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A substituição tributária progressiva e a instituição de pautas fiscais pelos Estados

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01/12/2008 às 00:00
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4. O retrato da substituição tributária progressiva na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

É sabido o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade da adoção de pautas fiscais pelos Estados-membros (Representação nº 1.231-0/SC). Da mesma forma o Superior Tribunal de Justiça se manifestou reiteradas vezes, no sentido da ilegalidade e da impossibilidade da instituição de pautas fiscais por atos do Poder Executivo das Administrações Fazendárias estaduais.

Com a inclusão do § 7º ao art. 150, da CR/88, por meio da EC nº 3/93 (e a criação da substituição tributária progressiva), a matéria voltou a ser questionada pelos nossos Tribunais Superiores.

Um novidade surgiu após o julgamento da ADIn nº 1.851-5/AL, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade do imposto ser exigido antes da ocorrência do fato gerador, com base em valor presumido, e a desnecessidade de devolução ou complementação dos valores pagos, a maior ou a menor, respectivamente.

A ADIN nº 1.851-4/AL foi ajuizada com o objetivo de saber se haveria possibilidade de restituição do ICMS recolhido por meio da substituição tributária progressiva, caso o fato gerador se realizasse em valor inferior àquele utilizado na base de cálculo presumida.

A resposta que se obteve do Supremo Tribunal Federal, como intérprete da Constituição, é que a base de cálculo estimada não é apenas uma presunção "juris tantum", como se considerava, mas uma verdadeira presunção absoluta. Não se poderia ilidir essa presunção, nem mesmo com todo tipo de prova. O valor pago pelo substituto é definitivo, e não pode sequer ser aproveitado como crédito.

A decisão foi surpreendentemente contrária aos anseios dos contribuintes.

Na lição de AROLDO GOMES DE MATTOS (2005) [24], encontra-se uma divisão da ementa do acórdão, de fácil análise para a compreensão da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal:

1º) quanto à constitucionalidade do Convênio ICMS nº 13/92:

"Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º)."

2º) quanto à restituição prevista na EC nº 3/93:

"A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade."

3º) quanto à definitividade do fato gerador presumido:

"A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação."

E continua:

No nosso despretensioso entendimento e também baseado nos doutos votos vencidos dos Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello e Marco Aurélio, a discordância de tal decisão é total. Em rápidas pinceladas, eis os motivos:

1º) o Convênio ICMS nº 13/92 é inconstitucional:

O direito à restituição de tributo pago a maior, seja qual for a hipótese, está consagrado historicamente no nosso Direito positivo, não podendo obstaculizá-lo mero ato administrativo emanado do pacto entre alguns Estados tributantes interessados no seu confisco.

2º) é devida a restituição do excesso cobrado a maior:

É incorreto interpretar de forma literal a EC nº 3/93, no sentido de que somente é restituível o ICMS no caso de não ser realizado o respectivo fato gerador futuro, mas também – e principalmente – quando ele é menor do que foi presumido, inviabilizando dessa forma o enriquecimento sem causa do Estado.

3º) fato gerador presumido é provisório:

Trata-se de uma verdadeira contradictio in terminis considerar "definitivo" o "provisório", como é o caso do fato gerador presumido no regime de substituição tributária "para frente". Inconcebível!

O entendimento majoritário da doutrina entende que a Corte do Supremo Tribunal Federal, ao mudar radicalmente a jurisprudência, subestimou os princípios constitucionais magnos que protegem o contribuinte, parte mais fraca da relação tributária, para relevar os princípios que protegem à fiscalização.

A decisão citada representou, à época, o "leading case" para a questão. Isto porque o reconhecimento pelo STF da constitucionalidade da regra inserta no § 7º, do art. 150, da CR/88, através de uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade equivaleria ao esgotamento das possibilidades de discussão acerca da matéria.

Entretanto, foram ajuizadas as ADIn’s nºs 2.777 e 2.675, encontrando-se em curso o julgamento. As referidas ações questionam a constitucionalidade de dispositivos de Leis estaduais de São Paulo e Pernambuco, que tratam da restituição do ICMS pago antecipadamente no instituto da substituição tributária.

