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A requisição de dados cadastrais pela autoridade policial

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19/11/2008 às 00:00
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Freqüentemente, requisições formuladas por autoridades policiais não são atendidas ao fundamento de que dados cadastrais são sigilosos, sendo necessária ordem judicial para seu acesso.

Palavras-chave: Dados cadastrais; Requisição; Autoridade Policial; Poder geral de polícia.

Sumário: 1. Introdução; 2. Dados cadastrais; 3. Poder geral de polícia; 4. Reserva de jurisdição; 5. Espécies de dados cadastrais; 6. Dados cadastrais bancários; 7. Dados cadastrais telefônicos; 8. Jurisprudência; 9. Conseqüência do não atendimento da requisição policial; 10. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

A Autoridade Policial, durante a investigação criminal, constantemente requisita informações cadastrais a pessoas jurídicas de direito privado para a individualização de autores, partícipes e testemunhas de delitos.

Entretanto, freqüentemente, requisições não são atendidas ao fundamento de que dados cadastrais são sigilosos, sendo necessária ordem judicial para seu acesso.

O deslinde do tema é de suma importância, haja vista que referida recusa prejudica o andamento das investigações e acaba por sobrecarregar o Poder Judiciário por questões de somenos importância.


2. DADOS CADASTRAIS

Dados cadastrais são as informações objetivas fornecidas por consumidores e armazenadas em banco de dados de pessoas jurídicas de privado. Os elementos componentes dos dados cadastrais são: nome completo, CPF, RG, endereço e número de telefone.

A finalidade precípua dos dados cadastrais é a identificação do consumidor para, na grande maioria dos casos, utilização para fins de cobrança, venda de produtos via telemarketing e envio de mala-direta.

As informações relativas a nome completo, CPF, RG, endereço e número de telefone não desvelam quaisquer aspectos da vida privada ou da intimidade do indivíduo. É esperado que todos possuam tais elementos identificadores e, como são dados objetivos, não permitem qualquer juízo de valor sobre a pessoa.

A melhor doutrina sustenta que dados cadastrais não são protegidos por sigilo:

Pelo sentido inexoravelmente comunicacional da convivência, a vida privada compõe, porém, um conjunto de situações que, usualmente, são informadas sem constrangimento. São dados que, embora privativos — como o nome, endereço, profissão, idade, estado civil, filiação, número de registro público oficial, etc., condicionam o próprio intercâmbio humano em sociedade, pois constituem elementos de identificação que tornam a comunicação possível, corrente e segura. Por isso, a proteção desses dados em si, pelo sigilo, não faz sentido. (...) Em conseqüência, simples cadastros de elementos identificadores (nome, endereço, RG, filiação, etc.) não são protegidos. [01]

Todavia, existem cadastros que não se enquadram no conceito aqui estudado. São verdadeiros dossiês sobre o comportamento de clientes e a doutrina faz a devida distinção:

Mas cadastros que envolvam relações de convivência privadas (por exemplo, nas relações de clientela, desde quando é cliente, se a relação foi interrompida, as razões pelas quais isto ocorreu, quais os interesses peculiares do cliente, sua capacidade de satisfazer aqueles interesses, etc.) estão sob proteção. [02]

De todo modo, quanto à ciência de tais dados pela Autoridade Policial, que não pode deles dispor para fins alheios à investigação criminal, vale o ensinamento de CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA [03]:

O que se considerar certo é que a privacidade opõe-se à publicidade e o conhecimento do Estado não chega a constituir a publicização das informações mantidas sob reserva legalmente estabelecida e assegurada.


3. PODER GERAL DE POLÍCIA

O Estado, quando da ciência de crime de ação penal pública incondicionada, tem o poder-dever de agir no sentido de responsabilizar os autores e partícipes do delito. Por conseguinte, para operacionalizar tal intento na fase pré-processual, o legislador estatuiu no artigo 6º do Código de Processo Penal (CPP): Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: (...) III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias.

Comentando tal dispositivo, Julio Fabbrini Mirabete [04] ensina:

Observados os direitos e garantias individuais previstos na Constituição e nas leis ordinárias, a Autoridade Policial poderá desenvolver qualquer diligência, incluindo-se evidentemente, o de intimar testemunha, vítima ou suspeito para prestar declarações no inquérito.

