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Prevenção da corrupção.

Tornar mais eficiente a prevenção da corrupção através da facilitação da denúncia e do cumprimento dos prazos processuais

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19/12/2008 às 00:00
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4. O TAMANHO DO PROBLEMA

A corrupção não é algo que ocorra exclusivamente no Brasil. É fato que a corrupção é um problema mundial. Isto é algo que, a contragosto, é reconhecido como sendo ponto pacífico; mas apenas no que se refere à confirmação da lamentável constatação de que a corrupção existe, pois muitos países têm envidado esforços colossais para minimizar os reflexos trazidos pela ação da corrupção e, ainda, neutralizar a sua ocorrência em alguns setores.

Conforme estudos específicos realizados pela organização não governamental (ONG) Transparência Brasil, chega a ser de 50% o volume de empresas consultadas pela pesquisa e que já foram vítimas de achaques dos agentes corruptos [32].

Essas extorsões, além de criminosas, repercutem em números ainda mais assombrosos, quando se descobre que em determinados setores mais afetados as propinas chegam a consumir até 10% da receita anual dessas empresas [33].

Além de absurdo, esse apetite voraz dos agentes corruptos vem comprometer o grau de confiança dos investidores naquele setor, naquele município, estado ou país.

Ainda com referência a essa matéria O CUSTO DA CORRUPÇÃO, publicada pela REVISTA EXAME, extrai-se a tabela abaixo, a qual consegue sintetizar o resultado do trabalho elaborado pelo Economista MARCOS FERNANDES, a pedido da mesma revista, onde está estampado o impacto da corrupção no crescimento do Brasil [34]:

O tamanho do problema

Pesquisas mostram como a corrupção atrapalha o ambiente de negócios do país

2 pontos percentuais é o que o PIB deixa de crescer por ano devido à corrupção

380 bilhões de reais é quanto a corrupção custou ao país no ano passado

21% das empresas aceitam o pagamento de subornos para conseguir favores

25% das companhias têm despesas de até 10% de suas receitas com subornos

50% dos empresários pesquisados já foram achacados por fiscais tributários

70% das empresas gastam até 3% do faturamento anual com propinas

87% relatam que a cobrança de propina ocorre com alta freqüência

96% dizem que a corrupção é um obstáculo importante para o desenvolvimento

Fontes: Marcos Fernandes/FGV e Transparência Brasil

Em 2005, este era o tamanho do problema; hoje, que ninguém duvide que seja bem maior, ainda que existam todos os órgãos e dispositivos de prevenção, controle e combate à corrupção. Isso porque os reflexos da corrupção, espelhados na tabela acima, são potencializados pela sua repercussão [35]:

Trata-se de um resultado assustador, que se explica facilmente. O desrespeito às leis, a falta de transparência nos contratos, um sistema judiciário pouco confiável e a burocracia enlouquecedora reduzem as chances de retorno dos investimentos ou simplesmente afugentam o capital. Com menos investimentos, há menos crescimento.

É preciso entender que a corrupção não é apenas um crime, uma falha de caráter, um desvio na conduta ética do indivíduo corrupto ou um leve abalo na integridade da Administração Pública. Em verdade, a corrupção é um grave entrave para o crescimento de qualquer país.

Afinal, observando um dos itens da tabela acima, quando este ratifica que "96% [das empresas] dizem que a corrupção é um obstáculo importante para o desenvolvimento", fica fácil concordar que a simples notícia da existência de ambiente corrupto é capaz de ameaçar a confiança do mercado, o que irá sustar os projetos e intenções de investir naquele país. E, convenhamos, no caso específico do Brasil, a suspensão de investimentos vem a ser algo gravíssimo, considerando que somos um país em desenvolvimento.


5. PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO

Dada a sua indiscutível relevância, até não haveria motivos para se discutir acerca da importância e, menos ainda, quanto à necessidade de existirem os meios de controle e combate à corrupção. Contudo, tão ou até mesmo mais importante que controlar e combater a corrupção serão as ações envidadas no sentido de preveni-la. Prevenir o ato corrupto ainda não intentado seria fazer desnecessária – ou ao menos diminuir consideravelmente – toda essa gigantesca estrutura atualmente necessária para seu combate; mas nunca serão dispensáveis os meios para seu controle.

Dito isto, passa-se a tratar da estrutura da Administração Pública para executar o controle interno, como também serão apresentadas algumas principais ações para prevenir a corrupção, todas possíveis de serem adotadas – tanto, que já são –, quer no âmbito da Administração Pública, como por parte dos servidores e, ainda, pelo setor privado e pelo próprio cidadão.

5.1. CONTROLE INTERNO

A necessidade do controle interno tem previsão constitucional, inclusive quanto a sua finalidade, quando resta devidamente previsto no art. 74 da Constituição Federal, expressamente, que [36]:

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

§ 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

Objetivando melhor entender o que, efetivamente, vem a ser o controle interno e apresentá-lo ao presente estudo – não apenas quanto a sua estrutura, mas também no que se refere às ações para a prevenção da corrupção – é necessário que se busque conceituá-lo, colhendo-se o conceito adotado por HELY LOPES MEIRELLES: "Controle, em tema de administração pública, é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro" [37].

Como apropriadamente destacou o autor, em sua obra, o controle para o qual apresentou o conceito acima possui diversos tipos e formas e, dentre tantos, há o controle interno que, no caso em específico, é o que vem interessar ao trabalho que ora se desenvolve. Senão, vejamos [38]:

Controle interno - É todo aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da própria Administração. Assim, qualquer controle efetivado pelo Executivo sobre seus serviços ou agentes é considerado interno, como interno será também o controle do Legislativo ou do Judiciário, por seus órgãos de administração, sobre seu pessoal e os atos administrativos que pratique.

Enfim, a responsabilidade pela realização do controle interno cabe a todos e cada um dos órgãos de todos os Poderes.

5.1.1. A estrutura do controle interno

Conforme previsto na própria Constituição Federal e já dito acima, a realização do controle interno será de responsabilidade de todos os órgãos: da administração direta, indireta, fundacional ou autárquica; de cada uma das esferas: federal, estadual ou municipal; em cada um dos poderes: Executivo, Legislativo ou Judiciário; de ofício ou mediante denúncia, de forma a cumprir ao quanto determinado pela Lei para que seja realizado o controle interno sobre o seu pessoal e, também, sobre os atos administrativos originados daquele órgão.

Considerando que vários são os órgãos, a estrutura do controle interno poderá variar; mas, sem exceções, sempre haverá uma estrutura à qual será conferida a responsabilidade do controle interno daquele órgão. E essa estrutura também sempre será devidamente organizada por normas que cuidarão de disciplinar a estrutura do controle interno, órgão a órgão.

