em janeiro de 2007 e desarquivado em março do mesmo ano. Em julho de 2007, foi aprovado, por unanimidade, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável o Parecer da lavra do Relator, o Deputado Wandenkolk Gonçalves, do PSDB-PA, com duas emendas.
c) PL 5162/2005, da Câmara dos Deputados: faculta às pessoas físicas a opção de aplicar parcelas do total devido de imposto de renda no apoio direto a projetos sem fins lucrativos de apoio ao meio ambiente, limitado em 5% do valor devido. Foi apensado, em outubro de 2005, ao PL 5974/2005, e desapensado em outubro de 2007, e, então, arquivado.
d) PL 5974/2005, da Câmara dos Deputados: permite às pessoas físicas e jurídicas deduzir do imposto de renda devido, respectivamente, 80% e 40% do total doado a entidades sem fins lucrativos que executem projetos ambientais. Em julho de 2006, o Parecer do Relator, o Deputado Carlos Willian (PTC-MG), pela aprovação desse projeto e do PL 5162/2005 (acima), com substitutivo, foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Em dezembro de 2006, o Deputado Albérico Filho, Relator na Comissão de Finanças e Tributação, votou pela adequação financeira e orçamentária desse projeto, e pela inadequação do PL 5162/2005 apensado. Em junho de 2007, o Deputado Luiz Carrera, apresentou parecer em igual sentido e foi aprovado por unanimidade pela referida comissão. Em agosto de 2007, aprovando o Parecer do Deputado Sarney Filho (PV-MA), a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania decidiu pela constitucionalidade e viabilidade do projeto (e pela inconstitucionalidade do PL 5162/2005). O projeto encontra-se no Plenário da Câmara, havendo requerimento de vários Deputados pedindo urgência em sua votação.
As referidas propostas consistem, em geral, em permitir às pessoas físicas e jurídicas deduzir, ou da base de cálculo do imposto de renda, ou do próprio montante a ser pago, despesas que podem ser consideradas como "ambientais", bem como doações a instituições ou projetos ambientais. Somos da opinião que projetos como esses devem ser incentivados por atuarem em prol da efetivação do direito fundamental ao meio ambiente.
Se aprovada a PEC 233/2008, as referidas medidas ganharão ainda mais importância, em razão do fato da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSSL – ser incorporada ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídica – IRPJ. Nessa PEC da reforma tributária, não haverá grandes mudanças relativas ao imposto de renda, salvo aquela a que acabamos de nos referir. Porém, pensamos que pode ser aproveitado o momento político para se introduzir uma nova hipótese de imunidade tributária, por meio da introdução de um inciso no § 2º do art. 153 da Constituição. O que propomos é uma imunidade subjetiva (pessoal), que favoreça as cooperativas que exerçam, com responsabilidade ambiental, a atividade extrativista na Amazônia Legal. Se aprovada essa iniciativa, será dado um incentivo importante ao desenvolvimento de tais atividades ambientalmente sustentáveis na Amazônia, que não geram maiores impactos ambientais e que significam alternativa econômica para o povo da região, consumindo boa parte da força de trabalho e diminuindo a pressão sobre a floresta.
5.4 Impostos incidentes sobre a propriedade territorial – ITR e IPTU
Os impostos que incidem sobre a propriedade territorial, o ITR (propriedade rural, de competência da União, com possibilidade de cobrança pelos Municípios) e o IPTU (propriedade urbana, de competência dos Municípios), podem ser utilizados com finalidade extrafiscal ambiental a fim de incentivar a preservação de áreas verdes.
Como exemplos de leis municipais que inseriram o elemento extrafiscal ambiental na legislação do IPTU, citamos os seguintes exemplos:
a) Lei 691/84, do Município do Rio de Janeiro: isentou de IPTU áreas de preservação ambiental.
b) Lei 10.365/87, do Município de São Paulo: facultou o desconto de até 50% do IPTU para imóveis com área verde.