E a jurisprudência arremata:

O Inquérito Policial é peça meramente informativa e cabe a Autoridade Policial presidi-lo, colhendo todos os elementos possíveis e legais para a elucidação do fato que aparenta ilicitude penal, sendo certo que não cabe a qualquer envolvido eximir-se da apuração total dos fatos, e muito menos condicionar o fornecimento de elementos para a investigação. (Mandado de Segurança nº 269.690/3, Julgado em 08/02/1995, 5ª Câmara, Relator: - Geraldo Lucena, RJDTACRIM 25/439 - Grifamos)

LUCIANO FELDENS [05] denomina a determinação contida na referida norma como poder geral de polícia:

Aludido dispositivo alberga aquilo que convencionamos denominar "poder geral de polícia", porquanto a estabelecer, sem qualquer especificidade, mas de forma cogente e harmônica ao artigo 144, §§ 1º e 4º, da Constituição, o dever-poder da atuação da Polícia Judiciária na perseguição de elementos probatórios tendentes à revelação do fato delituoso e de sua autoria.

Desse modo, o poder geral de polícia (art. 6, III do CPP) permite à Autoridade Policial determinar quaisquer diligências tendentes a elucidar o fato criminoso e suas circunstâncias, entre elas a requisição de dados cadastrais. Contudo, o poder geral de polícia não prevalece quando a Constituição Federal ou a lei exige ordem judicial para a realização de determinada diligência.


4. RESERVA DE JURISDIÇÃO

Para alguns atos o Poder Constituinte estabelece a manifestação exclusiva do Poder Judiciário para a sua prática. É a chamada reserva constitucional de jurisdição, tema já abordado pelo Supremo Tribunal Federal (STF):

O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais".

A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. [06]

Entretanto, esse controle preventivo exercido pelo Poder Judiciário, como bem assevera LUCIANO FELDENS [07], é exceção, e deve estar expressamente previsto no ordenamento jurídico:

Cabe considerar, no particular, que a atividade investigatória da polícia (Federal ou Civil) não se submete, em regra, ao controle preventivo do Poder Judiciário, o que somente se verifica ante situações determinadas em que a lei e/ou a Constituição assim exijam, tal o exemplo das matérias submetidas a sigilo cuja disclosure das informações se demonstre submetida à reserva de jurisdição, tais como: a) busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), b) interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a c) decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI).

Quanto a eventual proteção aos dados cadastrais contida no artigo 5º, XII da Constituição (art. 5º, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;), que traria a obrigatoriedade de ordem judicial para seu acesso, o STF já se posicionou sobre o assunto, no sentido da proteção do mencionado dispositivo ser referente à comunicação de dados e não aos dados em si, conforme extensa ementa abaixo parcialmente transcrita. Além disso, o conceito de "dados" contido no preceito constitucional é diverso do conceito de dados cadastrais.

EMENTA: (...) IV - Proteção constitucional ao sigilo das comunicações de dados - art. 5º, XVII, da CF: ausência de violação, no caso. 1. Impertinência à hipótese da invocação da AP 307 (Pleno, 13.12.94, Galvão, DJU 13.10.95), em que a tese da inviolabilidade absoluta de dados de computador não pode ser tomada como consagrada pelo Colegiado, dada a interferência, naquele caso, de outra razão suficiente para a exclusão da prova questionada - o ter sido o microcomputador apreendido sem ordem judicial e a conseqüente ofensa da garantia da inviolabilidade do domicílio da empresa - este segundo fundamento bastante, sim, aceito por votação unânime, à luz do art. 5º, XI, da Lei Fundamental. 2. Na espécie, ao contrário, não se questiona que a apreensão dos computadores da empresa do recorrente se fez regularmente, na conformidade e em cumprimento de mandado judicial. 3. Não há violação do art. 5º. XII, da Constituição que, conforme se acentuou na sentença, não se aplica ao caso, pois não houve "quebra de sigilo das comunicações de dados (interceptação das comunicações), mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia e fundamentada decisão judicial". 4. A proteção a que se refere o art. 5º, XII, da Constituição, é da comunicação ''de dados'' e não dos ''dados em si mesmos'', ainda quando armazenados em computador. (cf. voto no MS 21.729, Pleno, 5.10.95, red. Néri da Silveira - RTJ 179/225, 270). V - Prescrição pela pena concretizada: declaração, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva do fato quanto ao delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista (C. Penal, arts. 203; 107, IV; 109, VI; 110, § 2º e 114, II; e Súmula 497 do Supremo Tribunal). [08]

