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Responsabilidade civil do advogado

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05/11/2008 às 00:00
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3 Da responsabilidade civil do advogado

A responsabilidade civil é um assunto que os grandes doutrinadores, os quais discorrem sobre o tema demonstrando muito conhecimento, parecem concordar em um ponto, a dificuldade que envolve a matéria, pois a mesma possui natureza interdisciplinar, não se restringindo ao campo do direito civil. O campo de investigação da responsabilidade civil é muito vasto, comportando a abordagem de diversos temas e aspectos.

O advogado, no exercício de sua atividade profissional, pode cometer erros e causar danos ao seu cliente, seja pelo uso de técnica errada ou pela omissão de providências, gerando-lhe responsabilidade e dever de repará-los. Essa é a responsabilidade civil do advogado, cuja existência e proporção devem ser analisadas diante de cada caso concreto apresentado à apreciação do Judiciário, observando-se, para isso, a legislação pertinente à responsabilidade civil e ao exercício da advocacia.

Última das profissões liberais, a advocacia é também o mais nobre bastião da liberdade, na luta contra a opressão no Estado Democrático de Direito.

Dada a importância de tal ofício, a possibilidade de ocorrência de danos, seja pela utilização equivocada de técnicas inadequadas ao caso concreto ou simplesmente a omissão nos deveres de defesa dos interesses do cliente, é um elemento concreto que não pode ser desprezado.

Para compreender como tal responsabilização se materializa é preciso entender a natureza jurídica dessa atividade. [68]

A responsabilidade civil do advogado apresenta-se, em razão de ser relativamente pouco estudada, com uma complexidade um tanto quanto grande, pois a doutrina traz algumas discussões acerca de pontos mais relevantes, os quais são alvo de apreciação pelo judiciário, começando a direcionar o caminho a ser seguido, ou seja, a jurisprudência começa a se firmar sobre determinadas matérias levadas aos tribunais, envolvendo o exercício da advocacia e os danos que o advogado, profissional liberal que é, pode causar ao seu cliente ao exercer seu mister. Mas o estudo sobre a responsabilidade civil deste profissional apresenta-se, ainda, em fase inicial, sendo inúmeras as dúvidas e as divergências que o tema suscita frente ao grande número de situações em que os atos dos advogados podem lhes gerar responsabilidade. Muito há que se estudar sobre o tema e muito tende a crescer e se firmar a jurisprudência a esse respeito, direcionando o caminho a ser seguido pelos demais julgados, proporcionando a dinâmica e a atualização da legislação pertinente ao advogado, estabelecendo quando e em que medida deve ser responsabilizado esse profissional.

Rui Stoco afirma ser recente o estudo acerca dessa espécie de responsabilidade, não havendo profundidade na matéria, inclusive no que tange à legislação sobre o tema proposto, o que acarreta a falta de harmonia em posicionamentos e julgados.

A questão relativa à responsabilidade civil do advogado, como autêntico operador do Direito, não se traduz em seara de sua suave colheita, nem encontra equacionamento harmonioso na doutrina e na jurisprudência de nossos pretórios.

[...]

Note-se que a legislação codificada sempre teve atuação secundária no que pertine à responsabilidade do advogado. [69]

Dentre as formas de dano existentes, que podem ser provocados pela atuação do advogado, destaca-se uma teoria que exprime uma maneira muito peculiar de dano, a perda de uma chance, onde o cliente deixa de ver uma pretensão sua examinada pelo judiciário. A análise da perda de uma chance recebe destaque neste trabalho em razão de sua relevância no estudo acerca da responsabilidade civil do advogado.

Diante de tantas hipóteses em que a conduta do advogado, comissiva ou omissiva, tem o condão de fazer nascer responsabilidade civil, analisa-se, no presente estudo, algumas hipóteses mais corriqueiras, as quais são apreciadas pelo judiciário e trazidas pela doutrina e jurisprudência, ressaltando-se que o tema não se esgota nos casos expostos, pois, como já dito, a matéria começa a ser discutida com mais amplitude, sendo necessário, ainda, muito estudo, debate, julgados e até mesmo uma legislação mais específica ao tema para que se possa ter uma harmonia entre posicionamentos e decisões judiciais, podendo, enfim, se tornar, a responsabilidade civil do advogado, um tema menos esparso.

3.2 Natureza jurídica da responsabilidade civil do advogado e o dever de diligência

O advogado, ao exercer sua atividade, defendendo os direitos de seu cliente, o faz mediante a outorga de um mandato. "O mandato é o contrato pelo qual alguém (mandatário ou procurador) recebe de outrem (mandante) poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses (CC, art. 653)". [70] A procuração é o instrumento do mandato, ou seja, é por meio dela que se exterioriza o mandato, ela é o documento que consubstancia os poderes conferidos ao mandatário, no caso, o advogado. Para esse labor, o mandante confere ao advogado a procuração ad judicia, isto é, para atuar em juízo em seu nome. O mandato é uma das formas de contrato previstas no Código Civil.

Assim, sendo o mandato um contrato, a responsabilidade imposta ao advogado é de natureza jurídica contratual, levando em conta o advogado profissional liberal, não se considerando outras formas em que o exercício da advocacia é possível de ser realizado, como, por exemplo, em casos de nomeação para atendimento da assistência judiciária. "Efetivamente a responsabilidade de qualquer profissional liberal – gênero de que os advogados são espécie – será, em regra, contratual". [71]

Sérgio Cavalieri Filho assim ensina:

Em relação a seu cliente, a responsabilidade do advogado é contratual, salvo quando atua como defensor público ou procurador de entidades públicas (Estado, Município, autarquias, advogado da União, etc.), casos em que, pelos danos que causar a terceiros, responde a pessoa jurídica de Direito Público em nome da qual atua, de acordo com as regras que disciplinam a responsabilidade do Estado. [72]

Aguiar Dias aponta a diferença existente entre a natureza da responsabilidade do advogado no Brasil e na França, pois lá o mandato judicial é confiado a um oficial público, reafirmando a natureza contratual dessa responsabilidade em nosso país.

Em nosso direito não é bem assim. O exercício da advocacia, se bem que a nosso ver participe do caráter de munus público, tem regulamentação diferente. O advogado não é oficial público e, assim, sua responsabilidade é puramente contratual, salvo o caso de assistência judiciária. [73]

Mas há exceções a essa regra da responsabilidade contratual, conforme ensina Rui Stoco, como nos casos do defensor dativo, o qual não tem ligação contratual com aquele que defende, ou quando pessoa necessitada é defendida pela Defensoria Pública, Procuradoria de Assistência Judiciária ou Procuradoria do Estado, não havendo, da mesma forma, relação contratual, ou então quando há atuação dos procuradores de entidades da administração direta ou indireta do Estado e advogados da União, pois a relação entre o Estado e o procurador é estatutária, e ainda quando membros do Ministério Público atuam como verdadeiros advogados em ações individuais ou coletivas. Nesses casos, a responsabilidade dos advogados ou de quem age como tal não é de natureza contratual. [74]

Aos profissionais liberais, quando prestam serviços, aplicam-se as noções de obrigação de meio e de resultado.

Obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo.

[...]

Obrigação de resultado é aquela em que o credor tem o direito de exigir do devedor a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da relação obrigacional. Tem em vista o resultado em si mesmo, de tal sorte que a obrigação só se considerará adimplida com a efetiva produção do resultado colimado. [75]

Em função disso, o advogado, ao exercer seu mister, não possui uma obrigação de resultado, mas sim de meio, de diligência, isto é, deve usar de todas as técnicas e métodos existentes e permitidos na defesa dos interesses de seu cliente, não estando vinculado ao resultado final da pretensão deduzida em juízo, pois seu papel é ser diligente, representando seu cliente em juízo, defendendo-o da melhor forma possível, cabendo ao magistrado o dever de dizer o direito. Por isso, o advogado não se vincula à produção de um resultado favorável ao cliente, pois não é ele quem julga, seu dever é agir com o máximo de diligência e eficiência na busca pelo direito (resultado desejado). Nesse sentido a lição de Rui Stoco:

[...] a aceitação de uma causa não gera obrigação de resultado, porém obrigação de meios.

Significa que o advogado se obriga a empregar todo o cuidado e diligência necessários e cuidar da causa com zelo e atenção, acompanhando o andamento da causa, peticionando quando necessário ou exigido e acompanhando e cumprindo os prazos processuais.

Significa, também, que a sua obrigação é de meios, ou seja, quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, de acordo com o seu título, com os recursos de que dispõe e com o desenvolvimento atual da ciência, sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado. [76]

Carlos Roberto Gonçalves faz uma ressalva acerca do dever de diligência que incumbe ao advogado, pois, segundo o doutrinador, o advogado só se prende a um resultado "quando contratado para a elaboração de um contrato ou da minuta de uma escritura pública ou, ainda, para o exercício de uma atividade administrativa, típica de despachante burocrático". [77] No mesmo sentido Rui Stoco esclarece:

Quando esse profissional tem atuação extrajudicial, ou seja, fora do juízo, como jurisconsulto, parecerista, conselheiro ou contratado para tarefa certa, como a redação de um contrato, de um estatuto ou ato constitutivo; de providenciar o registro público desses documentos, então estará assumindo uma obrigação de resultado, pois o contrato objetivou essa finalidade. [78]

Arnaldo Rizzardo também trata das situações que comportam exceções à regra segundo a qual o advogado assume uma obrigação de meio, nos seguintes termos:

Já se depreende aí que não se trata de obrigação de resultado, exceto em situações singelas, ou em intervenções e postulações que não demandem controvérsias, discussões, divergências, recursos, preponderância de correntes doutrinárias ou teses, dissídios na jurisprudência. [...] Não há, em tais procedimentos, maiores dificuldades, e muito menos grandes discussões, bastando a correta formalização da petição.

Realmente, não assume o advogado a obrigação de vencer a causa. Se assim prometesse, já procederia com culpa, sujeitando-se a indenizar caso perder a ação, posto que ludibriou a parte. [79]

Assim, sendo a responsabilidade civil do advogado, em regra, contratual e tendo o mesmo obrigação de diligência (obrigação de meio), cabe a esse profissional manter-se sempre atualizado, acompanhando as mudanças na legislação, os posicionamentos doutrinários, as novas técnicas de defesa dos direitos, as orientações da jurisprudência, as quais acabam por proporcionar a dinâmica da legislação, visto que dá à letra fria da lei um aspecto prático e de atualização, evitando-se que normas antigas se tornem impróprias e incompatíveis com a atualidade. Agindo dessa forma, o dever de diligência estará sendo cumprido e uma possível responsabilidade evitada.

Os julgados não são normas cogentes na acepção pura desse vocábulo, mas, nem mesmo por isso, deixam de cumprir a missão que deles se espera, qual seja, a de unificação da ordem jurídica. Os juízes observam a jurisprudência e, com base nela, elaboram o direito vigente; para os advogados tornou-se questão de prudência observá-la.

[...]

O erro do advogado, nesse setor de metodologia de informação jurisprudencial, poderá ser conceituado como de direito e grave, sugerindo o dever de indenizar. Sem dúvida de que o trabalho do advogado futuro, já estressante, constitui um desafio diante da instabilidade dos julgados, de modo que a obrigação de se atualizar deixou de ser motivo de captação de clientela; virou seguro de responsabilidade civil. [80]

Por fim, tem-se que, para ser a responsabilidade conferida ao advogado, deve ser provada a sua culpa ou dolo ao exercer sua atividade, conforme a lição de Rizzardo:

Para incidir a responsabilidade impende que fique provada a prática com dolo ou a culpa. Quanto ao dolo, ou o propósito de lesar o cliente ou a parte representada, não se apresentam maiores dificuldades. Na culpa é que se encontra o amplo campo de situações que conduzem à responsabilização, as quais decorrem das infrações dos deveres impostos aos advogados, de modo especial, e que interessa, ao caso, a que está no inc. IX do art. 34 da Lei nº 8.906, consistente em "prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio".

Embora a referência à culpa grave, não se pode olvidar o preceito do art. 32, que faz depender a responsabilidade unicamente da culpa. [81]

E, para encerrar a questão da necessidade de dolo ou culpa na atuação do advogado para que este possa ser responsabilizado, o supracitado doutrinador cita os ensinamentos de Fábio Siebeneichler de Andrade:

De modo que a circunstância de a culpa ser leve não exclui o dever de indenizar. É certo que deve estar presente um grau de razoabilidade, na medida em que, em geral, se exige do profissional um conhecimento médio. Essa circunstância, porém, se modifica quando a escolha do profissional tiver sido feita com base na notória especialização. Há que se ter, portanto, uma exigência mais rigorosa quando esse advogado não agir com eficiência que dele se espera e que lhe é habitual. [82]

3.3 Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a não influência da inversão do ônus da prova contida em seu art. 6°, VIII

Conforme a definição encontrada no CDC do que vem a ser fornecedor e consumidor, parece que na relação entre advogado e cliente o primeiro apresenta-se como o fornecedor de serviços e o segundo como consumidor dos mesmos. Todavia, em função do caráter público que envolve o exercício da advocacia, dada a sua relevância para a administração da justiça, de sua independência e de ter uma legislação própria, de âmbito federal, que regula o exercício dessa profissão, parece não ser aplicável, na relação entre as partes supracitadas, o Código de Defesa do Consumidor. Além do que este Código parece ter sido instituído para proteger o consumidor diante das relações comerciais e, não sendo a advocacia uma atividade comercial, já que o próprio Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece que assim não seja, não se aplica esse diploma legal aos serviços prestados pelo advogado.

A responsabilidade do advogado é subjetiva, ou seja, fulcrada na idéia de culpa. "Tal responsabilidade será sempre por culpa e deverá estar sempre informada pelo elemento subjetivo, seja a relação contratual ou não". [83]

O CDC estabelece, como regra, a responsabilidade objetiva nas relações de consumo. E assim talvez se fez para proteger consumidores que, diariamente, consumiam produtos e serviços em setores de atividade profissional que não dispõem de regulamentação própria, sendo aquele Código portador de normas gerais, para profissões e casos não regulamentados especificamente. Mesmo ante essa responsabilidade objetiva, o art. 14, § 4º desse diploma prevê a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais.

Assim, só se poderá responsabilizar o advogado quando, por dolo e intenção manifesta de prejudicar ou locupletar-se, cause prejuízos ao seu cliente, ou obre com culpa manifesta, atuando de modo tão insatisfatório, atabalhoado, displicente e imperito que a relação causal entre esse agir e o resultado fique manifesta.

Significa ainda que, embora os advogados, assim como os demais profissionais liberais, sejam prestadores de serviços típicos, foram colocados de fora do campo de abrangência do Código de Defesa do Consumidor, por força da regra de exceção contida no referido § 4° do art. 14.

Ora, se o princípio adotado pelo CDC é o da responsabilidade objetiva, ao estabelecer a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, afastou-os, como exceção, do seu âmbito de abrangência, reconhecendo que estes profissionais são regidos por estatuto próprio, como ocorre com os advogados, na consideração de que a lei que estabeleça disposições gerais (CDC) não revoga lei especial, ou seja, a lei específica que regulamenta determinadas profissões liberais (LICC, art. 2°, § 2°). [84]

Sobre esse aspecto, importante a observação feita por Carlos Roberto Gonçalves acerca da responsabilidade civil do advogado considerado isoladamente e da sociedade de advogados, que segundo ele não é abrangida pelo art. 14, § 4° do CDC, deixando claro que à essa se aplica o Código, ao contrário do que ocorre com o profissional advogado.

Manteve-se o princípio de que tal responsabilidade pessoal será apurada mediante a verificação de culpa (art. 14, § 4º).

Entretanto, é muito comum, hoje, tais profissionais agruparem-se em torno de empresas prestadoras de serviços, ou seja, sociedades de advogados. Como já se afirmou, a exceção do princípio da responsabilidade objetiva consagrada no Código de Defesa do Consumidor aplica-se apenas ao próprio profissional liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas que integre ou para as quais preste serviço. [85]

Mesmo parecendo equivocada a doutrina que defende ser aplicável o CDC na relação entre advogado e cliente, expõe-se as razões que a conduz a esse posicionamento. Nesse sentido, o início desse pensamento se apresenta no fato de entre aquele profissional e seu constituinte existir uma relação de consumo, onde o primeiro é o fornecedor e esse último o consumidor. Segundo, para os que assim se posicionam, apenas há um privilégio para o advogado na sua relação com o cliente no diz que diz respeito à responsabilidade subjetiva lhe conferida, pois de resto esses profissionais se submetem ao regime da legislação do consumidor. Outra razão para se chegar a essa conclusão de que ao advogado se aplica o CDC é o poder de polícia das profissões, conforme defende Sérgio Novais Dias, ao citar José Cretella Júnior, defendendo não se submeter, o advogado, às sanções administrativas contidas no CDC, visto ser atribuído com exclusividade à OAB esse poder de polícia das profissões no que tange aos profissionais da advocacia.

