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Licitação e a (ir)regularidade fiscal.

O caso das microempresas e empresas de pequeno porte

23/11/2008 às 00:00
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O art. 42, da LC 123/06, passou a admitir que Microempresas e Empresas de Pequeno Porte participem de certames licitatórios, mesmo encontrando-se em situação de irregularidade fiscal, somente exigindo, da proponente considerada vitoriosa, a sua regularização, no prazo de 2 dias (prorrogáveis por mais 2 dias), sob pena da aplicação de sanções que, sublinhe-se, não são especificamente assinaladas na lei, não obstante referidas, por remissão (advertência, multa, suspensão do direito de licitar e contratar, e, no limite, declaração de inidoneidade).

Com tal disposição, introduziu exceção à regra (que continua a prevalecer para as demais empresas participantes de licitação), de que somente poderão participar do certame os interessados que demonstrem encontrar-se em condições de regularidade fiscal, sob pena de sua inabilitação (arts. 27, 29 e 43, II, da Lei 8.666/93 e art. 4, XIII, da Lei 10.520/04).

Em que pese a LC 123 ter tido a finalidade de estimular as ME e as EPP, atingindo, concretamente, tal propósito, com a criação do chamado empate ficto - que concede tratamento preferencial a tais empresas em relação às demais empresas-licitantes -, é indiscutível que a lei não andou bem ao admitir o diferimento da regularidade fiscal.

Realmente, ao assim estabelecer, criou 3 categorias de empresas-licitantes: (a) ME-EPP irregular, mas obrigada a regularizar-se, na hipótese de ser declarada vitoriosa e pretenda assinar o contrato correspondente; (b) ME-EPP irregular, que assim poderá permanecer, não sendo a vitoriosa da licitação; e (c) irregular (demais empresas), impedidas, contudo, desde o início, de participar da licitação.

Deu chancela legislativa permissiva a determinados inadimplentes, permitindo, inclusive, que alguns deles pudessem ter chances de vir a contratar com a Administração Pública, mas não o fizessem, permanecendo na situação de inadimplência (as ME-EPP que não venham a contratar com a Administração Pública), enquanto impediu – por não modificar a Lei 8.666/93 - que outras empresas, em idêntica situação fiscal, pudessem participar da licitação.

Entendemos que "estimular" equivale a facilitar a abertura das ME e das EPP; simplificar o cumprimento, por estas empresas, de obrigações administrativas, tributárias e previdenciárias, bem ao talante do comando alojado no art. 179, da CF.

O diferimento em questão não significa dar estímulo às ME-EPP. Antes, significa desestímulo ao cumprimento de obrigações tributárias, gerando perplexidade naquelas empresas que, a duras penas, têm atendido, pontualmente, às asfixiantes cargas tributárias brasileiras.

A LC 123, à evidência, aloja critério discriminador impróprio à finalidade almejada, afrontando o dispositivo constitucional que manda tratar os licitantes "com igualdade de condições" (art. 37, XXI), o qual, à evidência, não admite a discriminação que está sendo permitida pela LC 123/06 no tocante à regularidade fiscal.

Conforme já antes pudemos assinalar, a "eleição do critério discriminador, no caso da elaboração de leis, resulta da conjugação de valores sociais, econômicos, culturais etc., os quais, uma vez identificados, autorizam o órgão jurídico para tanto constitucionalmente credenciado – predominantemente, o Poder Legislativo – a produzir os enunciados que promoverão a introdução, na realidade jurídica, destes valores antes metajurídicos."

"Agora, uma vez ingressados no ordenamento jurídico, tais valores passam a submeter-se aos mecanismos de disciplina e controle da realidade jurídica, os quais permitem, inclusive, indagar acerca do critério de discriminação e dos atos relativos à aplicação prática de tais critérios, subseqüentemente abrigados pelos enunciados jurídicos correspondentes. Com esta orientação é que se admite aparelhar medidas judiciais de efeito concreto, para banir, da ordem jurídica, dispositivos que promovam distinção que desatenda à máxima constitucional de não admitir-se discriminação onde a igualdade deva prevalecer." (Marcio Pestana, Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Elsevier, p. 162).

Impedir que alguém participe de licitação e, ao mesmo tempo, permitir que outros o façam, quando todos se encontram em idêntica situação é afrontar a Constituição Federal (art. 5 e 37, XXI).

Há, como se observa, evidente ausência de pertinência lógica entre o motivo que anima a produção do enunciado jurídico e a distinção promovida pela LC 123/06 (binômio discriminador-finalidade, da norma), razão pela qual entendemos que tal dispositivo deva ser afastado do ordenamento, pelos meios colocados à disposição dos administrados.

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Sobre o autor
Marcio Pestana

Doutor e Mestre em Direito. Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP; Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Autor do livro “Direito Administrativo Brasileiro”, Editora Elsevier. Sócio do escritório “Pestana e Villasbôas Arruda – Advogados”, com sede em São Paulo e filial no Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESTANA, Marcio. Licitação e a (ir)regularidade fiscal.: O caso das microempresas e empresas de pequeno porte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1971, 23 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12002. Acesso em: 28 nov. 2024.

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