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Abalizada doutrina adota a mesma tese:

O sigilo, no inciso XII do art. 5°, está referido à "comunicação", no interesse da defesa da privacidade. Isto é feito, no texto, em dois blocos: a Constituição fala em sigilo "da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas". Note-se, para a caracterização dos blocos, que a conjunção "e" une correspondência com telegrafia, segue-se uma vírgula e depois, a conjunção de dados com comunicações telefônicas. Há uma simetria nos dois blocos. Obviamente o que se regula é "comunicação" por correspondência e telegrafia, "comunicação" de dados e telefonia. O que fere a liberdade de omitir pensamento é, pois, entrar na "comunicação" alheia, fazendo com que o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro. [09]

Quanto aos dados, o que é protegido é que não se dê a sua comunicação a terceiros alheios à relação no curso da qual se ofereceram eles ao conhecimento pelo titular.

Não são os dados, portanto, que são protegidos e submetidos ao sigilo, mas a sua comunicação. [10]

E, em relação a possível proteção dos dados cadastrais pelo sigilo bancário ou fiscal, esses são consectários da proteção à privacidade, mas delineados em normas infraconstitucionais. [11]Assim, o objeto desse artigo não guarda relação com reserva constitucional de jurisdição e eventual regramento encontra-se na esfera infraconstitucional.


5. ESPÉCIES DE DADOS CADASTRAIS

Podemos destacar duas espécies de dados cadastrais, as quais, pelas peculiaridades e para uma melhor compreensão, serão vistas em separado: (i) dados cadastrais bancários; e (ii) dados cadastrais telefônicos.


6. Dados cadastrais bancários

Dados cadastrais bancários são as informações mantidas pelos bancos e referentes aos seus correntistas (número de conta corrente, nome completo, CPF, RG, endereço e número de telefone). Não são protegidos pelo sigilo bancário, como abaixo se verá.

Sigilo bancário, na lição de ARNOLDO WALD [12], é o meio para resguardar a privacidade no campo econômico, pois veda a publicidade sobre movimentação da conta corrente bancária e das aplicações financeiras. E a Lei complementar nº 105 de 2001, em seu artigo 1º, caput, delimita o objeto da proteção do sigilo bancário: Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

Desse modo, por tratar-se de serviço bancário [13], a conta corrente é acobertada por sigilo. Entretanto, devemos diferenciar os dados cadastrais relativos à conta corrente (dados cadastrais bancários) do "serviço conta corrente". Os dados cadastrais bancários são o controle interno dos bancos para individualizar os clientes que contratam o "serviço conta corrente" e não recebem guarida do sigilo bancário. Já o "serviço conta corrente" é o que possibilita o correntista receber depósitos em sua conta, transferir dinheiro, fazer aplicações, etc., sendo protegido pelo sigilo bancário por revelar o modo pelo qual o indivíduo atua no campo econômico através da movimentação de sua conta bancária (são sigilosas as informações sobre aplicações financeiras efetuadas, os valores que possui em conta, os destinos e origens de transferências bancárias, etc). Ou seja, o que o sigilo bancário protege é o "serviço conta corrente" e não os respectivos dados cadastrais.

Isso fica claro pela lição de ROBERTO QUIROGA MOSQUERA [14], que, ao tratar do sigilo bancário, indica qual seria o objeto de sua proteção:

Dados que dizem respeito ao valor em dinheiro depositado em contas correntes bancárias, tipos e características de aplicações financeiras, ganhos e prejuízos auferidos ou incorridos em operações bursáteis etc., são, sem sombra de dúvida, elementos particulares e pessoais de qualquer indivíduo. Utilizando outra voz: informações que tocam no aspecto financeiro do ser humano representam direito íntimo e personalíssimo, devendo ser mantidas em sigilo por aqueles que eventualmente as detenham, em razão de sua atividade profissional.