[...] tal como ocorre com as outras liberdades, a liberdade de profissões sofre as restrições impostas pelo interesse público, que exige a prova prévia da idoneidade e capacidade daqueles que a exercem. O Estado usa, assim, de um verdadeiro poder de polícia, que se poderia enquadrar dentro de um título geral – polícia das profissões. [86]

E Novais Dias encerra dizendo que "os demais dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, que não se conflitam com as normas do Estatuto da Advocacia, são aplicáveis aos advogados". [87]

Não se trata de negar a relação de consumo existente entre o advogado e seu cliente, ou aceitar, simplesmente, que há um privilégio ao profissional liberal, no caso o advogado, quando se estabelece pela legislação do consumidor a responsabilidade subjetiva à essa classe, ou ainda negar que deva haver um poder de polícia por parte do Estado para coibir abusos. A questão é que, com o advento da Constituição Federal de 1988, naturalmente o advogado teve, sabiamente, sua condição elevada a essencial à administração da justiça, não devendo ser tratado como os demais prestadores de serviço em razão da própria natureza dos serviços que presta, ou seja, serviços essenciais à justiça, que deve gozar de certos privilégios para que atue com precisão, não devendo sofrer pressões ao exercer sua atividade, como ter que se submeter ao regime criado para proteger o consumidor. Quanto à responsabilidade subjetiva lhe conferida, fica claro que o legislador quis excluir o profissional liberal da submissão ao CDC, pois essas profissões geralmente têm normas de conduta peculiares. Assim. As sanções disciplinares competem exclusivamente à OAB e as sanções por ilícitos que cometer o advogado, devem ser apuradas sob a égide das disposições sobre responsabilidade civil contidas no Código Civil e no Estatuto da OAB e não no Código de Defesa do Consumidor. E quanto ao poder de polícia das profissões, tem-se que o mesmo deve existir, mas ser operante nos casos em que não há legislação específica de caráter tão relevante quanto é o EAOAB, que disciplina o exercício da advocacia em específico.

Em vista desses argumentos, parece descabido dar relevância à inversão do ônus da prova trazida pelo CDC em seu art. 6°, inciso VIII, pois cabe ao magistrado saber o momento adequado de assim proceder ou não quando o assunto for responsabilidade civil do advogado, pois caberá a quem alega o erro desse profissional a produção da prova, salvo nos casos de inversão já previstos pelo CPC, sendo, por isso, não influente essa norma do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, importante a lição de Ênio Santarelli Zuliani:

Há quem sustente o cabimento da inversão do ônus da prova (expressamente previsto no art. 6º, VIII, da L. 8.078/90), porque o advogado não goza de privilégio diante de um resultado. O consumidor, sim, é que não merece ser prejudicado na investigação do possível erro profissional. Considero esse assunto, nessa área, irrelevante, dada a especialidade natural do juiz que será o encarregado de decidir o litígio.

[...]

O juiz, no entanto, por ser um técnico em assunto jurídico, para julgar uma ação em que se discute a responsabilidade civil dos advogados dispensa o serviço de auxiliares (peritos), para que possa compreender, analisar e julgar os imbróglios forenses que caracterizam esses processos. Um juiz prudente não se impressiona com o velho costume que culpa os advogados pelas injustiças do processo [...].

O sistema de inversão do ônus da prova não é, pois, o maior aliado do juiz encarregado de julgar a ação em que se pede ressarcimento de danos por erro do advogado. [88]

3.4 Erro de fato, erro de direito, erro escusável e erro inescusável

O advogado é um profissional que somente é assim considerado após ser aprovado no exame de Ordem, sendo, desta forma, um profissional com habilitação especial. Então, apresenta-se o questionamento de se saber se o advogado deve ou não responder pelos erros de fato e de direito que cometer. A doutrina apresenta dois posicionamentos. Um, defendendo que o advogado sempre responde pelos erros de fato e pelos de direito quando graves. Outro, se posicionando favorável à responsabilização do advogado apenas quando seu erro seja inescusável. É o que se passa a demonstrar.

Novais Dias entende que "o advogado responde sempre pelos erros de fato por ele cometidos", [89] exemplificando com o caso do advogado que na defesa de seu cliente peticiona pedindo número incorreto de horas extras mesmo diante de relatório escrito entregue pelo constituinte ao patrocinador da causa expondo em sentido diverso. E, quanto aos erros de direito, diz ser mais complexa a questão, nos seguintes termos:

Compete ao advogado manter-se adequadamente atualizado da lei, da doutrina e da jurisprudência na área do direito em que está militando. Não é preciso, pois, que seja uma enciclopédia jurídica ambulante, mas não pode escusar-se dos conhecimentos médios do advogado razoavelmente atualizado.

[...]

Contudo, quando o profissional é escolhido como um especialista naquele campo do direito, o rigor é maior. [90]

No mesmo sentido parece estar a doutrina de Aguiar Dias:

O advogado responde pelos erros de fato cometidos no desempenho de seu mandado. É nossa opinião que não se escusa, mostrando que o erro não é grave. Quanto aos erros de direito, é preciso distinguir: só o erro grave, como a desatenção à jurisprudência corrente, o desconhecimento de texto expresso da lei de aplicação freqüente ou cabível no caso, a interpretação abertamente absurda, podem autorizar a ação de indenização contra o advogado, porque traduzem evidente incúria, desatenção, desinteresse pelo estudo da causa ou do direito a aplicar ou, então, caracterizada ignorância, que se torna indesculpável, porque o profissional é obrigado a conhecer o seu ofício sem que seja obrigado a mostrar-se um valor excepcional na profissão. [91]

Rui Stoco discorda do posicionamento de Novais Dias, quando este jurista defende ser o advogado sempre responsável pelos erros de fato que cometer. Rui Stoco doutrina no sentido de não ser qualquer erro passível de gerar o dever de indenizar. Para ele, somente os erros inescusáveis tem esse condão e leva em consideração o critério do grau de culpa para se avaliar o quantum da reparação pelo dano material.

Assim, não é qualquer erro do advogado que gera a responsabilidade desse profissional, mas apenas os erros inescusáveis, grosseiros, inadmissíveis para um profissional que cursou a faculdade de Direito e foi aprovado em exame da OAB, o qual testa a sua proficiência e aptidão para o mister. O erro inescusável faz nascer o dever de indenizar para o advogado pelo prejuízo que causou ao seu constituinte, visto demonstrar incompetência ao atuar. O próprio EAOAB dispõe, em seu art. 34, que constitui infração disciplinar prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao patrocínio do profissional da advocacia. "Culpa grave se vislumbra na falta de conhecimento jurídico para o exercício do mister ou o total desconhecimento da legislação em vigor". [92] E nessa linha de pensamento, prossegue Rui Stoco:

[...] defender determinada tese jurídica, ainda que não seja a melhor ou invocar corrente doutrinária ou jurisprudencial superada ou minoritária, não pode conduzir à responsabilização do profissional, caso não tenha sucesso em uma ação judicial específica, embora outros profissionais tenham logrado ganho de causa, com a mesma tese, em outras ações. [93]

Carlos Roberto Gonçalves assim também entende, dizendo que "não será, entretanto, qualquer erro que irá dar causa à responsabilidade civil do profissional, proporcionando a respectiva ação de ressarcimento". [94] Invocando, nesse sentido, o posicionamento de Mário Guimarães de Souza, segundo o qual o erro, "só quando ele for inescusável, patente, demonstrativo apenas de ignorância profunda é que terá justificativa o pedido de perdas e danos". [95]

Assim também se posicionou L. P. Moitinho de Almeida:

Perder uma acção ou um incidente, não constitui, porém, erro de ofício, pois, como dissemos, as obrigações do advogado para com o cliente são de meios e não de resultado. E sendo o direito uma ciência especulativa, não pode exigir-se ao advogado que ele tenha necessidade de seguir o mesmo critério que o do juiz que elaborou a decisão e que, na maior parte dos casos, o advogado desconhece mesmo qual seja.

Para que haja erro de ofício é necessário que o advogado tenha agido com ignorância, inépcia ou negligência, numa palavra, com culpa. O erro de ofício que dá lugar à reparação civil tem de ser irrecusável [...]. [96]

Em suma, enquanto parte da doutrina acredita que o erro de fato sempre gera responsabilidade ao advogado e que o erro de direito assim o faz apenas quando for de natureza grave, outra parte da doutrina entende que os erros somente têm o condão de gerar responsabilidade ao advogado quando for inescusável, fruto de clara ignorância e despreparo, erros absurdos e que causem prejuízos ao cliente, o que parece ser o mais acertado, mesmo que essa corrente de pensamento não distinga claramente a ocorrência de responsabilidade quando o erro é de fato e de direito.

3.5 Desobediência às instruções do cliente

Há na doutrina quem entenda que a desobediência às instruções do cliente sempre pode acarretar a responsabilidade do advogado que assim se conduziu, pois esse, discordando daquele, pode renunciar ao mandato. Porém, parece não ser esta a melhor solução, devendo cada caso concreto ser analisado, levando-se em consideração quais os poderes conferidos ao advogado para sua atuação na defesa dos direitos e interesses do cliente, tendo grande importância, para tal finalidade, a procuração e os termos nela inseridos.

Como se sabe, o advogado é fundamental à administração da justiça justamente por ser um profissional habilitado, conhecedor do direito e, portanto, apto a defender os interesses do cliente em juízo e fora dele. Todavia, para se coibir abusos nessa representação, pode constar na procuração ad judicia uma limitação aos poderes conferidos ao patrocinador da causa ou, então, conferir-lhe poderes amplos e irrestritos, já que certos atos só podem ser praticados quando constarem expressamente no instrumento do mandato, como confessar, desistir, entre outros, como informa o art. 38 do CPC.

Desta forma, outorgada a procuração geral para o foro, pode o advogado praticar atos relacionados ao processo de acordo com seu conhecimento jurídico e dentro das suas concepções sobre o que acredita ser melhor para o cliente, que, leigo em matéria jurídica, assim consentiu ao outorgar poderes para o profissional atuar em seu nome.

Quanto aos atos que o art. 38 do CPC faz ressalva à atuação do advogado com a procuração geral para o foro, uma vez conferidos ao advogado tais poderes e constando os mesmos expressamente no instrumento do mandato, poderá, o advogado, praticar também esses atos sem precisar consultar o cliente, o qual já deixa claro sua anuência em incumbir tais tarefas ao advogado.

A nós parece que essa orientação do cliente deve ser formalizada em documento ou constar do instrumento do mandato, na consideração que a outorga de poderes legitima o outorgado a praticar todos os atos do processo. [97]

O que parece não ser admissível é que o advogado, mesmo tendo poderes amplos e irrestritos para atuar em nome do cliente, pratique atos contrários ao desejo e às instruções desse quando questionado sobre determinado assunto e a forma que pretende conduzir a questão e isso desagrade o outorgante, o qual acaba por determinar que o outorgado não proceda de tal forma, mesmo que tenha lhe conferido poderes para agir livremente. É que tais poderes irrestritos devem ser utilizados quando o cliente não toma conhecimento da prática de certo ato, mas tendo ele esse conhecimento e instruindo o advogado para agir de outra maneira, mesmo que dispondo ao contrário do que estabelecido na procuração, parece, ai sim, haver responsabilidade do patrocinador que desobedece as instruções do cliente, caso lhe proporcione prejuízo, pois, em tal situação, poderia o profissional do direito renunciar ao mandato pra evitar o conflito com o cliente, o que não implicaria na quebra do contrato, desde que de proceda em conformidade com o art. 45 do CPC.

Ainda sobre a questão acima suscitada, a doutrina traz o exemplo do advogado que realiza acordo sem poderes para fazê-lo ou extrapolando os poderes que lhe foram conferidos para esse ato, gera danos materiais ao cliente e é responsabilizado pela sua falta de diligência, devendo ressarcir os prejuízos. Mas ressalta o fato de o outorgante, diante das circunstâncias, alterar as instruções que conferira ao advogado no instrumento do mandato e o mesmo não as acata, respondendo pelos danos que advierem de sua conduta.

Mas se comprovado que o cliente, diante das circunstância, contrariando os termos do instrumento de mandato, orientou seu constituído a não fazer o acordo proposto ou a consultá-lo antes, então terá o advogado descumprido a vontade do cliente e desobedecido à orientação, respondendo pelo prejuízo.

[...]

Segundo parece, a permissão constante do instrumento de procuração para fazer o acordo já é a instrução a seguir. Apenas se o cliente, não obstante os termos do instrumento, tomar a iniciativa e orientar seu procurador para só fazer o acordo em determinadas condições ou mediante consulta prévia é que se terá a desobediência à ordem. [98]

Em síntese, "o advogado deve preservar sua independência técnica", [99] porém, "a qualidade de advogado não lhe dá o direito a dispor dos direitos alheios", [100] sem que autorizados expressamente para assim proceder.

3.6 Responsabilidade por conselhos e pareceres

Uma questão importante no estudo da responsabilidade civil do advogado é relativa à caracterização do dever de reparar os danos experimentados pelo cliente em função das orientações dadas por seu procurador, seja por conselhos ou mediante pareceres.

Apesar de autorizados doutrinadores ensinarem que o advogado não responde civilmente pelos seus pareceres, senão no caso de dolo, "pode responder o advogado pelo parecer desautorizado pela doutrina ou pela jurisprudência, induzindo o cliente a uma conduta desarrazoada, que lhe acarretou prejuízos". [101]

"Para Paulo Luiz Neto Lôbo, ‘na hipótese de consulta jurídica, o conselho insuficiente deve ser equiparado à ausência de conselho, sendo, também, imputável ao advogado a responsabilidade civil [...]’". [102]

Nesse sentido, importante e esclarecedora a lição de José de Aguiar Dias, que aborda tanto a responsabilidade pelos conselhos e pareceres infundados, quanto a decorrente da omissão de conselhos, a qual é equiparada, pela doutrina, ao conselho insuficiente.

A questão, destacada do dever de conselho, fundamental entre as obrigações impostas pela atividade profissional, qualquer que seja, está sujeita, ao que entendemos, às mesmas regras por que se apura a responsabilidade pelo desempenho do mandato. Um parecer ou conselho visivelmente desautorizado pela doutrina, pela lei ou pela jurisprudência acarreta, para o advogado que o dá, a obrigação de reparar o dano resultante de lhe haver o cliente seguido o raciocínio absurdo de cuja extravagância não poderia aquilatar.

[...]

Sendo mais raro, também não é impossível o caso de responder o advogado por omissão de conselho, o que pode suceder quando permite que o cliente enverede por um caminho errôneo, quando poderia aconselhá-lo a adotar fórmula garantidora de sucesso. [103]

Ressaltando o que já fora dito, o advogado presta um serviço de alta relevância pública e de valor inestimável à sociedade, visto ser ele o profissional gabaritado para defender os direitos e interesses das pessoas, uma vez que essas não conhecem o Direito a ponto de realizarem a autodefesa técnica e mesmo que conhecessem informalmente não estariam aptas a fazê-lo por não ter capacidade postulatória, conferida aos inscritos junto à OAB. Por isso, o cliente procura o advogado confiando no seu saber e, no mínimo, na sua prudência, tanto para os atos que ele venha a praticar quanto para os conselhos que possa dar. Assim, não se pode excluir da esfera da responsabilidade civil do advogado os pareceres e conselhos infundados, e até mesmo os conselhos insuficientes ou a omissão dos mesmos, que fizer em afronta ao sistema jurídico, mesmo que por culpa, e que venham a ocasionar danos ao outorgante do mandato, cabendo, sempre, a prova da conduta lesiva, do dano e do nexo causal.

É certo que, com essa crescente especialização do conhecimento, pessoas e empresas passam a tomar várias decisões baseadas em consultas a especialistas. No caso de advogados, a falta de informação adequada ou a má informação podem gerar danos incomensuráveis aos seus clientes, razão pela qual se faz necessário apreciar cada caso, de acordo com o padrão de conhecimento que se esperava do profissional que se habilitou a essa tarefa, para decidir por reconhecer ou não a responsabilidade. [104]

3.7 A não obrigatoriedade de sempre recorrer da decisão

Há, na atividade da advocacia e em sede de responsabilidade civil do advogado, questão relativa à obrigatoriedade ou não desse profissional em sempre recorrer das decisões prolatadas nos processo de seus clientes.

Parte da doutrina defende, como Carvalho Santos e Sérgio Cavalieri Filho, que não se deve exigir que o advogado recorra sempre, pois esse, como primeiro juiz da causa, deve analisar acerca da conveniência ou não do recurso, só se reconhecendo sua responsabilidade quando a sentença não recorrida tinha possibilidade de ser reformada, havendo, nesta situação, a perda de chance de seu cliente, cabendo a este provar tal fato. Quanto a teoria da perda de uma chance, ter-se-á, em momento oportuno, a sua análise neste trabalho.

No que respeita à conveniência ou não de recorrer, entendemos que, sendo o advogado o primeiro juiz da conveniência de se ajuizar ou não a ação, deve sê-lo, também, da conveniência de recorrer, mormente tratando-se de recurso especial ou extraordinário, sujeitos a requisitos rigorosos e específicos. O advogado, principalmente quando zeloso do seu bom nome, não pode ser obrigado a interpor um recurso manifestamente incabível. Não deve, entretanto, deixar de recorrer no caso de indiscutível necessidade, ou contrariando a vontade do cliente. Neste último caso, se tem convicção jurídica contrária, o caminho será a renúncia. [105]

Outra ala de pensamentos adota posição oposta, segundo a qual o advogado deve sempre recorrer, sob pena de se não o fizer ser responsabilizado.