Já como exemplo de tributação ambiental (em sentido amplo) por meio do ITR, podemos citar a norma contida no art. 10, § 1º, II, da Lei 9.393/96, com a última redação da Lei 11.428/2006, que exclui da área tributável desse imposto as seguintes áreas:
a) de preservação permanente e de reserva legal;
b) de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na alínea anterior;
c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual;
d) sob regime de servidão florestal ou ambiental;
e) cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio médio ou avançado de regeneração.
Temos aqui hipótese de tributação ambiental promocional, apta a incentivar a preservação de áreas verdes. Essa extrafiscalidade ambiental do ITR poderia também ser importada ao IPTU, por meio de norma inserida na PEC 233/2008.
Na PEC da reforma tributária, não há previsão de alteração do regramento do ITR. Todavia, sugerimos a introdução de um inciso IV ao § 4º do art. 153 da Constituição brasileira, prevendo que seja atribuída alíquota majorada de ITR sobre áreas utilizadas na Amazônia Legal para a criação de gado bovino, o cultivo de soja e a exploração de madeira. O propósito dessa tributação extrafiscal ambiental proibitiva é desestimular que essas atividades, que são as grandes responsáveis pelo avanço contra a Floresta Amazônica, venham a incorporar novas áreas na região. A proposta, aqui, é similar àquela que fizemos para o regramento constitucional do IVA-F e do novo ICMS.
5.5 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA
Com relação ao IPVA, a extrafiscalidade ambiental deve determinar a tributação menor de automóveis com motor movido a combustíveis menos poluentes. Dessa forma, quando o combustível de alimentação for não-poluente, como a energia elétrica ou solar, a alíquota do IPVA deveria ser menor do que a prevista para veículos movidos a álcool, devendo estes, por sua vez, serem tributados com alíquotas menores que os incidentes sobre os automóveis movidos exclusivamente a gasolina ou a diesel tradicional. Já há leis no Brasil nesse sentido. Vejamos alguns exemplos:
a) Lei 2.877/97 do RJ, com redação da Lei 3.335/99: estabelece alíquotas menores de IPVA para carros que utilizam energia elétrica (1%) ou álcool (2%). Ver também Lei 948/85.
b) Lei 6.606/89 de SP, com redação das Leis 7.664/91 e 9.459/96: estabelece alíquota reduzida de IPVA para automóveis movidos a eletricidade, álcool ou gás natural.
Na PEC 233/2008, não há norma sobre o IPVA. Sem embargo disso, também aqui pensamos ser caso de criação de uma nova imunidade tributária, impedindo que incida o IPVA sobre a propriedade de veículos automotores alimentados por combustíveis que não geram impacto ambiental, como a energia elétrica ou solar, por exemplo. Também cremos ser importante a imposição constitucional de que as alíquotas dos tributos instituídos sejam proporcionais ao grau de poluição ambiental gerada pela queima do combustível que alimenta o motor do veículo. A utilidade dessas medidas é impedir que haja tratamento diferenciado em cada Estado, proibindo a todos a tributação de veículos não-impactantes e diminuindo a tributação de produtos pouco impactantes, o que servirá de grande incentivo para a criação de investimento no desenvolvimento de veículos automotores não-poluentes.
5.6 Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE
Muitos especialistas, como Bruno Ladeira Kingma Orlando e Daniel Mariz Gudiño [117], entendem que, caso se queira introduzir um novo tributo ambiental na ordem jurídica brasileira, a melhor opção seria uma contribuição de intervenção no domínio econômico – CIDE –, tal como a CIDE-Combustível, prevista no art. 177, § 4º, da Constituição da República e efetivamente criada pela Lei 10.336/2001, que destina receitas de sua arrecadação a projetos ambientais relacionados à indústria do petróleo e gás [118]. Paulo Henrique do Amaral também defende a instituição da CIDE, desde que específica para dado setor econômico, tributo este que teria como efeito incorporar "os custos dos efeitos externos negativos que aparecem em conseqüência da realização de suas atividades econômicas agressoras ao meio ambiente" [119]. Roberto Ferraz, por sua vez, entende que a CIDE é o instrumento tributário adequado para a internalização de custos ambientais e para o direcionamento da atividade dos agentes econômicos, entendendo, inclusive, que nosso sistema jurídico não comporta a cobrança de impostos orientados ambientalmente [120].
