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Breves comentários acerca do "efeito repique" nas gratificações funcionais

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Gratificações, nas precisas palavras de JUSTEN FILHO1, "são vantagens pecuniárias vinculadas às condições pessoais do ocupante do cargo ou às condições diferenciadas em que o sujeito desempenha a atividade." Cumpre ressaltar, entrementes, que apesar de ser considerada vantagem pecuniária, não se confunde com o vencimento básico do servidor. Ensina José Afonso da Silva2 que

"Os termos vencimento (no singular), vencimentos (no plural) e remuneração dos servidores não são sinônimos. Vencimento, no singular, é a retribuição devida ao funcionário pelo efetivo exercício do cargo (...). Vencimentos, no plural, consiste no vencimento acrescido das vantagens pecuniárias fixas (...). Remuneração, sempre significou, no serviço público, uma retribuição composta de uma parte fixa (...) e outra variável, em função daprod utividade (...) ou outra circunstância."

As gratificações, de acordo com a doutrina, são calculadas sobre o vencimento básico do servidor. Entretanto, para os servidores que recebem mais de uma gratificação, surge uma dúvida. As gratificações posteriores incidiriam sobre o vencimento básico ou sobre o vencimento acrescido de gratificações já devidas?

Pois bem. Admitindo-se a incidência de gratificação ulterior sobre a remuneração, teríamos uma ofensa patente ao artigo 37, XIV, da CF/88, que dispõe que "os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores". Assim decidiu o STF:

"Gratificação de tempo integral e dedicação exclusiva. Incorporação ao vencimento básico. (...) Manifesta contrariedade ao art. 37, inc. XIV, da Carta da República, que veda o cômputo dos acréscimos pecuniários ao padrão de vencimentos dos servidores, para fins de concessão de acréscimos posteriores." (RE 167.416, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 20-9-94, DJ de 2-6-95).

Comentando o artigo em referência, Alexandre de Moraes3 ensina que:

A Constituição veda o denominado efeito-repicão, isto é, que uma mesma vantagem seja repetidamente computada sobre as demais vantagens, ao prever no inciso XIV, do artigo 37 que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores. A proibição alcança, inclusive, os proventos da aposentadoria, como definiu o Superior Tribunal de Justiça ao decidir que "Constituição em vigor veda o repicão, isto é, que uma mesma vantagem seja repetidamente computada, alcançando a proibição os proventos da aposentadoria". O legislador reformador pretendeu, com a alteração proposta pela EC n.º 19/98, tornar mais clara a norma proibitiva de cumulação de acréscimos pecuniários, sem contudo alterá-la em sua essência".

No mesmo sentido entende o Professor Ivan Barbosa Rigolin4, ao esclarecer que:

"Atualmente, após a EC 19, nem mesmo é necessário que os acréscimos tenham nem o mesmo título nem o mesmo fundamento: qualquer acréscimo à base remuneratória do servidor (vencimento ou salário) não poderá ser considerado para a concessão de qualquer outro, mesmo que devido por motivo completamente diverso. (...) Isto significa simplesmente que todo e qualquer acréscimo remuneratório de servidor público – vantagens, acessórios, adicionais, gratificações – apenas poderá incidir sobre a base primária, originária, "seca", intocada, básica, própria de quem ingressa por concurso no patamar inicial de cada cargo, (...)".

Trata-se do efeito repique, ou efeito cascata. Em precisa análise acerca do tema, Marçal Justen Filho5 ensina que "as vantagens pecuniárias não incidem "em cascata" (cumulativamente, uma sobre outras). Ou seja, o valor do vencimento-base constitui o parâmetro para o cálculo das vantagens, sem que uma incida sobre a outra". Anteriormente à EC nº 19/98, havia a possibilidade de incidência de uma gratificação sobre outra, desde que não tivessem por base o mesmo título ou o mesmo fundamento. Após a Emenda, foi suprimida a referida ressalva, coibindo qualquer tipo de incidência em cascata de gratificações. Tal providência é extremamente salutar, haja vista que essa incidência pode gerar grandes prejuízos orçamentários à Administração. Esse foi o entendimento do STF, na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 3, ao afirmar que o efeito cascata inviabiliza o gerenciamento da folha de pagamento nos Estados e municípios. Não é por outro motivo que o TCU se referiu ao tema no Processo nº TC 020.266/1992-8 por "pernicioso efeito cascata". Continua ainda o Ministro do TCU,

"Assim, entendo pertinente esclarecer ao órgão, como proposto pela Sefip, que para evitar que se produza indevidamente o chamado "efeito cascata" nos vencimentos dos servidores os valores decorrentes de decisões judiciais, quando expressamente imunes de absorção pelos aumentos salariais subseqüentes, devem ser considerados, desde o momento inicial em que devidos, como vantagem pessoal nominalmente identificada (VPNI), sujeita exclusivamente aos reajustes gerais do funcionalismo, sendo vedado o seu pagamento, de modo continuado, sob a forma de percentual incidente sobre quaisquer das demais parcelas integrantes da remuneração dos beneficiários".