A jurisprudência segue a mesma linha de raciocínio:

Não vejo como possa acarretar violação à privacidade de quem quer que seja mera requisição de dados cadastrais, ainda que oriundos de conta bancária. Na espécie, não se pretendeu devassar segredos ou direitos que possam ser considerados invioláveis, ou que dignos de proteção constitucional, buscou-se, tão-somente, os dados cadastrais dos titulares da conta na qual continuava a Universidade depositando os salários de um servidor daquele órgão já falecido, desde o ano de 1998. Assim, tratam-se de dados meramente objetivos. A preservação da intimidade é necessária, porém aqui não se buscava devassar as operações bancárias, mas sim, repito, informações acerca dos dados cadastrais da conta onde eram depositados os salários pela própria Universidade. Não se trata, pois, de quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. [15]

PENAL. PROCESSUAL PENAL ESTELIONATO CONTRA A UFRGS. ART. 171, § 3º DO CP. PROVA ILÍCITA. NÃO-OCORRÊNCIA. DADOS CADASTRAIS. CONTA BANCÁRIA. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. ATENUANTE. CONFISSÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. CRIME PERMANENTE.

1. No caso dos autos, não houve a quebra do sigilo bancário (medida para a qual se exige, à toda evidência, autorização judicial), mas mera requisição dos dados cadastrais da conta bancária onde fazia o ente público depósito dos pagamentos do servidor, após descoberto seu falecimento.

2. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, sofrendo limitações, mormente quando há interesse público relevante, o que é perfeitamente aceitável, em decorrência do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. [16]

Ainda, não poderíamos olvidar das célebres palavras de SERGIO CARLOS COVELLO [17]:

Agora, a revelação de que determinada pessoa se vale dos serviços de caixa do Banco não nos parece consistir violação do segredo, porque esse fato é corriqueiro, nos dias atuais. O Banco não é esconderijo.

Assim, não sendo os dados cadastrais bancários protegidos pelo sigilo bancário, e não havendo em nosso ordenamento jurídico qualquer previsão no sentido da necessidade de ordem judicial para o acesso a dados cadastrais, aplicável o poder geral de polícia (art. 6, III do CPP). Logo, quando a Autoridade Policial tiver conhecimento que determinada conta bancária é utilizada para fins ilícitos pode requisitar ao banco os dados cadastrais do titular da mesma.


7. Dados cadastrais telefônicos

Dados cadastrais telefônicos são as informações relativas ao proprietário de determinada linha telefônica (nome completo, número da linha de telefone, CPF, RG e endereço).

Devemos distinguir "comunicação telefônica", protegida por sigilo (artigo 5º, XII da Constituição da República) e acessível somente mediante autorização judicial (nos termos da Lei 9.296/96) de "dados cadastrais telefônicos", que são as informações mínimas sobre o proprietário da linha telefônica com a finalidade de especificar o consumidor do serviço e cujo acesso não depende de autorização judicial. Como visto alhures, a mencionada proteção constitucional resguarda tão somente a comunicação.

Destacamos notável sentença sobre o tema:

A propósito, é o Código de Processo Penal que atribui à autoridade policial o dever de, tão logo tenha conhecimento da prática infração penal, colher todas as provas que sirvam para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias (CPP, art. 6º, III), dentre outras providências. Aí reside a autorização legal para que a autoridade policial possa requisitar, e a obrigação legal das operadoras de fornecer, os dados cadastrais dos usuários de telefonia, fixa ou móvel. Eventual vedação a esse poder-dever da autoridade policial teria de estar expressa em norma legal especial, excepcionando-o em determinado caso. [18]

E o Desembargador Federal NÉFI CORDEIRO, em seu voto no julgamento da apelação no mandado de segurança nº 2004.71.00.022811-2/RS, seguido por unanimidade pela 7ª Turma do Tribunal Regional 4ª Região, vai além:

Diversa é, porém, a situação concernente ao acesso aos registros telefônicos. No meu entendimento, sobre tais dados inexiste previsão constitucional ou legal de sigilo, pois não fazem parte da intimidade da pessoa, assim como sobre eles não paira o princípio da reserva jurisdicional. [19]

O julgamento ficou assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. SIGILO TELEFÔNICO. PEDIDO DE INFORMAÇÃO. CADASTRO DE USUÁRIO DE OPERADORA DE TELEFONIA MÓVEL. DELEGACIA DE POLÍCIA FEDERAL. INQUÉRITO. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DIREITO DE INTIMIDADE. NÃO-VIOLAÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA.

1. Havendo inquérito policial regularmente instaurado e existindo necessidade de acesso a dados cadastrais de cliente de operadora de telefonia móvel, sem qualquer indagação quanto ao teor das conversas, tal pedido prescinde de autorização judicial.