A previsão constitucional de uma CIDE ambiental, em termos genéricos, foi buscada na PEC 175-A, de 1995, no substitutivo do Relator Mussa Demes, aprovado pela comissão pertinente em novembro de 1999, como bem lembra Simone Martins Sebastião [121]. A proposta consistia em modificar o caput do art. 149 da Constituição brasileira, para prever expressamente a criação de "contribuição de intervenção ambiental" ("CIA"), bem como introduzir um § 2º a esse mesmo artigo, cujo texto (do § 2º) seria o seguinte: "As contribuições de intervenção ambiental poderão ter fatos geradores, alíquotas e bases de cálculo diferenciados em razão da atividade econômica, do grau de utilização ou degradação dos recursos ambientais ou da capacidade de assimilação do meio ambiente".
Cremos, porém, que a criação de uma nova CIDE vai de encontro à proposta de reforma tributária do Governo Federal, não encontrando hoje, portanto, campo político para seu acolhimento. De fato, a própria CIDE-Combustíveis está com os dias contados, se for aprovada a referida proposta [122]. Assim, se os impostos já existentes em nosso sistema tributário, bem como o IVA-F que está por vir, forem utilizados, cada qual a sua maneira, com forte carga de extrafiscalidade ambiental, cremos ser desnecessária a criação de um novo tributo, o qual, inclusive, contraria o pleito nacional de diminuição da quantidade de tributos e normas tributárias no país.
5.7 Outros tributos
Outra espécie tributária correntemente identificada como tributo ambiental é a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, prevista na Lei federal 10.165/2000, que nada mais é que a recriação do tributo previsto na Lei 9.960/2000 e tem como finalidade principal arrecadar mais recursos para o financiamento das atividades do IBAMA [123]. Em verdade, esse tributo somente pode ser entendido como ambiental em sentido amplíssimo, pois sua hipótese de incidência não contém nenhuma atividade poluente ou ambientalmente impactante e, o que é mais importante, o referido tributo não é informado fortemente pela extrafiscalidade ambiental.
Muitos tributaristas defendem a criação de taxas ambientais. Por todos, citamos o parecer favorável de José Marcos Domingues de Oliveira:
"Assim, pensamos que as taxas ambientais, que devem ser graduadas conforme o custo dos serviços públicos ambientais relacionados à carga poluidora gerada pelos contribuintes, podem representar substanciais receitas públicas para o custeio das correspondentes tarefas administrativas; isto sem prejuízo de também poderem produzir efeito indutor do poluidor a buscar alternativas de comportamento menos poluidor visando a diminuir o montante da taxa que lhe cabe pagar" [124].
Cremos que taxas como a TCFA não significam medida adequada para a satisfação do direito fundamental ao meio ambiente. Tributos como esse têm escopo meramente arrecadatório e não são aptos a conformar as decisões e atividades dos agentes de mercado. Essa crítica pode ser alocada para a criação de qualquer nova taxa que supostamente tenha caráter ambiental. Como já pudemos assinalar antes, a tributação chamada de ambiental é importante a partir do momento em que se consegue alterar o comportamento dos empreendedores e dos consumidores. As atividades administrativas do Estado podem ser financiadas por dotações orçamentárias gerais, geradas pela arrecadação ordinária de impostos, não demandando a criação de tributos específicos. A atividade do agente econômico, por sua vez, demanda a intervenção de tributo que o oriente e induza a se compatibilizar com a necessidade de proteção do meio ambiente. Dessa maneira, somos de opinião contrária à criação de taxas com escopos supostamente ambientais. A tributação ambiental deve se concentrar nos impostos já previstos na ordenação tributária, no que será muito mais eficiente.