Por exemplo, apenas para que esse estudo não se estenda demasiadamente no detalhamento da estrutura necessária para o controle interno dos mais diversos órgãos, toma-se como parâmetro ilustrativo a estrutura existente para realização do controle interno do Poder Executivo Federal, a qual é devidamente regulamentada pelo Decreto nº 3.591/00, detalhada no seu art. 8º, in verbis [39]:

Art.8º Integram o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal:

I-a Controladoria-Geral da União, como Órgão Central, incumbido da orientação normativa e da supervisão técnica dos órgãos que compõem o Sistema; (Redação dada pelo Decreto nº 4.304, de 16.7.2002)

II-as Secretarias de Controle Interno (CISET) da Casa Civil, da Advocacia-Geral da União, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Defesa, como órgãos setoriais;

III-as unidades de controle interno dos comandos militares, como unidades setoriais da Secretaria de Controle Interno do Ministério da Defesa;

IV–(Revogado pelo Decreto nº 4.304, de 16.7.2002)

§1º A Secretaria Federal de Controle Interno desempenhará as funções operacionais de competência do Órgão Central do Sistema, na forma definida no regimento interno, além das atividades de controle interno de todos os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, excetuados aqueles jurisdicionados aos órgãos setoriais constantes do inciso II. (Redação dada pelo Decreto nº 4.304, de 16.7.2002)

§2º As unidades regionais de controle interno exercerão as competências da Controladoria-Geral da União que lhes forem delegadas ou estabelecidas no regimento interno, nas respectivas unidades da federação, além daquelas previstas no § 1o do art. 11 deste Decreto. (Redação dada pelo Decreto nº 4.304, de 16.7.2002)

§3º A Secretaria de Controle Interno da Casa Civil tem como área de atuação todos os órgãos integrantes da Presidência da República e da Vice-Presidência da República, além de outros determinados em legislação específica.

§4º A Secretaria de Controle Interno da Casa Civil é responsável pelas atividades de controle interno da Advocacia-Geral da União, até a criação do seu órgão próprio.

A propósito de fazer-se referência à estrutura do controle interno do Poder Executivo Federal, a título exemplificativo, vale lembrar que a história do controle interno na Administração Pública Federal tem início em 1964, com a Lei nº 4.320 [40], responsável pela introdução das expressões "controle interno" e "controle externo", além de definir acerca das competências para o exercício daquelas atividades então a serem implementadas.

Decerto que cada órgão dispõe de sua própria estrutura de controle interno que não terá, necessariamente, qualquer obrigatória e/ou rigorosa vinculação à totalidade da estrutura existente em quaisquer outros órgãos. O único fato inalterável e inafastável é que exista uma estrutura de controle interno. Quanto a qual e como será esta, isto dependerá das necessidades de adequação de cada órgão, desde que estando o órgão atento ao previsto na Constituição Federal; ou seja, na forma do art. 74 da Lei Maior, que esse controle seja feito de forma integrada.

5.1.2. Ações para prevenir a corrupção

Seria algo próximo do utópico acreditar que existiria uma fórmula específica, capaz de relacionar todas as ações capazes de prevenir a corrupção. E, se ainda entendendo que essa utopia fosse acanhada, alguém imaginasse possível que esse rol de ações fosse, uma a uma, possível de serem adotadas e delas colher resultados, tanto no âmbito da Administração Pública, como por parte dos servidores e, ainda, no setor privado e pelo próprio cidadão, então haveria de ser possível sentir com mais propriedade a sensação de ver-se em um mundo imaginário.

No entanto, apenas acaso existisse ao menos a idéia de se esboçar o pensamento em um cenário onde essas ações, além de existentes e possíveis de serem adotadas fossem, também, infalíveis, então poderia se ter a certeza de que se estaria diante da fantasia de uma situação absolutamente impossível.

Não que o desejo de viver em um mundo perfeito – ou, ao menos, bastaria que estivesse livre da corrupção – fosse algo que não devesse permear o sonho de todos e cada um dos cidadãos honestos que ainda remanesçam neste nosso planeta. Mas, por certo que mesmo os mais otimistas têm consciência que o estágio alcançado pela corrupção mundial é de tal monta, de tamanha vastidão, que se tem uma dolorosa dificuldade para aceitar que está a ver-se cada vez mais próximo o ponto sem retorno [41]. Apenas ainda não se tem meios para saber a que distância se está dele; o que ora é um alívio e, outras vezes, motivo de aflição. A propósito, essa aflição poderia significar a premente necessidade de que se tenha a real consciência da realidade.

Apenas para que exista a facilitação da compreensão da base sob a qual se constrói esse raciocínio, convém lembrar que o ritmo com que são implementadas as ações para prevenir, controlar e combater os crimes de corrupção é apropriadamente sintetizada nesta frase de um estudioso de crimes organizados transnacionais, JEFFREY ROBINSON [42]:

Enquanto vivermos num mundo onde a filosofia de soberania do século XVII é reforçada por um modelo judiciário do século XVIII, defendido por um conceito de combate ao crime do século XIX que ainda está tentando chegar a um acordo com a tecnologia do século XX, o século XXI pertencerá aos criminosos transnacionais.

Interpretando-se a idéia lançada no perspicaz pensamento de JEFFREY ROBINSON, conclui-se pela evidente falta de uma sincronia entre as velocidades das evoluções do ilícito e do lícito; da ação e da reação.

Ainda assim, a despeito dessa patente ausência de sincronia entre as evoluções das fórmulas e métodos de corrupção – e, também e principalmente, do sempre crescente contingente de agentes arrebanhados para executá-los, seduzidos pelos seus resultados – e das ações para a sua prevenção e controle, não se pode abrir maior vantagem à já existente, simplesmente desanimando e desistindo de persistir na investigação e desenvolvimento de novas formas de prevenir, controlar e combater a corrupção.

E, sem se afastar deste pensamento como referência, apontam-se algumas ações preventivas possíveis de serem implementadas e, ainda melhor, de trazerem resultados positivos, tanto que em Minas Gerais já estão sendo reunidos esforços para colocá-las em prática [43].

Perante as Administrações Públicas, essas ações objetivariam [44]:

-Desburocratizar métodos de gestão ultrapassados.

-Melhorar o controle interno.

-Promover regularmente auditorias nos órgãos públicos.

-Promover entre os servidores a cultura de responsabilidade e observação das normas legais.

-Assegurar que os servidores estejam conscientes de seus deveres e proibições.

-Promover cultura de legalidade, clareza e transparência nos procedimentos, a exemplo do modo de admissão de servidores e licitação em obras e serviços.

