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Da inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 4º da Lei Complementar distrital nº 395/2001.

Representação judicial de agentes políticos por procuradores do Distrito Federal

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4. A Defesa de Agentes Públicos ou Autoridades no Processo Penal

Em face disso, como se obrigar, por exemplo, que um Procurador de Estado, o representante judicial da unidade federativa, exerça, sem procuração, o papel de advogado particular de um agente público (ainda que no exercício de suas funções) num processo-crime? O Distrito Federal, enquanto pessoa jurídica de direito público (a parte sempre representada pelo Procurador do Distrito Federal), não pode ser réu de uma ação penal e, desse modo, fica impossibilitada a representação judicial de agentes públicos por Procuradores do DF, cuja militância, em que pese o alto nível dos profissionais, lastreados por árduo concurso público de provas e de títulos, não se projeta no âmbito do processo penal, pois que isso provocaria a completa distorção das competências institucionais do Procurador de Estado.

In concreto, se um policial civil ou militar (ou mesmo uma autoridade policial civil ou militar, com função de direção na Secretaria de Segurança Pública, ou mesmo o Secretário da Pasta, em situação extraordinário), no exercício de suas funções, verbi gratia numa desocupação de área pública, viesse a causar a morte de um invasor, seria exorbitar das atribuições institucionais do art. 132 da Constituição de 1988 obrigar o Procurador do Distrito Federal a funcionar, por absurdo, como advogado particular do agente público perante o Tribunal do Júri, apenas porque houve a prática de ato no desempenho funcional. O mesmo se diga quanto às ações penais em geral, em cujos processos a função de defensor somente pode ser exercida por advogado constituído por mandato, inexistindo previsão de os Procuradores de Estado, nessa qualidade e sem procuração, atuarem como representantes judiciais do acusado, ainda que agente político distrital.

Juiz nenhum seria obrigado a aceitar que a defesa de um acusado de processo penal, embora servidor público ou agente político distrital (incurso em crime contra a Administração Pública, por exemplo), fosse realizada por um Procurador do Distrito Federal, que, nessa condição, não está autorizado a representar o réu do processo-crime, por falta de fundamento legal. Seria mister introduzir, antes, regra expressa no Código de Processo Penal, mediante lei federal.

Por que o Procurador do Distrito Federal, na defesa da pessoa jurídica de direito público, no processo civil, não precisa apresentar procuração? Porque existe previsão expressa de lei avalizando a legitimidade da representação judicial das entidades federadas por seus Procuradores ( art. 12, 1, CPC). Por que os Defensores Públicos também não estão obrigados a colacionar procuração, nos autos do processo penal ou civil? Porque existente autorização legal para o desempenho da defesa dos acusados (Lei nº. 1.060/50; Lei Complementar nº. 80/94).

E a matéria de representação judicial, seja no processo civil ou penal, pertence aos domínios do direito processual (art. 22, I, Constituição de 1988), de modo que, para um Procurador do Distrito Federal, que não exerce funções de defensoria pública (a organização da Defensoria Pública do Distrito Federal é de competência da União - art. 134, parágrafo único, c/c art. 22, XVII, da Constituição Federal de 1988), poder representar um agente público ou autoridade como réu de um processo-crime, cumpriria fosse introduzido o permissivo por meio de lei federal, que acrescentasse dispositivo desse teor ao Código de Processo Penal.

Não obstante, ainda que se elaborasse lei federal sobre direito processual penal, mesmo assim permaneceria o problema da provável ofensa ao art. 132, da Constituição Federal, em vista da modificação da competência constitucional dos Procuradores do Distrito Federal no sentido de defender a pessoa política a que se vinculam, não pessoas físicas, ainda que agentes ou autoridades públicas.

Quiçá fosse possível veicular a inovação por meio de Emenda à Constituição Federal, ainda assim sujeita a controle de constitucionalidade sob a ótica da violação de princípios republicanos como da impessoalidade, da moralidade, da isonomia, da supremacia do interesse público, ante a concretização de tratamento privilegiado de certos agentes políticos, favorecidos pelo patrocínio privado por procuradores públicos, em detrimento de toda a população, que não goza de regalia dessa natureza, fora os enquadrados no critério de hipossuficiência para tutela de seus interesses processuais pela Defensoria Pública.