Há também um posicionamento intermediário, o qual defende que o advogado deve, primeiramente, fazer um juízo de valor acerca da possibilidade de sucesso do recurso, colocando a questão sob o aspecto da natureza do recurso a ser interposto. Assim, o recurso ordinário seria um direito da parte, cabendo ao advogado, na defesa de seu constituinte, usar de todos os meios normais para alcançar o direito a ele confiado, devendo, nesse caso, ajuizar o recurso sempre. Já quanto aos recursos extraordinário e especial, por terem cabimento restrito e caráter extremamente técnico, desobrigariam o advogado a utilizá-los quando o patrocinador da causa entender não estar autorizado por lei ou ser inadmissível esses recursos para o caso de seu cliente.

Mas parece que o posicionamento mais adequado é o que defende que não se deve exigir que o advogado recorra sempre, esgotando todos os recursos postos à sua disposição. Para se saber quando deve recorrer e quando a não interposição do recurso tem o condão de gerar danos ao dono do direito discutido, deve-se fazer um juízo de valor sobre o caso. Todavia, este juízo de valor não é acerca da probabilidade de sucesso no recurso, mas antes um "juízo de valor objetivo, relativo à admissibilidade do recurso e à possibilidade de o mérito ser revisto e não quanto ao próprio resultado desse mérito, ou seja, quanto à solução da lide". [106]

No que tange aos recursos aos Tribunais e a certos recursos mais restritos, que exigem maiores pressupostos e condições para sua interposição, como, por exemplo, estar de acordo com a jurisprudência de Tribunais Superiores ou do STF, colhe-se a lição de Rui Stoco:

Ora, caberá ao advogado – posto que para tanto recebeu instrumento de mandato – verificar a conveniência de recorrer quando a questão controvertida e decidida nos autos estiver de acordo com a jurisprudência dominante do tribunal local ou a decisão proferida em consonância com Súmula do STF ou do STJ.

Em hipóteses tais não poderá responsabilizá-lo por não ter recorrido. [107]

Mas o mais razoável, sempre, é deixar o cliente ciente de todos os atos do processo e de todas as decisões a serem tomadas e, no caso específico de se interpor um recurso ou não, colher a opinião do cliente, após lhe explicar as vantagens e desvantagens de recorrer ou não, para que o mesmo esteja ciente e de acordo.

Mas cabe ressalvar que, se a orientação do cliente é incisiva e expressa, no sentido de que o advogado deve recorrer e este não o faz, incorrerá em responsabilidade, considerando que, havendo divergência entre outorgante e outorgado, este sempre poderá renunciar ao mandato, comunicando o fato àquele que o havia contratado para que possa atribuir poderes a outro profissional. [108]

Interessante, ainda, é a questão de interposição de recursos nos Juizados Especiais, onde não há custas processuais no caso de perda da demanda em primeira instância, só incidindo as mesmas em caso de interposição de recurso.

Nos juizados especiais, em que a sucumbência só incide na hipótese de o processo subir para a instância recursal, a não-interposição de recurso pelo advogado da parte da sentença que sucumbiu na primeira instância pode abranger o exame do custo-benefício do recurso. Ou seja, havendo pouquíssimas chances de êxito no recurso, era melhor para o cliente não recorrer, porque isso agravaria sua situação com a incidência de custas e, sobretudo, de honorários da outra parte de até 20%. [109]

3.8 Ajuizamento de lide temerária

O conceito de lide temerária é extremamente vago e a expressão não é esclarecedora. Diz-se, lide temerária, "da ação que alguém propõe de má-fé, sem legítimo interesse moral e econômico ou sem justa causa, causando danos à outra parte indevidamente chamada a juízo". [110] Assim, o ajuizamento de lide temerária caracteriza uma forma de abuso de direito, no caso, abuso de direito processual, que é definido como:

Exercício irregular ou anormal do direito de demandar, caracterizado pelo espírito de emulação, mero capricho, erro grosseiro, verificando-se, por igual, nos meios de defesa, [...]. Quem comete abuso de direito processual responde por perdas e danos, nos termos do art. 16 do Código de Processo Civil. [111]

Então, no conceito de lide temerária encontram-se presentes a idéia de abuso de direito processual e de litigância de má-fé, sendo esta, a má-fé, o "ânimo doloso de quem age ilicitamente, sabendo que viola os direitos de terceiros e transgride as disposições da lei". [112]

O art. 17 do CPC dispõe que se reputa litigante de má-fé aquele que proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo.

O art. 32 e seu parágrafo único do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil prescrevem a responsabilidade do advogado pelos atos que praticar com dolo ou culpa em caso de lide temerária, a qual pode ser solidária à responsabilidade do cliente no caso de ambos estarem coligados para tal finalidade.

Da mesma forma, o CPC, no art. 14, estabelece que são deveres das partes e de todos aqueles que participarem do processo, incluindo aqui, obviamente, o advogado, cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação dos provimentos judiciais, isto é, não agindo de forma temerária. As partes (litigantes) podem ser condenadas como litigantes de má-fé de ofício ou a requerimento do interessado e nos próprios autos. Já o advogado somente poderá ser responsabilizado em ação própria. O parágrafo único do artigo supracitado ressalva os advogados das sanções que podem ser impostas às partes, visto que aqueles profissionais se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB.

Em suma, o advogado que ajuíza lide temerária pode ser responsabilizado por essa conduta, conforme se compreende da esclarecedora lição de Rui Stoco:

Portanto, o advogado também poderá ser responsabilizado por atuação temerária e de má-fé, mediante dolo ou culpa grave, mas apenas em ação própria e não de ofício ou nos próprios autos, pois a disposição do art. 14, V, do CPC não se aplica aos advogados e procuradores em geral. [113]

3.9 Violação do sigilo profissional

"O segredo profissional é imposição de ordem pública, e o advogado, como qualquer outro membro das profissões liberais, responde pela sua infração". [114]

Violar, sem justa causa, sigilo profissional é infração disciplinar que consta no art. 34, VII, do EAOAB, sendo, por isso, estabelecido o direito de o advogado recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com a pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional (art. 7º do mesmo Estatuto). Além disso, a violação de segredo profissional é crime, tipificado no art. 154 do CP (Código Penal).

"Cuida-se de hipótese em que a violação do sigilo, além de poder configurar infração penal, imporá ao advogado sanção de natureza administrativa por parte da OAB e o dever de compor danos morais". [115]

Assim, quando o advogado viola o sigilo profissional, o qual tem a obrigação de observar, e desse ato advém dano ao cliente, moral ou material, poderá ser responsabilizado civilmente pela sua conduta. Juntamente com a sanção civil, deverá sofrer reprimenda administrativa por parte da OAB e até mesmo ser criminalmente responsabilizado.

Mas essa regra do tipo penal pode ser mitigada, pois é elementar do crime que não haja justa causa para se romper o segredo profissional. Havendo justa causa, a conduta torna-se atípica e também não haverá necessidade de reparar danos, ou seja, não haverá responsabilidade civil.

Quando houver condenação criminal, restará indiscutível no cível a matéria, nascendo o dever de recompor os danos, se houver. Mas ainda que inexista condenação criminal, poderá restar o dever de reparar danos na esfera cível, desde que não tenha ocorrido justa causa para o sigilo profissional ser violado.

3.10 Imunidade judiciária e as ofensas irrogadas a outrem em juízo

A inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício de sua profissão, ou seja, sua imunidade profissional, vem prescrita no art. 133 da Constituição Federal e no art.7º, §2º da Lei 8.906/94 (EAOAB). O CP, em seu art. 142, I, dispõe ser a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador, excludente do crime de injúria ou difamação. Assim, o advogado conta com imunidade ao exercer suas funções. Mas, ressalta-se, que sua inviolabilidade está condicionada aos limites da lei, não podendo se exceder em tais atos e manifestações. A jurisprudência vem responsabilizando civilmente o advogado que não atua dentro dos limites de sua inviolabilidade e profere ofensas a outrem em juízo, principalmente ofensas contra o juiz da causa. Além da responsabilidade civil que pode era atribuída ao causídico, o mesmo pode responder administrativamente (junto à OAB) e penalmente.

No processo, onde são discutidos fatos e direitos, poderá ocorrer que as partes e seus procuradores se excedam em suas manifestações e argumentações, acabando por ofender a parte contrária ou qualquer outra pessoa que esteja participando do processo, como o membro do Ministério Público, o magistrado, o outro litigante, os serventuários da justiça, enfim, agindo de forma a irrogar uma ofensa em juízo a outrem. Caso as ofensas sejam proferidas pelo advogado e as mesmas excedam o âmbito do permitido para a discussão da causa, pode o advogado ser responsabilizado civilmente por danos morais à parte que sofre a ofensa, pois "a imunidade não é um privilégio corporativista; é uma bandeira erguida para a defesa da soberania da função, sem o que o profissional não se encoraja na luta pela preservação da liberdade e dos demais direitos alheios". [116]

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Desta forma, a imunidade profissional e o caráter de indispensável à administração da justiça que envolvem o exercício da advocacia perdem espaço quando o advogado excede os limites legais de sua função, ofendendo outrem em juízo, sendo passível de responsabilização e reparação dos danos morais que proporcionar. Nesse sentido, colhe-se a lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ao referirem-se ao advogado:

[...] tenha-se em mente que será ele indispensável enquanto agir escorreitamente segundo as balizas que o mandato estabeleceu. A inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão, para que se estabeleça a imunidade judiciária, pressupõe a prática de atos lícitos permitidos e nos exatos termos da outorga e do âmbito de discussão da causa, até porque se, por um lado, o advogado é inviolável por seus atos, quando no exercício de sua profissão, por outro, toda e qualquer pessoa é inviolável em sua honra, [...]. [117]

Ainda sobre esse aspecto, tem-se o ensinamento de Ênio Santarelli Zuliani:

Portanto, é por meio da linguagem lançada nas peças do processo que o advogado revela o seu dever-ser na organização jurídica que, por certo, não será desrespeitoso, ofensivo, ultrajante. O processo, não obstante um mecanismo (meio) de fazer o direito material, na verdade se transforma em corpo e alma da justiça no caso concreto, com sentido público, de modo que passa a ser inconveniente a falta de recato na linguagem a ser empregada nos atos formadores do processo justo (art. 5º, LV, da CF), ainda que o ressentimento que mova o impulso ou a reação violenta possa ser explicado, quer pela temeridade da lide, quer pelo abuso de direito de defesa da parte adversa e, inclusive, pela morosidade da justiça. Os expedientes próprios para debelar esses incidentes de percurso existem e, entre eles, não está situada a ofensa verbal aos demais protagonistas do processo. O desabafo com ofensas implica a responsabilidade do advogado por lesões de ordem moral aos destinatários de suas mensagens, porque a atuação descomedida, no uso de palavras e gestos, consubstancia ato personalíssimo ou de culpa profissional. [118]

De um lado a CF garante a inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício profissional, desde que dentro dos limites da lei, e de outro confere a todos a inviolabilidade da honra, da imagem, da intimidade e da vida privada, assegurando o direito à indenização por danos materiais ou morais decorrentes da violação desse preceito fundamental. Sobre esse aspecto, Sérgio Cavalieri Filho elucida o assunto:

E como a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém, forçoso é concluir que sempre que direitos constitucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios. Assim, se à imunidade do advogado contrapõe-se o direito à inviolabilidade da honra do juiz, segue-se como conseqüência lógica não constituir prerrogativa do advogado atingir a honra do magistrado, ainda que o faça no exercício do seu edificante mister. [119]

Ensina, ainda o referido autor, que "todo direito tem um limite, mesmo os direitos chamados de absolutos, qual seja, o direito alheio; e quando esse limite é ultrapassado, configura-se o abuso de direito, ato ilícito gerador de responsabilidade". [120]

Por fim, colhe a posição de Arnaldo Rizzardo, o qual defende que o próprio cliente pode ser responsabilizado pelas ofensas que o seu advogado irrogar em juízo, baseando seu pensamento na culpa in eligendo do constituinte na escolha do profissional. Ora, tal entendimento parece não ser compatível com a situação proposta, visto que o cliente contrata um advogado para resolver um problema seu e não para lhe criar outro. Se o advogado ofende a outrem em juízo, deve ele responder pelo seu ato e jamais o cliente, pois este não tem como adivinhar se aquele causídico vai proceder de tal forma ao escolhê-lo para atuar em seu nome. Mesmo assim, por ser um entendimento diferente, interessante trazê-lo neste trabalho.

Mesmo a parte que contratou o advogado arca com a responsabilidade.

Com efeito, o constituinte tem responsabilidade. Revelou falta de maior cautela na escolha do profissional que o representou.

A responsabilidade do contratante advém da chamada culpa in eligendo, que é aquela na qual o agente não procede com acerto na escolha de seu preposto, empregado, representante, ou não exerce um controle eficiente sobre os meios utilizados para a realização de uma determinada atividade, no caso a defesa de seus interesses num processo judicial.

Não bastasse a imprevidência do constituinte, encontra suporte a sua responsabilidade no art. 932, inc. III, do Código Civil (art. 1.521, inc. III, do CC precedente), pelo qual impera a responsabilidade objetiva do empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhe competir, ou em razão dele. Inquestionavelmente, o advogado considera-se um preposto do mandante, já que contratado para o desempenho na representação judicial.

Não fosse assim, pelos inúmeros prejuízos causado a terceiros por advogado não incidiria a responsabilidade do contratante, o que importaria em lacuna com a qual não pode compactuar o direito.

[...]

[...] efetivamente, pelos termos do preceito, se o mandante é obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo mandatário, igualmente deve responder pelos danos que os atos deste último causarem. [121]

3.11 Responsabilidade pela execução de títulos de créditos emitidos para a retribuição dos serviços

Prestado o serviço, o advogado tem direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento e aos de sucumbência, conforme prescreve o art. 22 do EAOAB. Mesmo com esse direito garantido, o advogado continua sendo alvo da inadimplência dos clientes que, ao término da lide, deixam de cumprir com a sua obrigação junto ao causídico que lhe defendera.

Em tais situações, cabe ao advogado executar o contrato ou a sentença para cobrar aquilo que lhe é devido em termos de honorários. Assim, mesmo sendo reconhecido o direito aos honorários, quaisquer que sejam, o advogado possui meios adequados e legais para efetivar a cobrança daqueles, ficando proibida a emissão de títulos de crédito para garantir o pagamento das supracitadas verbas, pois a exigibilidade dos honorários possui seus limites. "O objetivo da proibição é manter o advogado afastado das disputas econômicas", [122] uma vez que essa não é a natureza de sua atividade, ou seja, a advocacia não é uma atividade voltada às disputas econômicas e nem comerciais. O art. 42 do Código de Ética e Disciplina veda a emissão de títulos de créditos para a cobrança de honorários, salvo a fatura de serviços prestados, por conveniência do cliente, vedada a tiragem de protesto.

Deste modo cabe ao advogado utilizar-se dos meios adequados para a cobrança de seus honorários, pois a cobrança dos mesmo por meio de títulos de crédito, uma vez que são expressamente vedados, pode proporcionar danos morais ao cliente, havendo, então, responsabilidade do advogado em repará-lo. Nesse sentido, a lição de Ênio Santarelli Zuliani:

Ao advogado cabe exercer o seu sagrado direito de cobrança na forma prevista em lei, com execução do contrato de trabalho, evitando-se as atividades que são apropriadas para o comércio em geral. Portanto, e na eventualidade de o advogado protestar um título de crédito para forçar o pagamento de honorários que estão sendo questionados pelo cliente, poderá esse seu proceder configurar não só um desrespeito das normas deontológicas, como um ilícito suscetível de fundamentar pedido de indenização por danos morais (abalo de crédito), tal como se sucede com inscrição indevida do sujeito na lista de devedores inadimplentes. [123]

3.12 Atuação na Justiça Criminal e a questão da prisão pelo não pagamento de dívida alimentícia pretérita

A atuação do advogado, no juízo criminal, exige maiores cautelas, visto que a sua culpa e conseqüente prejuízo ao cliente pode atingir um dos direitos mais importantes do ser humano, o direito à liberdade. Assim, havendo uma prisão indevida, por desídia do causídico, este poderá responder civilmente por danos morais. "É permitido afirmar, contudo, que não só ao Estado (Poder Público) recai o peso da prisão indevida; o advogado, a quem cabia requerer a perícia que faltou para livrar o réu da culpa, poderá suportar a responsabilidade civil pela negligente atuação". [124]

Apurada a ilegalidade da prisão, tanto o advogado quanto o Estado podem responder pelo erro. O primeiro pela falta de diligência, a qual deve ser provada, havendo nexo de causalidade entre a sua forma de atuar no caso e o dano moral produzido. O segundo pelo erro judiciário. Deve haver a reparação por aquilo que a vítima da prisão indevida deixou de ganhar em termos salariais e pelo comprometimento de sua carreira, além dos danos morais pelo constrangimento de ver-se preso e pela repercussão social que tal fato acarreta.