-Buscar a transparência da gestão.

-Propiciar acesso público e tempestivo a informações.

No que se refere aos servidores, poderiam as ações estar direcionadas a estimulá-los a atingir os seguintes objetivos [45]:

-Agir com isenção e em conformidade com a lei.

-Agir de modo a reforçar a confiança dos cidadãos no que diz respeito a integridade, transparência, ética, imparcialidade e efetividade do poder público.

E, finalmente, ao setor privado e aos cidadãos, caberiam ações estratégicas ao sucesso de todas as ações direcionadas à Administração Pública e aos servidores [46]:

-Denunciar e não colaborar com a corrupção.

-Fomentar o controle social.

-Acompanhar a aplicação de recursos públicos.

Seguindo essa linha de busca de meios de prevenir a corrupção, não se pode deixar de reconhecer que a Administração Pública tem procurado encontrar soluções para prevenir a corrupção, através de maior fechamento em brechas identificadas em determinadas áreas. Exemplo disso vem já há alguns anos [47] sendo adotado no Brasil, na forma de uma das muitas providências para minimizar a ação dos agentes corruptos.

Decerto que se refere a medida de caráter eminentemente preventivo e está relacionada à utilização de meios eletrônicos aplicados às licitações públicas, especificamente nas compras de insumos e contratações de serviços, pelos governos, baseando-se nas experiências bem sucedidas de grandes empresas, a exemplo do Banco da Irlanda, 3M, Microsoft e IBM que, apenas com a redução no manuseio de pedidos de compra, conseguiram uma economia nos custos administrativos da ordem de 30%, 70%, 90% e até mesmo 97%, respectivamente [48].

Esta medida que está aqui a se referir é o pregão eletrônico que [49]:

(...) anulou esse risco não apenas em virtude da eventual distância geográfica entre os licitantes, mas especialmente porque, durante a sessão de ofertas de preço, os licitantes não sabem com quem estão competindo, mas tão-somente o preço mais baixo que já foi oferecido para cada um dos itens em disputa. Isso tornar-se-á mais claro quando esmiuçarmos o procedimento mais adiante.

A propósito do pregão eletrônico, HELY LOPES MEIRELLES esclarece que [50]:

Pregão eletrônico é aquele efetuado por meio de utilização de recursos de tecnologia da informação, ou seja, por meio de comunicação pela internet. Está previsto no § 1º do art. 2º da Lei 10.520/2002. No âmbito da União, seu regulamento foi aprovado pelo Dec. 5.450, de 31.5.2005, que revogou expressamente o Dec. 3.697, de 21.12.2000. Seu art. 4º dispõe que o pregão é a modalidade obrigatória para a aquisição de bens e serviços comuns, sendo preferencial a forma eletrônica.

A exemplo do pregão eletrônico, todas essas outras ações preventivas contra a corrupção necessitam ser adotadas, não apenas junto às Administrações Públicas, mas principalmente pelos próprios servidores e, principalmente, pelo setor privado e, ainda, pelo próprio cidadão.

Como visto, é fato que existe o ambiente corrupto e que este não está adstrito ao Brasil; como também se tem ciência de que vêm sendo envidados esforços para prevenir, controlar e combater a corrupção.

5.2. GERENCIAMENTO DE RISCOS

A existência da corrupção – ou mesmo a ameaça de que exista – repercute em riscos para a Administração Pública. E, existindo riscos, estes serão gerenciados [51], pois que o gerenciamento de riscos vem a ser um "conjunto de ações voltadas ao controle das situações de riscos, estruturas nas fases de análise do risco, identificação de planos para seu controle e gestão, e monitoramento dos resultados alcançados" [52].

Mas, para viabilizar esse gerenciamento de riscos, faz-se necessário que exista [53] a seleção dos processos de trabalho para os quais serão mapeados os riscos de corrupção [54].

Somente então é que, "a partir da aprovação do mapeamento de riscos, os responsáveis pela análise dos processos deverão identificar medidas para reduzir os riscos levantados, elaborando um plano de trabalho para seu gerenciamento" [55].

Desta forma, idealizam-se as ações de controle dos riscos através da implementação dos processos gerenciais e administrativos que dão apoio a essas atividades [56] e do conseqüente mapeamento dos riscos de corrupção [57].

Contudo, ainda que existam estudos apresentando todo um contexto metodológico para o mapeamento dos riscos de corrupção [58], faz-se necessário que os mesmos sejam maciçamente utilizados pelos órgãos encarregados dos controles internos, a fim de prevenir a corrupção através do seu efetivo controle.

Uma das formas de prevenir é conhecer contra o que se deve buscar meios de prevenir: no caso, a corrupção. Mas, se por um lado já se sabe o que vem a ser a corrupção, também é certo que já se tem a perfeita noção dos fatores que a favorecem. É o que se segue.

5.2.1. Fatores que favorecem a corrupção

Vários são os fatores que tornam fértil o ambiente no qual irá proliferar o vírus da corrupção. E esse ambiente tanto pode ser tão amplo e querer se referir à sociedade, como um todo; como pode ainda ser mais restrito e limitar-se à Administração Pública.

De forma objetiva, pode-se apontar como os fatores mais marcantes a favorecerem a corrupção, frente à sociedade [59]:

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-Desigualdades sociais;

-Dificuldade de acesso aos serviços públicos;

-Disparidades regionais;

-Injustiças sociais; e

-Insegurança.

A desigualdade social por si só reúne toda uma gama de traumas, de mazelas sociais capazes até de se insinuarem com força de motivo de favorecimento à corrupção – portanto, mais que um simples fator. Mas ainda que se insinuem, não conseguem ser projetados ao status de conseguir justificar algo como um ato corrupto.

Lamentavelmente, é sabido que as desigualdades sociais existem e não apenas no nosso país. É de se reconhecer que, tal e qual a corrupção, elas vêm a ser um mal que tem vitimado todos os países; uns um pouco mais, outros um pouco menos.

Mesmo assim, por maiores que sejam essas desigualdades, os níveis de corrupção não necessariamente haveriam de ser proporcionalmente tão alarmantes nesse como naquele país, ainda mais quando se sabe que existem outros fatores que favorecem a corrupção.

A dificuldade de acesso aos serviços públicos é outro fator que contribui fortemente para o favorecimento da corrupção, considerando que os empecilhos precisarão ser removidos.

A questão está em como transpor ou remover esses obstáculos, os quais em regra não são naturais; são criados intencionalmente para oportunizar a existência da solução "milagrosa" e rápida que será diligenciada pelo mesmo agente que a produziu ou que servirá de intermediário para outro indivíduo que será o implementador da fórmula solucionadora, apta a obter o que o cidadão poderia alcançar sozinho, se não lhe fosse artificialmente dificultado o acesso.