5. A Defesa de Agentes Públicos ou Autoridades no Processo Civil, nas Ações Populares e Ações Civis Públicas

Nem que se invocasse o princípio constitucional da ampla defesa para os acusados nos processos judiciais e administrativos (art. 5º, LV, Constituição de 1988), como pretenso fundamento de validade da defesa dos agentes públicos por Procuradores do Distrito Federal, ter-se-ia melhor sorte quanto à constitucionalidade da disposição legislativa distrital ora censurada. Ab initio, consigne-se que nem sequer por analogia ou interpretação extensiva o referido princípio poderia prestar-se como ernbasamento da imposição aos Procuradores de Estado da defesa dos servidores públicos ou autoridades administrativas. A amplitude de defesa concerne à observância do devido processo legal, dos recursos e dos meios necessários a possibilitar à parte expor suas alegações, produzir provas e contra-provas e sobre elas falar, o que em nada se relaciona com a alteração ora veiculada no art. 4º, XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395/2001, com a devida vênia.

Aduzir-se-ia que, em ações populares ou civis públicas propostas contra as pessoas jurídicas de direito público, eventualmente servidores públicos e administradores podem ser chamados a integrar o pólo passivo da demanda e que a condenação destes implicaria a eclosão da responsabilidade civil do Estado (art. 37, §6º., Constituição de 1988). Ora, nessas demandas, se a pessoa jurídica de direito público já é parte passiva e está devidamente representada por um Procurador do Estado, o interesse público já está resguardado e, se o ato administrativo impugnado for legítimo, estará sendo defendido, de forma a, reflexamente, ocorrer a defesa pelo Estado do ato praticado por seu servidor, limitada a representação judicial desempenhada pelo Procurador, contudo, aos termos do art. 12, I, do CPC, e não a do agente, tendo em vista que ou o agente é parte ilegítima para a causa ou, então, integra o feito por força de responsabilidade pessoal, como ocorre nas ações populares, em que, se um servidor público praticou um ato lesivo ao erário, o Estado não apenas será isentado de responsabilidade pelo ato do agente (não será caso de responsabilidade civil objetiva do Estado, mas de responsabilização pessoal do agente público), como ainda poderá a pessoa jurídica de direito público aderir ao pedido do autor popular e contra o funcionário responsabilizado, em defesa do interesse público (art. 60, § 3º, Lei Federal nº. 4.717/65).

Não se justifica, pois, o argumento da responsabilidade reflexa do Estado para justificar a representação judicial de pessoas físicas, agentes públicos, por Procuradores do Distrito Federal, pois que, se há interesse processual do ente político, este poderá ingressar na causa como terceiro interessado, isso se já não estiver presente no processo e devidamente representado por seu Procurador, como de regra ocorre, até mesmo porque, na prática, não se ajuízam ações primeiro contra o funcionário, para depois responsabilizar o Estado, mas, sim, ordinariamente, propõem-se as demandas contra o ente estatal, com pálio em sua responsabilidade civil objetiva (art. 37, § 6º, Constituição de 1988), de sorte que, do prisma do interesse público, o Distrito Federal sempre estará representado por seu Procurador.

De todo caso, para que se admitisse a representação judicial dos agentes públicos por Procuradores do Distrito Federal, nessa qualidade e sem procuração, no processo civil, hipótese considerada apenas para argumentar, lembre-se de que seria necessário o acréscimo de regra expressa ao Código de Processo Civil, por lei federal.