A prisão indevida do cliente poderá estar conectada com a falta de diligência do advogado e, uma vez estabelecido esse nexo de causalidade, responderá pelos prejuízos patrimoniais e morais, seguindo a liquidação do dano a mesma diretriz utilizada para compor o prejuízo que se atribui ao Estado (Poder Público) por erro judiciário, ou seja, restituindo o que a vítima perdeu em termos salariais no período de custódia e de dano moral, por ser inegável o constrangimento social que daí deflui. No caso, ainda, de se confirmar que a custódia indevida comprometeu a carreira da vítima do erro profissional (normalmente isso ocorre, porque, mesmo depois de alforriado, o encarcerado não consegue recuperar o antigo status empregatício, uma conseqüência do estigma da prisão, justa ou injusta), é devido um pensionamento que compense a diferença salarial prejudicada pela submissão a subempregos com renda depreciada. [125]

No que tange às prestações alimentícias, a CF autoriza a prisão civil pelo não pagamento das supracitadas prestações quando devidas e não pagas, sendo tal medida também autorizada pelo CPC e pela Lei 5.478/68.

Importante ressaltar que esse procedimento, permitido no ordenamento jurídico brasileiro, deve ser utilizado apenas para pleitear as prestações devidas e não pagas referentes aos três últimos meses imediatos ao pedido de alimentos deduzido em juízo, pois se faz necessária a imposição dessa ameaça à liberdade para a preservação da sobrevivência do alimentando, já que muitos devedores de alimentos só realizam o pagamento dos mesmos quando se vêem constrangidos de tal forma. As dívidas vencidas antecedentes ao trimestre mencionado são consideradas pretéritas, as quais devem ser cobradas sem a possibilidade da medida coercitiva da prisão civil.

Com base nesse entendimento, "advogado que se preze não pode ignorar a interpretação contemporânea que livra os devedores da prisão pelo não-pagamento de dívidas pretéritas (assim consideradas as que não se referirem às três últimas)". [126]

O advogado deve, por isso, manter-se atualizado com relação aos entendimentos dos Tribunais para não deixar que seu cliente tenha seu direito à liberdade constrangido quando não haveria necessidade, deixando que o Estado o reprima de tal forma. Cabe ao advogado procurar, sempre, a melhor interpretação para seu cliente, sem deturpar o sentido da lei, pois se assim não fizer, ninguém mais o fará, muito menos o Estado, cuja missão é fazer cumprir a lei, ao contrário do causídico, que deve se valer dela, em todos os aspectos legítimos, na defesa do constituinte.

Nesse sentido, colhe-se a valiosa lição de Ênio Zuliani Santarelli:

Resulta que, se o advogado contratado para atuar na defesa do devedor de alimentos, convocado para quitar dívidas acumuladas, sob pena de prisão civil (art. 733, do CPC), não usar do benefício da jurisprudência que desautoriza prisão civil por dívidas pretéritas, estará, com essa omissão, permitindo que o Estado-juiz comprometa a liberdade de seu cliente contra um direito garantido por uma jurisprudência consolidada. Volta-se a afirmar que a jurisprudência constitui "um bom guia" para os aplicadores do Direito, notadamente para os que "contam poucos anos de prática" e que não conquistaram, pela experiência, o tirocínio profissional.

Ora, limitando o advogado ao argumento inglório da justa recusa do pagamento, o juiz certamente, sem se convencer, baixará decisão decretando a prisão civil do alimentante (de 30 a 60 dias). Supondo que o advogado, mesmo com o cliente preso, continue a não usar da jurisprudência para impetrar HC, não resta dúvida de que incidiu em erro grosseiro. Poderá, por conseguinte, ser responsabilizado por danos decorrente dessa prisão civil, graças ao desempenho profissional abaixo da crítica.

Poder-se-ia argumentar que a prisão do devedor, em situações do gênero, não é ilegal ou inconstitucional, o que excluiria a responsabilidade do advogado que, mesmo contratado para obter salvo-conduto ao devedor, não consegue o intento. Concorda-se com essa objeção, desde que o advogado, na defesa, explorasse o ponto de vista favorável ao cliente, ou a inadequação da custódia por se cuidar de dívida pretérita. A prisão, nesse caso, não seria ilegal, por representar vontade do Estado-juiz. Porém, para a relação que se forma entre o advogado e o cliente, a omissão da versão liberatória funciona como culpa profissional, até porque não está o juiz obrigado a liberar o devedor da prisão se ele próprio não invoca a versão da jurisprudência que não se aplica de ofício. Excluir do devedor a chance de se livrar da prisão que poderia ser evitada significa, por via oblíqua, ofensa direita ao direito de permanecer em liberdade, sugerindo o dever de indenizar (arts. 620, do CPC; 1º, III, da CF e 954, parágrafo único, III, do CC de 2002). [127]

Conclui-se, em vista dos argumentos expostos, que se o advogado não se valer da interpretação favorável a seu cliente, no caso de prisão por dívida de prestação alimentícia pretérita, deixando que o mesmo acabe preso por desconhecimento da jurisprudência que veda esse tipo de constrangimento no caso de dívidas alimentícias pretéritas, resta ao causídico o dever de compor os danos sofridos pelo constituinte, sejam materiais ou morais.

3.13 Responsabilidade do advogado empregado e da sociedade de advogados

Tema complexo e controverso na doutrina é a questão da responsabilidade do advogado empregado e da sociedade de advogados. Quanto a esta última o debate doutrinário apresenta nuances maiores e mais complexas, uma vez que não está solidificado entendimento se a responsabilidade das sociedades de advogados é subjetiva ou objetiva.

Primeiramente, aborda-se a questão envolvendo o advogado contratado. Nesse caso, são duas as hipóteses.

Primeiro, trata-se do advogado contratado para prestar serviços e ajuizar ações em nome de seu empregador, tendo relação com esse decorrente de um contrato de trabalho, seguindo o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nesse caso, mostrando-se ineficiente e cometendo erros graves, poderá ser demitido por justa causa. Além da demissão, que é penalidade aplicada no âmbito do direito do trabalho, ocorrendo danos a seu empregador, em função de sua má atuação, poderá ser responsabilizado com base no direito comum, segundo as normas do direito civil.

Na segunda hipótese, tem-se o advogado contratado para dar orientação ou ingressar com ações em benefício e em nome dos associados de seu empregador, como no caso de sindicatos de classe. Aqui também caberá a demissão por justa causa quando a atuação do profissional for lamentável em decorrência de erros inescusáveis e, como fora contratado para defender interesses de associados ou cooperados de seu empregador, responderá civilmente pelos prejuízos que causar aos supracitados associados ou cooperados, cabendo a eles entrar com a ação judicial de reparação de danos em face da entidade (sindicato, cooperativa ou outra), do próprio advogado ou de ambos. Esse é o entendimento de Rui Stoco. [128]

Ainda acerca do tema acima proposto, Sérgio Novais Dias apresenta o seguinte entendimento sobre a responsabilidade da sociedade de advogados com relação ao dano causado por advogado empregado:

Em sendo o dano causado por advogado empregado de sociedade de advogados, não há dúvidas de que a sociedade responde (em face do disposto no artigo 1.521, III, do Código Civil), e, subsidiária e ilimitadamente, todos os sócios dela integrantes (por força do artigo 17 do Estatuto), cabendo ação regressiva da sociedade e/ou dos advogados-sócios contra o advogado-empregado causador do dano, nos moldes do artigo 462, §1º, da CLT. [129]

No que tange à responsabilidade das sociedades de advogados, tema complexo e não pacífico que passa a ser estudado, tem-se que diversas e profundas foram as modificações pelas quais passaram a sociedade e o mercado de trabalho, sendo as associações de profissionais uma alternativa rentável nesse novo cenário social e trabalhista, embora muitas vezes ilusória e criticada.

Na esteira do sucesso, como não poderia deixar de ocorrer, também surgem os percalços da estrada: as reclamações dos clientes, que são atendidos ora por um, ora por outro profissional, quando foram atraídos pelo nome daqueles que identificam a sociedade; a utilização desmedida de estagiários para o trato de assuntos para os quais nem sempre estão preparados; a dificuldade de gerir uma enorme e diversa gama de advogados com interesses nem sempre comuns, e, infelizmente, os danos acarretados aos clientes. [130]

José de Aguiar Dias defende, ainda, que como participantes de uma sociedade, os advogados que a compõem não conservam uma responsabilidade individual, ou seja, a responsabilidade das sociedades de advogados, assim como a dos hospitais e clínicas, passa a ser solidária e objetiva, visando a proteção do consumidor. [131]

Na mesma linha de pensamento se posiciona Ênio Santarelli Zuliani, ao citar Fernando Antônio de Vasconcelos:

O preceito do art. 14, §4º, da L. 8.078/90 (responsabilidade subjetiva do profissional liberal), aplica-se ao advogado que trabalha individualmente. Quando o serviço é prestado por sociedades de advogados, a responsabilidade deixa de ser subjetiva (dependente de culpa) e regula-se pela objetiva, ou seja, independente da prova de culpa. Evidente que não se outorga procuração a uma sociedade de advogados; contudo, mesmo se emitindo mandato para determinados sócios, a sociedade de advogados responderá de forma objetiva e, depois, poderá exercer o direito de regresso em face do profissional culpado. No caso de o dano ser provocado por advogado empregado de uma empresa, a sociedade empregadora responderá e, da mesma forma, poderá exercer o direito de regresso ao culpado. [132]

E prossegue Ênio Santarelli Zuliani dizendo que o art. 17 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece que o sócio de uma sociedade de advogados responde subsidiária e ilimitadamente, o que estaria de acordo com a regra vigente no direito brasileiro, que é a subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade, defendendo ser possível o estabelecimento de uma responsabilidade interna e paralela, entre um sócio e os demais.

Traz, por fim, na defesa desse ponto de vista, a lição de Ruy Azevedo Sodré, segundo o qual "quando a sociedade atua com o uso da razão social, ‘não são os sócios individualmente que praticam o ato incriminado, e, sim a totalidade deles, integrante da sociedade’". [133]

A indagação que se faz acerca de quem deve responder pelos danos causados ao cliente quando o caso envolve uma sociedade de advogados, encontra, na posição de Rui Stoco, a defesa de que a resposta está no art. 17 do EAOAB. O doutrinador assim ensina:

Perceba-se que a responsabilidade, em casos tais, é da sociedade de advogados, pois foi esta quem celebrou o contrato de prestação de serviços com o cliente, salvo se o advogado tiver subscrito o contrato em nome pessoal e do instrumento de procuração tenha constado apenas o seu nome e não os de todos os advogados integrantes do escritório. [134]

Seria, então, a responsabilidade, em tais casos, da sociedade de advogados, desde que em nome dela tenha sido firmado o contrato e que o nome de todos os seus integrantes constem na procuração. Caso seja feito por apenas um advogado, encarregado pela causa, este responde, subsidiariamente, em caso de dano. Da mesma forma, se mais de um advogado for o responsável pelo dano, mas não todos os sócios, ambos responderão pelo prejuízo, sendo todos devedores principais, podendo o cliente lesado exigir a reparação integral do prejuízo de qualquer um deles. E encerra o mesmo doutrinador:

No relacionamento obrigacional entre sociedade e advogado ou advogados que atuaram no mesmo processo, não se pode falar, portanto, em responsabilidade solidária.

[...]

Na responsabilidade subsidiária, há um responsável principal e um secundário. Somente após frustrada a possibilidade de obter o ressarcimento do responsável principal é que se poderá reclamar a satisfação da dívida do responsável subsidiário. [135]

Por fim, tem-se a posição de Sérgio Novais Dias, que inicia sua abordagem ao tema citando Paulo Luiz Neto Lôbo, o qual expõe seu entendimento acerca da natureza das sociedades de advogados:

[...] é uma sociedade profissional sui generis, que não se confunde com as demais sociedades civis. [...] o Estatuto manteve a natureza da sociedade de advogados como sociedade civil exclusivamente de pessoas e de finalidades profissionais. [...] rejeitou-se o modelo empresarial existente em vários países, para que não se desfigurasse a atividade de advocacia. [136]

Novais Dias ressalta que o cliente não contrata a sociedade, mas sim um advogado, mais de um, todos os advogados associados ou até mesmo um advogado empregado, firmando a procuração no nome de quem o defenderá, independentemente de quem ou quantos forem. Entende, o mesmo doutrinador, que o art. 17 do EAOAB não se apresenta claro quanto à responsabilidade ser subsidiária ou solidária, aduzindo que a responsabilidade solidária não se presume, mas antes deriva da lei ou da vontade das partes. Desta forma, podem os advogados de uma sociedade preverem a solidariedade entre si, sendo, então, resultado de acordo entre as partes. Para o mesmo, o contrato feito com o cliente pode ser por escrito, caso em que se sabe quem são os advogados envolvidos, e pode ser verbal, onde haverá apenas a procuração, podendo nela constar o nome de outros advogados da sociedade que não sejam os que tiveram contato com o cliente.

Em face desta nebulosidade que envolve o tema e da falta de exatidão do art. 17 do Estatuto da Advocacia, Novais Dias apresenta a seguinte solução: há sociedades onde todos os advogados trabalham juntos em todos os casos, mesmo que somente um deles tenha feito acordo com o cliente. Já outras sociedades existem em que os advogados se reúnem apenas para dividir as despesas e cada um trabalha nos seus casos, com seus clientes próprios. No primeiro caso, todos os advogados ficam responsáveis pela prática dos atos processuais e possíveis danos deverão ser reparados pela sociedade. No segundo, aparece o problema do mencionado art. 17, pois se apenas um advogado da sociedade provoca o dano, a circunstância não esclarece se apenas ele ou se toda a sociedade responde, concluindo que neste caso entende ser responsável apenas o advogado.

Há situações, como a não-interposição de recurso cabível, deixando escoar o prazo após a publicação no Diário do Poder Judiciário, em que a responsabilidade perante o cliente pode ser atribuída não só a um, mas a todos os advogado integrantes da sociedade, a quem foi outorgada a procuração, e em nome de quem foi realizada a publicação, pois competia a cada um deles, individualmente, zelar pela prática do ato, ou seja, pela interposição do recurso, não podendo o cliente saber e identificar se, dentro da divisão do trabalho no âmbito da sociedade, foi esse ou aquele advogado que ficou com a atribuição de praticar o ato e omitiu-se. Existem, porém, outras situações em que o ato causador do dano foi praticado por apenas um dos advogados, perfeitamente identificável pelo cliente, circunstância em que não está claro, pelo disposto no artigo 17 do Estatuto, a despeito da opinião de Paulo Luiz Neto Lôbo supracitada, se os demais sócios integrantes da sociedade respondem solidariamente com seu patrimônio pessoal. Pensamos que, nestes casos, a responsabilidade é apenas do advogado causador do prejuízo, a não ser que a solidariedade esteja prevista em contrato, exatamente porque ela não decorre da lei (Estatuto, artigo 17). [137]

No que tange à responsabilidade das sociedades de advogados ser objetiva ou subjetiva, o supracitado doutrinador defende esta última, nos seguintes termos:

É importante salientar que a responsabilidade da sociedade de advogados perante o cliente é também subjetiva e não objetiva. Não prevalece o argumento segundo o qual a sociedade, pessoa jurídica, encontra-se fora da exceção do §4º do artigo 14 do CDC, por não ser ela propriamente um profissional liberal. É que, como salientado precedentemente, a sociedade de advogados é exclusivamente de pessoas e finalidades profissionais, inclusive em se tratando de dano causado por advogado empregado da sociedade de advogados. [138]

E traz, ainda sobre a responsabilidade subjetiva da sociedade de advogados, esclarecedora lição de Antônio Lindbergh C. Montenegro:

A prestação de serviço pelo profissional liberal acha-se tão inteiramente ligada à sua responsabilidade pessoal (= pela culpa), que absurdo seria firmar princípios diversos para ele e para a pessoa jurídica que o tenha como empregado. Na ocasião em que for declarada a responsabilidade da empresa, forçosamente aparecerá o nome do profissional que atuou no caso concreto, como inábil para a atividade exercida. Daí a necessidade de demonstrar-se sua culpa, seja quando ele exerce o serviço individualmente, seja quando o faz como empregado ou preposto de determinada empresa. [139]

Em face do que foi exposto sobre este tema, o qual, como pode ser constatado, apresenta controvérsias na doutrina, parece ideal a conclusão de que, quando o dano for causado por advogado empregado contratado e regido pela CLT, poderá o mesmo ser demitido por justa causa além de poder ser responsabilizado de acordo com as normas da responsabilidade civil.

No que tange à sociedade de advogados, a solução pode ser a responsabilidade da sociedade quando todos os advogados trabalhem junto na causa, sem poder o cliente identificar quem está atuando no seu caso, podendo os sócios estabelecerem entre si a responsabilidade solidária para compor os danos. Caso um advogado específico tenha causado dano, sendo possível identificá-lo e tendo feito o contrato em seu nome pessoal e não em nome da sociedade, a responsabilidade é sua. Mas no caso de o contrato ter sido feito em nome da sociedade, mas apenas ele tenha proporcionado o dano ao constituinte, deve responder a sociedade e subsidiária e ilimitadamente, quanto ao seu patrimônio, o sócio responsável, no caso o advogado, restando aos demais sócios a possibilidade de cobrar deste último os prejuízos que advierem à sociedade por causa de sua atuação.