A respeito da adoção no Brasil de impostos ambientais stricto sensu, entendem Igor Muniz e Manuella Vasconcelos Falcão ser ela possível por meio do exercício de competência residual pela União, em lei complementar, na forma do art. 154, I, da Constituição da República. Como inspiração para a instituição de impostos residuais no Brasil, os referidos autores citam exemplos retirados de países ocidentais, como a Alemanha, em que há imposto municipal sobre embalagens, pratos e talheres descartáveis; a Bélgica, que também instituiu imposto sobre o consumo de bens descartáveis; e os Estados Unidos, que tributam a produção e o consumo de alguns produtos poluidores [125].
De fato, cremos ser compatível com nossa ordem jurídica pátria a instituição de impostos residuais. Porém, cremos ser desnecessária tal instituição. Como já demonstramos, a alteração específica de alíquotas, em relação a alguns produtos, de tributos que incidem sobre a circulação econômica já é suficiente para realizar a tributação proibitiva que se quer alcançar por meio da instituição de impostos residuais.
Em verdade, como já repetimos, a própria idéia de instituição de novos tributos é contrária à concepção da reforma tributária que se quer realizar no país e que os mais otimistas esperam seja aprovada ainda neste ano de 2008. Dessarte, entendemos não ser a melhor opção a adoção de impostos residuais de finalidade ambiental, salvo se, por razões políticas, a tributação extrafiscal em impostos tradicionais seja obstada.
A doutrina também concebe a criação de empréstimos compulsórios, destinados ao combate de "calamidades públicas de natureza ambiental" [126]. Cremos, porém, ser essa uma hipótese excepcional, a qual deve ser pensada somente em situação em que a União não disponha de recursos para utilização em tal situação. A princípio, portanto, deve ser descartada a criação de empréstimo compulsório com tal finalidade, seja porque a criação de novo tributo contraria a lógica central da reforma tributária que tramita no Congresso Nacional brasileiro, seja porque referido tributo tem escopo exclusivamente fiscal, o que não resolve o problema estrutural das atividades econômicas ambientalmente impactantes, as quais demandam, além de normas sancionadoras civis, administrativas e penais, a incidência de normas tributárias informadas pela extrafiscalidade socioambiental.
Por essas razões que expomos, cremos ser desnecessária e inoportuna politicamente a criação de novos tributos ambientais no país. Ainda que tais sejam adequados em outras ordens jurídicas, acreditamos que, no Brasil, a tributação extrafiscal ambiental deve se focar nos impostos já existentes, bem como no IVA-F, que está por nascer.
5.8 Repartição de receitas tributárias
Antes de finalizar nosso estudo, devemos chamar a atenção para um instrumento que não é propriamente tributário, mas tem sido veiculado como importante incentivo para a adoção do padrão de responsabilidade ambiental na administração dos municípios. Trata-se do chamado "ICMS Ecológico", o qual, segundo Tupiassu, seria forma de concretização do princípio do "Protetor-Beneficiário", que premiaria quem (os municípios) preserva os bens ambientais [127].
O "ICMS Ecológico" nada mais é do que a repartição da receita do ICMS entre os municípios de acordo com critérios ambientais. De acordo com o art. 158, IV, e parágrafo único, 25% do ICMS arrecadado em cada Estado deve ser repartido entre os municípios, sendo que a divisão de 75% desse montante deve ocorrer na proporção do valor adicionada em cada município e os outros 25% serão divididos conforme dispuser a lei estadual. Vale dizer: do total a ser distribuído pelo estado aos municípios, um quarto será feito com base em critérios previstos pelo legislador estadual.
Com forte nessa permissão estadual, diversos estados decidiram acrescentar, como critério para a repartição do ICMS, parâmetros ambientais, além de outros fatores sociais. Entre os critérios ambientais, a maioria estabelece a existência e a preservação de unidades de conservação na área dos municípios, bem como de outras áreas verdes, como as reservas legais, e até mesmo de terras indígenas, desde que o meio ambiente lá esteja conservado. Também é revisto como critério o tratamento de água, do esgoto e do lixo. Vejamos alguns estados que instituíram o ICMS Ecológico [128]:
a) Espírito Santo (Lei Estadual 5.265/96): o critério ambiental é a existência de unidades de conservação nos municípios;
b) Mato Grosso ( Lei Complementar Estadual 73/2000 e Decretos Estaduais 2.580/2001 e 2.758/2001): como critérios, entre outros, observa-se o saneamento ambiental e a existência de unidades de conservação e terras indígenas.
