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Desrespeito judicialmente autorizado.

Decreto que regulamenta o SAC não deve ser cumprido por todos

05/12/2008 às 00:00
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Em 1º de agosto de 2008, foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto federal nº 6.523/08, destinado a regulamentar a Lei federal nº 8.078/90, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a fim de fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).

Tal norma legal trouxe diversos benefícios para os consumidores, revolucionando os popularmente chamados "call centers". Com o advento do Decreto mencionado, as empresas que mantém serviços de atendimento ao consumidor, necessitaram adaptar-se às diversas modificações implementadas.

Dentre alguns benefícios, pode-se listar: ligações para os serviços de atendimento ao consumidor passaram a ser, obrigatoriamente, gratuitas; a opção de sempre contatar o atendimento pessoal durante as ligações; a disposição ininterrupta do serviço de atendimento ao consumidor, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana; o acesso garantido ao serviço por pessoas com deficiência auditiva ou de fala; a exposição clara do número de telefone da empresa, inclusive em seu respectivo sítio eletrônico; vedação à veiculação de mensagens publicitárias; dentre outros.

De fato, a publicação do Decreto federal nº 6.523/08 foi um marco no Direito do Consumidor, pois possibilitará ao usuário do serviço um atendimento correto e de qualidade, sem vícios. Como a própria norma legal dispõe, o serviço de atendimento ao consumidor deverá obedecer aos princípios da dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade.

As empresas dispuseram de quatro meses para adaptarem suas estruturas às novas regras, vez que o Decreto federal entrou em vigor apenas em 1º de dezembro de 2008.

Contudo, diante de diversas reclamações por parte dos empresários, o Decreto federal não foi bem recebido, tendo em vista a alegação de ser impossível cumprir todos os requisitos nele dispostos.

Em 25 de novembro de 2008, a Continental Airlines, companhia aérea de origem norte-americana, com operação no Brasil, impetrou Mandado de Segurança, com pedido de liminar, junto à Justiça Federal de São Paulo, em face do Diretor Regional de São Paulo da Agência Nacional de Aviação Civil, que recebeu a numeração 2008.61.00.028857-3.

O objeto do Mandado Segurança é a garantia de que a empresa não será obrigada a cumprir os requisitos previstos no Decreto federal citado, tendo em vista sua operação no Brasil ser de pequeno porte e, portanto, recebe um baixo número de ligações de seus clientes. Destarte, alegou a Impetrante ser desnecessário manter uma central telefônica disponível durante vinte e quatro horas, bem como desenvolver um menu eletrônico, vez que o atendimento inicial é efetuado diretamente por um funcionário.

Em 2 de dezembro de 2008, o pedido de liminar foi apreciado pela magistrada da 26ª Vara Federal que deferiu a antecipação de tutela em parte. A magistrada ponderou que algumas regras insertas no Decreto federal nº 6.523/08 "desrespeitam o princípio da razoabilidade, ao menos no caso da Impetrante". Contudo, a insigne juíza argumentou que a companhia aérea Continental Airlines deveria manter a gravação das ligações, a fim de garantir ao consumidor a fiscalização das determinações do Decreto federal.

Há que se analisar a medida liminar concedida pela 26ª Vara Federal da Justiça Federal de São Paulo, tendo em vista ir de encontro aos princípios e direitos previstos no Direito do Consumidor.

Tendo a medida liminar sido concedida em caráter individual, apenas atingindo a Impetrante, é importante ressaltar que os termos de tal medida conferem à empresa Continental Airlines a capacidade de violar as regras contidas no Decreto Federal nº 6.523/08 de forma autorizada.

Considerando especificamente o caso da Impetrante, em que pese a alegação de que a companhia aérea, apesar de manter operações no Brasil, não possuir uma carteira de clientes suficiente que justifique disponibilizar um serviço de atendimento ao consumidor, nos termos do Decreto federal, não se sustenta.