De outro ângulo, a problemática da representação da autoridade ou agente público por advogado deve ser contemplada do ponto de vista que a ocupação de cargo público, principalmente os de direção ou de natureza política, gera eventuais responsabilidades para o agente do Estado, que estava ciente dos riscos de exercer a função pública antes de tomar posse no cargo. Até mesmo um Procurador do Distrito Federal, como qualquer cidadão, se por algum motivo tiver questões junto ao Poder Judiciário, terá que contratar advogado para seu patrocínio, como, aliás, já sucedeu algumas vezes no âmbito da carreira dos advogados públicos distritais, cuja Associação e cujo Sindicato têm custeado o patrocínio judicial dos Procuradores do DF já demandados, conquanto injustamente por legítima atuação funcional, em ações penais, ações civis públicas, ações de improbidade administrativa.

Demais, não se olvide que os servidores públicos em geral sempre estão filiados a um sindicato de classe, provido de advogados à disposição da entidade sindical, o que não representa empecilho ao ingresso dos agentes públicos junto ao Poder Judiciário, como se tem percebido em causas de planos econômicos e causas administrativas, propostas aos milhares contra o Distrito Federal. Os mesmos advogados particulares dos sindicatos costumam representar os respectivos filiados, em causas cíveis ou criminais.

Se os servidores não são representados judicialmente por procuradores públicos, quanto mais não o deveriam sê-lo os os agentes políticos, hipersuficientes, do ponto de vista financeiro, os quais reúnem plenas condições de contratação de advogados particulares para representá-los em processos civis ou penais originários de atos praticados no exercício do cargo público eletivo ou de comissionado de natureza especial, a minguar qualquer justificativa da inconstitucional previsão do art. 4º, XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395/2001, o qual rompe, inclusive, com o princípio da isonomia, conferindo tratamento privilegiado a autoridades, no que concerne ao custeio pelos cofres distritais do patrocínio dos interesses pessoais processuais de elevados agentes públicos, os quais dispõem de amplos meios econômicos e políticos de recrutar os melhores causídicos para representá-los perante a Justiça, diferentemente de servidores de menor porte financeiro ou mesmo hipossuficientes sob esse prisma, os quais, se não se enquadrarem nos limites de admissão de pobreza para fins de assunção de sua representação judicial pela Defensoria Pública, terão que arcar pessoalmente com os honorários de seus advogados particulares ou recorrerão aos seus sindicatos profissionais para o respectivo custeio. Desnecessário sublinhar que preceito desse jaez é incompatível com o princípio constitucional da isonomia e da impessoalidade administrativa.

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Daí que a medida não se coaduna com os princípios constitucionais da moralidade da Administração Pública e da isonomia, a proclamarem a pecha de inconstitucionalidade do disposto no art. 4º, XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395/2001.

Não se pode, destarte, imputar aos Procuradores do Estado uma responsabilidade muito além da previsão estrita constitucional (art. 132, Constituição de 1988), data venia.

É necessário trazer a lume que os Procuradores do Distrito Federal são advogados de Estado, não advogados de Governo. Os misteres dos Procuradores Públicos são a defesa judicial da Fazenda Pública, não de particulares ou mesmo agentes públicos nos processos cíveis ou criminais em que sejam postos como réus em nome próprio, enquanto pessoas físicas.

Sobre a competência da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, calha transcrever as notas pontuadas em nosso livro Comentários à Lei de Organização da Procuradoria-Geral do Distrito Federal: Lei Complementar distrital n. 395, de 31 de julho de 2001 [11]:

CAPÍTULO II

DA COMPETÊNCIA

Art. 4° Compete à Procuradoria-Geral do Distrito Federal:

I - representar o Distrito Federal em juízo ou fora dele;