Finalmente, parece ser subjetiva a responsabilidade da sociedade de advogados por causa de sua peculiaridade, uma vez que é exclusivamente de pessoas e de finalidades profissionais e por sua atividade se confundir com a atividade do advogado, que é destacada das demais e recebe tratamento diferenciado.

3.14 Perda de uma chance

A palavra chance tem origem francesa e significa "ocasião favorável, oportunidade". Comumente vincula-se a teoria da perda de uma chance ao fato de o advogado perder prazo para a interposição de recursos, pairando no ar a dúvida acerca de qual seria o resultado da demanda se o recurso tivesse sido interposto, se o cliente obteria um resultado satisfatório em segunda instância. Porém, a perda de uma chance não ocorre apenas nesse caso, verificando-se em muitos outros, onde o patrocinador da causa falha, por omissão ou de forma que o efeito de sua conduta seja análogo ao de uma omissão, isto é, deixando o direito de seu cliente sem resposta judicial, acarretando uma perda de oportunidade ao constituinte, o qual deixa de ver apreciado um interesse seu em decorrência da falta de diligência e técnica daquele profissional. Assim, a perda de uma chance comporta diversas situações, diversos atos que resultam da atividade mal realizada pelo advogado, causando dano ao cliente por não ver sua pretensão apreciada pelo órgão julgador. Sobre o assunto, são colhidas as lições preliminares de Sérgio Novais Dias.

[...] nos casos de perda de uma chance o advogado é responsável pelos danos sofridos pelo cliente desde que exista uma relação de causalidade adequada entre o ato ou a omissão do advogado e o dano, ou seja, que em termos de probabilidade, num prognóstico feito a posteriori, os dano tenham decorrido, necessariamente, direta e imediatamente, da falha cometida pelo advogado. [140]

Passa-se a analisar, com maior profundidade, a teoria da perda de uma chance e os reflexos dela na atividade do advogado no que tange aos possíveis danos que esse profissional pode proporcionar a seu cliente quando sua conduta incida na mencionada teoria.

O art. 1.059 do CC estabelece como regra geral que as perdas e danos abrangem aquilo que efetivamente se perdeu e o que razoavelmente deixou de ganhar, isto é, danos emergentes e lucros cessantes, respectivamente. Esses, segundo o art. 1.060 do mesmo diploma legal, devem decorrer direta e imediatamente da inexecução da obrigação do devedor. Mas a perda de uma chance possui características peculiares, diferentes das demais hipóteses de perdas e danos. "É que, na perda de uma chance, no caso específico da atuação do advogado, nunca se saberá qual seria realmente a decisão do órgão jurisdicional que, por falha do advogado, deixou, para sempre, de examinar a pretensão de seu cliente". [141]

Há, na doutrina, quem defenda ser aplicável a perda de uma chance ao advogado em circunstâncias especialíssimas, fundamentando esse pensamento no disposto no já mencionado art. 1.059 do CC, segundo o qual as perdas e danos só abrangem o dano emergente e o lucro cessante, alegando que nunca se saberá ao certo se a pretensão não apreciada pelo judiciário seria acolhida se o órgão julgador tivesse dela tomado conhecimento e decidido a causa, ou seja, não se sabe se o cliente teria sua pretensão acolhida e julgamento favorável. Existiram alguns julgados nesse sentido, mas, contemporaneamente, as soluções adotadas vêm observando a teoria da perda de uma chance e com base nela fundamentando as decisões.

O certo é que o tema apresenta dificuldades, cuja solução adequada ao problema ainda encontra-se em estudo. A grande questão que se apresenta como entrave para se atribuir responsabilidade civil ao advogado nessas situações de perda de uma chance é relativa à incerteza do resultado da decisão judicial caso houvesse sido levado à apreciação do judiciário a questão cuja chance é tida como perdida, ou seja, a pergunta que se faz para saber se o advogado pode ou não ser responsabilizado pela perda de uma chance é a seguinte: com base na doutrina, nos entendimentos sumulados e principalmente na jurisprudência, se a questão tivesse sido apreciada pelo judiciário teria sido favorável ao cliente?

Sobre o assunto, Sérgio Novais Dias faz uma importante observação:

É certo que o advogado que agiu com culpa, provocando essa situação de não-apreciação da pretensão pelo Judiciário, deve ser responsabilizado pela sua omissão. Contudo, a apreciação do nexo de causalidade e da extensão do dano deve sempre ocorrer, para que o advogado não seja chamado a pagar a indenização de um dano que muito provavelmente não causou. Seria promover o enriquecimento sem causa do cliente, em detrimento do advogado. [142]

Em resposta à pergunta acima formulada, pode-se dizer que é impossível prever o resultado de uma demanda que não fora julgada, uma vez que o ato do julgamento envolve sempre juízo de valor e uma carga de livre apreciação que varia de magistrado a magistrado (o qual tem uma obrigação de resolver, decidir, julgar todas as questões levadas à sua apreciação – princípio da indeclinabilidade), afinal, cada um constrói seu juízo de valor baseado na sua percepção, na sua interpretação da conduta humana, na sua experiência social, sendo, portanto, claro que cada magistrado pode julgar a mesma causa de forma diferente, em razão de ser diferente a maneira como forma seu juízo de valor sobre o caso.

Também interfere na questão de se saber qual o resultado que se poderia obter, se o caso fosse apreciado, o fato de que a interpretação da lei não é uma só, comportando mais de uma, de acordo com o caso concreto. Nesse sentido, colhe-se o pensamento de Hans Kelsen, citado por Novais Dias:

A interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que [...] têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito – no ato do tribunal, especialmente. Dizer que uma sentença é fundada na lei não significa, na verdade, senão que ela está contida na moldura ou quadro que a lei representa – não significa que ela é a norma individual, mas apenas que é uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral. [143]

Todavia, não quer dizer que as decisões judiciais sejam absolutamente incertas. É possível se fazer um juízo de probabilidade do resultado de uma decisão que não ocorreu por não ter o advogado levado ao conhecimento do magistrado a questão ou de alguma forma influenciado para que isto não tenha ocorrido. Para que se faça tal juízo de probabilidade, é importante levar em consideração, sempre, decisões razoáveis, que possa ser digna de apreço, a fim de não se contrariar o disposto na Súmula 400 do STF, que não admite o recurso extraordinário quando a decisão tenha dado razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor.

Nessa tarefa de se saber o resultado da demanda não conhecida pelo judiciário, importantíssimo é o papel da jurisprudência, pois é ela que demonstra a tendência de como vem julgando os magistrados, seja em primeiro grau, em instâncias superiores, nos tribunais superiores e no STF. Assim, se o pedido não formulado encontra abrigo em jurisprudência pertinente ao assunto, deve o advogado ser responsabilizado pelo dano provocado ao cliente pela perda da chance de ver seu pedido apreciado, quando, muito provavelmente, sairia vencedor da demanda. Todavia, se a jurisprudência não pende para o lado do direito do cliente que alega ter sofrido dano pela perda de uma chance de apreciação de seu caso, tal matéria pode ser usada na defesa do advogado em uma possível ação de reparação de danos com base na perda de uma chance, devendo demonstrar que mesmo com sua omissão o cliente não teria ganho de causa e que, por isso, não houve prejuízo.

Como se sabe, o STJ é o guardião das leis federais e o STF das normas constitucionais, cabendo a cada um desses órgãos dar o correto sentido das normas que estão aos seus cuidados. E, no tocante à interpretação dessas normas e ao provável sentido que o julgamento teria tomado, se fosse levado ao conhecimento do magistrado a questão, dispõe Novais Dias:

A realidade é que, em casos de interpretação legal em que o tribunal superior ou o Supremo Tribunal Federal sumularam o entendimento, a probabilidade é que o julgamento se faça no mesmo sentido da súmula. Mesmo porque, se assim não ocorresse no tribunal de segunda instância, a parte vencida recorreria e obteria na terceira instância a reforma do julgado para adequá-lo à súmula. Há casos, porém, em que se constata que o entendimento sumulado está superado pela própria jurisprudência, situação na qual o resultado mais provável do julgamento é aquele que está em sintonia com a jurisprudência superadora. [144]

Desta forma, havendo entendimento pacífico na jurisprudência ou em súmulas de tribunal superior ou do STF, o julgamento, se tivesse sido levado ao conhecimento do Poder Judiciário, seguiria o respectivo entendimento e, uma vez que fosse favorável ao cliente que alega ter sido prejudicado, resta caracterizada a perda de uma chance, sendo responsável o advogado, cabendo ao mesmo compor os danos. Mas se o entendimento utilizado como parâmetro demonstra que a pretensão do cliente não está protegida pelo Direito, o advogado não deverá ser responsabilizado, pois mesmo que tivesse tomado a providência cabível, seu pedido não seria provido por estar em desacordo com o que dispõe os tribunais e, assim, não haveria dano a ser reclamado.

Quanto "à valoração de matéria fática ou de prova, será provável o resultado que decorrer de uma avaliação razoável da questão, mesmo que não seja a única". [145]

"É, portanto, possível fazer um juízo do resultado provável do julgamento que não houve e, assim, atribuir a responsabilidade civil pela perda de uma chance, [...]". [146]

Nesse caso, "reconhecida a culpa, a grandeza reparatória tomará a dimensão do montante que razoavelmente se obteria na demanda, ou dos prejuízos que o perdedor vier a suportar pela má atuação do advogado". [147]

3.14.1 A teoria da causalidade adequada

Quando se fala em danos decorrentes de perda de uma chance, tem-se que os mesmos são comparados ao lucro cessante de uma situação de responsabilidade civil convencional. Isto porque no caso dos lucros cessantes não se sabe ao certo se eles realmente ocorreram, existindo a possibilidade de a vítima não ter deixado de ganhar algo em função do dano que sofreu. Em sede de perda de uma chance o mesmo se pode dizer, pois não se pode afirmar que o cliente realmente deixou de ganhar algo. Nesse sentido, Novais Dias expõe:

Ao tratar do lucro cessante, estamos acostumados a conviver com a ausência de certeza absoluta desse dano, pois nunca se saberá se o credor teria ou não aquele lucro esperado, que se indeniza.

[...]

Contudo, nessa situação de perda de uma chance, os danos materiais emergentes tem sua certeza equiparada à certeza dos lucros cessantes, ou seja, a certeza baseada na probabilidade, que leva em conta a evolução normal dos acontecimentos. [148]

Para solucionar esta questão forma criadas algumas teorias, como a Teoria da Equivalência ou a Teoria da Última Condição, ambas sem dar resposta satisfatório ao problema. Assim, a Teoria da Causalidade Adequada surge como a que melhor responde a essas situações, sendo a que predomina no direito português.

Para demonstrar no que consiste esta teoria, importante se faz colher as idéias e explicações de doutrinadores brasileiros e portugueses, citados por Sérgio Novais Dias em sua obra.

Para Orlando Gomes:

[...] entre o comportamento comissivo, ou omissivo, e o fato deve haver um nexo de causalidade. Adota-se, modernamente, o conceito de causalidade adequada, isto é, consideram-se as conseqüências objetivamente presumíveis da ação, segundo a experiência comum. [149]

Conforme João de Matos Antunes Varela, "um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma conseqüência normal, típica, provável dele. [150]

E salutares são os ensinamentos do também autor português Fernando Pessoa Jorge, acerca dessa teoria, os quais se expõe:

[...] essa adequação traduz-se em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo os ensinamentos da experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o conseqüente y, haverá relação causal entre eles. Deste modo, o dano considerar-se-á efeito do ato lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos.

[...]

A teoria da causalidade adequada – pelo menos na sua formulação mais generalizada – parte da situação real posterior ao facto e, normalmente, ao dano e afirma a conexão entre um e outro, desde que seja razoável admitir que o segundo decorreria do primeiro, pela evolução normal das coisas. Numa fórmula sintética, embora pouco elegante, poderíamos dizer que a obrigação de indenizar só existe em relação aos danos que, tendo resultado da lesão, provavelmente (ou seja, em termos de um juízo de probabilidade ex post) dela teriam resultado; ou, numa versão negativa: a obrigação de indenizar não existe em relação aos danos que, tendo resultado da lesão, todavia, em termos de probabilidade, dela não resultariam. [151]

Assim, pela Teoria da Causalidade Adequada, a qual será aplicada às situações de perda de uma chance, "faz-se sempre um prognóstico a posteriori entre ao ato e as prováveis conseqüências, no objetivo de fixar o nexo de causalidade". [152]

3.14.2 A perda de uma chance e a teoria da causalidade adequada

Dentre as diversas formas de ocorrer a perda de uma chance, a mais comuns são a perda de prazo para a prática de atos processuais e a não interposição de recursos, deixando o cliente sem ver sua pretensão examinada por órgão superior.

Constatada a existência do dano e a conduta incorreta do advogado, o que deve restar demonstrado para poder haver direito à indenização é o nexo de causalidade entre um e outro. O juiz, então, deverá valer-se de um juízo de probabilidade para julgar, apreciando o caso à luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, para saber se o êxito do cliente seria provável caso o ato não praticado tivesse sido feito, levando a pretensão ao conhecimento do órgão competente para o julgamento, o qual não ocorreu, ou seja, deve tentar imaginar o que teria acontecido se a questão tivesse sido reexaminada pelo órgão superior, no caso, por exemplo, de não interposição de um recurso, se haveria ou não êxito do cliente, tendo sua situação melhorada. Se sua situação fosse melhorada, claro está o dano que o advogado causou, devendo ser responsabilizado e, conseqüentemente, compor os prejuízos. Mas se mesmo que o ato processual fosse praticado e o êxito, muito provavelmente, não ocorresse, não há nexo causal entre a conduta do causídico e o dano, não cabendo reparação de prejuízos pelo advogado.

Os danos que o cliente pode vir a sofrer, em sede de perda de uma chance, correspondem aquilo que ele deixou de ganhar em razão da falta de diligência do advogado.

Sobre o tema, Novais Dias traz a seguinte lição:

[...] nas situações em que, pela matéria discutida, não havia probabilidade de sucesso, não se pode cogitar de dano patrimonial causado pelo advogado, porque o prejuízo material sofrido pelo cliente não terá decorrido da falta de recurso, pois este, sem chances de êxito, nenhuma alteração para melhor ensejaria em favor do cliente. Neste caso, o dano que se pode considerar, embora nem sempre ocorra, é extrapatrimonial, ou dano moral, consistente na frustração decorrente de não ver sua pretensão reexaminada por um órgão jurisdicional superior. [153]

O que se passa a ver, agora, é quem deve demonstrar a existência do dano e do nexo causal.

3.14.2.1 Demonstração judicial da perda de uma chance e do dano

Nesta sede, a demonstração da ocorrência da perda de uma chance e do dano seguem o mesmo princípio da processualística padrão, ou seja, a quem alega um fato lhe incumbe o dever de prová-lo.

Desta forma, cabe à parte autora demonstrar a omissão do advogado na prática do ato que deveria ter realizado, a conseqüente perda de chance de ver sua pretensão apreciada pelo judiciário e o dano que isso acarretou-lhe.

Na hipótese de não interposição de recurso, compete ao cliente demonstrar que o advogado não recorreu em determinada matéria, o insucesso de sua pretensão e que o recurso era perfeitamente cabível. Se a perda de uma chance ocorreu, por exemplo, pela não produção de prova essencial ao acolhimento da pretensão, deve demonstrar, o interessado, que o pedido foi feito na petição inicial e que o advogado deixou a instrução correr sem ser requerida tal prova. O mesmo se diga quando a prova foi requerida e indeferida, deixando o advogado de recorrer desse indeferimento quando poderia tê-lo feito, cabendo ao cliente demonstrar que o advogado não recorreu neste caso.

Assim, aquele cliente que se diz prejudicado deve sempre demonstrar judicialmente que teve uma chance perdida e o dano que suportou. Porém, quando ficar evidente que era improvável a sua pretensão obter sucesso, a perda de uma chance não lhe acarreta nenhum dano.

3.14.2.2 Demonstração judicial do nexo causal

Nas situações de perda de uma chance, sendo demandado o advogado a reparar os danos sofridos pelo cliente, cabe ao causídico provar que se o ato (o qual não fora praticado ou fora praticado com imperfeição e que é tido como causa geradora do dano) tivesse sido realizado de forma correta, o dano sofrido pelo constituinte seria o mesmo, cabendo ao magistrado analisar, a posteriori, mediante um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), se essa alegação pode excluir o nexo causal.

Como já dito anteriormente, a regra é de que cabe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu os fatos extintivos, modificativos e impeditivos do direito do autor. Assim o é nas ações de reparação por dano extracontratual. Todavia, quando há descumprimento de obrigação contratual, como no caso dos serviços advocatícios, o ônus recai sobre o devedor, o advogado. O cliente tem como fato constitutivo de seu direito o contrato e o dano sofrido. Assim, alegando que o advogado não cumpriu o contrato (mandato judicial), cabe a este último demonstrar algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do cliente. Desta forma, cabe ao advogado, em sua defesa, demonstrar que agiu de forma correta ou que o dano não decorreu de sua omissão, isto é, que mesmo com a sua falha, o cliente não teria sua pretensão acolhida, podendo demonstrar essa probabilidade de não acolhimento de tal pretensão com base na jurisprudência acerca do direito pleiteado pelo cliente, a qual deve se mostrar desfavorável a este para justificar que o dano não adveio da conduta omissiva do advogado, ficando livre do dever de indenizar por não haver nexo causal entre sua conduta e o dano sofrido pelo constituinte.