O detalhe dessa solução facilitadora proposta pelo agente corrupto estará no fato de que esse tipo de ajuda não é oferecida sem ônus para o cidadão que se dispõe a fazer uso desse tipo de atalho para acessar os serviços públicos. E esse custo não estará adstrito ao desembolsado pelo cidadão ao agente corrupto, pois os reflexos da corrupção, como visto acima, repercutem bem mais adiante e seriamente que o simples ato de pagar pelo ilícito.

Quanto às disparidades regionais, essas ora podem se apresentar como um dos fatores de favorecimento aos atos corruptos; e, por outro prisma, como conseqüência da corrupção. Explica-se.

Por certo que as disparidades regionais favorecem a corrupção. Afinal, tal e qual se dá quanto às desigualdades sociais e à dificuldade de acesso aos serviços públicos, alguns indivíduos e empresas que se sentem prejudicados conseguem sempre idealizar meios de procurar se igualar às vantagens e condições obtidas pelas outras regiões que entendem terem sido mais beneficiadas.

É isso o que se vê, por exemplo, no "toma-lá-dá-cá" da política, quando os políticos prometem qualquer coisa para ter o que querem; quando os empresários oferecem uma contrapartida para conseguir algum retorno. São os "mensalões" da política, quando parlamentares recebem ilegalmente propinas para votar de acordo com a conveniência e interesses de quem lhes encomendou o voto. É a dependência da nomeação de um determinado nome para ocupar esse ou aquele cargo público, em troca da liberação de uma obra de fachada ou de verba encomendada no orçamento, para aquela cidade. É o condicionamento da adjudicação de um contrato bilionário para uma empreiteira específica, em contrapartida para a aprovação da campanha milionária de marketing de determinada agência publicitária.

Quanto mais medidas nada ortodoxas como as acima ilustradas forem tomadas, maiores e sempre cada vez mais gritantes serão as disparidades regionais.

Em princípio, há que se levar em consideração o ônus imposto ao país, como conseqüência dos vultosos recursos desembolsados para fazer frente a todas essas despesas será refletido no alargamento do abismo das disparidades entre as regiões que mais se valem desses artifícios, distanciadas que cada vez mais estarão das que fazem menos uso dos mesmos. E, ainda, é de se considerar que essas despesas são em regra superfaturadas, em geral desnecessárias e, muitas vezes, representadas por compras ou serviços até mesmo simplesmente inexistentes.

Ou seja, quanto mais aumentar as disparidades entre as regiões, mais favorecerá a corrupção; e, uma vez aumentada a corrupção, como reflexo, irá se verificar o aumento das disparidades sociais, o que, a reboque, trará injustiças sociais e, ainda, insegurança social e jurídica. Instala-se um ciclo vicioso.

É injustiça social tudo aquilo que deveria ter sido, mas não foi providenciado em favor da sociedade. Por exemplo, é injusto para com a sociedade impedir que lhe chegue verbas liberadas e repassadas, em seu favor, mas que foram desviadas para benefícios particulares. Também é injusto deixar de suprir com os recursos necessários e previstos para a saúde pública, a educação, a agricultura, o incentivo às pequenas e micro empresas; a modernização, desburocratização, treinamento e aparelhamento do setor público; a melhoria do sistema de transportes rodoviário, marítimo, ferroviário e fluvial; a moralização da segurança pública. E decerto que é injusto saber da existência de tantas pessoas morrendo de fome ou por falta de um melhor saneamento básico e infra-estrutura nas cidades, enquanto recursos destinados exatamente para estas providências são liberados e desviados.

Essa injustiça social que se vê gera a insegurança dos indivíduos nas outras pessoas e nas instituições; é a insegurança social e jurídica, quando não se consegue mais confiar nas pessoas e instituições – porque não se pode, ou porque não se deve, ou porque não se quer.

Chega-se ao limite extremo de não se sentir confiança no agente público [60], na polícia e na própria Justiça. É a falência geral da credibilidade na Administração Pública como um todo. É o indivíduo com receio de procurar a polícia, temeroso por ser achacado ou chantageado por um policial corrupto; é o eleitor que vê o candidato que elegeu votar contrário à sua plataforma de campanha e até mesmo a todas as medidas do interesse da comunidade; é o judiciário moroso, crivado de denúncias de vendas de sentenças e repleto de decisões desfundamentadas ou alicerçadas em contorcionismos jurídicos.

Por sua vez, no âmbito da Administração Pública outros são os fatores apontados [61]:

-Políticas governamentais ineficazes;

-Fragilidade dos controles;

-Ausência de desenvolvimento e valorização funcional; e

-Instabilidade e descontinuidade gerencial.

Não resta dúvida que políticas governamentais ineficazes vêm a ser um fator que tem grande peso no favorecimento da corrupção, pois que a Administração somente conseguirá agir com eficiência e obter bons resultados se estiver dotada de políticas governamentais capazes de lhe conferir eficiência e eficácia.

A eficiência necessária e possível nas políticas governamentais depende em grande parte apenas da boa vontade dos agentes políticos na aplicação das políticas já existentes, quando bastaria que lhes fosse imprimida maior celeridade para se obter otimização e maior economia dos gastos públicos e, ainda, uma maior satisfação das necessidades da sociedade.

No entanto, sempre será possível experimentar a introdução de novas medidas e soluções mais eficientes, de forma a possibilitar que as atuais políticas governamentais já desgastadas sejam revigoradas e passem a produzir os efeitos esperados, prevenindo e controlando a corrupção.

Somente assim, com a eficácia das políticas governamentais, através da efetiva prevenção da corrupção, se conseguirá neutralizar a fragilidade dos controles ora existentes.

Tal e qual se diz das leis – tomando como referência a máxima de que as leis existem, o que falta é que sejam aplicadas –, por certo que também existem os controles; o que ainda necessita existir é que estes deixem de ser frágeis e tornem-se mais rigorosos e menos vulneráveis. Quando muito, que algumas poucas inovações sejam introduzidas, de forma a tornar-lhes mais eficientes e melhores sejam os resultados a serem percebidos pela sociedade.

E, antes mesmo dessas inovações, convém seja suprida a ausência de desenvolvimento e valorização funcional, tendo em vista que a Administração Pública é uma grande e pesada máquina acionada por milhares de engrenagens que, se não mantidas adequadamente, farão travar todo o mecanismo.