O TJ/MG, ao se manifestar sobre o tema, bem esclarece a questão:

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FISCAIS E AGENTES DE TRIBUTOS DO ESTADO. ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. QUINQUÊNIO. EC 19/98. MUDANÇA DA BASE DE CÁLCULO. GEPI. INCIDÊNCIA SOBRE O VENCIMENTO-BASE. ILEGALIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 37, XIV, DA CF/88. PRECEDENTES DESTE EG. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Consoante orientação jurisprudencial deste eg. Tribunal de Justiça, o art. 3º da Lei Estadual 46/00, que cuida da adoção da base de cálculo dos adicionas por tempo de serviço fere o inciso XIV do art. 37. da CF, pois está possibilitando o vedado efeito ""cascata"", já que uma vantagem pecuniária estaria sendo repetidamente computada sobre outra. 2. A Constituição Federal de 1988 proíbe a superposição de vantagens pecuniárias, o que significa que as gratificações ou adicionais percebidos pelo servidor não incidem na base de cálculo dos acréscimos posteriormente concedidos. 3. Nega-se provimento ao recurso.

(1.0024.05.628856-6/001. Relator: CÉLIO CÉSAR PADUANI. Data do Julgamento: 14/09/2006. Data da Publicação: 19/09/2006)".

Resolvida a questão acerca da impossibilidade de incidência em cascata de gratificações, como resolver a situação dos servidores que possuíam esse direito antes da EC nº 19/98? Existiria direito adquirido? Na hipótese de direito anterior à CF/88, não há que se falar em direito adquirido, haja vista ser o Poder Constituinte originário ilimitado e incondicionado. Nesse sentido entende o STF:

"PROCURADORES DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. ADICIONAIS. CÁLCULO SOB A FORMA DE "CASCATA". LEI POSTERIOR QUE ALTEROU A FORMA DE CONTAGEM. DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA. ALEGADA AFRONTA AOS ARTS. 17. DO ADCT E 37, XIV, DA CARTA FEDERAL. O acórdão recorrido, ao assegurar a membros da Procuradoria do Estado do Espírito Santo o direito de continuarem percebendo, por efeito de lei revogada, adicionais por tempo de serviço calculados sob a forma de "cascata", com fundamento em direito adquirido, eximindo-os da aplicação de lei nova que determinou passasse a aludida vantagem funcional a ser-lhes atribuída na forma prevista no Estatuto dos Funcionários Públicos, incorreu em flagrante afronta às regras dos arts. 17. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 37, XIV, do texto permanente da Carta Federal. Provimento do recurso".

(RE 143817).

Nessa linha de raciocínio, as normas advindas do Poder Constituinte derivado, que é limitado e condicionado, deveriam, portanto, respeitar o direito adquirido. Entretanto, divergiam as turmas do STF quanto aos efeitos de Emendas à Constituição no que se refere ao respeito ao direito adquirido. Entendia a Primeira Turma do Supremo que:

"SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACÓRDÃO QUE, AFASTANDO A ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA COISA JULGADA, NÃO LHES RECONHECEU O DIREITO DE RECEBER VENCIMENTOS COM A RECÍPROCA INFLUÊNCIA DE ADICIONAIS TEMPORAIS E SEXTA-PARTE. Acórdão recorrido que assentou que a coisa julgada não poderia ser invocada na espécie, e o fez com esteio tanto no fato de que os recorrentes haviam optado pela nova estrutura remuneratória estabelecida pela LCE 546/88, a qual, ao que tudo indica, à época lhes era mais favorável, quanto, também, porque, em face do advento da nova Constituição Federal a vantagem da recíproca incidência de adicionais não mais é permitida".

(RE nº 204830).