Neste sentido, colhem-se os ensinamentos de Sérgio Novais Dias:

Proposta, então, a ação de responsabilidade civil contra o advogado pela perda de uma chance, ele se defenderá alegando ou que não houve a perda de uma chance, porque não teria sido contratado par a ação, ou que seu mandato fora anteriormente revogado, ou que ele renunciara a tempo o mandato (na forma legal), ou, em caso de recurso, que não cabia a interposição de recurso naquele caso. Reconhecendo, porém, o advogado a prática do ato ou da omissão a ele imputável, que implicou a perda de uma chance, poderá alegar – e caberá a ele provar – a inexistência de nexo de causalidade entre o ato ou a omissão e o dano, circunstâncias que serão sempre avaliadas, caso a caso, em termos de probabilidade do que normalmente aconteceria.

[...]

Cabe, pois, ao devedor que inadimpliu a obrigação de provar que o dano sobreviria, mesmo se a obrigação fosse oportunamente desempenhada, ou seja, compete ao advogado provar que o cliente teria julgada contra si a ação ou o recurso cabível, se tivesse sido oportunamente ajuizado, isso numa perspectiva da causalidade adequada, ou seja, de probabilidade do resultado do julgamento que não ocorreu.

Nessa ação de responsabilidade civil, as partes discutirão qual teria sido o provável resultado daquela ação que deixou de ser ajuizada pelo advogado, ou daquele recurso que deixou de ser interposto. [154]

3.14.3 A posição doutrinária acerca da perda de uma chance no direito brasileiro

A respeito do posicionamento da doutrina no que tange a aceitação da teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro, serão utilizadas as lições de Sérgio Savi, o qual abordou o tema e fez uma síntese das idéias e entendimentos de grandes doutrinadores do direito civil nacional.

Mesmo não sendo objeto de um estudo mais aprofundado pelos juristas que atuam no âmbito do direito civil, especialmente da responsabilidade civil, a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance vem sendo aceita no ordenamento jurídico brasileiro, tanto pelos autores clássicos quanto pelos contemporâneos.

Doutrinadores como Agostinho Alvim, Aguiar Dias e Carvalho Santos admitem a aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance em nosso ordenamento. Porém, Sérgio Savi faz uma observação, argumentando que alguns desses doutrinadores que aceitam a aplicação de tal teoria acabam por tratá-la como se fosse uma espécie de lucro cessante e traz a seguinte lição, ao se referir a um caso de perda de uma chance por não interposição de recurso:

Ao inserir a perda de uma chance no conceito de lucro cessante e, desta forma, exigir a prova de que o recurso, acaso interposto, seria provido, Carvalho Santos acaba por inviabilizar qualquer pretensão de indenização da chance perdida por si só considerada.

Como visto ao longo deste livro, se fosse possível produzir esta prova, estaríamos diante de um típico caso de lucro cessante e, por este motivo, o advogado teria que ser condenado ao pagamento de tudo aquilo que o cliente razoavelmente teria direito se o recurso fosse provido.

Todavia, o que deve ser objeto de indenização é a perda da possibilidade de ver o recurso apreciado e julgado pelo Tribunal, possibilidade esta que restou definitivamente afastada em razão da negligência do advogado. [155]

Caio Mário da Silva Pereira e Miguel Maria Serpa Lopes também se posicionam favoráveis a essa teoria e sua aplicação do Direito brasileiro, devendo ser caracterizada como chance perdida aquela que tenha um grau de probabilidade suficiente, "ou seja, exigem [...] que a possibilidade perdida seja real e séria". [156] E na seqüência, Sérgio Savi colhe o pensamento de Judith Martins-Costa:

Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da Teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar. [157]

Savi ainda menciona a aceitação de Silvio Venosa, o qual enquadra a perda de uma chance entre o lucro cessante e o dano emergente, classificando-a como um terceiro gênero de indenização, e a posição de Sérgio Novais Dias, que, segundo Sérgio Savi, trata a perda de uma chance como uma espécie de lucro cessante. E, por fim, apresenta os ensinamentos de Rafael Pettefi da Silva, que assim expõe:

Rafael Pettefi, após analisar a posição doutrinária francesa, afirma que a responsabilidade civil por perda de uma chance encontra-se atualmente, dividida da seguinte forma: ora é utilizada como uma categoria de dano específico, independente do dano final; ora é utilizada como recurso à causalidade parcial, hipótese em que se verifica a perda da vantagem esperada (dano final). Segundo esse autor, ambos os casos de utilização da noção de perda de uma chance podem ser utilizados tanto na responsabilidade médica como em outros casos, dependendo sempre do caso concreto. [158]

O que se conclui sobre a aceitação da doutrina acerca aplicação da perda de uma chance no Direito brasileiro é que, apesar de posicionamentos diferentes sobre a forma de se enquadrar a indenização das chances perdidas (se como dano material ou moral, dano emergente ou lucro cessante), desde que a chance perdida seja séria e real, adquire valor econômico e torna-se passível de ser indenizada.

3.14.4 A posição jurisprudencial acerca da perda de uma chance no direito brasileiro

Ao se analisar os julgados sobre a perda de uma chance, percebe-se que o seu número vem aumentando com o passar dos anos, o que deixa claro que a teoria vem sendo cada vez mais utilizada e vem encontrando respaldo na jurisprudência, visto que os julgadores vêm aceitando e aperfeiçoando o entendimento sobre essa espécie de indenização, mesmo que ainda hoje haja dificuldades em harmonizar os conceitos de perda de uma chance e a devida maneira de sua aplicação.

A pesquisa jurisprudencial realizada neste trabalho demonstra como o tema da responsabilidade civil por perda de uma chance vem se tornando cada vez mais presente no ordenamento jurídico brasileiro.

[...]

[...] Contudo, apesar de reconhecerem a possibilidade de reparação da chance perdida, desde que real e séria, encontram dificuldade em harmonizar o conceito.

Em alguns julgados, a perda da chance é considerada uma modalidade de dano moral; em outras oportunidades, é inserida no conceito de lucro cessante e poucas vezes é tratada como modalidade de dano emergente. [159]

3.14.4.1 A perda de uma chance como modalidade de dano moral

A jurisprudência, em muitos julgados, vem considerando casos em que a perda de uma chance constitui dano moral, ignorando o dano material decorrente da perda de uma chance. E assim tem-se a lição e o exemplo de Sérgio Savi:

Como em diversas outras hipóteses mais comuns e recorrentes no direito brasileiro, um fato do ofensor que ocasione a perda de uma chance para a vítima poderá ser considerado fato gerador de duas espécies de danos distintas.

Imagine-se, por exemplo, o caso de um "concursando" aprovado no provão e em todas as provas específicas, mas que se vê ilegitimamente excluído da prova oral pela comissão organizadora do concurso. A vítima, alegando que a atitude ilícita daquela comissão fez com que ela perdesse a chance de fazer a prova oral e, conseqüentemente, de ser aprovada no concurso do qual participava, poderá requer a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais emergentes (perda da chance) e por danos morais (a frustração decorrente do ato ilícito).

Ou seja, não há dúvida de que, em determinados casos, a perda da chance, além de representar um dano material, poderá, também, ser considerada um "agregador" do dano moral. [160]

Há casos em que o magistrado, ao julgar a causa, pode se deparar com um caso onde a chance perdida não é séria nem real, não ensejando a reparação de danos materiais por meio da utilização dessa teoria, mas podendo, no caso, a mera expectativa perdida gerar o dano moral, passível de indenização.

Em suma, há casos em que a perda de uma chance pode representar um dano material e também poderá ser um "agregador" do dano moral. Em outros casos, decorrente de perda de uma chance, o dano material pode não ser passível de indenização, por falta de requisitos necessários, mas poderá ensejar a reparação por danos morais em razão da expectativa frustrada. "O que não se pode admitir é considerar o dano da perda de uma chance como sendo um dano exclusivamente moral, já que, presentes os requisitos [...], o mesmo poderá configurar um dano material, uma sub espécie de dano emergente". [161]

3.14.4.2 Mera possibilidade não é passível de indenização

A indenização por perda de uma chance, cujo conceito e aplicação ainda não se encontram pacíficos nem pela doutrina e nem pela jurisprudência, vem sendo, em alguns julgados, concedida em casos em que a chance perdida não se apresenta com a realidade e a seriedade exigidas para se configurar possível uma reparação de danos com base nessa teoria, isto é, a mera possibilidade, mera expectativa de direito perdido, embasa, por vezes, a indenização pela perda de uma chance, o que se mostra errado, uma vez que somente quando o grau de probabilidade de que a chance perdida poderia ter sido um direito certo para a vítima de tal dano, realmente passível de ser incorporado à sua esfera de direitos, é que se faz presente a possibilidade de se pleitear indenização pela perda de uma chance.

Portanto, não é qualquer chance perdida que pode embasar um pedido de indenização. Ela deve ser real e séria, havendo um determinado grau de probabilidade de obtenção do resultado almejado para que, ai sim, possa-se falar em perda de uma chance. Mera expectativa ou possibilidade não conduz à indenização por perda de uma chance.

Não bastassem os acórdãos que se limitam a enquadrar o dano da perda da chance como espécie de dano moral, há outra série de julgados que determinam a indenização da "chance perdida", sem que esta sequer exista ou possa ser considerada séria ou real.

[...]

[...]não é, portanto, qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer a prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) de obtenção do resultado esperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar em reparação da perda da chance como dano moral emergente. [162]

3.14.4.3 A quantificação do dano da perda da chance

Apesar de os julgados estarem reconhecendo a responsabilidade civil por perda de uma chance, tem-se deparado com uma questão tormentosa, qual seja, a quantificação do dano nestes casos.

Uma maneira de solucionar a questão da indenização em caso de falta de diligência dos advogados, que com sua atuação omissiva faz com que haja a perda da chance do cliente ver sua pretensão julgada, causando-lhe prejuízo, pode surgir com o advento das súmulas vinculantes, inseridas na CF a partir da emenda constitucional nº 45. Assim, se o cliente, autor de ação de indenização contra advogado pela chance perdida, demonstrar a identidade de situação fática entre o seu caso e os casos que levaram à edição de uma súmula vinculante, a qual invoca em seu benefício, restará claro que o órgão julgador deveria ter julgado de acordo com o disposto na súmula e que, portanto, realmente houve um dano, uma vez que, se idênticas forem as situações fáticas do caso em análise e dos casos considerados para a edição da súmula vinculante, outro não poderia ser o resultado senão aquele que alega o cliente, ou seja, a sua vitória na ação onde perdeu em razão da omissão do advogado na prática de algum ato processual, como, por exemplo, a não interposição de um recurso. Nestes casos de aplicação da súmula vinculante, estar-se-ia indenizando, portanto, o lucro cessante do cliente, o qual passa a ser claro, e não chance perdida.

Ainda no que tange à quantificação do dano na perda de uma chance, tem-se que, mesmo sendo difícil chegar a um valor para a indenização, há critérios que devem ser observados nessa tarefa, como demonstra Sérgio Savi:

Inicialmente, cumpre destacar que, [...], a indenização da perda da chance jamais poderá ser igual ao benefício que a vítima obteria se não tivesse perdido a chance e tivesse conseguido o resultado útil esperado. [...] Por não haver certeza da vitória no recurso, a indenização da chance perdida será sempre inferior ao valor do resultado útil esperado.

Se fosse possível afirma, com certeza, que o recurso acaso interposto seria provido, a hipótese seria de indenização dos lucros cessantes e não da perda da chance, [...].

Para a valoração da chance perdida, deve-se partir da premissa inicial de que a chance no momento de sua perda tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade.

[...]

Quanto à quantificação do dano, a mesma deverá ser feita de forma eqüitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada. [163]

Em vista do que fora apresentado acerca da quantificação do dano da perda de uma chance, percebe-se a dificuldade em estabelecê-lo, o que não serve de argumento para aqueles que não aceitam a indenização das chances perdidas para refutá-las, pois mesmo diante de tal dificuldade, a existência de danos com essa natureza vem sendo cada vez mais aceita e aprimorada na doutrina e na jurisprudência.

3.15 Perda de prazo

A questão dos prazos processuais apresenta-se extremamente complexa, em face da diversidade de prazos existentes. Assim, estabelece o CPC que os atos processuais devem ser praticados nos prazos prescritos na lei e, em caso de omissão dessa, nos prazos fixados pelo juiz. Ainda, quando não houver nem um, nem outro, o ato deverá ser praticado no prazo de cinco dias. Há prazos fatais e peremptórios e os que assim não são, podendo ser dilatados. Em determinadas situações, poderá ser contado em dobro ou em quádruplo. Litisconsortes com procuradores diferentes terão prazo em dobro para certos atos. E ainda apresenta questão tormentosa no que tange ao termo a quo (data de início) e ao termo ad quem (data do término). Há prazos que são suspensos ou interrompidos. Enfim, diversos aspectos envolvem a questão dos prazos para a prática dos atos processuais, o que, via de regra, não exime o advogado de cumpri-los.

Perder prazo, para o advogado, constitui erro grave, visto que os prazos encontram-se expressos na legislação ou então são determinados expressamente pelo juiz, ou seja, é matéria legal, da qual o advogado deve ter conhecimento. Quaisquer dúvidas que venha a ter, como no que tange à sua contagem, deve-se valer da boa doutrina e da jurisprudência para não falhar, assim como deve se conduzir em todos os momentos durante sua vida profissional. "Constitui erro grave, a respeito do qual não é possível escusa, uma vez que o os prazos são de direito expresso e não se tolera que o advogado os ignore". [164]

O advogado que perde o prazo para a prática de um ato processual e desse seu erro advém algum prejuízo a seu cliente, responde pela perda de um direito que este último sofreu ao não ser praticado aquele ato, que pode ser, por exemplo, uma contestação, um recurso não interposto, uma reconvenção não feita. Enfim, advindo dano dessa não observância de prazo, surge a responsabilidade para o advogado pela perda do direito do cliente em ver realizado um ato processual, fato este que poderá acarretar prejuízo em sua situação dentro da lide ou até mesmo lhe acarretar a perda da demanda.

Entretanto, importante salientar que somente o erro grosseiro, que gere efetivo dano ao constituinte, é que tem o condão de responsabilizar o causídico, pois em certas circunstâncias a solução pode ser diversa da responsabilização do advogado.

Significa que, em matéria de prazo, apenas nos casos de erro crasso, inadmissível e visível icto oculi e, portanto, inescusável, que cause efetivo dano é que se poderá responsabilizar o causídico.

[...]

Contudo, segundo nos parece, há hipóteses e circunstâncias que poderão escusar o profissional pelo erro cometido, em situações anômalas nas quais o erro mostra-se escusável. [165]

Quando houver dúvidas sobre a forma de se contar os prazos, uma vez que nem sempre a legislação se apresenta clara sobre o assunto, o melhor é que, "na dúvida entre prazo maior ou menor, deve a medida judicial ser tomada dentro do menor, para não deixar nenhuma possibilidade de prejuízo ao cliente". [166]

3.16 Omissão de providências

O advogado também é responsável pelas providencias que deve tomar tempestivamente para resguardar os direitos de seu cliente, evitando o perecimento ou o sacrifício dos mesmos, sendo esta incumbência existente desde o período anterior ao contrato.

O advogado deve ser diligente e atento, não deixando perecer o direito do cliente por falta de medidas ou omissão de providências acauteladoras, como o protesto de títulos, a notificação judicial, a habilitação em falência, o atendimento de privilégios e a preferência de créditos. Deve, inclusive, ser responsabilizado quando dá causa à responsabilidade do cliente e provoca a imposição de sanção contra este, nas hipóteses dos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. [167]

Quanto ao período anterior ao contrato, ou seja, antes de haver o desempenho do mandato, a responsabilidade do advogado é assim entendida por José de Aguiar Dias:

No período anterior ao desempenho do mandato, a responsabilidade do advogado se pode dar, ainda, pela omissão de providências preliminares, destinadas à ressalva dos direitos do cliente.

Aceita a causa, obriga-se o advogado a dedicar o maior zelo e atenção no desempenho do mandato, dando ao cliente informações constantes e completas sobre o andamento do pleito e tomando ou fazendo tomar as providências que se fizerem necessárias ao bom êxito da incumbência ou, pelo menos, a, na medida das possibilidades do desfecho favorável ao cliente, promover tudo o que estiver ao seu alcance, nesse sentido. [168]

Então, a falta dessas medidas essenciais à conservação dos direitos do cliente, mesmo antes do início do mandato, quando o advogado é procurado e aceita defendê-lo, mas ainda não há um contrato firmado, cabendo a ele tomar as medidas urgentes para não perecer o direito em questão, faz nascer o dever de reparar os danos proporcionados ao cliente pela inércia do profissional, o qual deve ser diligente e se valer dos devidos meios de proteção aos direitos do constituinte, não podendo ser omisso, visto que dessa omissão poderá advir um dano e conseqüente obrigação de indenizar.

