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Danos morais na Justiça do Trabalho:

novos contornos do contrato de trabalho e competência da Justiça do Trabalho

01/12/2000 às 00:00
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Sabidamente contrato de trabalho é de natureza bilateral, sendo entendido como uma obrigação de índole laboral, que numa visão simplista e consolidada, tem seus contornos ressaltados em dois polos. De um lado, a responsabilidade de o empregado contratado ceder sua força de trabalho nas condições ajustadas e do outro, ao empregador, de pagar-lhe salários.

O art. 442 da CLT define pois o contrato de trabalho como sendo: "o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego", ou "o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não-eventual em proveito de outra pessoa física ou jurídica (empregador) a quem fica juridicamente subordinado"

O local da prestação do labor não influencia na caracterização do reconhecimento do vínculo empregatício eis que inexiste distinção entre o trabalho prestado no estabelecimento do empregador e o realizado fora do estabelecimento, como por exemplo o executado no domicílio do empregado: "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego" (CLT, art. 6).

Assim, o contrato de trabalho é, pois, nitidamente marcado pela onerosidade, comutatividade das prestações (continuidade), donde se ressalta que o requisito essencial a ser observado é o da presença da contraprestação salarial em troca da prestação de um trabalho não eventual, sendo que para a caracterização do contrato de trabalho há então que se examinar a presença ou não dos seus requisitos constituidores, qual sejam, a pessoalidade, a não eventualidade, a onerosidade. O festejado DÉLIO MARANHÃO define o contrato de emprego (stricto sensu), como sendo o "negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinada" (Cf. Instituições de Direito do Trabalho, 11ª ed., Ed. LTr, São Paulo, 1991, vol. 1, pág. 231).

Diante da evolução de um mundo novo economicamente globalizado e com o conseqüente reconhecimento da despersonificação da figura do empregador, não se faz, mais, na atualidade, necessário e fundamental a exigência do exame da presença do requisito subordinação jurídica do empregado prevista na parte final do art. 442 da CLT. A realidade econômica para a qual foi formatada a redação da parte final do art. 442 da CLT sofreu alteração, não se tratando mais de uma economia setorizada, localizada, em grande parte até familiar, onde a presença do empregador era preponderante. Na consolidação de um mercado único então perseguido pelas Nações, com a quebra das respectivas fronteiras, atualmente grande parte dos empregados, mormente das grandes empresas, sequer conhecem a figura de seu empregador. Os objetivos então buscados é o do aumento da produção, da melhoria da qualidade, da redução dos custos, o da alta produtividade. O constituinte de 1.988, percebendo todas essas alterações mundiais e as novas exigências nacionais, dotou o País de um instrumento jurídico da mais relevante importância, a Carta Política da Nação (a constituição cidadã) - à qual todas as leis nacionais estão subordinadas – trazendo como fundamentos do Estado a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º,II, III e IV ) e objetivando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, concentra seus esforços no sentido da prevalência social contra o mero interesse particular de lucro do capital (art. 5º, inciso XXIII e 170, inciso III), garantindo-se com isso a busca do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e a marginalização, da redução paulatina das desigualdades sociais e regionais, visando à promoção do bem comum, sem preconceitos de origem, raça, idade ou quaisquer outras formas (art. 3º, I, II, III e IV ). Como decorrência da adoção desses novos objetivos sociais nacionais, o constituinte de 1.988 erigiu o contrato de trabalho, emprestando-lhe o status constitucional, elevando-o à categoria de direito fundamental, como se extrai do exame do artigo 7º (incisos IV, V, VI, VII, X).