O plenário do Supremo Tribunal Federal analisa o inciso II, do artigo 66-b, da Lei nº 6.374/89, de São Paulo, na redação dada pelo artigo 3º, da Lei nº 9.176/95, e o inciso II, do artigo 19, da Lei estadual nº 11.408/96, de Pernambuco.

As ADIn’s nºs 2.675 e 2.777 foram ajuizadas pelos governadores dos Estados de Pernambuco e São Paulo, respectivamente, contra os dispositivos de leis estaduais, que asseguram a restituição do ICMS pago antecipadamente.

Conforme as Leis estaduais, as empresas contribuintes do ICMS no regime da substituição tributária progressiva têm o direito de receber a diferença do valor pago a maior, na hipótese de se verificar que a obrigação tributária seja de valor inferior ao que foi presumido.

No entendimento dos Procuradores estaduais, a Constituição da República veda a forma de restituição tal como proposta nas referidas Leis estaduais, eis que no § 7º, do art. 150, há a previsão de que a devolução do montante pago antecipadamente será devida quando o fato gerador da obrigação não se realizar.

O Ministro NELSON JOBIM pronunciou seu voto, no sentido da inconstitucionalidade das leis estaduais, tendo sido acompanhado pelos Ministros EROS GRAU, GILMAR MENDES, SEPÚLVEDA PERTENCE E ELLEN GRACIE Já o Relator Ministro CEZAR PELUZO julga pela improcedência das ações, em razão da constitucionalidade das leis paulista e pernambucana, juntamente com os Ministros RICARDO LEWANDOWSKI (somente na ADIn nº 2.777/SP), JOAQUIM BARBOSA, MARCO AURÉLIO e CELSO DE MELLO. O Ministro RICARDO LEWANDOWSKI vota somente no julgamento da ADIn nº 2.777/SP, já que substitui o Ministro CARLOS VELLOSO que se posicionou na ADIn nº 2.675/PE, pela improcedência do pedido.

Aguarda-se o voto de desempate do Ministro CARLOS BRITTO, para então dar conhecimento à decisão definitiva. Vale ressaltar que os votos esposados pelos Ministros poderão ser modificados até a decisão-final das ações.

Em notícia veiculada no site do STF em 07.02.2007, "o Ministro CEZAR PELUSO, Relator da ADIn 2.777, ressaltou que o Estado tem o dever de restituir o montante pago a mais, por faltar-lhe competência para a retenção de tal diferença, sob pena de violação ao princípio que veda o confisco."

Seguem alguns trechos do voto do Ministro CEZAR PELUSO, que merecem destaque:

[...] O excesso de cobrança é visível, assim quando ocorrer o fato gerador presumido não ocorra em sua totalidade, como quando ocorra em valor inferior ao preestimado. O Estado não tem legitimidade para ser apropriar da quantia paga mas indevida, de modo que, se o fizer utilizará o tributo "com efeito de confisco" (art. 150, IV, da CF).

[...] A restituição parcial da diferença paga antecipadamente, a título de ICMS, em razão da substituição tributária, caso se comprove que, na operação final com mercadoria ou serviço, ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida, de modo algum pode, pois, substanciar benefício fiscal, pela só e boa razão de que não desonera nem reduz a carga tributária incidente sobre o contribuinte, nem tem o propósito de lhe estimular algum comportamento.

[...]

Ora, a cláusula de devolução é o precioso remédio legal para ajustar a tributação, operada por presunção, ao fato gerador ocorrido (fato definitivo), quando o valor deste seja inferior ao estimado. Logo, já deste ângulo, não desfigura, mas legitima o sistema, porquanto, se a irrepetibilidade do excesso fosse uma constante na técnica de tributação, o mecanismo estaria sendo usado em contraste com os princípios constitucionais, ao implicar apropriação indébita, ainda que até a data da devolução.

[...] Em síntese, o art. 66-B, inc. II da Lei estadual nº 6.374/89, ao assegurar a imediata e preferencial devolução do valor recolhido, "caso se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida", não configura benefício fiscal e, por conseguinte, é desnecessária sua previsão em convênio, conforme prescrito pelo art. 155, § 2º, XII, "g", da Constituição da República, razão por que não encontro incompatibilidade alguma entre ambas as normas.