3.17 Falta de propositura de ação judicial

Aquele que necessita dos serviços de um advogado para pleitear em juízo um direito seu entra em contato, em tal situação, com esse profissional. Faz uma entrevista com o advogado e, entrando em acordo com o mesmo, assina-lhe a procuração e lhe presta as informações, entregando os documentos necessários para a propositura da ação. Ocorre que o advogado, após o atendimento e recebimento da documentação, guarda esse material e esquece de propor a ação, deixando correr o prazo prescricional. Quando o cliente lhe solicita informações acerca do caso, o advogado percebe que se omitira e que ocorreu a prescrição do direito do cliente, informando a este o ocorrido. O cliente, então, ajuíza uma ação indenizatória em face do advogado relapso por perda de uma chance.

Nesta situação, caberá ao advogado, em sua defesa, demonstrar que a pretensão do cliente não seria acolhida se tivesse sido ajuizada a ação, cabendo fazê-lo mediante todos os meios que estiverem ao seu alcance, sendo salutar o uso da jurisprudência para demonstrar que os tribunais julgariam a pretensão de maneira desfavorável ao seu cliente e que, portanto, esse não obteve nenhum prejuízo por não ter sua pretensão apreciada. Neste caso, a perda de uma chance estaria sendo considerada como uma espécie de lucro cessante, mas mesmo sendo demonstrado pelo causídico que o pedido do cliente não seria acolhido, parece que esse faz jus a uma indenização por danos morais, em razão de sua frustração em não poder discutir seu direito em juízo, mesmo que saísse perdedor da demanda. A indenização, nesse caso, seria pelo fato de ter sido privado de usufruir de um direito subjetivo seu, o direito de ação.

Interessante é o fato de que o advogado pode demonstrar, quando acionado para reparar danos de seu cliente, que não lhe cabia tal direito e que, portanto, não sairia vencedor da demanda. Nesse caso, poderia muito bem o advogado já ter consciência dessa situação logo que tomou conhecimento dos fatos e dos documentos trazidos ao seu conhecimento. Então, se ajuizasse uma ação nessas condições, poderia restar caracterizada a propositura de lide temerária, com ou sem a ciência e participação do constituinte, ou ainda, ficar clara a intenção de ludibriar o cliente para receber honorários de uma ação fadada ao insucesso.

Após esse comentário, volta-se a questão da perda de uma chance pela não propositura da ação judicial e tem-se que, se o cliente que alega ter sofrido dano, provar a existência desse, da conduta omissiva do advogado e do nexo causal entre um e outro, caberá ao magistrado condenar o advogado a compor os danos decorrentes da conduta omissiva, que gerou a perda de uma chance para o cliente, devendo aplicar os critérios cabíveis para a quantificação do valor indenizatório.

"Ocorre aqui, como visto, uma espécie de paráfrase do julgamento anterior, que não ocorreu, onde o juiz da ação indenizatória terá de apreciar qual seria o provável resultado da ação não proposta". [169]

3.18 Pedido não formulado

Ao propor a ação, compete ao advogado formular todos os pedidos necessários para a obtenção de todas as vantagens a que tem direito o cliente. Assim, se o advogado se omite, em sua petição, em formular determinado pedido relativo a um direito do cliente que deve ser reclamado, ou deixa de fazê-lo em momento adequado e acaba por ocorrer a preclusão do direito por causa da omissão do causídico, não mais podendo ser postulado, há perda de uma chance do cliente e o advogado pode ser condenado a pagar indenização, caso se verifique que o autor tinha probabilidade muito boa de êxito se o pedido tivesse sido feito, ou seja, a chance perdida é real e séria.

É o caso do advogado que, contratado para ajuizar ação trabalhista, não formula pedido das parcelas rescisórias a que tem direito o cliente, as quais não poderão ser alvo do julgamento, por não terem sido incluídas no objeto da ação.

Da mesma forma que nos demais casos de responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance, se o cliente demonstrar que está com a razão, deverá receber a indenização pela perda de uma chance. Se o advogado, por sua vez, demonstrar que não haveria êxito mesmo que se o pedido fosse incluído no processo, livra-se de tal encargo.

A mesma situação se dá quando o advogado é do réu e se omite em ponto importante que deva constar na defesa, como o pagamento das parcelas rescisórias em ação trabalhista, pedindo para que sejam desconsideradas, proporcionando um prejuízo visível ao seu constituinte, pois, se o autor da ação trabalhista, no exemplo dado, sair vencedor da demanda, recebendo as verbas rescisórias, o empregador pode alegar e provar que, se tivesse feito tal argüição, não teria sofrido tal prejuízo.

3.19 Omissão na produção de prova necessária

Outra situação que pode ensejar a responsabilidade civil do advogado é quando este não produz uma prova necessária, decisiva no tocante ao convencimento do magistrado sobre o direito do cliente.

Pode ocorrer a ausência de prova pericial, que pode ter sido pedida, mas não foi promovida pelo advogado, o qual, pela situação fática que envolve o caso, deveria tê-lo feito, restando um dano ao cliente, que se vê privado de seu direito de ver a prova produzida e, com isto, ter maior possibilidade de sair vencedor da causa, na qual acabou saindo como vencido.

Cabe ao advogado, para não ser condenado à indenização pela perda de uma chance, demonstrar que mesmo sendo produzida a referida prova, o cliente não teria sua pretensão satisfeita porque o direito alegado não lhe pertencia, ou que por outro motivo qualquer não seria, a prova não produzida, hábil a lhe dar ganho de causa, afastando o nexo de causalidade da situação.

Ao cliente, por sua vez, cabe demonstrar a não produção da prova pelo advogado, a perda de sua chance de tentar, com a produção da prova, sair vencedor da ação, e o nexo causal entre a conduta do advogado e o respectivo dano alegado. Feito isso, deverá o magistrado atribuir responsabilidade civil ao causídico pela perda de chance de seu cliente.

Outro caso em que a falta de produção de prova pode acarretar dano ao constituinte por perda de chance é quando o advogado satisfaz-se em ouvir apenas uma das três testemunhas levadas a juízo pelo cliente, vindo a não ter acolhido o seu pedido pelo juiz por insuficiência de provas. Assim, o cliente, em uma ação de indenização por perda de uma chance, deverá demonstrar que se as outras duas testemunhas tivessem sido ouvidas o convencimento do juiz aconteceria e, conseqüentemente, sairia vitorioso da ação. Ao advogado, em sua defesa, caberá provar justamente o contrário, isto é, que as testemunhas não ouvidas am nada interferiam no juízo de valor formulado pelo julgador, livrando-se da responsabilidade civil pela perda de uma chance por não ter esgotado a oitiva de testemunhas que lhe foram disponibilizadas.

3.20 Extravio de autos

Pode ocorrer a hipótese de os autos serem extraviados, cabendo ao advogado, mesmo que não tenha sido ele o responsável por tal extravio, promover a restauração dos mesmos. Se não requerer, dentro um prazo razoável, a restauração dos autos extraviados, estará faltando com seu dever de diligência, podendo ser responsabilizado civilmente, caso advenha danos ao cliente por causa dessa sua omissão em requerer a restauração dos autos.

Em casos de extravio dos autos, o dano pode advir da demora que tal acontecimento acarretará na solução do feito. Pode ocorrer, também, que o processo seja extinto em razão do longo tempo em que ficou parado, sem a prática dos atos necessários ao desenvolvimento do processo.

Assim, sofrendo danos, o cliente, em razão do extravio dos autos, pode o advogado ser condenado a compô-los, mesmo que não tenha sido ele o responsável pelo acontecimento, bastando que deixe de requerer a restauração dos mesmos, pois esta é uma tarefa que lhe compete realizar. Mais óbvio será, então, a sua responsabilidade quando tenha sido ele próprio o causador do extravio e, na seqüência, não promove sua restauração, errando duas vezes.

Como nos demais casos de perda de uma chance, caberá ao cliente demonstrar a falta de diligência do advogado, a existência da perda de chance com o conseqüente dano e o nexo causal entre a conduta do causídico o resultado lesivo. Ao advogado compete demonstrar a inexistência de nexo causal, provar que requereu a restauração dos autos, mas que por motivos outros isso não aconteceu, ou, ainda, provar que não houve perda de chance, pois a ação não teria sucesso. E sobre este último aspecto que pode ser usado na defesa do causídico, Sérgio Novais Dias ensina:

O difícil aqui para o advogado é alegar que a ação era natimorta, ou seja, que a tese de direito em si mesma era, de plano, vencida na jurisprudência, pois, se assim realmente era quando da propositura da ação, mesmo que o juiz não reconheça o advogado como responsável pelos danos decorrentes da perda da chance, sem dúvida que o responsabilizará pelos danos causados pela aventura judicial que impôs ao cliente, ao propor uma ação que sabia ou devia saber sem chance de êxito. Neste caso, certamente o advogado será também condenado, se for levado ao Tribunal de Ética da OAB. [170]

Se o juiz da ação de indenização proposta pelo cliente concluir que o mesmo sofreu dano por perda de chance em razão de extravio de autos, já que tinha probabilidade muito grande de êxito no processo cujos autos se perderam, condenará o advogado a pagar a indenização pela chance perdida.

3.21 Não conhecimento de recurso por falta de preparo

Outra situação embaraçosa e de difícil explicação para o advogado é o não conhecimento de recurso por falta de preparo, pois estabelece o art. 511 do CPC que, ao interpor recurso, o recorrente deverá comprovar o preparo, sob pena de deserção, dispondo, em seu §2º, que a insuficiência no valor do preparo também implica em deserção, ou seja, não preparar o recurso ou fazê-lo com valores insuficientes implicam na mesma conseqüência processual.

Exceto no caso em que o cliente não disponibiliza numerário suficiente para o advogado realizar o preparo, já que este não tem a obrigação de custear as despesas processuais com seu próprio dinheiro, toda vez que o causídico deixar de preparar o recurso, configurada estará sua culpa, ensejando para o cliente a possibilidade de ajuizar ação indenizatória em face do advogado relapso por perda de chance, devendo, como sempre, provar que se o Tribunal tivesse tomado conhecimento do recurso, obteria julgamento favorável. Ao advogado cumpre demonstrar, por todos os meio legais, que assim não aconteceria.

3.22 A sistemática do agravo de instrumento, a interposição de recurso inadequado, o pedido de reconsideração e o protocolo integrado à luz da perda de uma chance

O agravo de instrumento, por ser dirigido diretamente ao Tribunal, exige que sejam cumpridos certos requisitos para que seja conhecido, os quais, se não se apresentarem quando de sua interposição, fará com que o recurso em tela não seja conhecido e poderá acarretar, pela falta de diligência do advogado na formação do instrumento, a perda de uma chance para o cliente e, assim, o dever de indenizar os danos proporcionados. Vale lembrar que, por ser recurso de sistemática excepcional e de julgamento célere, não é admitida a conversão em diligências nem prazo para emendar erros, ou seja, deve ser instruído de forma correta no ato de sua interposição, sob pena de não ser conhecido.

Neste recurso, as cópias de documentos devem ser rigorosamente revisadas quando de sua interposição, afim de não se permitir que nenhum documento seja esquecido. A legibilidade das cópias deve ser, também, alvo de atenção, pois a má impressão da cópia prejudica a leitura da data de protocolização, interferindo na identificação da tempestividade do agravo, que pode não ser conhecido se houver dúvida quanto à mesma. Cabe, ainda, à parte que agravou, juntar no processo a cópia do recurso, para que o juízo a quo tenha conhecimento do estado em que se encontra o processo. Não sendo tomada tal providência, o recurso também não será conhecido. Enfim, devem ser respeitados todos os requisitos desse recurso, que possui sistemática excepcional.

"Ora, perdendo o cliente a expectativa de ter um agravo conhecido [...] por erro do advogado, [...] abre-se caminho para o pedido de indenização por perda de uma chance". [171]

O advogado que interpõe recurso inadequado, sendo este previsto em lei, cometendo um erro tão grosseiro que nem se permite o aproveitamento daquele diante do princípio da fungibilidade, age com culpa, afinal, acontecendo tal situação, onde o recurso cabível é previsto na legislação, não pode o advogado alegar o desconhecimento da lei.

É o caso do advogado que interpõe agravo da decisão que julga sobre assistência judiciária, sendo que o correto, disposto na Lei nº 1.060/50, é a interposição de apelação para o caso, não podendo ser conhecido um recurso no caso em que outro está expressamente previsto na legislação. "Ora, o não-conhecimento poderá prejudicar a chance de a parte obter a gratuidade judiciária, sugerindo-se a responsabilidade do advogado". [172]

Outro acontecimento corriqueiro na prática forense é o pedido de reconsideração. Trata-se de uma manifestação do advogado diante de uma decisão interlocutória desfavorável aos interesses de seu cliente, pedindo reconsideração do despacho. Ocorre que, por não ser uma figura legal, isto é, por não ter previsão no CPC, é ato inexistente, não suspendendo e nem interrompendo o prazo para interposição do agravo. A doutrina e a jurisprudência se mostram implacáveis nesse caso, podendo ocorrer preclusão quando o advogado faz o pedido de reconsideração e deixa escoar o prazo para interpor o agravo, acreditando que o pedido de reconsideração suspende ou interrompe a fluência do prazo do recurso adequado. "Convém que o advogado não formule reconsideração para não incidir em preclusão, optando, em caso conveniente, por dirigir-se ao juiz sem prejuízo do agravo de instrumento cujo prazo não se interrompe ou suspende, para que o cliente, depois, não o culpe pelo insucesso da demanda," [173] por perda de uma chance.

Há, ainda, outra questão que pode ensejar ao cliente o pedido de indenização por perda de uma chance, relativa ao protocolo integrado, que, nos Tribunais estaduais, facilita a vida do advogado, evitando que o mesmo não se locomova a um juízo ou Tribunal para cumprir seus prazos. Assim, advogados do interior não precisam se locomover até a capital para entregar peças do processo de que lá participa. Todavia, esse processo não se aplica aos recursos dirigidos ao STJ, conforme dispõe a súmula 256 dessa Corte.

Desta forma,

Perder o prazo do recurso (não aqueles que são processados no Tribunal a quo) por não protocolizar em Brasília (encaminhar pelo protocolo integrado contra os dizeres de uma súmula) pode caracterizar erro inescusável e, conseqüentemente, permitir o questionamento de indenizabilidade por perda de uma chance ou da chance de exame do recurso de embargos no STJ. [174]

3.23 Ausência de contra-razões ao recurso

O cliente pode alegar que a ausência de contra-razões acarretou-lhe a perda da chance de evitar que fosse julgado contra si o recurso da outra parte. É claro que cabe ao juiz dizer o direito, mas compete ao advogado usar dos meios necessários ao seu convencimento. Por vezes, a ausência de contra-razões ao recurso pode não interferir em seu julgamento. Mas, em certas situações, pode ser decisiva.

Acontece que a matéria a ser devolvida ao Tribunal, quando interposto um recurso, já se encontra nos autos, estando à disposição do juiz relator para leitura. Além do que, conforme o disposto no art. 515, §§1º e 2º do CPC, são objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro, e que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais fundamentos do pedido e da defesa, caso existam, mesmo quando o juiz de primeira instância acolher apenas um deles. Isto é, toda a matéria de primeira instância é levada à apreciação do órgão ad quem, já estando ali os fundamentos do direito alegado pelo recorrido. Não precisa, portanto, alegar novamente os argumentos e nem reiterar os pedidos, que já se encontram automaticamente feitos por ocasião do efeito devolutivo. "Precisa ele, ao contrário, suscitar nas razões, se for o caso, as questões novas que pretende ver apreciadas pelo órgão ad quem, juntando a prova de que deixara de fazê-lo, até então, por motivo de força maior". [175]

Desta forma, se o advogado receber do cliente os documentos novos que não foram apresentados até então por motivo de força maior ou porque a parte não tinha conhecimento de sua existência e não apresentá-los nas contra-razões, sendo que, se fossem utilizados, a probabilidade de sair vitorioso no recurso seria muito grande, claro está que gerou a perda de chance de seu cliente, devendo ser responsabilizado pelos danos que proporcionar.

Como já dito, toda a matéria discutida em primeira instância encontra-se à disposição do relator do recurso, mas não há garantia que ele irá ler todo o processo e, conseqüentemente, as alegações já feitas pelo advogado do recorrido. Por isso, as contra-razões são importantes, pois contradizem as razões do recurso, facilita a leitura e proporciona a conclusão do relator em sentido contrário ao que é pedido pelo recorrente, defendendo melhor os interesses do cliente. Nesse sentido, escreveu Novais Dias:

[...] não há nada que garanta à parte que o relator, na prática, lerá minuciosamente todas as folhas dos autos. Por esse motivo, as contra-razões são sempre úteis para combater diretamente os argumentos do recurso, oferecendo mais facilmente ao relator a opinião contrária ao recorrente, competindo ao advogado oferecê-las, na defesa dos direitos e interesses do seu cliente.   

Casos há em que a ausência de contra-razões pode, efetivamente, na prática, fazer falta, [...]. [176]

Vale lembrar que nestas situações de perda de chance, cabe, tanto ao cliente que se diz lesado, quanto ao advogado em sua defesa em uma ação de indenização pela perda de uma chance, provar o que lhe interessa.