Se a Administração se assemelha a uma grande máquina, os agentes políticos, servidores públicos e servidores equiparados equivalem às engrenagens dessa máquina. E, tal e qual um motor que com uma única peça danificada compromete todo o seu funcionamento, não será diferente com a Administração Pública que, com um único servidor destoando do ritmo e do modo de agir dos outros será capaz de prejudicar todos os demais órgãos.

É preciso investir na manutenção, atualização, desenvolvimento e valorização funcional, pois será respeitando-os que se espera que passem a respeitar a si próprios, como agentes políticos, servidores públicos, servidores equiparados, cidadãos, indivíduos, seres sociais de uma mesma e única sociedade.

O respeito deles para com a sociedade apenas existirá se, primeiro, souberem respeitar a si mesmos; somente então é que a sociedade saberá respeitá-los, por demonstrarem merecer respeito. E decerto que não será colando nos quadros de avisos, paredes e balcões dos cartórios e secretarias cartazes com a transcrição do art. 331 do Código Penal [62] que esse servidor conseguirá se fazer respeitar.

Nunca é demais lembrar que um todo somente será inteiro se completadas todas as partes. Existindo a fragmentação do todo em pequenos pedaços, existirá uma estrutura frágil. E, uma vez notando-se a ausência de uma única peça, perceber-se-á a impossibilidade do perfeito funcionamento da estrutura inteira. E isso não será diferente com a Administração Pública, quando a instabilidade e a descontinuidade gerencial comprometem o perfeito funcionamento de toda a Administração.

Ocorre com a Administração a mesma falta de sincronia que se percebe em uma máquina quando troca-se uma das engrenagens por outra, sem que a nova seja devidamente ajustada ao ritmo das demais.

É fácil imaginar o cenário avassalador representado pela ausência de sincronia que é vivenciado nos mais diversos órgãos da Administração, no início de cada nova gestão. Depois da exoneração de todos os que ocupavam cargos nomeados e após a nomeação da nova equipe, será colossal a dificuldade dos recém nomeados designados a atuar ao lado dos servidores estáveis – que, justamente em razão da sua estabilidade, serão os únicos remanescentes não apenas da gestão anterior, mas de todas as anteriores e que se seguirão.

Essa descontinuidade gera instabilidade na gestão da coisa pública, pois haverá um terreno fértil para a falta de comprometimento, para a falta de interesse, em razão da consciência na impossibilidade da continuidade.

5.3. ÉTICA E INTEGRIDADE PÚBLICA

Ética vem a ser uma expressão que cada vez mais tem sido conclamada e erguida como um estandarte pelos que querem que seus efeitos sejam sentidos. Tão importante vem a ser a sua observância que, ainda que em tese seja inata ao indivíduo, a ética consta devidamente relacionada no rol dos deveres atribuídos aos servidores, que nos são apresentados por HELY LOPES MEIRELLES [63]:

Deveres - Os regimes jurídicos modernos impõem uma série de deveres aos servidores públicos como requisitos para o bom desempenho de seus encargos e regular funcionamento dos serviços públicos. (...) Dentre esses deveres salientam-se, por sua constância na legislação dos povos cultos, o de lealdade à Administração, e o de obediência às ordens superiores e, agora, o de conduta ética.

Em seguida, o autor trata especificamente do dever de conduta ética [64]:

O dever de conduta ética decorre do princípio constitucional da moralidade administrativa e impõe ao servidor público a obrigação de jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. De acordo com o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil Federal (Dec. 1.171, de 22.6.94), "a dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público". O dever de honestidade está incluído na conduta ética.

Afinal, o que vem a ser ética? No conceito trazido por DEOCLECIANO TORRIERI GUIMARÃES tem-se que são "normas e princípios que dizem respeito ao comportamento do indivíduo no grupo social a que pertence" [65].

Complementando esse conceito de ética, agrega-se ainda o de ética profissional que, conforme o mesmo autor consiste em uma "reunião de normas de procedimento comportamental no exercício de uma profissão" [66].

A título de exemplo, associando-se ética e responsabilidade, é sabido que se um advogado perde um prazo processual ou se não utiliza o instrumento processual cabível poderia vir a ser denunciado pelo cliente junto ao Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB e, cumulativamente – em uma situação extrema –, ainda ser levado pelo cliente às vias judiciais, em razão dos danos alegados e eventualmente sofridos.

Não muito diferente será o rigor dos demais Conselhos de classe, quando verificada a ocorrência do crime de responsabilidade do profissional, independente de ser este um engenheiro, médico, químico, jornalista, farmacêutico etc.

Isto porque os Conselhos de classe dos profissionais que disponibilizam seus serviços à sociedade, quer sejam estes autônomos ou não, são pautados em rígidos conceitos éticos e, ainda, têm fiscalizadas suas observâncias pelos respectivos Conselhos.

Os Conselhos, por sua vez, estão atentos quer aos veículos de comunicação que divulgam matérias sem qualquer base factual, forjadas unicamente para produzir e/ou estimular o aumento da audiência dos seus programas ou a maior vendagem daquela edição; como também aos laboratórios farmacêuticos que coloquem no mercado produtos ineficazes aos fins a que se propõem (os placebos), porque não têm em sua fórmula a adição das substâncias necessárias a viabilizar o resultado que se espera; ou ao engenheiro que assine como responsável por obras que desabem, ferindo ou matando pessoas e lesando seus patrimônios; ou, ainda, um médico que faça cirurgias plásticas em pacientes, deformando-os, justamente porque não providenciou alcançar a necessária especialização médica antes de lançar-se como cirurgião plástico habilitado e reconhecido pelo seu Conselho profissional.

Em regra, aquele profissional que vier a ser sancionado pelo seu respectivo Conselho de classe poderá ver-se momentaneamente impedido do exercício profissional e, em alguns casos, terá definitivamente cassado o seu direito de exercer a sua profissão. Muitas vezes, a sanção administrativa vem seguida de condenação civil e, em não raros casos, também penal.

Porém, esse quadro não é comum de se verificar na esfera pública, quando o servidor ou agente público eventualmente sancionado administrativamente com a perda daquele cargo em específico, investido no qual incorreu no crime de corrupção, muitas vezes é rapidamente conduzido aos quadros de qualquer outro órgão da Administração Pública, ainda que em outra esfera ou outro Poder. Isto porque, não raro, os inquéritos administrativos são arquivados por falta de provas.

É uma pseudo-punição àquele servidor ou agente que apenas perdeu aquela função, aquele cargo no qual incorreu no ilícito de envolver-se em ato corrupto. Na verdade, com o afastamento daquele servidor, busca-se tão somente um esfriamento do caso, pois não ver o servidor pode se traduzir na proeza de fazer parecer que, de fato, houve uma providência da Administração para aquela situação.