A matéria, em definitivo, não está resolvida perante a Suprema Corte, pelo contrário, manifestações de Ministros do Supremo Tribunal Federal dão conta que a questão pode ser revista.

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Nesse sentido, em que pese não ser objeto do presente, o julgamento deverá ainda decidir a partir de quando o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal passa a vigorar, enfim, se cabe mitigar a retroatividade da novel decisão – se houver mudança de entendimento – a bem da boa-fé e estabilidade do sistema, uma vez que os Estados-membros seguiram fielmente os caminhos determinados pelo julgado anterior.

Assim, é necessária a criação de mecanismos que visem a possibilidade do Supremo Tribunal Federal alterar seu entendimento, modernizando o sistema com os novos fatores sociais ou corrigindo equívocos do passado, do contrário, o Sistema do Direito estará fadado ao imobilismo, isolando-se da sociedade e deixando de lado a ciência do dever-ser.

Destarte, o Supremo Tribunal Federal deve mudar seu posicionamento, pois a decisão que traz ao Direito Tributário a presunção absoluta e o privilégio da praticidade sob princípios caros como a capacidade contributiva, a isonomia e a legalidade. Com a mudança de posicionamento a Suprema Corte ainda deverá ponderar se seu novo entendimento deve ser aplicável aos casos em andamento ou somente às presunções e substituições com fatos geradores posteriores à referida decisão.


5. Conclusões.

Em face de todo o exposto, pode-se concluir:

1. A instituição do regime de substituição tributária progressiva é plenamente legítima, prevista na LC nº 87/96 e no Texto Constitucional, cabendo a utilização do instrumento como forma instrumental de facilitar e, por vezes, melhorar a eficiência da máquina administrativa.

2. Contudo, o instituto da substituição tributária "para frente" deve estar em conformidade com os princípios constitucionais, especialmente o princípio da capacidade contributiva, da legalidade e da isonomia. Não cabe ao Estado interferir no livre exercício da atividade econômica, assim, não ocorrido o fato gerador ou, se ocorrido, a operação se der a menor do que o valor presumido, o ressarcimento é corolário lógico do Estado de Direito. A base de cálculo é espelho do fato gerador que, por sua vez, está dentro da norma de competência constitucional. Ultrapassados os limites deste fato gerador ou tributado algo mais do que a própria operação, os Estados fogem da norma de competência.

3. Como se não bastasse e pelos argumentos anteriores, inconstitucional e ilegal a fixação de base de cálculo do ICMS por meio de pautas fiscais, uma vez que o Direito Tributário não permite as presunções absolutas ou ferimento ao próprio pacto federativo, conforme reiterada jurisprudência.

4. Ainda por determinação constitucional, fere a Carta Maior a livre fixação da base de cálculo por Estados.

5. O STF, no julgamento da ADIn nº 1.851-4/AL decidiu que, uma vez realizada a operação de substituição tributária "para frente", não é possível o ajuste do valor cobrado de ICMS, pelo confronto entre o valor presumido na base de cálculo e o valor efetivo da operação. A decisão privilegiou o princípio da praticidade em detrimento aos valores e princípios consagrados no Texto Constitucional de 1988, tais como a capacidade contributiva, legalidade, justiça tributária e igualdade.

6. O entendimento firmado pelo STF (ADIn nº 1.851-4/AL) aponta para uma provável mudança, em virtude do julgamento das ADIn’s nº 2.777/SP e 2.675/PE, que poderá decidir pela obrigação de devolução do valor pago a maior de ICMS, na hipótese de se verificar que a obrigação tributária seja de valor inferior ao que foi presumido.

7. Se decidida a questão pela alteração de entendimento, restará ao Supremo Tribunal Federal decidir se o caso é também de atribuir efeitos "ex nunc", mitigando a retroatividade da decisão, aliás, caso similar (crédito de IPI presumido) está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal na data de entrega do presente trabalho.

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Sobre a autora
Patrícia Dantas Gaia

Mestranda em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAIA, Patrícia Dantas. A substituição tributária progressiva e a instituição de pautas fiscais pelos Estados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1979, 1 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12035. Acesso em: 25 abr. 2024.

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