A representação judicial do Distrito Federal

Trata-se de competência constitucional outorgada aos Procuradores do DF pelo disposto no caput do art. 132, da Carta, compreensiva da representação em juízo com a prática de atos processuais quando o Distrito Federal for autor, réu, interessado ou interveniente em processos em curso perante o Poder Judiciário. Os Procuradores exercem o patrocínio judicial dos interesses do Distrito Federal em todos os graus de jurisdição, perante a 1ª e a 2ª Instâncias da Justiça Comum do Distrito Federal e Territórios e da Justiça Federal do Distrito Federal, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, Justiça do Trabalho em todos os níveis, inclusive perante o Tribunal Superior do Trabalho, em causas de direito do consumidor, ambiental, urbanístico, administrativo, civil, comercial, tributário, do trabalho. Também atuam em ações civis públicas, ação direta de inconstitucionalidade, ações possessórias, ações de rito ordinário e sumário, ações declaratórias, em processos de conhecimento, cautelar e de execução, além da defesa de recursos, mediante memoriais e sustentações orais, audiências e julgamentos, lavra de contestações, exceções, incidentes diversos, apelações, agravos de instrumento e regimentais, embargos de declaração, recursos especial e extraordinário, pedidos de reconsideração, além de outros tantos afazeres advocatícios.

O dispositivo também menciona a tutela dos interesses do DF também extrajudicialmente, incluindo-se a atuação perante órgãos administrativos e em face de particulares.


6. A Defesa de Agentes Públicos por Dois Procuradores do Distrito Federal e a Confusão ocasionada quanto à Defesa do Legítimo Interesse Público

Nem a presunção de inocência socorre o texto legislativo impugnado, a ponto de impor que o Procurador do Distrito Federal deva defender autoridade até o final de um processo-crime ou civil, para, somente então, declarada pelo Judiciário a culpa do agente político, ser movida uma ação indenizatória pelo Estado contra o transgressor pelos prejuízos causados. Afirmar-se-ia que não haveria pretensamente conflito de interesses, porque um Procurador efetuaria a defesa do particular, enquanto outro, no futuro, litigaria contra o ex-representado.

Veja-se, no plano hipotético, a temeridade da idéia: um administrador público resolve cometer peculato ou desvio de verbas públicas, apropriando-se de dinheiro público para a sua conta privada. Vindo à tona o caso, o Distrito Federal, lesado pela autoridade, deveria designar um Procurador do Estado para defender o agente corrupto num processo-crime relativo ao mesmo fato. Condenado de forma irrecorrível o agente público no processo penal, um segundo Procurador do Distrito Federal ajuizaria uma ação civil indenizatória de perdas e danos contra o agente público condenado. A Administração Pública, por absurdo, pagaria um Procurador para representar judicialmente uma autoridade que já lesara gravemente o erário.

Mais ainda, no nível da hipótese, o Procurador do Distrito Federal poderia incorrer em situação de patrocinar interesses particulares de uma autoridade que praticara lesão ao erário e que deveria zelar ela própria por sua situação processual, antagônica com a tutela do interesse público quanto à recomposição patrimonial do Estado, dando-se a figura, em última instância, do art. 30, I, da Lei federal n. 8.906/1994: o exercício de advocacia pelo procurador contra a Fazenda Pública que o remunera, o que é tolhido no direito positivo federal.

Isso sem falar nos casos de ações puramente políticas que são movidas anos depois do término do mandato dos governantes e das ações de responsabilidade contra autoridades administrativas pelos mesmos atos de administração, demandas em que ausente interesse público que justifique a intervenção do Procurador do Estado, que deve servir ao interesse público, e não ao eminentemente particular ou para apartar brigas político-partidárias, as quais devem ser da alçada do corpo jurídico da agremiação política envolvida.

Semelhantemente, vale assinalar o entendimento do Supremo Tribunal Federal que a prerrogativa de foro cessa com o término do exercício da função pública, como noticiado no Informativo Eletrônico de Jurisprudência do STF [12], o que afasta o tratamento privilegiado conferido pela norma inconstitucional a ex-ocupantes dos cargos políticos (Lei Complementar distrital n. 395/2001, art. 4º, XXIV), os quais devem ser patrocinados pelos advogados das agremiações político-partidárias a que vinculados ou pelos causídicos de sua confiança, não por procuradores públicos.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Da inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 4º da Lei Complementar distrital nº 395/2001.: Representação judicial de agentes políticos por procuradores do Distrito Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1977, 29 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12015. Acesso em: 23 dez. 2024.

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