Punição existiria se, efetivamente, fosse aquele indivíduo banido definitivamente dos quadros da Administração Pública, qualquer que fosse o Poder ou a esfera; federal, estadual ou municipal.

Contrariando ao que a sociedade entende ser o correto – e, de fato, vem a ser o eticamente adequado – é muito comum que a perda de função daquele servidor alvo de processo administrativo, por denúncia de corrupção, seja apenas uma encenação para prestar contas à sociedade.

Comumente o que se vê é um mero "faz-de-contas" para cumprir um protocolo administrativo, apesar das evidências do crime de corrupção ser em geral tão explícitas que não se consegue entender como se encontra meios de mitigar o caso com contorcionismos jurídicos objetivando absolver o servidor do seu crime.

Situações assim vão de encontro não só aos deveres éticos, mas golpeia ainda a integridade pública, esta jamais pensada de outra forma senão, invariavelmente, a de adotar posicionamento pautado na imparcialidade das análises e decisões administrativas – esta, aliás, é a única postura ética que se espera.

Ter ciência de que um servidor corrupto retorna aos quadros da Administração Pública, como se nada lhe alcançasse, traz ao indivíduo comum cumpridor de suas obrigações, direitos e responsabilidades uma incômoda sensação de que existiria não apenas a impunidade do servidor, frente aos seus atos corruptos flagrados, denunciados e processados administrativamente. O que se sente é que existiria uma inalcançabilidade. Porém, em absoluto o corrupto haveria de ser destinatário legalmente beneficiário dessa imunidade.

Aliás, no nosso país, absolutamente ninguém está legalmente imunizado, isento para gozar deste nível de imunidade; nem mesmo os parlamentares, invioláveis que são por suas opiniões, palavras e votos [67], por força do dispositivo constitucional da imunidade parlamentar – esta, não na forma desvirtuada ao longo dos séculos, estando restrita tão somente aos parlamentares, em decorrência da atividade parlamentar [68].

5.3.1. Nesse ritmo, quem triunfará: o desânimo, sobre a virtude; ou a vergonha, sobre a ética e a integridade pública?

Ainda sobre a ética e a integridade pública, recorre-se à história para documentar bom exemplo de base moral e de probidade administrativa que, dada sua relevância, pede-se venia para transcrever in litteris documento de destaque para a história política e ética do nosso país, não apenas por referir-se às palavras proferidas por um dos maiores juristas brasileiros, mas principalmente pela mensagem ali consignada.

Refere-se ao inigualável Jurista RUY BARBOSA DE OLIVEIRA e ao seu discurso proferido diante do Senado Federal em 17 de dezembro de 1914 [69]:

Sinto vergonha de mim por ter sido educador de parte desse povo, por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade, por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente, a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência com a família, célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação com o "eu" feliz a qualquer custo, buscando a tal "felicidade" em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar meu verbo, a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido, a tantos "floreios" para justificar atos criminosos, a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre "contestar", voltar atrás e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredando por caminhos que não quero percorrer.

Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra, das minhas desilusões e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir pois amo este meu chão, vibro ao ouvir meu Hino e jamais usei a minha Bandeira para enxugar o meu suor ou enrolar meu corpo na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro!

A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação. A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais.

A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.

Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime, o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas.

Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade.

A despeito da preciosidade de todo esse discurso do Senador Ruy Barbosa, faz-se mister destacar e comentar alguns pequenos trechos, dada sua especial relevância, pelo que se seleciona de logo este primeiro [70]:

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.

Após saber que até mesmo Ruy Barbosa, no distante ano de 1914, experimentou algo próximo ao que sente o indivíduo comum nos dias atuais, de fato intriga saber quem triunfará, nesse ritmo em que vão as coisas: o desânimo, sobre a virtude; ou a vergonha, sobre a ética e a integridade pública?

Entretanto, se o grande Ruy Barbosa, ainda que no auge da sua indignação e vergonha com o contexto que descreveu foi triunfante ao perseverar perante as nulidades; o agigantamento da honradez do homem; o orgulho, valorização e respeito por fazer-se justiça; e a retomada do poder das mãos dos ímprobos; não seria agora, ante todos os meios de prevenção e controles existentes, que haveria de se desistir e ceder espaço para que triunfe o desânimo e a vergonha.

A ética e a integridade publica haverão de sobrepujar o desânimo e a vergonha. Não se pode sequer admitir situação, ainda que hipotética, onde o desânimo se sobreponha à virtude de persistir na preservação dos valores que ainda mantém no homem comum o orgulho por ser ético, probo, honrado.

E há ainda outro pequeno trecho do discurso de Ruy Barbosa que merece destaque especial, que vem a ser aquele onde o Jurista, comparando o então recente regime Republicano com o anterior, Monárquico, ressalta que "no outro regime, o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas" [71].

É evidente que ao ver-se convivendo, no ambiente jurídico e parlamentar, àquela época, com indivíduos com "certa nódoa em sua vida" [72] já causava perplexidade a Ruy Barbosa, imagine-se quão indignado estaria o Jurista se, nos dias atuais – a despeito de toda a estrutura de controles interno e externo ainda inexistentes no início da República –, se apercebesse que não poderia contar com aquela "(...) sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade" [73]. Difícil imaginar sua reação.

Em contrapartida, ao contrário do que ocorre nos dias atuais e a despeito de toda a estrutura existente para que sejam operacionalizados os meios de controle interno de cada um dos órgãos da Administração Pública e, preventivamente, sejam adotadas medidas diversas para afastar a proliferação dos fatores de favorecimento da corrupção, imagina-se que Ruy Barbosa teria motivos efetivos para "desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto" [74], quando se desse por conta que, atualmente, ainda que para um servidor comprovadamente corrupto, "as carreiras políticas [não] lhe estavam fechadas" [75].

No Brasil, para o servidor demitido é assegurado o direito a nova investidura em cargo público, no máximo em cinco anos [76], mesmo depois de denunciado, investigado e processado administrativamente e, ao final, publicada a demissão, desde que não tenha sido "demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI", conforme parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90 [77]; ou que – o que mais comumente se verifica – seja o processo arquivado por insuficiência de provas, ainda que seja notória a constatação da prática do ato de corrupção.

5.3.2. Exemplos positivos e negativos

No ritmo com que se sucedem os fatos, cada vez mais incontáveis serão os registros de situações efetivamente ocorridas, capazes de ilustrar o presente trabalho.