O efeito devolutivo previsto nos §§ 1º e 2º do artigo 515 do CPC é, sem dúvida, quase sempre um forte argumento de defesa do advogado, para excluir o nexo causal entre a inexistência de contra-razões da outra parte e a perda de uma chance do seu cliente. [177]

3.24 Ausência de sustentação oral ao recurso

Em determinadas espécies de recursos, o advogado pode fazer sustentação oral na sessão de julgamento. Como incumbe a esse profissional se valer de todos os meios possíveis na defesa dos interesses de seu cliente, caso não faça a sustentação oral do recurso, pode-se vislumbrar a possibilidade de responsabilização do causídico pela perda de uma chance.

A questão é que, em regra, o voto dos juizes relatores e revisores já vêm prontos para a sessão, de acordo com aquilo que analisaram e absorveram da lide levada ao seu conhecimento. A importância da sustentação oral do recurso se apresenta quanto à possibilidade de convencimento de outros juizes que compõem a sessão de julgamento, os quais não tiveram vista dos autos. Assim, se a sessão é composta por três juizes, – sendo um relator, um revisor e um terceiro – pode este último, que não teve vista dos autos, formar seu juízo de valor com base na sustentação oral feita pelo advogado e, possivelmente, argumentar ao relator e revisor para repensarem o seu voto, podendo culminar no voto favorável ao cliente cujo advogado fez a sustentação oral. Em se tratando de colegiados, onde o número de juizes seja cinco, por exemplo, – um relator, um revisor e mais três – não tendo estes últimos vista dos autos, é sobre eles que o advogado fará incidir seu poder de persuasão para tentar sair vitorioso da causa por três votos a dois.

Isto ocorre porque nem sempre os desembargadores, pelo simples contato com os autos, conseguem absorver com clareza a situação fática discutida ou a questão de direito trazida ao seu conhecimento, sendo possível tal esclarecimento por meio da realização da sustentação oral do recurso.

"Contudo, sempre que a decisão do tribunal for coerente e juridicamente admissível, difícil será fixar um nexo causal entre o resultado desfavorável e a ausência do advogado na tribuna para a sustentação oral". [178] Mas se for possível demonstrar essa relação de causalidade em face da alta probabilidade de sucesso que teria o cliente se a sustentação oral fosse realizada, há a responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance.

Em sede de responsabilidade por perda de uma chance devido ao não comparecimento do advogado à sessão de julgamento, a situação que mais evidencia a existência dessa responsabilidade é quando o exame do Tribunal for relativo a valoração de fatos e de provas, quando, geralmente, a segunda instância também é a última, sendo a sustentação oral extremamente influente na decisão da causa, aumentando a probabilidade de êxito do cliente.

O que vai dizer se está ou não caracterizada a perda de chance no caso em análise, assim como nas demais hipóteses em que se cogita da aplicação dessa teoria, é o grau de probabilidade de êxito na pretensão do cliente se a sustentação oral fosse feita.

3.25 Não interposição de recursos de natureza extraordinária

Os recursos de natureza extraordinária (recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal – STF e o recurso de revista ao Tribunal Superior do Trabalho – TST) possuem estritas hipóteses de cabimento, não sendo qualquer motivo ou matéria que autoriza a sua interposição, sendo rigorosos os seus requisitos de admissibilidade.

Desta forma, como já fora tratado anteriormente, quando da análise da não obrigatoriedade de se recorrer, pode o advogado não interpor recurso dessa natureza por entender não ser cabível, ou ainda por falta de diligência.

Nesta última hipótese, cabe ao cliente demonstrar a mencionada falta de diligência, a chance perdida e o nexo causal entre um e outro para ser merecedor de indenização pela perda de uma chance. Ao advogado cabe fazer justamente o contrário para não ser responsabilizado.

Porém, se o recurso de natureza extraordinária não foi interposto por entender o advogado não ser cabível para o caso, o cliente, ao alegar ter sido lesado pela chance que perdera, deve demonstrar a viabilidade do recurso não interposto, sendo a hipótese enquadrada em um dos permissivos legais de admissibilidade. "Caso contrário, dano não houve em face da ausência de recurso, porque, não sendo ele cabível, o tribunal que por último proferiu a decisão era, à luz da lei processual, a última instância para aquela decisão". [179]

Se o permissivo que autoriza a interposição do recurso em tela é a violação da lei, cabe ao cliente demonstrar que atende a esse requisito provando que a decisão violou determinado dispositivo legal. O advogado, em sua defesa, poderá negar essa argumentação, alegando fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pelo constituinte.

Sendo o permissivo do recurso a violação à lei, deverá o cliente demonstrar o atendimento ao requisito, ou seja, que a decisão, em tese, violou determinada norma legal. Contudo, poderá o advogado, em sua defesa, negar o fato constitutivo, ou seja, que aquele fundamento era descabido, isto é, que não havia, em tese, a violação da norma, ou, como fato impeditivo, que aquele fundamento era por demais complexo, ou inusitado que ultrapassava o nível de argumentação e de conhecimentos esperados de um advogado médio (agravado o rigor do exame em se tratando de um especialista), de maneira que não tinha o advogado a obrigação de sustentar, neste caso, a violação da norma. Além disso, ainda como fato impeditivo, poderá demonstrar o advogado que, apesar de ser possível cogitar, em tese, violação da norma legal pela decisão, o que viabilizaria o seguimento do recurso e seu conhecimento, que o tribunal superior não daria acolhida à tese, em face da jurisprudência e da doutrina, ou seja, que o resultado provável do julgamento do recurso seria contrário ao cliente. [180]

Quando o permissivo autorizador do recurso for a divergência jurisprudencial, o cliente deverá demonstrar que a decisão proferida em seu desfavor foi de encontro com outra decisão, que atribuiu interpretação divergente da primeira. O advogado deverá defender-se demonstrando a inexistência de divergência ou a inacessibilidade à jurisprudência que diverge da decisão prolatada contra seu cliente.

Em se tratando de divergência jurisprudencial, caberá ao cliente alegar e demonstrar que a decisão deu a determinada norma interpretação divergente daquela que lhe conferiu outro tribunal, circunstância que, pelo permissivo daquele recurso, o viabilizaria. Pode o advogado defender-se negando a existência da divergência, ou alegar fato impeditivo, consistente na inocorrência de negligência ou de imperícia, demonstrando que aquele aresto veiculador da divergência não era acessível a um advogado razoavelmente informado, porque nunca foi publicado nos compêndios autorizados de jurisprudência disponíveis no mercado, exame esse cujo rigor é agravado tratando-se de renomado especialista. Poderá o advogado, também como fato impeditivo, demonstrar que, mesmo se caracterizada a divergência, o tribunal superior provavelmente optaria pela tese exposta na decisão não recorrida. [181]

3.26 Execução impossível

Frente ao inadimplemento de obrigação assumida pelo devedor, cabe ao credor promover ação para cobrar-lhe e, na seqüência, em caso de sentença favorável, ver a sua pretensão satisfeita através da fase de execução. Ou, em caso de a obrigação estar consubstanciada em título de crédito extrajudicial, promover a ação de execução diretamente.

A execução é voltada ao patrimônio do devedor, o qual será utilizado para satisfazer o crédito do credor. Todavia, a execução encontra suas dificuldades em ser realizada, muitas vezes por causa da dificuldade de se localizar os bens do devedor. Assim, se não são localizados os seus bens, se são impenhoráveis, se inexistem bens, ou se os existentes são insuficientes para saldar a dívida, torna-se impossível conseguir a execução.

O advogado não tem responsabilidade pelo fato de ser a execução impossível. Entretanto, há uma situação específica em que a atuação do causídico pode lhe conferir responsabilidade por se tornar impossível a execução. Esta situação ocorre quando na execução de sentença condenatória, constatar-se que o devedor alienou seu patrimônio para terceiros (provavelmente de boa-fé), no curso da lide, ficando sem bens em seu nome e, conseqüentemente, frustrando a possibilidade de êxito na execução, pois não haverá mais o que penhorar para satisfazer o crédito, uma vez que uma providência deixou de ser tomada pelo advogado.

Iniciada a execução, o devedor que não paga a dívida, nem faz nomeação válida, tem seus bens penhorados. Cabe ao advogado, nestas situações, promover a inscrição da penhora ou das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas a imóveis no registro de imóveis. Fazendo isto, torna público o fato e, por conseguindo, afasta a presunção de boa-fé de um terceiro que venha a adquirir o bem do devedor.

Se um terceiro adquire o bem do devedor, deixa o credor sem a possibilidade de penhorar bens daquele, desde que o adquirente esteja de boa-fé. Mas se a penhora ou a citação de ação real ou pessoal reipersecutória relativa a imóveis for registrada, a presunção de boa-fé do terceiro adquirente é afastada, respondendo o referido bem pela execução, por se caracterizar fraude à execução, conforme estabelece o art. 592, V e 593, I e II, ambos do CPC.

Então, não há dúvida que a inscrição da penhora no registro de imóveis, quando esta recair sobre bens imóveis, é medida salutar para o êxito da execução e preservação do direito do credor. Se o advogado não toma tal providência, que está prevista em lei (CPC, art. 659, §§ 4º e 5º), responde pela perda de uma chance de seu cliente ver o bem leiloado para satisfazer o seu crédito, em razão de ter-se tornado impossível a execução, pois, "efetivar o registro da penhora passou a ser diligência obrigatória, porque de sua efetividade depende o êxito ou satisfação completa da execução". [182]

A situação muda quando se trata de registrar a citação ou a distribuição da ação de conhecimento ajuizada, para garantir uma futura execução. Aqui não existe a obrigação de tal providência. E sobre essa inexistência de obrigação de registro da citação ou de distribuição da ação de conhecimento, Ernesto Antunes de Carvalho, citado por Ênio Santarelli Zuliani, apresenta três motivos para a dispensa:

[...] três razões para dispensar o registro da citação ou distribuição da ação: não obrigatoriedade do ato, ao contrário do que ocorre com a penhora; alto custo financeiro do registro (onerando, ainda mais, o autor) e falta de especificidade do bem a ser penhorado no futuro. [183]

E Ênio Santarelli Zuliani acrescenta mais uma razão:

Acrescento mais uma a esse excelente estudo: o risco de ter o autor que providencia um registro dessa ordem e que, naturalmente, restringe a expectativa do réu, como proprietário, de dispor de seus bens, de responder, em caso de improcedência da ação, por prejuízos que essa restrição provocou, inclusive não patrimoniais. Todo esse debate mostra que a matéria é polêmica, sem unanimidade jurisprudencial, o que, em termos de obrigação de diligência, não vincula o advogado. [184]

Assim, não promovendo, o advogado, o registro da citação ou da distribuição da ação de conhecimento, mesmo que o réu da ação venha a alienar todo o seu patrimônio e ficar o autor da ação sem bens para serem penhorados, caso vença a demanda e haja uma futura penhora, não haverá responsabilidade do advogado pela perda de uma chance, pois esse profissional não violou seu dever de diligência, já que não há previsão legal para a prática de tal ato e em função dos demais motivos supracitados.

3.27 Ação rescisória não interposta

Por fim, analisa-se o último tópico deste trabalho sobre a responsabilidade civil do advogado, estudando a existência ou não da mesma, por perda de uma chance, quando o advogado não interpõe ação rescisória. Tem-se, então, duas situações.

Quando o advogado é contratado exclusivamente para propor a ação rescisória e, após a entrevista com o cliente e verificando ser cabível a medida, se não o propô-la, ter-se-á mesma situação de quando deixa propor uma ação judicial, situação esta já analisada anteriormente. Haverá, então responsabilidade do causídico por perda de uma chance.

O problema surge quando o advogado já atuou em todo o processo, cuja decisão transitou em julgado. A perquirição é acerca de existir ou não o dever de propor tal ação.

Para compreender e resolver tal problemática, importante a lição de J. C. Barbosa Moreira, citado por Novais Dias:

O direito brasileiro, à semelhança de outros ordenamentos, conhece dois tipos de remédios utilizáveis contra decisões judiciais: os recursos e as ações autônomas de impugnação. Em nosso sistema, o traço distintivo consiste em que, através do recurso, se impugna a decisão no próprio processo em que foi proferida, ao passo que o exercício de ação autônoma de impugnação dá sempre lugar à instauração de outro processo. A ação rescisória é exemplo clássico dessa segunda espécie. [185]

A ação rescisória apresenta peculiaridades. Deve haver, para a sua propositura, um depósito prévio no valor de 5% do valor da causa, que será revertido, a título de multa, à parte contrária em caso de inadmissibilidade ou improcedência, conforme prescreve o art. 488, II, do CPC. Cabe ao advogado, portanto, orientar seu cliente sobre esses riscos, pois além dessa quantia, poderá ser condenado ao apagamento de custas e honorários do advogado da parte contrária. Na Justiça do Trabalho, porém, não se exige o referido depósito.

Outra peculiaridade é que, da mesma forma que os recursos de natureza extraordinária, as hipóteses de cabimento dessa ação são restritas.

Assim, em face dessas peculiaridades, como a grande despesa que pode envolver essa impugnação, o advogado não pode ser diretamente responsabilizado pela perda de chance por não ter ajuizado a rescisória, mas sim porque não orientou seu cliente, ou seja, por omissão de conselho sobre seu cabimento e sobre as despesas, o que pode implicar a perda de uma chance. Nesse sentido, Novais Dias expõe:

Como a ação rescisória implica possibilidade de despesas de honorários de sucumbência e risco de pagamento de multa, não pode o advogado ser responsabilizado diretamente pela perda de uma chance por não ajuizá-la, mas sim por omissão de conselho que implicar a perda de uma chance. No processo do trabalho, contudo, em que não há depósito prévio nem, de ordinário, a condenação em honorários, abre-se espaço para a responsabilização do advogado diretamente pela perda de uma chance caso este não providencie a propositura da ação rescisória em situações como dos planos econômicos Bresser e Verão. É que, com a mudança da orientação jurisprudencial a respeito (de favorável para contrária aos empregados), inúmeras decisões transitaram em julgado antes que isso ocorresse, com julgamento favorável aos empregados, e as ações rescisórias, que foram depois ajuizadas com fundamento na violação literal da norma constitucional que trata do direito adquirido, têm sido acolhidas, uma vez que, tratando-se de interpretação da Constituição Federal, tem-se entendido que não se aplica a Súmula 343 do STF. Nesses casos, parece evidente que teria o advogado de uma empresa, condenada em diferenças salariais decorrentes desses planos econômicos, indiscutivelmente de propor a ação rescisória antes do prazo de dois anos após o trânsito em julgado da ação contrária aos interesses do cliente, desde que essa alteração jurisprudencial tenha se dado ainda dentro do prazo decadencial, pois antes dessa mudança de entendimento da jurisprudência não se poderia ter como provável o sucesso da ação rescisória. Não o fazendo, seria hipótese de responsabilização do advogado, porque provável o êxito da pretensão do cliente se fosse veiculada por esse meio autônomo de impugnação da sentença. [186]

Quando o advogado atuou no processo cuja sentença transitou em julgado, defende a doutrina que não seria um meio de defesa do mesmo, o qual não interpõe a rescisória, alegar que não foi contratado para esse processo, uma vez que se trata de ação autônoma, que instaura um outro processo, nos seguintes termos:

Compete, pois, ao advogado, como atribuição da condução técnica da causa, avaliar sempre o cabimento da ação rescisória contra a sentença transitada em julgado que contrariou os interesses de seu cliente e aconselhá-lo sobre a adoção da providência, com as necessárias advertências sobre os riscos financeiros do processo. Tratando-se de demanda trabalhista, deve o advogado cuidar da propositura da ação, quando cabível a rescisória e provável o resultado favorável ao seu cliente. [187]

Porém, a mesma doutrina entende que muitas das hipóteses enumeradas no art. 485 do CPC, por disporem sobre fatos e circunstâncias ocorridas fora do processo, que fogem ao conhecimento do advogado, mas que autorizam a propositura da rescisória, não ensejam o dever de esse profissional ajuizar a ação rescisória e, portanto, não pode ser responsabilizado pela perda de uma chance caso a ação não venha a ser proposta, salvo se tomou conhecimento dos fatos por meio de seu cliente e não o orientou sobre a possibilidade de promover tal ação.

Sendo proposta uma ação de indenização em face do advogado que não ajuizou a rescisória, alegando perda de uma chance em obter um novo julgamento que lhe poderia ser favorável, compete ao cliente (autor da ação de indenização) demonstrar o cabimento da ação rescisória e o não aconselhamento e ajuizamento da mesma, tendo o advogado conhecimento dos fatos autorizadores do pedido.

Ao advogado, em sua defesa, compete refutar o cabimento da ação, alegar inocorrência de culpa sua em razão de ser o argumento apresentado pelo autor como permissivo da rescisória complexo demais ou que fugia à capacidade exigível de um advogado razoavelmente atualizado na matéria, ou defender-se demonstrando que mesmo sendo proposta a ação rescisória o resultado do julgamento provavelmente seria desfavorável ao cliente, e, por fim, alegar que orientou seu cliente acerca da propositura da ação, mas por desejo desse, não foi ajuizada.

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Sobre o autor
Ricardo Duarte Cavazzani

Advogado, pós-graduando em direito tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVAZZANI, Ricardo Duarte. Responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1953, 5 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11927. Acesso em: 23 dez. 2024.

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