c) Mato Grosso do Sul (Lei Complementar Estadual 77/94, Lei Estadual 2.193/2000 e Decreto 10.478/2001): estabelece, como um dos critérios, a presença de unidades de conservação.
d) Minas Gerais (Lei Estadual 13.803/2000 e Lei Estadual 12.040/95): como critérios, entre outros, leva em conta a existência de unidades de conservação e tratamento de lixo e esgoto.
e) Paraná (Lei Complementar Estadual 59/91, Decreto Estadual 974/91 e Decreto Estadual 2.791/96): determina maior repasse de ICMS a municípios que possuem unidades de conservação ou outras áreas especialmente protegidas, como terras indígenas e áreas de preservação permanente (APP), ou mananciais de abastecimento público.
f) Pernambuco (Leis Estaduais 11.899/2000 e 12.206/2002 e Decreto Estadual 23.473/2001): os critérios ambientais adotados dizem respeito às unidades de conservação e ao tratamento de resíduos sólidos.
g) Rio Grande do Sul (Lei Estadual 11.038/97): tem como critério a existência de unidades de conservação e áreas inundadas por hidrelétricas.
h) Rondônia (Lei Complementar Estadual 147/96): o critério ambiental utilizado é o de áreas ocupadas por unidades de conservação.
i) São Paulo: (Lei Estadual 8.510/93): como critérios, prevê a área ocupada por unidades de conservação e outras áreas verdes, bem como reservatórios de água para geração de energia.
j) Tocantins (Lei 1.323/2002): o percentual de repartição definido por critérios ambientais é o mais alto: 13%; os critérios são vários, prevendo, além da presença de unidades de conservação e de terras indígenas, também o controle e o combate a queimadas, o saneamento, a conservação dos solos, das águas e o tratamento do lixo.
Apesar de vários Estados estarem acolhendo em suas legislações a idéia do ICMS Ecológico, seria ideal a uniformização. Isso poderia ser realizado no seio da reforma tributária, com a introdução de um parágrafo segundo ao art. 158 da Constituição da República, em que seriam elencados os parâmetros ambientais básicos para a repartição da receita, bem como os percentuais mínimos a serem distribuídos com base em critérios ambientais, deixando à legislação estadual completar o regramento constitucional com normas específicas. Adicionalmente, cremos que critérios sociais também poderiam ser agregados, como os índices de educação e saúde da população.
A idéia do "ICMS Ecológico" é realmente boa e não precisa ficar restrita à repartição de receitas derivadas desse tributo. Cremos que também os Fundos de Participação dos Estados – FPE – e dos Municípios – FPM – deveriam ser repartidos de acordo com os mesmos parâmetros. Em sentido próximo ao que propomos, segundo relata Tupiassu, é o projeto da Senadora Marina Silva, do PT-AC, que consiste na destinação de 2% do FPE aos Estados (e Distrito Federal) que abriguem unidades de conservação e terras indígenas [129]. Não obstante, pensamos que nem o valor deve se restringir a 2% e nem o critério deve se restringir à presença de unidades de conservação. Diversos outros critérios podem ser adotados, como aqueles criados pelas legislações estaduais do ICMS Ecológico, antes expostos.
A adoção de critérios ambientais para a repartição de receitas, se for intensa o suficiente para ser notada pela população e pelos governantes, terá dois efeitos positivos: a) determinará o interesse dos agentes políticos em proteger o meio ambiente; b) conscientizará a população sobre a importância da proteção ambiental. Demais disso, se de fato estamos numa nova espécie de sociedade, a chamada "sociedade participativa", nada melhor que trazer o cidadão e a sociedade para o campo das finanças públicas, determinando que a quantidade de recursos recebidos por cada município seja influenciada pela atitude da população consistente em preservar o bem ambiental.