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Direito de greve não se aplica a policiais civis do Estado de São Paulo

18/11/2008 às 00:00
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Direito de greve não se aplica a policiais civis do Estado de São Paulo. Foi com essa fundamentação que o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu medida liminar para suspender ato do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos autos do Dissídio Coletivo de Greve nº 201.992008.000.02.00-7. A decisão do Tribunal do Trabalho suspensa autorizava a realização da greve dos policiais civis, desde que fosse mantido o quantitativo de 80% da força policial em funcionamento, em homenagem ao princípio da continuidade dos serviços públicos, dada a essencialidade da atividade policial.

Em decisão liminar anteriormente concedida, o ministro Eros Grau havia suspendido a tramitação do dissídio coletivo de greve em razão da incompetência da Justiça do Trabalho, conforme assentado na ADI nº 3.395. Contudo, havia sido preservada a decisão na parte em que determinava a manutenção do quantitativo mínimo de 80% da força policial em funcionamento.

Em novo pedido, o Estado de São Paulo, ao passo que informou a frustração das tentativas de negociação, requereu que o STF oriente a autoridade judicial a quem competir examinar o dissídio coletivo sobre como aplicar a lei de greve.

Apreciando questão de ordem, o ministro Eros Grau, ao mesmo tempo em que assentou a incompetência do STF para decidir sobre a legitimidade do movimento grevista deflagrado pelos policiais civis, entendeu que a gravidade da situação reclamava a imediata manifestação da Corte.

O ministro equiparou os policiais civis aos policiais militares (serviços públicos cuja coesão social exige que sejam prestados em sua totalidade, especialmente aqueles exercidos por grupos armados). Estendeu-se a vedação contida no inciso IV do parágrafo 3º do artigo 142 da Constituição Federal (que proíbe o exercício de greve pelos policiais militares) aos policiais civis, consignando: "o conhecimento dos fatos me autoriza, todavia, a neste passo, explicitando o sentido que foi decidido no MI nº 712, afirmar a insubsistência do direito de greve no que concerne aos policiais civis, do que resulta a sua não aplicação a eles."

Da decisão assentada monocraticamente pelo ministro Eros Grua defluem inúmeras conseqüências. Em primeiro lugar a impossibilidade do STF atuar como órgão consultivo. No exercício da jurisdição constitucional e do controle incidental de constitucionalidade, como parecem ser os mandados de injunção, bem como as suspensões de segurança, o STF deve julgar o caso concreto e não fixar os contornos abstratos de aplicação da lei para as demais instâncias jurisdicionais, cuja competência foi assentada pelo próprio STF.

Outro aspecto, de idêntica relevância, dialoga diretamente com o MI nº 712 que, em sentença de nítido perfil aditivo, fixou os contornos em que os servidores públicos exerceriam o direito de greve constitucionalmente assegurado.

Ao determinar a aplicação subsidiária da lei de greve dos trabalhadores da iniciativa privada aos servidores públicos federais, o STF deu um largo passo no sentido de suprir a omissão legislativa, rompendo com o dogma kelseniano do legislador negativo, ao adotar uma sentença manipulativa de conteúdo aditivo. Não se olvida que essa será uma tendência cada vez mais presente na Suprema Corte, em face dos institutos da repercussão geral e da súmula vinculante, contudo, ainda há alguns caminhos a serem percorridos.

Ao negar o direito de greve dos policiais civis (ainda que em sede monocrática), o STF não estaria se distanciando do que preconizou o inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal?

O inciso VII do artigo 37 não pode ser interpretado de forma dissociada do artigo 9º, todos da Constituição Federal que assegurou o direito de greve, outorgando ao trabalhador a competência privativa para a decisão acerca da oportunidade do seu exercício e dos interesses que devam por meio dele defender. Isso porque os servidores públicos são, acima de tudo, trabalhadores. Tanto o é que o STF determinou a aplicação da mesma lei geral de greve criada para os trabalhadores a que se refere o artigo 9º da Constituição:

"Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei."

Trata-se de direito e garantia fundamental.

O constituinte reservou para o legislador infraconstitucional a definição dos serviços e atividades essenciais, com vistas ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Contudo, essa competência legislativa prevista no parágrafo primeiro do artigo 9º apenas pode ser exercida se compreendida na relação de subordinação entre a cabeça do artigo (caput) que assegura o direito de greve. Isso equivale dizer que o legislador não poderia, sob pena de violar a literalidade do caput do artigo 9º, editar lei no sentido de inviabilizar o direito de greve do trabalhador Poderia então o STF, decidir no sentido de inviabilizar o direito de greve do servidor público? Ou não seriam os policiais civis servidores públicos?

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Poderia o STF distinguir quem a Constituição não distinguiu, ou, via inversa, equiparar quem a Constituição não equiparou?

Indo um pouco além na argumentação, a Constituição Federal assegurou o direito de greve dos servidores públicos nos seguintes termos: "o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica". Diante da reiterada omissão, o STF equiparou os servidores públicos aos trabalhadores, exclusivamente para efeitos da aplicação subsidiária do regramento previsto na Lei nº 7.783/89, viabilizando o exercício regrado do direito constitucionalmente garantido.

Contudo, nos quase 20 anos que antecederam a decisão do STF no MI nº 712 o servidor sempre exerceu o direito de greve, fato social que é. No constante conflito e interpenetração entre a norma e o fato, as greves sempre exsurgiram como uma realidade social, uma resposta dos movimentos dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho. Isso equivale dizer que a greve não precisa de autorização legal para acontecer, sua existência como fato social precede a positivação.

Contudo, é fato, em respeito ao Estado Democrático e ao Direito como pressuposto conformador da realidade, em face de uma vedação constitucional expressa, há de se preservar a ordem constitucional.

Ocorre que a Constituição não vedou o direito de greve, pelo contrário, o reafirmou!

O que ocorreu foi a vedação do direito de greve dos policiais militares, silenciando o texto constitucional no tocante aos policiais civis. Está-se diante do silencio eloqüente do legislador.

Tendo sido nosso constituinte tão minucioso a ponto de, ao passo em que garantiu o direito de greve, vedar expressamente a sua prática pelos policiais militares (apenas), seria legítimo que o STF entendesse o contrário e equiparasse o que a Constituição não equiparou e negando o direito de greve dos policiais civis?

Essa é uma das perguntas com as quais o plenário do STF se defrontará ao apreciar o referendo da medida liminar concedida pelo ministro Eros Grau na Reclamação nº 6.568.

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Sobre a autora
Damares Medina

Advogada, mestre em Direito e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA, Damares. Direito de greve não se aplica a policiais civis do Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1966, 18 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11979. Acesso em: 22 nov. 2024.

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