No entanto, adota-se a excelente linha de pesquisa já trilhada por ANDRÉ LAHÓZ e MARCELO ONAGA e publicada em 2005 na REVISTA EXAME [78] para apresentar a seguir dois exemplos marcantes. Há motivos especiais para adotar tais exemplos.

O primeiro exemplo, negativo, serve para ilustrar o grau de deterioração da integridade pública. O segundo, um exemplo positivo sobre perseverança e preservação da ética – ainda que esta tenha despontado não de um servidor, um agente público, mas sim da iniciativa privada.

5.3.2.1. Exemplo negativo do grau de deterioração da integridade pública

Decerto que o exemplo que se segue não foi selecionado ao acaso. Há um motivo especial para trazê-lo ao presente estudo: já se conhece seu deslinde.

Ocorre que em 2005, quando a matéria foi publicada na REVISTA EXAME [79], por si só, esse exemplo já despontava como merecedor de ser destacado e considerado um arquétipo do que não deveria ocorrer na Administração Pública.

Segue abaixo o exemplo, na narrativa de ANDRÉ LAHÓZ e MARCELO ONAGA [80]:

Contam-se às dezenas os episódios relacionados à corrupção que evidenciam o efeito devastador da ilegalidade no mundo dos negócios. Tome-se o exemplo da multinacional Actelion, do setor farmacêutico. A companhia aguarda desde 2003 a liberação oficial para a venda do Tracler, um remédio contra hipertensão pulmonar. No dia 30 de agosto de 2004, a empresa foi surpreendida pela visita de uma pessoa que se identificou como "Márcio, do Ministério da Saúde", portador de uma proposta para acelerar a solução do caso. Segundo ele, tirar o processo dos escaninhos do Ministério da Saúde seria simples, mas não sairia de graça. A Actelion resolveu denunciar o achaque. No início de setembro, executivos e advogados da empresa apresentaram a denúncia a funcionários do gabinete do então ministro Humberto Costa e, dois meses mais tarde, ao próprio ministro, numa audiência. Levaram cópia da identidade do achacador e até sua foto tirada na portaria do prédio. Ficou constatado que o tal Márcio era realmente funcionário do ministério. Humberto Costa expediu um ofício em 11 de novembro dando dez dias de prazo para que o processo voltasse a andar e mandou enviar a papelada à Polícia Federal. Nove meses depois do episódio, Costa já deixou o ministério, mas o medicamento não foi liberado e as investigações na PF ainda nem começaram.

Após tantos anos, em 26 de junho de 2008, o Ministério Público faz conhecido o deslinde do feito [81]:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

5ª Câmara de Coordenação e Revisão - Patrimônio Público e Social

Ata da 435ª Reunião

Sessão Extraordinária

Aos 26 dias do mês de junho de 2008, no Edifício-Sede da Procuradoria-Geral da República, reuniram-se os Membros da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, em sessão extraordinária presidida pelo Coordenador, Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão.

Presentes os Membros-Suplentes, Dr. Oswaldo José Barbosa Silva e Dra. Denise Vinci Túlio. O Coordenador iniciou a sessão às 15:15 horas e trouxe a julgamento os Procedimentos Administrativos da sua relatoria. Em seguida foram votados os PA´´s da relatoria do Dr. Oswaldo José Barbosa Silva e da Dra. Denise Vinci Túlio. Foram lidos e deliberados os comunicados abaixo.

As deliberações proferidas nos procedimentos administrativos constam no item "Exame de Procedimentos".

(...)

Procedimento: 1.16.000.000351/2007-80

Interessado: Sérgio Henrique Sampaio

Assunto: Suposto achaque sofrido pelo Presidente do Laboratório Actelion Pharmaceuticals do Brasil Ltda, fabricante do Tracleer, marca mundial da bosentana, o qual é necessário ao tratamento de hipertensão arterial pulmonar. O Presidente do referido laboratório teria recebido a visita de funcionário do Ministério da Saúde oferecendo acordo financeiro para que o medicamento acima descrito fosse incluído na lista de dispensa excepcional do governo.

Relator(a): Oswaldo José Barbosa Silva

Decisão: A Câmara, à unanimidade, decidiu pela homologação do arquivamento.

Depois de consumidos muitos esforços, recursos e de causar imensos transtornos – tanto por parte da Actelion, como também da Administração Pública – e, ainda, de privar as pessoas que poderiam ser beneficiadas com a liberação do medicamento que se propunha tratar sua hipertensão pulmonar, de forma surpreendente (curiosa), à unanimidade, entendeu-se que o "suposto achaque sofrido pelo Presidente do Laboratório Actelion" melhor fim teria com a seguinte decisão: "A Câmara, à unanimidade, decidiu pela homologação do arquivamento"[82].

Enfim, a investigação do suposto achaque não mereceu prosperar, fazendo com que aflore um suposto grau de deterioração da integridade pública.

5.3.2.2. Exemplo positivo de perseverança e preservação da ética

Para ilustrar ato de perseverança e preservação da ética, traz-se outro exemplo narrado por ANDRÉ LAHÓZ e MARCELO ONAGA [83], ocorrido à época em que o setor varejista procurava instalar o código de barras nos produtos:

Em maio de 1998, cinco executivos foram convidados a expor as vantagens do novo sistema – usado em todos os países desenvolvidos – a um alto funcionário do governo. Duas semanas depois, foram surpreendidos com um despacho administrativo obrigando as empresas a usar a etiquetagem antiga, feita manualmente unidade por unidade. Na época, os comerciantes, principalmente os das grandes redes de supermercados, reclamaram. Além do retrocesso tecnológico, a volta das etiquetas de preços representaria um custo adicional. "Aquilo era um absurdo, cheirava mal. Fomos contra desde o início", diz um dos executivos que participaram do encontro. A surpresa maior, contudo, ainda estava por vir. Cerca de dez dias depois da publicação da portaria, os executivos do varejo foram procurados por um representante de um escritório de advocacia de Alagoas. O advogado ofereceu "serviços" e disse que só cobraria se obtivesse um resultado favorável, prática conhecida como success fee. Logo em seguida, emendou: "É claro que teremos sucesso. Vendo facilidades depois que as dificuldades foram criadas por nossos parceiros". Pela facilidade em questão, pediu 15 milhões de reais. Após a negativa, o preço foi reajustado para 5 milhões de reais. Os executivos não aceitaram a proposta e decidiram entrar com liminares em cada estado do país para não ter de voltar a etiquetar seus produtos. A portaria só foi extinta em definitivo em outubro de 2004.

Tomando o exemplo acima como referência, arrisca-se acreditar que, se por um lado, a integridade pública expõe visíveis sinais de comprometimento; em contrapartida a ética acena com arrebatamentos de perseverança, ainda que tais sinais tenham sido captados no setor privado, ambiente externo à Administração Pública.