É importante ressaltar que a companhia aérea Continental Airlines foi Ré em 47 processos judiciais, apenas no de 2008, em tramitação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e em 11 processos judiciais, no mesmo período, em tramitação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Portanto, nos dois Estados onde a Impetrante atua, foram ajuizados 58 procedimentos judiciais em face dela, o que demonstra violação aos direitos do consumidor.

O volume de passageiros, portanto, de consumidores do serviço prestado pela empresa, não é de pequeno porte. Considerado dois vôos diários, um que decola do Rio de Janeiro e outro que aterrissa na mesma cidade, e a aeronave utilizada, um Boeing 767-400, 178.850 passageiros utilizam os serviços da Continental Airlines em vôos, se lotados, da e para a cidade do Rio de Janeiro, por ano.

Com relação aos vôos a partir de São Paulo, o número é ainda maior, totalizando uma média de 336.530 passageiros anuais, se considerados os dois vôos diários que partem da cidade e os dois vôos diários que chegam à cidade.

Assim sendo, uma empresa que possui mais de 500.000 clientes anuais não pode oferecer um serviço de atendimento ao consumidor contrariando os termos do Decreto federal nº 6.523/08.

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Outrossim, não se vislumbra no sítio eletrônico da empresa o número telefônico de contato gratuito no Brasil, como dispõe o artigo 3º do Decreto mencionado, mas apenas um número telefônico dos Estados Unidos da América.

A magistrada federal não observou as ponderações realizadas, bem como, se o julgamento do mérito do Mandado de Segurança acompanhar a decisão da medida liminar, inaugurará um precedente perigoso, sobretudo na Justiça Federal de São Paulo, acerca do tema. O Decreto federal nº 6.523/08 é extensível a todas as empresas em operação no país que lidam o mercado consumidor, tendo em vista, inclusive, o princípio da isonomia entre as empresas. O novo serviço de atendimento ao consumidor deve ser ajustado por todos os prestadores de serviço.

A norma legal não é direcionada a empresas de grande ou de pequeno porte, mas sim a empresas que podem violar os direitos do pequeno consumidor, em geral pessoa física, e juridicamente hipossuficiente, que devem, portanto, oferecer respostas imediatas a fim de solucionar os problemas surgidos.

As empresas aéreas, sobretudo, lidam diretamente com o pequeno consumidor, que não possui meios de lutar contra suas discricionariedades. O que dirá se o seu direito de informação e, principalmente, de reclamação, através do serviço de atendimento ao consumidor, o único meio hábil de solução dos conflitos na seara administrativa, for-lhe tolhido?

O Decreto federal, após apenas dois dias em vigor, já sofreu retaliações por parte dos prestadores de serviço, instigados por aqueles que deveriam proteger o consumidor, apenas e tão somente aplicando a legislação em vigor. Há que se verificar se não haverá uma avalanche de procedimentos judiciais a fim de garantir permissões para descumprir a norma legal.

Todas as empresas em atividade no país dispuseram de quatro meses para se adequarem às novas regras. Suas omissões não podem ser toleradas e, mais ainda, estimuladas pelo Poder Judiciário.

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Sobre o autor
Bruno Barata Magalhães

Advogado, sócio do escritório Corrêa de Mello & Tolomei Advogados. Mestrando em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas. MBA em Formação Política e Processo Legislativo pelo Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios. Consultor Jurídico da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Presidente da Associação Brasileira de Jovens Advogados. Membro da International Bar Association, eleito representante brasileiro do Comitê de Jovens Advogados, para o biênio 2010/2011. Eleito "Jovem Advogado do Ano de 2009" pela International Bar Association. Professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas e da Escola Superior de Estudos e Pesquisas Tributárias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Bruno Barata. Desrespeito judicialmente autorizado.: Decreto que regulamenta o SAC não deve ser cumprido por todos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1983, 5 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12044. Acesso em: 4 nov. 2024.

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