Baseava-se esse entendimento essencialmente no artigo 37, XIV, da CF/88 e no artigo 17 do ADCT, que dispõe que "os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título". Nesse sentido a seguinte decisão:

"Servidor público. Agente fiscal de rendas. Cômputo de vantagens funcionais. Lei Complementar 567/88 do Estado de São Paulo. Alegação de afronta à coisa julgada. - Como bem acentuou o acórdão recorrido, a sentença anterior transitada em julgado foi devidamente cumprida, e a força da coisa julgada persiste apenas para que o que foi dado com base nela não seja retirado, como afirma a recorrida (e não se demonstrou o contrário) que não o foi, mas não para impedir, sob o fundamento de retroatividade inexistente na espécie, que em enquadramentos decorrentes de legislação posterior sejam eles balizados por critério de cálculo diverso do determinado por decisão anterior e que é contrário à nova lei vigente, máxime quando estão em causa, também, vedações constitucionais (artigo 37, XIV, da Constituição Federal de 1988, e artigo 17 de seu ADCT). Recurso extraordinário não conhecido".

(RE nº 158.853).

Interessante notar que a despeito de estabelecer a inoponibilidade de direito adquirido quanto ao efeito repique das gratificações, permite que os efeitos da coisa julgada permaneçam no tocante aos rendimentos auferidos anteriormente à promulgação da Constituição Federal.

Por sua vez, a Segunda Turma do STF entendia que o saneamento das finanças públicas, principal razão para a vedação do efeito cascata, não poderia se realizar às custas do desrespeito a direito individual constitucionalmente garantido pela CF/88, sob o pálio do direito adquirido. Segue trecho do julgado da SSPR 1711 / CE:

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"os agravantes lograram, via incorporação e, portanto, estabilidade financeira remuneratória, a integração, aos vencimentos, de certas parcelas. Pois bem, conforme consta da peça inicial, acionou-se o disposto no artigo 37, incisos XIV e XV, da Carta da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98. Mais do que isso, empolgou-se o artigo 29 contido na citada emenda, segundo o qual "os subsídios, vencimentos, remuneração, proventos da aposentadoria e pensões e quaisquer outras espécies remuneratórias adequar-se-ão, a partir da promulgação desta Emenda, aos limites decorrentes da Constituição Federal, não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título". O preceito mencionado é próprio não ao poder constituinte derivado, mas ao originário. Em um Estado Democrático de Direito, é básico observar-se as situações devidamente constituídas, e, sob tal ângulo, isso não se verificou na espécie dos autos. Mesmo assim, veio o Estado do Ceará a lograr a suspensão de medida acauteladora implementada em mandado de segurança e, numa visão de todo improcedente, o sobrestamento da própria ação constitucional. Há de sanear-se finanças públicas, mas isso não pode ocorrer com menosprezo às situações constituídas, ou seja, alcançadas nos termos da legislação de regência então em vigor. O respeito a estas últimas não pode ser visto como algo atentatório à ordem pública, econômica e financeira".

Solucionando a divergência, o Pleno do STF, nos Embargos de Divergência no RE nº 146.331-7, acolheu a tese defendida pela Primeira Turma, que entendia pela inoponibilidade do direito adquirido com relação aos vencimentos, à remuneração, às vantagens e aos adicionais, assim como aos proventos de aposentadoria recebidos em desacordo com o disposto na CF/88. Nesse sentido:

"SERVIDOR PÚBLICO. Vencimentos. Vantagens pecuniárias. Adicionais por Tempo de Serviço e Sexta-Parte. Cálculo. Influência recíproca. Cumulação. Excesso. Inadmissibilidade. Redução por ato da administração. Coisa julgada material anterior ao início de vigência da atual Constituição da República. Direito adquirido. Não oponibilidade. Ação julgada improcedente. Embargos de divergência conhecidos e acolhidos para esse fim. Interpretação do art. 37, XIV, da CF, e do art. 17, caput, do ADCT. Voto vencido. Não pode ser oposta à administração pública, para efeito de impedir redução de excesso na percepção de adicionais e sexta-parte, calculados com influência recíproca, coisa julgada material formada antes do início de vigência da atual Constituição da República".

Portanto, após a promulgação da CF/88 qualquer acréscimo remuneratório do servidor público somente poderá incidir sobre o vencimento básico, inviabilizando assim a incidência em cascata de gratificações funcionais.


Referências

1 JUSTEN FILHO, Marçal, Curso de Direito Administrativo, Ed. Saraiva, São Paulo, 2005, p. 635.

2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16.ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 663-665.

3 MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional Administrativo, 19ª, Ed. Atlas, 2002,São Paulo, p. 193.

4 RIGOLIN, Ivan Barbosa. O servidor público nas reformas constitucionais. 2ª ed. amp. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 57.

5 op. cit 3, p. 635.

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Sobre o autor
André Pataro Myrrha de Paula e Silva

Analista Jurídico do Ministério Público de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, André Pataro Myrrha Paula. Breves comentários acerca do "efeito repique" nas gratificações funcionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1993, 15 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12077. Acesso em: 18 dez. 2024.

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