2. Há uma necessária distinção entre interceptação (escuta) das comunicações telefônicas, inteiramente submetida ao princípio constitucional da reserva de jurisdição (CF, art. 5º, XII) de um lado, e o fornecimento dos dados (registros) telefônicos, de outro.

3. O art. 7º da Lei 9.296/96 – regulamentadora do inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal – determina poder, a autoridade policial, para os procedimentos de interceptação de que trata, requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público. Se o ordenamento jurídico confere tal prerrogativa à autoridade policial, com muito mais razão, confere-a, também, em casos tais, onde pretenda-se, tão-somente informações acerca de dados cadastrais.

4. Não havendo violação ao direito de segredo das comunicações, inexiste direito líquido e certo a ser protegido, bem como não há qualquer ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade apontada como coatora. [20]

No mesmo sentido:

RECURSO – INTERESSE – CONHECIMENTO – COMPANHIA DADOS CADASTRAIS – SIGILO INEXISTENTE – OBRIGAÇÃO DE EXIBIR – SUCUMBÊNCIA – INCIDÊNCIA.

1. Pretendendo a recorrente a modificação da decisão singular, para dela excluir sua condenação nos ônus da sucumbência e, ainda, para fixar seu direito de manter o sigilo de seus cadastros, presente se faz o interesse de recorrer, o que autoriza o conhecimento da apelação.

2. Precisando parte de dados existentes em companhia telefônica para instruir possível ação criminal, tem ela a obrigação de os fornecer, não estando protegida pela inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal.

3. A parte que sucumbe tem que suportar os ônus da sucumbência, nos exatos termos do artigo 20 do CPC, não importando que a parte adversa esteja atendida pela Defensoria Pública. [21]

Outros argumentos utilizados para justificar o descumprimento à requisição policial são dispositivos constantes na Lei nº 9.472/97, que disciplina a organização dos serviços de telecomunicações. Em seu artigo 3º, inciso VI, prescreve que o usuário de serviços de telecomunicações tem direito a não divulgação, caso o requeira, de seu código de acesso.

No entanto, tal direito se destina a não divulgação ao público em geral, através de lista de assinantes. Havendo investigação criminal em curso, prevalece a norma constante no inciso III do artigo 6º do Código de Processo Penal.

O ilustríssimo Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JUNIOR já enfrentou a questão:

Por óbvio, a solicitação do usuário para que seus dados não sejam publicados dá-se por questões de privacidade, pelo intuito deste de não ver seu nome e endereço expostos, ao alcance de qualquer pessoa ou empresa. Diferente é a situação de acessos a esses dados em razão de investigação. Não se pode crer que o usuário de telefonia, ao requerer que seus dados não sejam disponibilizados, pretenda furtar-se a eventuais investigações civis ou criminais por parte do Ministério Público ou da autoridade policial. Mesmo que tal fosse o intuito, este não poderia ser acatado pelas empresas de telefonia, sob pena de obstrução da atividade investigatória e da própria Justiça.

(...)

Ora, no caso dos autos, não vejo como possa acarretar violação à dignidade de quem quer que seja o fornecimento de dados cadastrais mantidos por operadora de telefonia. Desde quando o sigilo acerca do nome, endereço, número de telefone, CIC, RG (esses são dados cadastrais mantidos por operadora de telefonia móvel celular – Lei nº 10.703/2003, art. 1º) e outros que tais de qualquer pessoa constitui condição mínima de existência? Como pode ser desumana ou degradante a divulgação de tais informações? [22]

Destarte, não sendo os dados cadastrais telefônicos protegidos pelo inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal ou pela Lei nº 9.472/97, e não havendo em nosso ordenamento jurídico qualquer previsão no sentido do acesso a dados cadastrais telefônicos necessitar de ordem judicial, prevalece o poder geral de polícia, permitindo a requisição direta de tais informações pela Autoridade Policial.

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Sobre o autor
Bruno Titz de Rezende

Delegado de Polícia Federal, graduado e pós-graduado (mestre em Direito Penal) pela PUC-SP. Autor do livro "Lavagem de dinheiro" (editora Saraiva).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Bruno Titz. A requisição de dados cadastrais pela autoridade policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1967, 19 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11985. Acesso em: 22 dez. 2024.

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