Que ao menos sirva de consolo saber ainda existirem os que ainda se preservam ao assédio, aos achaques dos agentes corruptos.

5.4. TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E CONTROLE SOCIAL

Se, por um lado, sem a existência da transparência o controle social não conseguiria ser feito de forma plena e, com isso, inconsistentes seriam os resultados das suas investigações; por outro lado, bem possivelmente, as informações disponibilizadas (tornadas transparentes) das ações da Administração Pública poderiam se apresentar incompletas, se inexistisse um controle social efetivo.

Ainda que sejam conceitos que estejam intrinsecamente relacionados à organização do homem em sociedade e ao surgimento do Estado, a transparência e o controle social têm suas previsões normatizadas desde 1789, com a DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, em especial através dos incisos XIV e XV [84]:

XIV - Os cidadãos têm o direito de constatar, por si mesmos ou por seus representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente e de vigiar seu emprego, de determinar sua quota, lançamento, recuperação e duração.

XV - A sociedade tem o direito de pedir contas de sua administração a todos os agentes do poder público.

(os grifos não estão no original)

Para melhor entender, vale destacar os conceitos. Primeiro, busca-se apresentar o da transparência, na linguagem clara do MANUAL CONTRA CORRUPÇÃO, do Governo do Estado de Minas Gerais [85]: "É quando sabemos onde, como e por que o dinheiro está sendo gasto. É quando as coisas são feitas às claras, sem mistérios".

Contudo, para que essa transparência seja viabilizada, faz-se necessário que os atos administrativos sejam divulgados, o que se dá pautado em um dos princípios administrativos, o da publicidade [86] que, na lição de HELY LOPES MEIRELES "é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos" [87]. Logo em seguida, o autor arremata que "a publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade" [88] e diz também que [89]:

A publicidade, como princípio da administração pública (...) abrange toda atuação estatal, não só o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também (...) os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes.

A transparência e o controle social têm previsão legal também na LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL, conforme art. 48, caput e parágrafo único e art. 49 [90]:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.

Se já parece satisfatória a demonstração das bases legais e dos conceitos de transparência e controle social, não menos evidente fica o direito que tem o cidadão de ter acesso para poder fiscalizar, de forma permanente, a correta aplicação dos recursos públicos.

5.5. CONFLITO DE INTERESSES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

Ainda em 1789, quando da elaboração da DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, já se procurava delimitar os interesses privados, preservando-se o interesse comum, conforme consta dos seus incisos IV e XII [91]:

IV - A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique a outrem. Assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos; seus limites não podem ser determinados senão pela lei.

(...)

XII - A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; essa força é então instituída para vantagem de todos e não para a utilidade particular daqueles a quem ela for confiada.

Será sobre a preservação do interesse do indivíduo, do cidadão, do ser social, que esse estudo irá se deter um pouco mais, neste capítulo. Porém, restará evidenciado que, ainda que preservados, os direitos dos interesses privados estarão delimitados pelos direitos dos interesses da coletividade; pelo interesse público.

5.5.1. Interesse privado ou supremacia do interesse público?

No início do século passado, precisamente em 1909, é publicada uma obra que, ao longo de décadas, traduções e das muitas edições, consagrou-se como um marco da teoria geral da política, pois seu texto tratou de oferecer abordagem – ousada, à época; respeitada, nos dias atuais – sobre as instituições Estado, Governo e Sociedade e de onde se extrai o seguinte [92]:

Os dois termos de uma dicotomia podem ser definidos um independentemente do outro, ou então apenas um deles é definido e o outro ganha uma definição negativa (a "paz" como "não-guerra"). Neste segundo caso diz-se que o primeiro é o termo forte, o segundo o termo fraco. A definição de direito público e de direito privado acima mencionada é o exemplo do primeiro caso, mas dos dois termos o mais forte é o primeiro, na medida em que ocorre freqüentemente de "privado" ser definido como "não-público" (...), raramente o contrário. Além do mais, pode-se dizer que os dois termos de uma dicotomia condicionam-se reciprocamente, no sentido de que se reclamam continuamente um ao outro (...); o interesse público determina-se imediatamente em relação e em contraste com o interesse privado e vice-versa.

NORBERTO BOBBIO prossegue enfatizando que os interesses "se delimitam reciprocamente, no sentido de que a esfera do público chega até onde começa a esfera do privado e vice-versa" [93] e conclui com a seguinte assertiva: "De fato, a originária diferenciação entre o direito público e o privado é acompanhada pela afirmação da supremacia do primeiro sobre o segundo" [94].

HELY LOPES MEIRELES concorda e também é enfático: "A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral" [95].

Lembra ainda esse notável jusadministrativista que da primazia do interesse público sobre o privado "decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela" [96].

Com esta observação, HELY LOPES MEIRELLES sintetiza o âmago da questão, pois é certo que nem a Administração pode dispor de direitos que não lhe pertencem (que são os interesses gerais, coletivos); nem pode renunciar a poderes aos quais legalmente está obrigada a exercê-los (p.ex., o de intensificar ações para prevenir a corrupção, tornar eficiente e efetivo o controle interno, processar e sancionar os corruptos).

Tem-se que, estando a Administração Pública legalmente compelida a prevenir, controlar e combater a corrupção, com todos os meios e recursos de que dispõe – inclusive sancionando aos infratores e, ainda, estimulando a implementação de novas formas de assegurar maior eficiência dos métodos preventivos e de controle ora existentes –, deverá então exercitar com maior ênfase esse poder que lhe é indisponível.

Somente exercendo plenamente os poderes e deveres que lhe cabem, a Administração Pública conseguirá proteger os interesses individuais dos cidadãos e fará prevalecer a supremacia do interesse público.

Mas é de se ressaltar que isto difere, em muito, do objetivo do corrupto, pois que há uma sutil, porém importante diferença entre (a) proteger os interesses individuais; e, de outro lado, (b) proteger o interesse particular do servidor, do agente público corrupto.

Isso porque os direitos individuais que a Administração Pública tem o dever de proteger são os dos cidadãos, das pessoas físicas e jurídicas que, reunidas em sociedade, passam a ter direitos coletivos e um objetivo comum: ver preservada a supremacia do interesse público sobre o interesse particular do corrupto.

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Sobre a autora
Sandra Reis da Silva

Advogada em Salvador/BA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Sandra Reis. Prevenção da corrupção.: Tornar mais eficiente a prevenção da corrupção através da facilitação da denúncia e do cumprimento dos prazos processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1997, 19 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12094. Acesso em: 28 dez. 2024.

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