Com os avanços da economia mundialmente globalizada e diante dos novos direitos sociais constitucionalmente assegurados, certo que o contrato de trabalho teve ampliado seus contornos, impondo-se aos empregadores novas responsabilidades, além das de pagar salário. É que a partir da CF/88, o legislador constituinte, a par dos direitos fundamentais e sociais aos trabalhadores assegurados no art. 5º e 7º, elegeu o meio ambiente (art. 225) à categoria de bem de uso comum do povo. A necessidade social da comunidade de ter a garantia de seus membros protegida dos infortúnios ocasionados pelos riscos ambientais, foi atendida, com a proteção do trabalhador contra o dano à saúde ou integridade física prevista pelo art. 7º, inciso XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança), ampliando-se a responsabilidade patronal a oferecer ao trabalhador um local de trabalho sadio, onde haja inclusive respeito à dignidade da pessoa humana, à sua personalidade à própria honra. Desrespeitando o empregador suas novas responsabilidades sociais decorrentes do contrato de trabalho responderá por seu ato, mesmo omissivo, pelos danos ocasionados ao empregado, quer o decorrente de lesão à honra, dano moral (art. 5º, inciso X da CF), como o decorrente de dolo ou culpa do empregador no infortúnio acidentário, art. 7º, inciso XXVIII (seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa). Assim, não incorrendo em culpa e ou dolo, a responsabilidade pela indenização resultante do infortúnio é da previdência (responsabilidade objetiva), mas em se tratando de haver incorrido o empregador em culpa e ou dolo, sem prejuízo do direito da indenização a cargo da previdência, tem o trabalhador direito à indenização a cargo de seu empregador, além da garantia estabilitária acidentária prevista no art. 118 Lei 8.213/91, de um ano, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Como decorrência do que dispõe o art. 114 da CF de que é competente a Justiça do Trabalho para conciliar e julgar os conflitos de trabalho entre empregado e empregador, bem as controvérsias decorrentes da relação de trabalho, não resta dúvida de que cabe à Justiça do Trabalho conciliar e julgar todas as questões resultantes do conflito entre o capital e o trabalho, mesmo os decorrentes do dano moral como também do acidentário. Neste sentido a jurisprudência predominante, inclusive do próprio STF:

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"COMPETÊNCIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONDIÇÕES DE TRABALHO. Tendo a ação civil pública como causas de pedir disposições trabalhistas e pedidos voltados à preservação do meio ambiente do trabalho, e portanto, aos interesses dos empregados, a competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho" (STF, Rel. Min. Marco Aurélio, RE 206220/MG, decisão publicada no DJ da União em data de 17/09/99 e tendo transitado em julgado a decisão, os autos foram baixados à 4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora/MG pela Guia 5388).

Na mesma linha de raciocínio adotado pelo STF, a Justiça Obreira reiteradamente tem decidido que a competência para apreciar e julgar ações acidentárias e ou de dano moral decorrentes de relação de trabalho é da Justiça do Trabalho, como se vê, por exemplo, de um de seus julgados recentes julgados:

"DANO MORAL E MATERIAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – Com o advento da atual Carta Magna, a matéria referente ao dano moral e material, está respaldada pelas disposições contidas no artigo 5º, V e X, em particular na Justiça do Trabalho. A argumentação mais freqüente encontrada na doutrina e na jurisprudência pátria é de que, em se tratando de ofensa à moral do empregado ou do empregador, desde que oriunda do contrato de trabalho, é competente esta Justiça Especializada para dirimir tal conflito (inteligência do art. 114/CF), TRT 23ª R. – RO 2911/98 – (Ac. TP. nº 1600/99) – Rel. Juiz Antônio Melnec (decisão publicada no DJMT em 15.07.1999 – pág. 29).


EM CONCLUSÃO. O contrato de trabalho adquiriu status constitucional a partir da Constituição de 1988. As novas conquistas resultantes dos direitos fundamentais e sociais previstos nos artigo 5º e 7º da CF impõe aos empregadores novas responsabilidades, além das de pagar salário, cabendo-lhes oferecer ao trabalhador um local de trabalho sadio, seguro, onde haja inclusive respeito à sua dignidade, à sua personalidade, à própria honra, onde possa trabalhar e ao ser demitido esteja em perfeito estado de saúde física e mental para o seu possível e viável retorno ao mercado de trabalho, sob pena de responder pelas indenizações previstas, decorrentes ou não de infortúnios acidentários ou mesmo de dano moral e perante a Justiça do Trabalho.

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Sobre o autor
Luiz Salvador

advogado trabalhista no Paraná, diretor para assuntos legislativos da ABRAT, integrante do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), colaborador de revistas especializadas em Direito do Trabalho (LTr, Síntese, Gênesis)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALVADOR, Luiz. Danos morais na Justiça do Trabalho:: novos contornos do contrato de trabalho e competência da Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1209. Acesso em: 26 abr. 2024.

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